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Já vimos que o idealismo subjetivo é o ponto de partida e o postulado fundamental da filosofia empiro-criticista. O mundo é nossa sensação tal é esse postulado fundamental, que se tem procurado atenuar, sem nele nada poder mudar, por meio de palavras tais como “elemento” e teorias como as da “série independente”, da “coordenação” ou da “introjeção”. O absurdo dessa filosofia é que conduz ao solipsismo, é que leva a reconhecer apenas a existência do individuo que filosofa. Mas nossos discípulos russos de Mach afirmam ao leitor que “a acusação de idealismo e mesmo de solipsismo” feita contra Mach é produto de um “subjetivismo extremo”. É o que Bogdanov diz em seu Prefácio à Analise das sensações, p. XI, e o que, depois dele, repetem em todos os tons toda a confraria de Mach.
Depois de termos examinado os anteparos sob os quais Mach e Avenarius se ocultam, para se subtrair ao solipsismo somos obrigados a acrescentar: o “subjetivismo extremo” das asserções é inteiramente o fato de Bogdanov & Cia., os escritores filosóficos das mais diferentes escolas, terem descoberto, já há muito tempo, com todos os seus disfarces, o pecado da doutrina de Mach. Limitemo-nos a enumerar as opiniões que demonstram suficientemente o “subjetivismo” da ignorância dos nossos discípulos de Mach. Observemos também que os filosofos profissionais simpatizam quase todos com as diversas variedades do idealismo: o idealismo não é, para seus olhos, como é, para nós, marxistas, um mal; mas, verificando que, na realidade, tal é a corrente filosófica de Mach, opõem a um sistema idealista outro sistema não menos idealista que lhes pareça mais logico.
Oskar Ewald escreve em seu livro dedicado à analise da doutrina de Avenarius:
o “criador do empiro-criticismo” se condena, volens nolens, ao solipsismo (1. c., pp. 61-62).
Hans Kleinpeter, discípulo de Mach, que, em seu Prefácio a Erkenntnis und Irrtum, frisa particularmente a solidariedade que lhe deve, diz:
“Mach proporciona-nos precisamente um exemplo da compatibilidade do idealismo gnoseológico com as exigências das ciências naturais” (tudo é “compatível” com tudo, para os ecléticos!), “exemplo que demonstra que essas ultimas podem muito bem ter o solipsismo por ponto de partida, sem a ele se limitar” (archiv für systematische Philosophie, t. VI, 1900, p. 87).
E. Lucka, a proposito da Analise das sensações, de Mach, escreve:
“Abstração feita desse mal-entendido (Missverständnis), Mach coloca-se no terreno do idealismo puro... Não se chega a compreender por que Mach se defende de ser discípulo de Berkeley " (Kant-Studien, t. VIII, 1903, pp. 416-417).
W. Jerusalém, kantista dos mais reacionários, com quem Mach se solidariza no mesmo Prefácio (“mais próximo parentesco de ideias” — em que ele antes não acreditava; p. X do prefácio a Erkenntnis und Irrtum, 1906):
“O fenomenalismo consequente conduz ao solipsismo” (também é preciso tomar qualquer coisa a Kant! Ver Der kritische Idealismus und die reine Logik, 1905, p. 26).
“A alternativa é, para os imanentes e os empiro-criticistas: ou o solipismo ou a metafísica à Fichte, Schelling ou Hegel” (Über die Lehre Humes von der Realität der Aussendinge 1904, p. 68).
O físico inglês Oliver Lodge, na obra em que ataca fortemente o materialista Haeckel, menciona ocasionalmente, como bem conhecidos,
“os solipsistas tais como Mach e Pearson” (Sir Oliver Lodge, A vida e a matéria, 1907, p. 15).
A revista Nature, órgão dos naturalistas ingleses, exprimiu, por intermédio do geômetra E. T. Dickson, opinião bem definida sobre o discípulo de Mach, Pearson, opinião que vale a pena ser citada, não por sua novidade, mas porque os partidários russos de Mach tomaram ingenuamente a confusão de Mach pela “filosofia do naturalismo” (Bogdanov, pp. XII e outras do Prefácio à Analise das sensações).
“Todo o livro de Pearson — escreve Dickson — se baseia na tese de que nada podemos conhecer diretamente, independentemente das nossas impressões dos sentidos (sense impressions), não passando as coisas de que falamos habitualmente como coisas objetivas ou exteriores de grupos de impressões dos sentidos. O professor Pearson, admite, portanto, a existência de outras consciências além da sua, não somente de maneira tácita, dedicando-lhes o livro, mas ainda de maneira direta, através de passagens desse mesmo livro”. (Da observação dos movimentos dos corpos dos outros homens, Pearson conclui, por analogia, a existência da consciência de outrem, e, uma vez que existe a consciência de outrem, existe igualmente a de outros homens além de mim). “Certamente, não poderíamos refutar, desse modo, o idealista consequente que afirmaria a irrealidade, a existência tão só na imaginação, tanto das consciências de outras pessoas como dos objetos exteriores: mas admitir a realidade das consciências das outras pessoas é admitir a realidade dos meios graças aos quais concluímos a existência dessas consciências, isto é, a realidade do aspecto exterior dos corpos humanos”.
A única saída desse impasse é a “hipótese” de que uma realidade objetiva, exterior a nós, corresponde às nossas impressões dos sentidos. Essa hipótese proporciona-nos uma explicação satisfatória de nossas impressões dos sentidos.
“Não posso duvidar seriamente de que o professor Pearson o admita, como todo o mundo. Mas se ele fosse reconhecê-lo de modo categórico, seria obrigado a escrever novamente quase todas as páginas da sua The Grammar of Science”(1).
A filosofia idealista admirada por Mach não significa, para os naturalistas, mais do que o ridículo.
Citemos, finalmente, a apreciação do físico alemão L. Boltzmann. Os discípulos de Mach dirão, talvez, e como já o disse Friedrich Adler, que esse físico pertence à velha escola. Trata-se, porém, não das teorias da física, mas de uma questão capital da filosofia. Boltzmann escreveu contra as pessoas “seduzidas pelos novos dogmas gnoseológicos”:
“A falta de confiança nas noções que não podemos deduzir unicamente das percepções diretas dos sentidos levou a um extremo diametralmente oposto ao da antiga fé ingênua. Diz-se: existem apenas as percepções dos sentidos e não temos o direito de dar um passo a mais. Mas se os que usam essa linguagem fossem consequentes, deveriam formular a pergunta que logo se impõe: nossas próprias percepções dos sentidos de ontem também nos são atribuídas? Nada nos é mais proporcionado do que a percepção dos sentidos ou apenas o pensamento, precisamente o pensamento que temos no momento determinado. Também ser-lhes-ia necessário, para serem consequentes, negar não somente a existência de toda a humanidade, com exceção de seu próprio eu mas também a existência de todas as ideias passadas".(2)
Esse físico trata, acertadamente, o “novo” ponto de vista “fenomenológico” de Mach & Cia. como um velho absurdo produzido, em filosofia, pelo idealismo subjetivo.
E a cegueira “subjetiva” é o resultado dos que “não observaram” o solipsismo, erro capital de Mach.
Notas de rodapé:
(1) Nature, 1892, 21 de Julho, págs. 268-269. — N. L. (retornar ao texto)
(2) Ludwig Boltzmann, Populäre Schriften (Escritos populares), Leipzig, 1905, pág. 132. Consultar págs. 168, 177, 187, etc. — N. L. (retornar ao texto)
Inclusão | 05/04/2014 |