Acima, formulados a questão que segue: porque e de que forma a análise teórica (análise dos fatos através de uma crítica das categorias) procedendo dos resultados do processo histórico, pode em si mesmo produzir uma expressão essencialmente histórica (embora lógica em forma) da realidade, mesmo onde a história real (empírica) que leva a esses resultados não é diretamente estudada em detalhes.
A resposta a essa questão só pode ser obtida através da consideração das leis dialéticas reais que governam qualquer desenvolvimento real na natureza, sociedade e no próprio conhecimento, no pensamento. Se, ao estudar os resultados de certo processo histórico, descobrimos a história de seu surgimento e o desenvolvimento suprassumido a eles, se podemos, procedendo dos resultados da história, reconstruir teoricamente o esboço geral de seu surgimento, essa possibilidade é baseada, em primeiro lugar, no fato de que o resultado objetivo do desenvolvimento preserva em si mesmo sua própria história em uma forma transformada, suprassumida.
Aqui mais uma vez, um problema lógico é transformado em um problema de correlação regida por lei entre o desenvolvimento histórico e seus próprios resultados. Como observamos acima, os momentos realmente universais e necessários caracterizando o objeto como um todo histórico concreto são preservados nele ao longo de sua existência e desenvolvimento, constituindo a lei de seu desenvolvimento histórico concreto.
O problema, então, é encontrar em que molde e forma as condições históricas do surgimento e desenvolvimento do objeto são preservados em estágios superiores de seu desenvolvimento. Aqui confrontamos o fato da relação dialética entre as condições historicamente precedentes do surgimento do objeto e suas consequências posteriores que se desenvolveram sobre essa base.
A dialética dessa relação consiste em um tipo de inversão do historicamente procedente no subsequente e vice-versa, a transformação da condição em condicionado, do efeito em causa, do complexo em elementar etc.
Devido a essa dialética objetiva, uma situação surge que parece ser paradoxal à primeira vista: uma apresentação lógica das leis do processo histórico (uma concepção dos fatos que é lógica em forma e histórica concreta em essência) é um contrário do retrato que parece ser natural e correspondente à ordem empiricamente afirmada do desenvolvimento do objeto.
Para entender essa dialética, o seguinte fato deveria ser levado em conta. Qualquer processo real do desenvolvimento concreto (na natureza, sociedade ou consciência) nunca começa a partir do zero ou no éter da pura razão, mas com base em premissas e condições criadas por processos diferentes sujeitos a leis diferentes, e, em última análise, por todo o desenvolvimento anterior do universo.
Assim, o homem começa sua história específica com base em premissas e condições criadas antes dele e independentemente dele pela natureza. O surgimento da vida (um desenvolvimento especificamente biológico) implica combinações químicas muito complexas formadas independentemente da vida. Qualquer forma qualitativamente nova de desenvolvimento surge dentro do contexto de circunstâncias surgindo independentemente dela e, além disso, todo seu desenvolvimento subsequente ocorre dentro do mesmo contexto, uma interação muito complexa com essas circunstâncias. Isso está claro. Mas então nos deparamos com uma dificuldade – a natureza dialética de relações entre formas inferiores e superiores de desenvolvimento, e mudanças objetivas do papel delas nesta relação.
A questão é que o resultado historicamente posterior surgindo de todo o desenvolvimento anterior não permanece meramente um resultado passivo, meramente uma consequência. Cada nova forma recém-surgida (superior) de interação se torna um novo princípio universal dominando todas as formas historicamente anteriores, transformando-as em formas externas secundárias de seu desenvolvimento específico, em “órgãos de seu corpo”, como Marx colocou em conexão com um exemplo deste tipo. Elas começam a se mover de acordo com leis características do novo sistema de interação nas quais elas agora funcionam.
O sistema novo e superior (historicamente posterior) de interação concreta começa a preservar e ativamente reproduzi, por seu próprio movimento, todas as condições realmente necessárias de seu movimento. Gera, por assim dizer, a partir de si mesmo tudo que foi criado originalmente pelo desenvolvimento anterior e não por si mesmo.
Neste caso, também, o desenvolvimento toma a forma tipo espiral que analisamos na primeira parte do trabalho como o atributo mais característico de interação interna, de concreticidade no sentido genuíno do conceito.
A condição necessariamente assumida do surgimento histórico do objeto se torna, neste caso, a consequência necessariamente afirmada de seu desenvolvimento específico.
Nesta forma, as condições historicamente necessárias do surgimento do objeto são preservadas em sua estrutura ao longo de seu desenvolvimento, seu movimento específico. Todos esses momentos que, embora presentes no nascimento da nova forma de desenvolvimento, não eram absolutamente condições necessárias desse nascimento, não são, em última análise, preservadas ou reproduzidas. Essas formas não são observadas nos estágios superiores de desenvolvimento do objeto – elas desaparecem ao longo do amadurecimento histórico, perdendo-se na escuridão do passado.
Por essa razão, uma consideração lógica do estágio superior de desenvolvimento de um objeto, de um sistema já desenvolvido de interação, revela um retrato no qual todas as condições realmente necessárias de seu surgimento e evolução são retidas e todas as condições mais ou menos acidentais, condições puramente históricas de seu surgimento, estão ausentes.
A análise lógica não tem, portanto, que libertar, da forma puramente histórica e a partir da forma histórica, a apresentação daquelas condições realmente universais e absolutamente necessárias sob as quais o sistema determinado de interação pode somente surgir e, tendo surgido, pode continuar a existir, e se desenvolver. O próprio processo histórico realiza o trabalho dessa purificação, ao invés de e antes do teórico.
Em outras palavras, o próprio processo histórico objetivo executa a abstração que retém somente os momentos universais concretos de desenvolvimento livres da forma histórica dependente das ocorrências de circunstâncias mais ou menos acidentais.
O estabelecimento teórico de tais momentos resulta em abstrações históricas concretas. Esse foi o princípio pelo qual Marx foi confidentemente guiado na análise das categorias da economia política.
Força de trabalho enquanto tal, como habilidade para trabalhar em geral, é uma das premissas históricas da origem do capital, da mesma maneira que terra, ar e depósitos minerais. Dessa forma, permanece uma mera premissa do surgimento do capital sem ser, ao mesmo tempo, sua consequência ou produto. Por outro lado, o capital ativamente reproduz (engendra como seu produto) força de trabalho como mercadoria, isto é, como a forma histórica concreta na qual a força de trabalho funciona na capacidade de um elemento do capital.
A mesma coisa ocorre com mercadorias, dinheiro, lucro comercial, renda etc.: dessa forma, eles pertencem às premissas “antediluvianas” do desenvolvimento capitalista, às suas condições “pré-históricas”. Como formas históricas concreta do ser do capital, refletindo no movimento delas a história específica do capital, elas são produtos do próprio capital.
Como resultado, todas as condições realmente necessárias para o surgimento do capital são observadas sobre a superfície do capital desenvolvido, como suas formas secundárias, e elas são observadas em uma forma que é livre de seu tegumento histórico. Reproduzindo-as como seu produto, o capital apaga todos os vestígios da imagem histórica original delas. Simultaneamente, a análise lógica provê indicações para a investigação histórica, também. Em suas condições, guia o historiador em direção à busca pelas condições e premissas realmente necessárias do surgimento de certo processo, provendo um critério para distinguir entre o essencial e o meramente impressionante, o necessário e o puramente acidental etc.
A dialética descrita aqui não ocorre, naturalmente, no caso do capital somente. É uma lei universal.
A mesma coisa pode ser observada, por exemplo, na formação da forma biológica do movimento da matéria. Originalmente, o corpo elementarmente de proteína surge independentemente de quaisquer processos biológicos, simplesmente como um produto químico, e um produto bastante instável.
Mesmo hoje não conhecemos com precisão suficiente de que forma e sob quais condições concretas essa formação elementarmente biológica surgiu. A química não pode ainda criar um corpo de proteína vivo artificialmente, não pode criar condições nas quais tal corpo necessariamente surgiria. Isso significa que a química ainda não conhece quais eram essas condições.
O que é confiavelmente conhecido e objetivamente estabelecido, é o fato de que dentro de um organismo biológico desenvolvido, essas condições (toda a totalidade necessária dessas condições) estão na verdade presentes, elas estão, na verdade, realizadas enquanto o organismo vive. As condições sob as quais a matéria vinda de fora é transformada em proteína, em matéria viva, pode ser aqui determina bastante objetivamente e estritamente. Ao mesmo tempo, dos produtos originais do quimismo podem ser descobertos quais são capazes de se tornar um corpo vivo sob condições apropriadas, levando em conta que não é qualquer substância que pode ser assimilada pelo organismo.
Assim, os estudos dos processos ocorrendo nos organismos vivos hoje em dia, pode e fornecem uma chave para o entendimento da origem da vida sobre a Terra – verdade, somente no esboço mais geral.
Podemos concluir que o desenvolvimento lógico das categorias apresentando a estrutura interna do objeto na forma em que é observada nos estágios superiores de seu desenvolvimento, leva à primeira aproximação de uma concepção da história de sua origem, da lei de formação dessa estrutura. O desenvolvimento lógico, portanto, coincide internamente com o desenvolvimento histórico, na essência das coisas. Mas, essa coincidência é profundamente dialética, e não pode ser alcançada sem uma compreensão dessa dialética.