A Dialética do Abstrato e do Concreto em O Capital de Karl Marx

Evald Vasilievich Ilienkov


Capítulo 4. Desenvolvimento Lógico e Historicismo Concreto
3. Historicismo Abstrato e Concreto


Um entendimento concreto da realidade não pode ser obtido sem uma abordagem história dela. O contrário também é verdade – historicismo desprovido de concreticidade é pura ficção, pseudohistoricismo. Hoje em dia, dificilmente pode-se encontrar um cientista que rejeitaria a ideia de desenvolvimento em sua forma abstrata geral. Mas, a perspectiva do historicismo, a não ser que esteja combinada com a ideia dialética da concreticidade, inevitavelmente se torna verborreia vazia. Historicismo não-concreto, isto é, abstrato, longe de ser estranho ao modo metafísico de raciocínio, constitui o atributo mais característico dele. Metafísicos sempre postulam voluntariamente e longamente sobre a necessidade de uma abordagem histórica dos fenômenos, fazendo excursões na história do objeto e trabalhando sobre “justificações históricas” de suas construções teóricas. Distinguir entre o historicismo concreto e o método da dialética materialista e o historicismo abstrato dos metafísicos não é tão fácil como pode parecer à primeira vista.

É muito fácil deslizar para a perspectiva do historicismo abstrato (ou pseudohistoricismo). Além disso, essa perspectiva parece ser a mais natural. Realmente, não é natural considerar a história que criou um objeto se se quer formar uma concepção histórica do objeto?

Mas, esse ponto de vista simples e natural leva a dificuldade insolúveis. Para começar, qualquer objeto surgindo historicamente tem atrás de si, como seu passado, toda a história infinita do universo. Portanto, uma tentativa de entender um fenômeno historicamente através da delineação de todos os processos e premissas precedendo seu nascimento, inevitavelmente leva a um mau infinito e, por essa razão, se não por qualquer outra, não resultará em qualquer definida ou concreta.

Se se deseja fazer isso ou não, ao regressar é precisar parar em algum lugar, para começar de algum ponto. Agora, onde começar? O historicismo abstrato não coloca limites aqui para o subjetivismo e arbitrariedade.

Mas isso não é tudo. A perspectiva do historicismo abstrato leva, inevitavelmente e independentemente aos desejos da pessoa, ao anti-historicismo grosseiro, sob o disfarce da abordagem histórica. Não é difícil ver porque isso. Os economistas burgueses, que interpretam o capital como trabalho em geral acumulado, bastante logicamente e naturalmente consideram a hora de seu nascimento histórico como sendo a hora na qual o homem primitivo pegou um pedaço de pau. Se o capital é concebido como dinheiro trazendo novo dinheiro para a circulação, os começos históricos do capital inevitavelmente serão encontrados em algum lugar na Fenícia. Uma concepção anti-histórica da essência da natureza do fenômeno é, neste caso, justificada por argumentos “históricos”. Não existe qualquer surpresa nisso – a compreensão do passado está intimamente vinculada com a compreensão do presente. Antes de considerar a história do objeto, se é obrigado a formar uma concepção clara da natureza do objeto, cuja história será estudada.

O resultado da aplicação do princípio do historicismo abstrato é este: a história de certo fenômeno é descrita em termos de fatos pertencentes à história de fenômenos bastante diferentes, aquele que meramente prepararam o surgimento do último fenômeno historicamente. Com esse truque, o fenômeno histórico concreto dado aparece para o teórico ou eterno ou em todo caso muito ancião, muito mais ancião do que realmente é.

Um exemplo muito notável dessa abordagem histórica abstrata, da concepção que é história na aparência e anti-histórica na essência, é a explicação dos economistas burgueses da acumulação primitiva.

O economista burguês também vê este processo “historicamente”. Ele facilmente concordará que o capital não é um fenômeno eterno, que ele deve ter surgido em algum lugar e de alguma maneira. A história de sua origem consiste em que os meios de produção foram de alguma forma concentrados nas mãos de poucas pessoas. Como isso aconteceu historicamente?

Essas formas são extremamente variadas. De qualquer modo, o fato permanece de que os meios de produção foram primeiro concentrados nas mãos do futuro capitalista de qualquer forma menos exploração do trabalho assalariado, através da frugalidade, o próprio trabalho do futuro capitalista, operações comerciais de sucesso, simples roubo, legado feudal, e assim por diante.

Disso, o economista burguês elabora a conclusão de que em sua origem, e consequentemente em sua essência, o capital não é o produto de trabalho não pago do trabalhador assalariado. Já o próprio trabalhador, ele é descendente “histórico” do servo que fugiu do senhorio cruel para a cidade, ou um artesão empobrecido através da falta de habilidade, ou o vagabundo preguiçoso. Em outras palavras, o trabalhador assalariado foi criado por processos outros que não a exploração capitalista. O capitalista que o oferece trabalho agora aparece como um benfeitor.

É bastante aparente aqui que uma explicação formalmente histórica é feita em meios de desculpas sem vergonha para o estado existente de coisas. Fundamentação histórica se torna um argumento a favor de uma concepção anti-histórico do processo de acumulação primitiva e o da natureza do capital. Argumentos históricos são usados para apresentar o capital como uma relação “eterna” e “natural”. O segredo do truque está na história da origem das premissas históricas do capital sendo diretamente apresentadas como a história do próprio capital como um fenômeno histórico concreto.

O começo histórico real do desenvolvimento do capital, como mostrou Marx, foi o ponto no qual o capital começou a construir seu corpo a partir do trabalho não pago do trabalhador assalariado. Somente neste ponto que sua histórica concreta específica começa. Já a concentração original dos meios de produção nas mãos do futuro capitalista, ela pode tomar qualquer forma que seja – ela não possui importância para a história do capital como capital e não possui relevância para o ser do homem, possuindo-a, como o ser do capitalista.

Originalmente, o modo de apropriação do homem não aquele do capitalista, e as formas com as quais ele apropria o produto do trabalho não tem fundamento em sua história como um capitalista. Elas residem em algum lugar abaixo da fronteira da história do capital, assim como processos que criam as premissas da vida, os processos químicos, reside abaixo do limite inferior da história da vida, pertencente ao campo da química, ao invés da biologia.

É preciso ter em mente a mesma coisa na lógica, a fim de não tomar a história das premissas de um conceito (abstrações em geral, palavras expressando o geral em seu significado etc.) pela história do próprio conceito.

Assim, a importância se torna aparente do princípio do historicismo concreto que impõe o requisito do estabelecimento, em uma maneira estritamente objetiva, do ponto no qual a história real do objeto sob consideração começa, o ponto de partida genuinamente concreto de sua origem.

O problema é o mesmo se estivermos lidando com o surgimento do sistema capitalista ou a origem histórica do homem ou o ponto no qual a vida nasceu sobre a Terra ou a habilidade de pensar em conceitos.

Os preceitos do historicismo abstrato meramente desorientam o teórico neste campo decisivo da análise teórica. Como é bem conhecido, cientistas frequentemente tomam a pré-história biológica da sociedade humana como uma forma subdesenvolvida da existência humana, e as leis biológicas, como leis abstratas, elementares e universais do desenvolvimento humano. Exemplos do mesmo tipo são as tentativas de deduzir o sentimento estético do homem de certos fenômenos externamente similares do mundo animal – a beleza da cauda do pavão, as cores da asa da borboleta e outros fenômenos adaptativos puramente biológicos.

O historicismo do método lógico de Marx, Engels e Lenin é concreto. Isso significa que a história concreta de um objeto concreto deveria ser considerada em cada caso particular, ao invés da história em geral. O primeiro é, naturalmente, mais difícil que o último. Mas, a pesquisa científica não pode ser guiada pelo princípio do fácil, o princípio da “economia de esforço intelectual”, apesar das ilusões neokantianas. O desenvolvimento científico só pode ser guiado pelo princípio da correspondência com o objeto, e onde o objeto é complexo, não existe qualquer coisa a ser feita.

O desenvolvimento lógico das categorias, na forma pela qual a construção do sistema de ciência é completada, deve coincidir com o desenvolvimento histórico do objeto, da mesma maneira que o reflexo coincide com aquilo que é refletido. A própria sequência das categorias deve reproduzir a sequência histórica real na qual o objeto de investigação e sua estrutura são formados.

Esse é o princípio fundamental da dialética. Toda a dificuldade reside no fato de que a história concreta do objeto concreto não é tão fácil de isolar no oceano de fatos reais da história empírica, pois não é a “história pura” do objeto concreto determinado que é dada em contemplação e noção imediata, mas uma massa bastante complicada de processos interconectados de desenvolvimento interagindo e alterando mutuamente as formas de manifestação deles. A dificuldade reside em isolar do retrato empiricamente determinado do processo histórico total os pontos cardinais do desenvolvimento deste objeto concreto particular, do sistema concreto determinado de interação. O desenvolvimento lógico coincide com o processo histórico de formação do todo concreto deveria estabelecer rigorosamente seu início histórico, seu nascimento, e depois traçar sua evolução como uma sequência de momentos necessários e regidos por leis. Essa é toda a dificuldade.

O sistema capitalista, por exemplo, não surge do nada, mas com base em e dentro de formas historicamente precedentes de relações econômicas, seu desenvolvimento concreto envolvendo a luta e superação dessas formas. Surgido originalmente como como um modo bastante discreto, mas mais viável de relações econômicas, esse sistema gradualmente transforma todos os tipos de produção existentes na época de seu nascimento de acordo com seus próprios requisitos e sua própria imagem. Ele gradualmente converte formas anteriormente independentes e até mesmo estranhas de economia em formas de sua própria realização, subordinando-as, parcialmente quebrando-as de forma que não reste traço delas, parcialmente continuando a arrastar (algumas vezes por um grande período de tempo) os detritos que não teve tempo de destruir, e parcialmente se desenvolvendo em pleno florescimento em algo que existiu previamente somente como uma tentativa propensão.

Como resultado, o desenvolvimento histórico de um todo concreto, concebido em sua essência e expresso no desenvolvimento lógico, não coincide com o retrato que é para ser encontrado sobre a superfície dos eventos, que está aberto ao olho teoricamente nu. A essência e os fenômenos aqui também coincidem somente dialeticamente, somente através da contradição.

Portanto, o desenvolvimento lógico das categorias pretende refletir a sequência histórica real da formação do sistema analisado de fenômenos interagindo, não pode ser guiado diretamente pela sequência na qual certos aspectos do todo no processo de formação apareceram ou desempenharam o papel decisivo sobre a superfície do processo histórico, aberto à contemplação empírica. “Seria portanto impossível e errado classificar as categorias econômicas pela ordem em que foram historicamente determinantes” (Marx, 2003, p. 257)Referência 1 – essa foi a forma na qual Marx categoricamente resumiu a importância metodológica dessa circunstância real.

O teórico que aceita o historicismo abstratamente interpretado é guiado pelo princípio de análise que Marx define como impossível e errado. Quando ele considera os fenômenos na sequência em que eles seguem um ao outro no tempo histórico, na sequência que aparecem à primeira vista como a mais natural, na verdade ele os considera em uma sequência que é o contrário da sequência real e objetiva.

A correspondência aparente e imaginária entre o lógico e o histórico aqui esconde do teórico uma verdadeira ausência de correspondência. Muito frequentemente (muito mais frequentemente do que os empiristas acreditam) a causa objetiva genuína de um fenômeno aparece sobre a superfície do processo histórico mais tarde do que sua própria consequência.

Por exemplo, a crise geral de superprodução no mundo capitalista é manifestada empiricamente, primeiro de tudo, na forma de distúrbios na esfera dos créditos bancários, como uma crise financeira, mais tarde envolvendo o comércio e somente no final se revela na esfera da produção direta como uma crise geral real de superprodução. O observador superficial, que toma a sucessão no tempo como único princípio histórico, conclui disso que desentendimentos e conflitos nas liberações bancárias são a causa, a base e a fonte da crise geral. Em outras palavras, ele toma o efeito mais abstrato e derivativo como a base real dos eventos, enquanto a base objetiva inevitavelmente começa a sentir o efeito de seu próprio efeito.

Dessa forma, o empirismo grosseiro produz o mesmo resultado absurdo que a escolástica mais refinada. O empirismo grosseiro em geral inevitavelmente se torna o pior tipo de escolástica quando é elevado ao princípio de explicação teórica de eventos.

A partir da perspectiva da ciência e do historicismo genuíno é bastante óbvio, entretanto, que a superprodução ocorreu antes de ter tempo de se manifestar nos distúrbios e confusão na esfera das liberações bancárias, esses distúrbios meramente refletindo de forma própria o fato verdadeiramente conquistado e de forma alguma criando ele. O desenvolvimento lógico de categorias no sistema da ciência corresponde à sequência histórica genuína escondida da observação empírica, mas que contradiz a aparência externa, o aspecto superficial de sua sequência.

A ordem lógica corretamente estabelecida de desenvolvimento das categorias no sistema da ciência revela o segredo da sequência objetiva real de desenvolvimento dos fenômenos, dos aspectos do objeto, permitindo entender a própria sequência cronológica tão cientificamente quando empiricamente, a partir da perspectiva do homem na rua. O desenvolvimento lógico de categorias na ciência contradiz a sequência temporal exatamente porque corresponde à sequência genuína e objetiva da formação da estrutura concreta do objeto sob estudo. Aqui reside a dialética do lógico e do histórico.

O “historicamente anterior” continuamente se torna o “logicamente posterior ao longo do desenvolvimento, e vice-versa. Fenômenos que surgiram antes que outros quantas vezes não se tornam formas de manifestação de processos que começaram muito depois. O início (o início genuíno) de um novo ramo de desenvolvimento, de um novo sistema histórico concreto de interação, não pode ser entendido como um produto de uma evolução suave das formas historicamente precedentes. O que ocorre aqui é um salto genuína, uma quebra no desenvolvimento, no qual uma forma histórica concreta fundamentalmente nova de desenvolvimento começa.

Essa nova direção do desenvolvimento só pode ser entendida fora de si mesma, a partir de suas contradições intrínsecas. Cada processo histórico concreto recém-surgido possui seu próprio começo histórico concreto. Em consideração ao desenvolvimento econômico, Marx expressou essa circunstância nesses termos:

Em todas as formas de sociedade é uma produção determinada e as relações por ela produzidas que estabelecem a todas as outras produções e às relações a que elas dão origem a sua categoria e a sua importância. É como uma iluminação geral em que se banha todas as cores e que modifica as tonalidades particulares destas. É como um éter particular que determina o peso específico de todas as formas de existência que aí se salientam (Marx, 2003, pp. 255-256)Referência 2.

Claramente esta lei não está restrita em sua ação ao desenvolvimento social ou fenômenos sociais em geral. O desenvolvimento na natureza também toma essa forma e não pode tomar qualquer outra. Aqui também, uma nova forma concreta de desenvolvimento surge com base em e dentro da estrutura daqueles que a precederam, se tornando um princípio universal concreto de um novo sistema e enquanto tal envolvendo essas formas cronologicamente precedentes em sua histórica concreta específica.

A partir deste ponto, o destino histórico desses fenômenos historicamente precedentes vem a ser determinado por leis inteiramente novas. As substâncias químicas envolvidas no desenvolvimento da vida se comportam nesse processo de forma bastante diferente da forma que se comportaram antes e independentemente dela. Elas estão sujeitas à lei universal dessa nova forma superior, e seu movimento só pode ser entendido a partir das leis da vida, das leis universais concretas dessa forma superior e cronologicamente posterior de movimento da matéria.

As leis dessas formas elementares não podem, naturalmente, ser violadas, abolidas ou alteradas. Mas, elas se tornam aqui leis subordinadas, leis universais abstratas que podem explicar absolutamente nada, no movimento do todo concreto, das manifestações externas das quais vieram. O desenvolvimento da vida orgânica também resulta na formação de “um tipo especial de éter” que determina a partilha de qualquer ser que existe nele.

Esse “éter específico”, isto é, o princípio universal concreto da nova e superior forma de movimento que surge cronologicamente em um estágio posterior, mas se torna o princípio dominante, deve ser entendido na ciência antes qualquer outro e, primeiro de tudo, sobre seus próprios méritos, a partir das contradições universais concretas internamente inerentes.

Os elementos historicamente precedentes que, devido à dialética do desenvolvimento, se tornam um momento auxiliar, secundário da nova forma de movimento, um tipo de material no qual algum processo histórico concreto é realizado, pode realmente ser entendido somente a partir da lei universal concreta da forma superior cujo movimento eles estão envolvidos.

Esses elementos historicamente precedentes podem preexistir muito antes dos logicamente anteriores, eles podem até mesmo constituir a condição de origem deste fenômeno universal concreto, logicamente anterior, que mais tarde se torna sua manifestação ou produto.

Renda como uma forma de economia capitalista não pode ser compreendida antes do capital ser compreendido, enquanto o capital pode e deve ser entendido em suas contradições internas antes da renda, embora a renda historicamente surgiu antes do que o capital e até mesmo serviu como condição histórica de sua origem. Muitos poucos senhorios, tendo acumulado renda feudal, mais tarde começaram a usá-la como capital. O mesmo é verdade para o lucro comercial.

O destino histórico da renda e lucro comercial como elementos do todo capitalista, como formas de manifestação e modificações do capital, pode ser comparado, para efeito gráfico, ao destino de um bloco de mármore, do qual a estátua de um homem é esculpida.

A forma concreta de mármore não pode ser explicada a partir das propriedades do próprio mármore. Embora é a forma do mármore, em sua substância real não é, de forma alguma, a forma do mármore como produto da natureza. O mármore deve sua forma não a si mesmo, não a sua própria natureza, mas ao processo no qual está envolvido – o processo do desenvolvimento artístico do homem.

Por milhões de anos o mármore residia no chão, apareceu muito antes do homem, não somente antes do tempo do escultor, mas também antes da humanidade como um todo. Mas, a forma concreta na qual é exibido no salão de um museu é o produto do desenvolvimento do homem, que começou muito depois do aparecimento do mármore enquanto tal, mármore como mineral. Essa é uma forma ativa de um processo bastante diferente, um processo que é realizado no mármore e através do mármore, mas naturalmente não pode ser entendido em termos somente do mármore.

A situação é a mesma com a forma histórica concreta da existência da renda, juros, lucro comercial e formas e categorias similares. Na produção capitalista, eles são formas secundárias, subordinadas de economia, formas de manifestação do mais-valor, de uma forma que apareceu muito depois do que eles próprios.

Essa forma universal concreta deve ser entendida na ciência antes e bastante independentemente de todas as outras.

A história concreta delas como a história das formas do ser do mais-valor começou quando e onde elas foram envolvidas na produção e acumulação de mais-valor, de modo que elas se tornaram órgãos de seu corpo e um modo de sua realização. Antes desse ponto, seus destinos não possuíam qualquer relação interna com a história do capitalismo, com a história expressa na sequência de categorias da economia política. Elas existiam antes daquele momento fora da história do capital, lado a lado com ela, mas bastante independentemente dela. Mas, elas se tornaram envolvidas na formação do sistema capitalista, se tornando em formas e elementos históricos concretos do sistema dado, somente naquelas áreas onde a forma universal concreta do capital, que se desenvolveu independentemente delas, expressou seu movimento através delas.

Assim, o desenvolvimento lógico não reproduz a história como um todo, mas sim a história concreta de um todo histórico concreto determinado, de um sistema concreto determinado de fenômenos interagindo de forma específica.

A ordem lógica das categorias da ciência corresponde diretamente a essa história e sua sequência; é a última que é expressa em uma forma teoricamente generalizada. O desenvolvimento logico de categorias e suas definições concretas não podem, portanto, ser guiadas pelo princípio do historicismo abstrato (ou pseudohistoricismo), o princípio da sequência temporal do surgimento de formas diversas do todo analisado na história.

Pelo contrário, é somente o desenvolvimento lógico de categorias que é guiado pela relação na qual os elementos da concreticidade analisada estão um para os outro no objeto desenvolvido, no objeto no ponto mais alto de seu desenvolvimento e maturidade, que descobre o mistério da sequência objetiva genuína da formação do objeto, da modelagem de sua estrutura interna.

Seguindo este caminho, podemos sempre descobrir a ordem genuinamente natural (ao invés da aparentemente natural) do desenvolvimento de todos os aspectos do todo histórico concreto analisado. Neste caso, devemos atingir uma coincidência real do lógico e do histórico. Caso contrário, só podemos chegar em uma divergência entre os dois, em uma expressão escolástica empírica da história, mas não ao seu reflexo teórico objeto no conceito.

A investigação do sistema de produção capitalista em O Capital foi uma confirmação esplêndida da exatidão deste princípio metodológico, do ponto de vista filosófico de Marx e Engels da dialética do processo histórico e sua reprodução teórica.

Para formar uma concepção genuinamente histórica da formação capitalista, das leis de seu surgimento, desenvolvimento e declínio histórico, Marx estudou, primeiro de tudo, o estado (Dasein) existente dessa formação, procedendo a partir da situação contemporânea, da relação na qual os diversos elementos de sua estrutura necessária suportam um ao outro. Procedendo dessa situação factualmente estabelecida, ele analisou os conceitos e categorias da economia política, estudou esses conceitos criticamente, e desvelou, com base nesta análise, sua concepção teórica dos fatos, um sistema de definições teóricas.

Cada um dos aspectos e elementos da estrutura do organismo capitalista encontrou, portanto, sua expressão teórica concreta, e foi refletido em uma abstração histórica concreta.

As definições teóricas de cada categoria da economia política foram formadas por Marx através da história de seu surgimento – não a história empírica, mas a história “suprassumida” em seus resultados.

Essa investigação o levou diretamente a uma concepção das premissas historicamente necessárias reais do surgimento da economia burguesa, oferecendo assim a chave para o entendimento teórico da história empírica de seu surgimento e evolução. Por outro lado, devendo a este método de investigação, a própria formação burguesa surgiu como um sistema de premissas historicamente maduras do nascimento de outro novo sistema, superior, de relações sociais – do socialismo, no qual o sistema capitalista de produção da vida material inevitavelmente se desenvolve sob a pressão das contradições internas de sua evolução.