A busca pela essência do homem através de igualizar idealmente os homens em um conceito de gênero assume uma concepção metafísica da relação do universal e do individual.
Para o metafísico somente o individual é concreto – uma coisa individual percebida sensorialmente, objeto individual, fenômeno individual, evento individual, um indivíduo humano separado etc. Para ele, o abstrato é o produto da separação mental cuja contraparte na realidade é a similaridade de muitas (ou todas) coisas, fenômenos, homens individuais.
De acordo com essa posição, o universal existe na realidade somente como similaridade entre muitas coisas individuais, somente como um dos aspectos de uma coisa individual concreta, enquanto seu ser, separadamente da coisa individual, seu ser enquanto tal, só é realizado na cabeça do homem, somente como uma palavra, como o sentido e significado de um termo.
À primeira vista, este ponto de vista da relação entre o universal e o individual parece ser o único materialista e do senso-comum. Mas isso é apenas à primeira vista. A questão é que essa posição ignora completamente, na própria abordagem do problema, a dialética do universal e do individual nas próprias coisas, na realidade fora da cabeça.
Isso pode ser mostrado mais graficamente ao considerar a forma na qual as concepções feuerbachianas e marxista-leninistas da essência do homem divergem. Enquanto criticando Hegel muito rispidamente por seu idealismo, por tomar o “pensamento puro” como essência do homem, Feuerbach provou ser incapaz de opor a Hegel uma concepção da dialética contida nas relações homem-homem e homem-natureza, na produção material da vida da sociedade.
Isso é porque ele permaneceu centrado no indivíduo abstrato tanto na sociologia quanto na epistemologia, apesar de sua própria insistência de que ele estava preocupado com o homem “verdadeiro”, “real”, “concreto”. Esse homem provou ser “concreto” somente na imaginação de Feuerbach. Ele falhou em entender em que reside a verdadeira concreticidade do homem. Independentemente de tudo mais, isso significa que os termos “o concreto” e “o abstrato” eram usados por Feuerbach em um sentido diretamente oposto aos seus verdadeiros sentidos filosóficos: o que ele chama concreto é na verdade, como provado brilhantemente por Marx e Engels, extremamente abstrato, e vice-versa.
O termo “concreto” é aplicado por Feuerbach a um conjunto de qualidades percebidas sensorialmente inerentes a cada indivíduo e comum a todos os indivíduos. Sua concepção de homem é baseada nestas qualidades. Do ponto de vista de Marx e Engels, da perspectiva dialética, essa é um típico retrato abstrato do homem.
Marx e Engels foram os primeiros a mostrar, do ponto de vista materialista, em que reside a genuína concreticidade da existência humana e qual é a realidade objetiva a qual o filósofo tem direito de aplicar o termo “concreto” em seu significado pleno.
Eles descobriram a essência concreta do homem no processo global da vida social e leis de seu desenvolvimento, ao invés de em uma série de qualidades inerentes a cada indivíduo. A questão da natureza concreta do homem é aqui formulada e resolvida como o problema do desenvolvimento de um sistema de relações sociais homem-homem e homem-natureza. O sistema universal (socialmente concreto) de interação entre homens e coisas parece, em consideração a um indivíduo separado, como sua própria realidade humana que foi formada fora e independentemente dele.
A natureza enquanto tal não cria absolutamente qualquer coisa “humana”. O homem com todas as suas características especificamente humanas é desde o início até o fim o resultado e produto de seu próprio trabalho. Até mesmo andar em linha reta, o que parece à primeira vista natural do homem, peculiaridade anatomicamente inata, é na verdade um resultado de educação da criança dentro de uma sociedade estabelecida: a criança isolada da sociedade à la Mogli (e tais casos são numerosos) preferem correr de quatro e é preciso muito esforço para retirar-lhe esse hábito.
Em outras palavras, somente aquelas características, propriedades e peculiaridades do indivíduo que são, em última análise, produtos do trabalho social, são especificamente humanas. Naturalmente, é a mãe natureza que provê os pré-requisitos anatômicos e fisiológicos. Entretanto, a forma especificamente humana com a qual eles assumem, em última análise, é o produto do trabalho, e ela só pode ser compreendida ou deduzida do trabalho. Reciprocamente, todas essas propriedades do homem não são produto do trabalho, não pertencem às características expressando a essência do homem (por exemplo, lóbulos moles da orelha, apesar de serem uma “característica específica” do homem e não de qualquer outro ser vivo).
Um indivíduo despertando para a atividade da vida humana, isto é, um ser biologicamente natural se tornando um social, é compelido a assimilar todas as formas dessa atividade através da educação. Nenhuma delas é herdada biologicamente. O que é herdado é o potencial fisiológico para assimilá-las. Por primeiro elas o confrontam como algo existindo fora e independentemente dele, como algo inteiramente objetivo, como um objeto para assimilação e imitação. Através da educação, essas formas da atividade humana social são transformadas em uma posse subjetiva, individual, pessoal, e são até mesmo consolidadas psicologicamente: uma pessoa adulta não é mais capaz de andar de quatro, mesmo que ele queira, e isso não é absolutamente porque ele seria ridicularizado; carne crua o faz passar mal.
Em outras palavras, todas aquelas características, cuja soma cria a tão falada essência do homem, são resultados e produtos (em última análise, naturalmente) da atividade do trabalho humano-social. Homem não os deve à natureza enquanto tal, menos ainda a uma força sobrenatural, seja ela chamada de Deus ou outro nome (por exemplo, ideia). Ele os deve somente a si mesmo e ao trabalho das gerações prévias. Isso é ainda mais verdadeiro para as formas mais complexas da atividade humana, tanto sensorial e objetiva (material) e espiritual, quanto andar em linha reta.
Cultura humana acumulada ao longo da história parece para um indivíduo moderno como algo primário, determinando sua atividade humana individual. Do ponto de vista científico (materialista) do indivíduo, a personalidade humana deveria assim ser considerada como uma personificação unitária da cultura humana universal, ambas material e espiritual. Essa cultura é naturalmente realizada no indivíduo de uma maneira mais ou menos unilateral e incompleta. A medida na qual o indivíduo pode tornar a riqueza da cultura em sua propriedade não depende somente dele; em um nível muito maior isso depende da sociedade e no modo da divisão do trabalho característico da sociedade.
Assimilação verdadeira de uma ou outra área da cultura, alguma forma da atividade humana ou outra, significa assimilá-la em tal medida que seja capaz de desenvolvê-la ainda mais de uma maneira criativa, individual e independente. Nada pode ser assimilado através da contemplação passiva – isso é como construir castelos no ar. Assimilação sem prática ativa não produz resultados. É por isso que a forma de assimilação da cultura humana universal pelo indivíduo é determinada pela forma da divisão do trabalho. Naturalmente, existe unilateralidade e unilateralidade. A principal conquista de Marx e Engels na solução deste problema foi seu estudo cuidado e concreto das contradições da divisão do trabalho burguês.
A divisão de classes antagônicas do trabalho transforma cada indivíduo em u homem extremamente unilateral, um homem “parcial”. Desenvolve algumas de suas habilidades através da eliminação da possibilidade de desenvolver outras. Certas habilidades são desenvolvidas em alguns indivíduos, enquanto outras, em outros indivíduos, e é esta unilateralidade do desenvolvimento que vincula cada indivíduo a outro como homens, agindo como a forma na qual o desenvolvimento universal é realizado.
O concreto pleno de desenvolvimento humano está aqui devido à plenitude do desenvolvimento individual, pessoal, ao fato de que cada indivíduo tomado separadamente provar ser um homem defeituoso, unilateral, isto é, abstrato.
Se Feuerbach considerou tal indivíduo objetivamente abstrato como o homem “concreto”, isto foi uma manifestação não somente das limitações de um teórico burguês, de uma ilusão ideológica dissimulando o verdadeiro estado das coisas, mas também da fraqueza lógica de sua posição. Para construir uma concepção concreta da essência do homem, do homem enquanto tal, Feuerbach fez uma abstração de todas as reais diferenças desenvolvidas pela história, procurando pela propriedade geral que seria igualmente característica do alfaiate e pintor, chaveiro e balconista, camponês e sacerdote, trabalhador assalariado e empresário. Ele se esforçou em achar a essência do homem, a genuína natureza concreta do ser humano, dentre propriedades comuns de indivíduos de qualquer classe e qualquer ocupação. Ele fez uma abstração precisamente de todos os elementos que constituem a essência real da humanidade, desenvolvendo através de opostos como uma totalidade dos modos mutuamente condicionantes da atividade humana.
De acordo com a lógica de Marx e Engels, uma concepção teórica concreta do homem, uma expressão concreta da essência do homem só poderia ser formada de forma diametralmente oposta, considerando exatamente aquelas diferenças e oposições (classe, profissão e indivíduo) que Feuerbach ignorou. A essência do homem só é real como um sistema articulado e bem desenvolvido de habilidades, como um sistema complexo da divisão do trabalho que, de acordo com suas necessidades, molda os indivíduos – matemáticos, carpinteiros, tecelões, filósofos, empresários, banqueiros, servos etc.
Em outras palavras, uma definição teórica da essência do homem só pode consistir em revelar a necessidade que dá origem e desenvolve todas as manifestações multiformes e modos da atividade humano-social.
Considerando a característica mais geral desse sistema, da “definição universal” da natureza humana, é preciso apontar que aquela característica deveria expressar a fundação objetivamente universal, real, na qual toda a riqueza da cultura humana necessariamente cresce. Homem, como é bem sabido, se torna separado do mundo animal quando ele começa a trabalhar usando instrumentos do trabalho que ele mesmo criou. Produção dos instrumentos do trabalho é exatamente a primeira (em essência e em tempo, logicamente e historicamente) forma de atividade da vida humana, existência humana.
Assim a base universal real de tudo que é humano no homem é a produção de instrumentos de produção. É a partir desta base que outras qualidades diversas do ser humano se desenvolvem, incluindo consciência e vontade, discurso e pensamento, andar ereto e todo o resto.
Se alguém fosse tentar uma definição universal de homem em geral, uma definição curta do conceito, soaria assim: “homem é um ser produzindo instrumentos de trabalho”. Esse seria um exemplo característico de definição universal concreta de um conceito.
Essa definição, na perspectiva da velha lógica, é inadmissivelmente “concreto” para ser universal. Esses representantes indiscutíveis da raça humana como Mozart ou Rafael, Pushkin ou Aristóteles, dificilmente poderiam ser incluídos nessa definição por meios da abstração formal simples, através de uma figura silogística.
Por outro lado, a definição de homem como “um ser produzindo instrumentos de trabalho” será avaliada pela velha lógica como uma definição puramente particular do homem, ao invés de uma universal, será reconhecida em sendo uma definição de um tipo, classe ou ocupação bem específicos dos homens – trabalhadores das instalações produtoras de máquinas ou oficinas e nada mais.
Qual é a causa dessa divergência? A verdade da questão é que a lógica de Marx, na base da qual essa definição universal concreta foi resolvida, é achada em uma concepção diferente da correlação entre o universal, o particular e o individual (separados) daquela da lógica não-dialética.
Produção de instrumentos de trabalho, de instrumentos de produção é realmente uma forma real e, portanto, bem específica da existência humana. Ao mesmo tempo isso não torna menos real como uma base universal do resto do desenvolvimento humano, uma base genética(1) universal de tudo que é humano no homem.
Produção de instrumentos de trabalho como a primeira forma universal da atividade humana, como a base objetiva para todos os outros traços humanos, sem exceção, como a forma elementar, mais simples do ser humano do homem – é isso que é expresso no conceito universal da essência do homem no sistema de Marx e Engels. Mas, sendo uma base objetivamente universal de toda realidade social mais complexa do homem, produção de instrumentos de trabalho era há mil anos, é agora, e será no futuro uma forma bem particular da atividade humana realmente realizada em atos individuais executados por homens individuais. Análises do ato social de produção de instrumentos de trabalho deveriam revelar as contradições internas deste ato e da natureza de seu desenvolvimento dando origem a tais habilidades do homem como discurso, vontade, pensamento, sentimento artístico e, além disso, divisão em classes do coletivo, aparecimento do direito, política, arte, filosofia, estado etc.
Nessa concepção, o universal não é metafisicamente oposto ao particular e ao individual como abstração mental de uma plenitude sensorialmente dada de fenômenos, mas é bastante oposta, como uma unidade real do universal, do particular e do individual, como uma verdade objetiva, para o outro somente como verdade objetiva dentro de um e do mesmo sistema concreto historicamente desenvolvido, neste caso, a realidade histórica e social do homem.
O problema da relação do universal e do individual surge neste caso não apenas e nem tanto como um problema da relação da abstração mental da realidade objetiva sensorialmente dada, mas como o problema da relação dos fatos dados sensorialmente com outros fatos dados sensorialmente, como a relação interna do objeto com o próprio objeto, a relação de seus diferentes aspectos um com o outro, como o problema da diferenciação interna da concreticidade objetiva dentro de si mesmo. Nesta base e como uma consequência disso, ele surge como o problema da relação entre os conceitos expressando nesta conexão a concreticidade articulada objetiva.
Para determinar se o universal abstrato é extraído corretamente ou incorretamente, é preciso entender se ele compreende diretamente, através de abstração formal simples, cada fato particular e individual sem exceção. Se não, então nós estamos errados em considerar uma noção dada como universal.
A situação é diferente no caso da relação do conceito universal concreto com a diversidade dada sensorialmente dos fatos particulares e individuais. Para descobrir se um conceito dado tem revelado uma definição universal ou não-universal do objeto, é preciso empreender uma análise mais significativa e muito mais complexa. Neste caso é preciso se perguntar a questão se o fenômeno particular expresso diretamente nele é ao mesmo tempo a base genética universal do desenvolvimento do qual todos os outros fenômenos, tão particulares quanto, do sistema concreto dado podem ser entendidos em suas necessidades.
O ato de produção de instrumentos de trabalho é o tipo de realidade social da qual todos os outros traços humanos podem ser deduzidos em sua necessidade, ou não? A resposta a essa questão determina a caracterização lógica do conceito como sendo universal ou não-universal. Análise concreta do conteúdo do conceito produz neste caso uma resposta afirmativa.
Análises do mesmo conceito na perspectiva da lógica abstrata do intelecto produz uma resposta negativa. A esmagadora maioria de seres que são indubitavelmente representantes individuais da raça humana não obedece diretamente a essa definição. Da perspectiva da velha lógica não-dialética este conceito é muito concreto para se justificar como universal. Na lógica de Marx, entretanto, esse conceito é genuinamente universal exatamente porque reflete diretamente a base objetiva verdadeira de todos os traços do homem que se desenvolveram a partir dessa base verdadeiramente, historicamente, a base universal concreta de qualquer coisa que é humana.
Em outras palavras, a questão da característica universal de um conceito é transferida para outra esfera, a do estudo do processo de desenvolvimento real. A abordagem desenvolvimentista se torna assim uma abordagem da lógica. Essa abordagem também determina a proposição da dialética materialista ao efeito de que o conceito não deve expressar o universal abstratamente, mas sim que o universal que, de acordo com a fórmula adequada de Lenin, personifica em si mesmo a riqueza do particular, do individual, do único, sendo o universal concreto.
A riqueza do particular e do individual é naturalmente encarnada não no conceito enquanto tal, mas sim na realidade objetiva que é refletida no conceito, aquela realidade particular (e até mesmo individual) dada sensorialmente cujas características são abstraídas como definições de um conceito universal.
Portanto, não é o conceito de homem como um ser produzindo instrumentos de trabalho que contém em si mesmo os conceitos de todos os outros traços humanos, mas sim o fato real de produzir instrumentos de trabalho contém em si mesmo a necessidade de sua origem e desenvolvimento. Não é o conceito de mercadoria ou conceito de valor que contém em si mesmo toda a diversidade de outras definições teóricas do capitalismo, mas sim a forma mercadoria real de elos entre produtores é o embrião da qual toda a “riqueza”, incluindo a pobreza dos trabalhadores assalariados, se desenvolve. Isso é porque Marx foi capaz de revelar todas as contradições da sociedade moderna em suas análises da troca simples de mercadorias como uma relação real, diretamente observável, entre homens.
Nada desse tipo, naturalmente, é para ser observado no conceito de mercadoria. Em suas polêmicas com as críticas burguesas de O Capital, Marx teve que enfatizar o fato de que as primeiras seções de seu livro não continham uma análise do conceito de mercadoria absolutamente, mas uma concreticidade elementarmente econômica chamada relação mercantil – um fato real contemplado sensorialmente, e não uma abstração existindo na cabeça.
A universalidade da categoria de valor é desse modo uma característica não só e não tanto do conceito, da abstração mental, como, em primeiro de tudo, do papel objetivo desempenhado pela forma mercadoria no surgimento do capitalismo. Somente como resultado disso a universalidade prova ser também uma característica lógica do conceito expressando essa realidade e seu papel na estrutura do todo em estudo.
A palavra “valor” e a noção, bem definida, correspondente, não foram criadas por Petty ou Smith ou Ricardo. Qualquer coisa que podia ser comprada, vendido ou trocada, tudo que custa alguma coisa, era referido como valor por qualquer comerciante daquela época. Se os teóricos da economia política tivessem tentado uma elaboração do conceito através da abstração de elementos gerais possuídos por todos os objetos referidos como “valor” no uso tradicional, eles nunca teriam construído um conceito, naturalmente. Eles teriam meramente trazido para fora o significado da palavra “valor”, precisamente o mesmo significado que estava implícito para qualquer comerciante. Eles teriam enumerado as propriedades daqueles fenômenos os quais a palavra “valor” era aplicável. A coisa toda não teria ido além de descobrir os limites da aplicabilidade da palavra, do nome, além de uma análise do sentido implícito no nome.
A questão toda é, entretanto, que eles formularam essa questão de forma bem diferente, assim a resposta resultante a isso provou ser um conceito. Marx mostrou claramente a essência real de tal abordagem. Os clássicos da economia política, começando com Petty, não se empenharam em fazer abstração de todos os casos individuais que foram observados na superfície da circulação mercantil capitalista e que o uso corrente referido como casos do movimento dos valores. Eles levantaram a questão, bastante explícita e direta, da fonte real da propriedade valor das coisas, da substância do valor.
Sua principal realização reside precisamente em que eles procuraram definir estritamente a substância do valor através da consideração da troca mercantil elementar. Graças a isso, eles descobriram que a substância do valor estava contida no trabalho social. Ao resolver o conceito de valor, eles realmente estudaram de perto a troca de uma mercadoria por outra em uma tentativa de entender porque, em qual base objetiva, dentro de qual substância concreta, uma coisa era na verdade equiparada com outra. Em outras palavras, sem realizar claramente a essência lógica de suas operações, eles na verdade consideraram um caso específico do movimento dos valores, a saber, o fato da troca mercantil simples. Análises deste caso específico produziram o conceito de valor.
William Petty, o primeiro economista inglês, obteve o conceito de valor raciocinando dessa forma: “Se alguém consegue trazer para Londres 1 onça de prata do fundo da terra do Peru no mesmo tempo necessário para a produção de 1 alqueire de cereal, então um é o preço natural do outro” (Marx, 2013, p. 166, nota 48)Referência 1.
Devemos notar que este argumento não contém a palavra “valor” – Petty chamada do “preço natural”. Ainda assim o que surge aqui é exatamente o conceito de valor como personificação da quantidade socialmente necessária de tempo de trabalho em uma mercadoria.
Um conceito, enquanto é um conceito real e não meramente uma noção geral expressa em um termo, sempre expressa o concretamente universal, não o abstratamente universal, isto é, ele expressa a realidade na qual, enquanto sem um fenômeno bastante particular dentre outros fenômenos particulares, é ao mesmo tempo um elemento concretamente universal, genuinamente universal, uma “célula” em todos os outros fenômenos particulares.
Os representantes clássicos da economia política burguesa espontaneamente, por tentativa e erro, descobriram o caminho correto de definir valor. Mas eles não perceberam realmente a genuína importância desse modo de pensamento. A filosofia de Locke, pela qual seus pensamentos estavam conscientemente orientados, não ofereceu a eles uma chave para o problema da definição de conceitos universais. Isso os levou a um número de paradoxos, bastante instrutivos do ponto de vista lógico, e a um número de dificuldades fundamentais, o significado genuíno o qual só foi elucidado nas análises de Marx.
A principal diferente entre as análises marxianas do valor como base universal para todas as outras categorias da economia capitalista, e o tipo de análise que foi atingida pela economia política burguesa, reside precisamente no fato de que Marx formou definições científicas do “valor em geral”, “valor enquanto tal”, na base da consideração concreta da troca direta de uma mercadoria por outra não envolvendo dinheiro. Fazendo isso, Marx fez uma abstração estrita de todos os outros tipos de valor desenvolvidos nessa base (mais-valor, lucro, renda, juro, e assim por diante). O principal erro de Ricardo, de acordo com Marx, reside em sua incapacidade “de esquecer o lucro” ao considerar o “valor enquanto tal”, então sua abstração acaba sendo incompleta, insuficiente, “formal”.
Marx inclui nas definições do “valor em geral” somente aquelas definições que foram reveladas através da análise de um tipo de valor, precisamente aquele tipo de valor que provou ser elementar, primordial tanto logicamente quanto historicamente (isto é, tanto em essência quanto em tempo). O produto de suas análises são definições genuinamente universais do valor em geral, definições em se considerando igualmente dinheiro e lucro. Em outras palavras, estas são as definições concretamente universais de todos os tipos específicos de manifestação do valor.
Esse é o exemplo mais esplêndido de um conceito concretamente universal. Suas definições expressam aquele momento geral real (ao invés de formal) que constitui a essência “genérica”, elementar, de todas as outras categorias particulares. Estas definições genuinamente universais são ainda reproduzidas no dinheiro, no lucro, na renda, constituindo definições comuns a todas essas categorias. Mas, como mostra Marx, ninguém poderia ter sido capaz de revelar tais definições através da abstração formal simples das características específicas da mercadoria, dinheiro, lucro e renda.
Definições universais do valor coincidem diretamente em O Capital com a expressão teórica das características específicas da troca mercantil simples, das leis que revelam essas características específicas. A razão para isso é que a característica específica da forma mercantil simples reside exatamente em que ele constitui a fundação genuinamente universal de todo o sistema, sua “célula elementar”, a primeira forma real de manifestação do “valor em geral”.
Em considerando esta instância específica, Marx revelou nela, através de sua análise, pelo “poder da abstração”, as definições universais de valor. Análises da troca de linho por casaco, uma instância individual à primeira vista, produzir definições universais e não individuais como sua conclusão. Alguém vê de relance que a ascensão do individual para o universal é radicalmente diferente do simples ato da abstração formal. As propriedades específicas da forma mercantil elementar que a distinguem do lucro, renda e outros tipos de valor, não são aqui ignorados como algo não essencial. Ao contrário, análises teóricas dessas propriedades levam à formação de um conceito universal. Essa é a forma dialética de ascender do individual ao universal.
A velha lógica não-dialética recomendaria aqui uma abordagem diferente. De acordo com seus princípios, uma definição de “valor em geral” deveria ser formada através da abstração de características específicas a todos os tipos de valor, incluindo a troca mercantil simples, através da identificação das características específicas da mercadoria, lucro, renta, juros etc. As características específicas da forma mercantil do valor teriam sido ignoradas como “não essenciais”. O universal teria sido tomado isolado do particular.
Marx pratica uma abordagem bastante diferente. Na medida em que o universal existe na realidade somente através do particular e o individual, ele só pode ser revelado por uma análise minuciosa do particular, ao invés de um ato de abstração a partir do particular. O universal é a expressão teórica do particular e do individual, uma expressão da lei de sua existência. A realidade do universal na natureza é a lei da existência do particular e do individual, ao invés de mera afinidade formal de fenômenos em algum aspecto, servindo como uma base para incluí-los em uma classe.
É a dialética marxiana que permite apresentar o conteúdo geral real, verdadeiro, da forma mercantil, do dinheiro, do lucro e de todas as outras categorias. Esse conteúdo geral não pode ser revelado através de um ato de abstração formal simples. Ele só é útil na classificação inicial dos fenômenos. Prova-se inadequado onde uma tarefa mais série surge – a de resolver as definições teóricas objetivas universais, conceitos; além disso, é aqui aplicado além de sua esfera e não pode resolver a tarefa. Um método mais profundo é necessário aqui.
É indicativo que Hegel, que chegou muito perto da correta concepção dialética do problema do concretamente universal, traiu a dialética no ponto mais significante, e isso devido a natureza idealista de sua concepção.
Ao explicar sua concepção da dialética do universal e do particular, Hegel comenta o bem conhecido argumento de Aristóteles sobre figuras geométricas. De acordo com Aristóteles,
“entre figuras, somente o triangulo e as outras figuras definidas”, o retângulo, o paralelogramo etc. “são realmente algo. Pois o comum é a figura; mas essa figura geral, que é comum, não existe”, não é real, é um nada, uma coisa vazia na mente, é somente uma abstração. “Ao contrário, o triângulo é a primeira figura, o real, geral, que também aparece no retângulo etc.” – a figura reduzida a definição mais simples. Por um lado o triângulo está lado a lado com o retângulo, o pentágono etc., como uma coisa particular, mas por outro lado – e aqui reside a grandiosidade do intelecto de Aristóteles – é uma figura real, uma figura realmente geral (Hegel, 1928a, S. 374)Referência 2.
À primeira vista, Hegel vê a principal diferente entre o conceito universal concreto e a abstração vazia está em que ela possui um significado imediatamente objetivo e expressa certa concreticidade dada empiricamente. O próprio Hegel advertiu muitas vezes, entretanto, de que a relação entre o universal, o particular e o individual não deveria ser de forma alguma vinculada a imagens matemáticas (incluindo geométricas) e suas relações. A última, de acordo com sua explicação, é meramente certa alegoria de um conceito: eles estão demasiados “cheios de sensorialidade”. O genuinamente universal, que ele interpreta como um conceito e nada além de um conceito, deveria ser concebido plenamente livre da “matéria sensorial”, “da matéria da sensorialidade”. Ele atacou materialistas neste ponto, pois suas interpretações do universal essencialmente eliminam o universal, transformando-o em “o particular lado a lado com outras instâncias do particular [Besonderen]”.
O universal enquanto tal, o universal que inclui a riqueza do particular e do individual, existe de acordo com Hegel somente como um conceito, somente no éter do pensamento puro, de forma alguma na esfera da “realidade externa”. Isso era, falando propriamente, a razão de porquê Hegel acreditava ser o materialismo impossível como filosofia (pois filosofia é uma ciência do universal, e o universal e pensamento e nada além de pensamento).
Pela mesma razão, a definição de homem como uma criatura produzindo instrumentos de trabalho é tão inaceitável quanto para a lógica Hegeliana como uma definição universal, assim como era para a lógica que a precedeu. No ponto de vista de Hegel, isso é também meramente uma definição particular de homem, uma forma particular da revelação de sua natureza “pensante” universal.
Uma concepção idealista do universal, sua interpretação somente como um conceito, diretamente leva Hegel ao mesmo resultado que sua interpretação metafísica. Se a lógica de Hegel em sua forma dogmática original era para ser aplicada na análise de O Capital de Marx, toda a linha de raciocínio de Marx pareceria estar incorreta. De acordo com Hegel, definições do valor não podem ser obtidas na forma como Marx as obteve. Um adepto hegeliano diria sobre as primeiras seções de O Capital que definições de uma forma particular do valor são tomadas lá como definições universais do valor, enquanto elas absolutamente não são definições universais. Ele recomendaria deduzir definições universais do valor das definições de sensatez razoável (da forma como são deduzidas por Hegel na Filosofia do Direito).
Tudo isso prova que a lógica Hegeliana, apesar de todas as suas vantagens sobre a velha lógica metafísica, não pode ser adotada pelo materialismo sem uma crítica radical, sem uma eliminação radical de todos os traços do idealismo. A categoria do valor em Marx é fundamentalmente diferente da mera abstração formal assim como do “conceito puro” de Hegel. Isso é obviamente “cheio de sensorialidade”, aparecendo como uma expressão teórica do particular. Valor, diz Marx, possui um caráter “sensorial-supersensorial”, algo que, do ponto de vista hegeliano, não pode ser. Além disso, a forma simples (universal) do valor, como Marx enfatizou, de forma alguma era a forma universal das relações econômicas todo o tempo, não no começo. Somente o desenvolvimento capitalista a transformou em tal forma.
A troca mercantil direta, como um fenômeno em se considerando que alguém pode obter uma definição universal do valor, como fenômenos nos quais o valor é representado na forma pura, é percebida antes do aparecimento do dinheiro, mais-valor e outras formas particulares bem desenvolvidas do valor. Isso significa, independentemente de outras coisas, que a forma das relações econômicas que se tornaram genuinamente geral sob o capitalismo, foi percebida antes disso como um fenômeno bastante particular ou até mesmo como um fenômeno individual acidental.
Na realidade isso sempre acontece de um fenômeno que depois se torna universal, originalmente surgir como um fenômeno específico, particular, individual, como uma exceção da regra. Ele não pode realmente surgir de outra forma. Caso contrário a história teria uma forma bastante misteriosa.
Assim, qualquer nova melhoria do trabalho, todo novo modo de ação do homem na produção, antes de se tornar genericamente aceito e reconhecido, primeiro surge como certo desvio de normas codificadas previamente aceitas. Tendo surgido como uma exceção individual da regra no trabalho de um ou muitos homens, a nova forma é então tomada pelos outros, se tornando em seu tempo uma nova norma universal. Se a nova norma não aparece originalmente desta exata maneira, ela nunca se tornará uma forma realmente universal, existindo meramente na fantasia, no pensamento positivo.
Da mesma maneira, um conceito expressando o realmente universal, inclui diretamente nele uma concepção da dialética da transformação do individual e do particular no universal, expressando diretamente o individual e o particular que, na realidade, fora da cabeça do homem, constituem a forma universal de desenvolvimento.
Em suas sinopses e notas sobre a lógica de Hegel, Lenin continuamente se refere a um dos pontos essenciais da dialética – à concepção do universal como o concretamente universal, como oposto às destilações abstratamente universais do intelecto. A relação do universal com o particular e o individual é expressa na dialética por “uma linda fórmula”, como Lenin coloca: “‘Não meramente um universal abstrato, mas um universal que inclui em si mesmo a riqueza do particular.’”
“Cf. O Capital”, Lenin toma nota na margem e então continua:
Fórmula magnífica: “Não apenas o universal abstrato, mas o universal que encarna em si a riqueza do particular, do individual, do individual” (toda a riqueza do particular e do individual!) Très bien! (Lenin, 2011, p. 106)Referência 3.
O universal concreto expresso no conceito, naturalmente, não inclui em si mesmo toda essa riqueza no sentido de que isso compreenda todas as instâncias específicas e sua aplicabilidade a elas como seu nome geral. Isso é exatamente a concepção metafísica que Hegel opõe, e é isso que Lenin aprova sobre sua posição. Um conceito universal concreto inclui em si mesmo “a riqueza dos particulares” em suas definições concretas – em dois sentidos.
Primeiro, um conceito universal concreto expressa em suas definições o conteúdo concreto específico (a estrutura interna governa por leis) de uma única, bem definida, forma do desenvolvimento de um objeto em estudo. Inclui em si mesmo “toda a riqueza” das definições dessa forma, sua estrutura e sua especificidade. Segundo, ele não expressa em suas definições alguma forma escolhida arbitrariamente do desenvolvimento do objeto como um todo, mas aquela, e somente aquela, forma que constitui a base ou fundação realmente universal na qual “toda a riqueza” de outras formações cresce.
Um exemplo muito notável de tal conceito é a categoria valor em O Capital. Esse conceito é o resultado de uma exaustiva análise da “concreticidade mais elementarmente econômica” do mundo capitalista – troca direta de uma mercadoria por outra não envolvendo dinheiro. A especificidade desta forma consiste em que ela contém, como uma “célula” ou embrião, a riqueza das formas mais complexas, mais desenvolvidas das relações capitalistas. Isso é porque “a análise deste fenômeno bastante simples (nesta ‘célula’ da sociedade burguesa) revela todas as contradições (ou os germens de todas as contradições) da sociedade moderna” (Lenin, 1976, pp. 360-361)Referência 4.(2) É por isso que o resultado e o produto dessa análise, expressos em definições da categoria do valor, oferece a chave à concepção teórica de todo o mundo capitalista.
A diferença dessa categoria das meras abstrações (como “mobília”, “coragem” ou “doçura”) é de natureza fundamental. O último, naturalmente, não contém qualquer “riqueza do particular e do individual” – esta “riqueza” é meramente correlatada externamente com eles como com nomes gerais. As definições concretas de tais conceitos não expressam de qualquer forma esta riqueza. O conceito de mobília em geral registra meramente o elemento geral que uma mesa tem em comum com uma cadeira, um armário etc. Ele não contém características específicas da cadeira, mesa ou armário. Definições deste tipo não expressam uma única espécie. Ao contrário, a categoria do valor inclui em si mesmo uma expressão exaustiva de tal espécie que especificamente reside em ser simultaneamente o gênero. Isso, naturalmente, não deprecia a importância e o papel cognitivo das abstrações gerais “intelectuais” elementares. Seu papel é maior: nenhum conceito universal concreto poderia ser possível sem eles. Eles constituem o pré-requisito e condição do surgimento dos complexos conceitos científicos. Um conceito universal concreto é também uma abstração – no sentido de que ele não registra em suas definições o absolutamente individual, o único. Ele expressa a essência do típico e nesse sentido do geral, o fenômeno repetido milhões de vezes, de uma instância individual que é uma expressão da lei universal. Ao analisar a forma simples do valor, Marx não está interessado, naturalmente, nas características individuais do casaco ou linho. Não obstante a relação do casaco e do linho ser tomada pela análise do objeto imediato, e precisamente por essa razão que é um caso típico (e neste sentido geral) de troca mercantil simples, um caso correspondendo às peculiaridades típicas da troca sem dinheiro.
Nesta pesquisa de ordem geral, suporemos sempre que as condições reais correspondem ao respectivo conceito, ou, em outras palavras, as condições reais só estarão presentes na medida em que configuram o tipo geral delas (Marx, 2008, p. 192)Referência 5.
Naturalmente, conceitos universais concretos são, por esta razão, similares a abstrações intelectuais simples no que eles sempre expressam certa natureza geral dos casos individuais, coisas, fenômenos, também sendo produtos da “ascensão do individual ao universal”. Esse momento ou aspecto apontando para uma afinidade entre um conceito científico e qualquer abstração elementar está certamente sempre presente no conceito e é fácil de descobri-lo. A questão é, entretanto, de que esse momento de forma alguma dá uma caracterização específica do conceito científico, não expressa sua especificidade. Essa é precisamente a razão de porquê teóricas lógicas que simplesmente igualizam tais abstrações como valor e brancura, matéria e mobília, na base de que ambos os tipos igualmente se referem a muitos fenômenos individuais, ao invés de um indivíduo único e são neste sentido igualmente abstratos e gerais, não afirmam absolutamente tal absurdo. Ainda assim essa concepção, suficiente para abstrações simples, é bastante inadequada para as científicas complexas. E se isso é tomado como a essência dos conceitos científicos, este ponto de vista se torna falso, assim como, por exemplo, a proposição “valor é o produto do trabalho” é falsa. Um fenômeno concreto é aqui caracterizado de uma maneira muito mais geral e abstrata e, portanto, bastante incorreta. Naturalmente, o homem é um animal, e um conceito científico é uma abstração. A inadequação de tal definição, entretanto, reside em sua extrema abstração.
Lógica dialética de forma alguma rejeita a verdade da proposição de que um conceito universal é uma abstração expressando a “natureza geral”, o “tipo principal” de casos separados, coisas individuais, fenômenos, eventos, no entanto, vai mais longe e fundo, e aí reside a diferença entre suas concepções e aquelas da velha lógica. Uma concepção dialética do universal assume a transformação do individual no universal e do universal no individual, uma transformação continuamente acontecendo em qualquer desenvolvimento verdadeiro.
É fácil ver, entretanto, que essa posição pressupõe uma visão histórica das coisas, da realidade objetiva expressa em conceitos. É por isso que nem Locke e Helvétius, nem Hegel puderam dar uma solução racional para o problema da relação do abstrato e do concreto. Hegel foi incapaz de oferecer tal solução, porque a ideia de desenvolvimento, a abordagem histórica, só foi colocada plenamente em prática em seu sistema em consideração ao pensamento, mas não à própria realidade objetiva constituindo o assunto do pensamento. A realidade objetiva se desenvolve a partir do ponto de vista de Hegel somente na medida em que se torna a forma externa do desenvolvimento do pensamento, do espírito, na medida em que o espírito, impregnando-o, o acelera de dentro, fazendo-o se mover e até mesmo desenvolver. A realidade sensorial objetiva não possui seu próprio movimento espontâneo imanente. Assim, em seus olhos, não é genuinamente concreto, pois a viva interconexão e interdependência dialética de seus diferentes aspectos pertencem na verdade ao espírito permeando-o, ao invés da própria realidade enquanto tal. Portanto em Hegel, somente o conceito e nada além do conceito é concreto como o princípio da interconexão ideal dos fenômenos individuais. Tomados em si mesmos, coisas individuais e fenômenos são abstratos e somente abstratos.
Entretanto, essa concepção contém não somente idealismo, mas também uma visão dialética do conhecimento, do processo de apreensão do dado sensorial. Hegel chama de abstrato uma coisa individual, fenômeno ou fato, e este uso é bem fundamentado: se a consciência tem percebido coisas individuais como tais, sem agarrar toda a cadeia concreta de interconexões dentro da qual a coisa realmente existe, isso significa que ela percebeu a coisa em uma forma extremamente abstrata, apesar do fato de que ela tem percebido isso em uma observação sensorial concreta direta, em toda a plenitude de sua imagem sensorialmente tangível.
Ao contrário, quando a consciência tem percebido a coisa em suas interconexões com todas as outras, assim como coisas individuais, fatos, fenômenos, se ele tem agarrado o individual através de suas interconexões universais, então ele tem, pela primeira vez, percebido ela concretamente, até mesmo se uma noção disso foi formada não através de contemplação direta, tocando ou cheirando, mas através do discurso de outros indivíduos e é consequentemente desprovida de características sensoriais imediatas.
Em outras palavras, já em Hegel abstraticidade e concreticidade perdem o significado de características psicológicas imediatas da forma na qual o conhecimento existe na cabeça de um indivíduo, se tornando características lógicas (significativas) do conhecimento, do conteúdo da consciência.
Se uma coisa individual não é entendida através da interconexão concreta universal dentro da qual realmente surgiu, existe e se desenvolve, através do sistema concreto de interconexões que constitui sua natureza genuína, isso significa que somente o conhecimento e a consciência abstratos têm sido obtidos. Se, por outro lado, uma coisa individual (fenômeno, fato, objeto, evento) é entendida em seus elos objetivos com outras coisas formando um sistema integral coerente, isso significa que ele tem sido entendido, realizado, conhecido, concebido concretamente no significado mais pleno e mais estrito dessa palavra.
Aos olhos de um metafísico materialista, somente o individual percebido sensorialmente é concreto, enquanto o universal é um sinônimo do abstrato. Para um materialista dialético as coisas são bem diferentes. De seu ponto de vista, concreticidade é, primeiro de tudo, precisamente a interconexão e interdependência objetiva universal de uma massa de fenômenos individuais, “unidade da diversidade”, a unidade do distinto e mutuamente oposto, ao invés de uma identidade abstrata, a unidade abstrata morta. Na melhor das hipóteses, o último só indica ou sugere a possibilidade da presença de elos internos em coisas, da unidade latente de fenômenos, ainda que não sempre o caso e de forma alguma obrigatório: uma bola de bilhar e Sirius são idênticos na sua forma geométrica, mas não levaria a nada aqui, naturalmente, procurar por qualquer interação real.