Nós temos assim estabelecido que pensamento em conceitos é dirigido a revelar a unidade viva real das coisas, sua conexão concreta de interação, ao invés de dirigir a definir sua unidade abstrata, identidade morta.
A análise da categoria da interação mostra diretamente, entretanto, que mera semelhança, simples identidade de duas coisas individuais não é de forma alguma uma expressão do princípio de sua conexão mútua.
Em geral, interação prova ser forte se um objeto encontra em outro objeto um complemento de si mesmo, algo que lhe está faltando.
“Semelhança” é sempre assumida, naturalmente, como a premissa ou condição na qual o elo da interconexão é estabelecido. Mas a própria essência da interconexão não é percebida através da semelhança. Duas engrenagens são travadas exatamente porque o dente do pinhão é colocado oposto ao espaço entre dois dentes da engrenagem motriz, ao invés de oposto ao mesmo tipo de dente.
Quando duas partículas químicas, previamente aparentemente idênticas, são “trancadas” em uma molécula, a estrutura de cada uma sofre certa mudança. Cada uma das duas partículas realmente ligadas na molécula tem seu próprio complemento na outra: a cada momento elas trocam os elétrons da última camada, essa troca mútua ligando elas em um único todo. Cada uma delas gravita em relação a outra, porque a cada dado momento seu elétron (ou elétrons) está dentro da outra partícula, o mesmo elétron que lhe falta por essa mesma razão. Onde tal diferença continuamente surgindo e continuamente desaparecendo não existe, também não existe coesão ou interação; o que nós temos é mais ou menos contato externo acidental.
Se fosse tomar um caso hipotético, bastante impossível na realidade – dois fenômenos absolutamente idênticos em todas as suas características –, seria muito difícil de imaginar ou conceber uma ligação forte ou coesão ou interação entre eles.
É ainda mais importante levar essa questão em conta quando estamos lidando com elos entre dois (ou mais) fenômenos se desenvolvendo envolvidos no processo. Naturalmente, dois fenômenos completamente idênticos podem muito bem coexistir lado a lado e até mesmo entrar em certo contato. Esse contato, entretanto, não produzirá qualquer coisa absolutamente nova até provocar em cada um deles mudanças internas que os transformarão em momentos diferentes e mutualmente opostos dentro de certo todo coerente.
Famílias de subsistência patriarcais, cada uma produzindo por si mesma tudo que precisa, as mesmas coisas que uma família vizinha produz, não precisam uma da outra. Não existem elos fortes entre elas, pois não existe divisão do trabalho, uma organização do trabalho sob a qual uma faz algo que a outra não. Onde surgem diferenças entre famílias de subsistência, a possibilidade de troca mútua de produtos do trabalho também surge pela primeira vez. A ligação surgindo aqui consolida e mais além desenvolve a diferença e, junto a isso, a conexão mútua. O desenvolvimento das diferenças entre famílias uma vez idênticas (e precisamente por essa razão coexistindo indiferentemente) é o desenvolvimento dos elos mútuos entre elas, é o processo de sua transformação em elementos distintos e opostos de um todo econômico único, um organismo produtor integral.
Em geral, o desenvolvimento das formas da divisão do trabalho é ao mesmo tempo o desenvolvimento das formas de interação entre homens na produção da vida material. Onde não existe divisão do trabalho, até mesmo de forma elementar, não existe sociedade – existe apenas um bando ligado pelo biológico, ao invés de laços sociais. Divisão do trabalho pode tomar forma de classes antagônicas e pode, por outro lado, tomar a forma da colaboração fraternal. Ainda assim sempre permanece a divisão do trabalho e nunca pode ser “identificação” de todas as formas de trabalho: comunismo assume o desenvolvimento máximo das capacidades de cada indivíduo em ambas as produções material e espiritual, ao invés de nivelar essas habilidades. Cada indivíduo aqui se torna uma personalidade no significado pleno e nobre deste conceito exatamente porque cada outro indivíduo interagindo com ele é também uma individualidade criativa única, ao invés de um ser representando as mesmas ações ou operações abstratamente idênticas, padronizadas, estereotipadas. Tais operações são, em geral, movidas para fora do escopo da atividade humana e entregue às máquinas. E exatamente por essa razão cada indivíduo aqui é necessário por e de interesse dos outros muito mais do que no mundo da divisão do trabalho capitalista. Os elos sociais ligando personalidade a personalidade são aqui muito mais diretos, compreensivos e fortes do que os elos na produção mercantil.
É por isso que a concreticidade entendida como uma expressão da ligação e interação objetiva, verdadeira, viva, entre coisas individuais reais, não pode ser expressa como uma identidade abstrata, igualdade nua ou similaridade pura de coisas em consideração. Qualquer instância da interação real na natureza, sociedade ou consciência, seja ela tão elementar, necessariamente contém identidade do distinto, uma unidade de opostos, ao invés de mera identidade. Interação assume que um objeto realiza sua natureza específica dada somente através de sua inter-relação com outro objeto e não pode existir fora de tal relação, como “a escolhida”, como um objeto especificamente definido.
Para expressar o individual no pensamento, para entender o individual em seus elos orgânicos com outras instâncias do individual e da essência concreta de sua conexão, não se pode procurar por uma abstração nua, por uma característica idêntica abstratamente comum a todos eles tomadas separadamente.
Vamos agora tomar um exemplo mais complexo e ao mesmo tempo mais impressionante. Em que reside, por exemplo, a ligação concreta, objetiva, viva e verdadeira entre o capitalista e os trabalhadores assalariados, aquele “elemento geral” que cada uma dessas personagens econômicas individuais tem em comparação um com os outros? O fato de que ambos são homens, ambos precisam de comida, roupa etc., ambos são capazes de raciocinar, falar, trabalhar? Sem dúvida eles possuem todas essas características. Além disso, tudo isso ainda constitui a premissa necessária de sua ligação como capitalista e trabalhador assalariado, ainda que de modo algum constitua a própria essência de sua relação como capitalista e trabalhador assalariado. Sua verdadeira ligação é encontrada no fato de que cada um deles possui um traço econômico que falta ao outro, de que suas definições econômicas são diametralmente opostas. A questão é que um deles possui uma característica que falta ao outro, e ele a possui exatamente porque o outro não a possui. Cada um mutuamente precisa do outro por causa da oposição diametral de suas definições econômicas. E isso é exatamente o que faz deles os polos necessários de uma relação idêntica os ligando mais forte do que qualquer coisa que eles possam ter em comum (“sua semelhança”).
Uma coisa individual é como ela é, e não outra coisa, exatamente porque a outra é diametralmente oposta a ela em todas as características. Isso é exatamente porque ela não pode existir enquanto tal sem a outra, fora de sua conexão com seu próprio oposto. Enquanto um capitalista permanece um capitalista e um trabalhador assalariado, um trabalhador assalariado, cada um deles necessariamente reproduz no outro uma definição econômica diametralmente oposta. Um deles aparece como trabalhador assalariado porque o outro é um capitalista vis-à-vis com o primeiro, as duas figuras econômicas possuindo traços diametralmente opostos.
Isso significa que a essência de sua ligação dentro da relação concreta dada é baseada precisamente na completa ausência de uma definição abstratamente comum a ambos.
Um capitalista não pode, dentro desta ligação, ter quaisquer traços que um trabalhador assalariado possui, e vice-versa. E isso significa que nenhum deles possui uma definição econômica que poderia ser simultaneamente inerente ao outro, que seria comum a ambos. É precisamente essa comunhão que está faltando na sua ligação econômica concreta.
É um fato bastante conhecido que os apologistas banais castigados por Marx insistiram em procurar pelas bases dos elos mútuos entre capitalista e trabalhador na comunhão de suas características econômicas. Do ponto de vista de Marx, a unidade realmente concreta de duas ou mais coisas particulares, interagindo individualmente (fenômenos, processos, homens etc.) sempre aparece como a unidade de exclusivos mutualmente opostos. Entre eles, entre aspectos dessa interação concreta não existe qualquer abstratamente idêntico ou abstratamente geral e não pode haver.
Neste caso, o comum como concretamente geral é exatamente aquela ligação mútua entre os elementos de interação como opostos mutualmente pressupostos, mutualmente complementares, polares. Cada um dos lados interagindo concretamente é o que é, isto é, o que é em um dado elo concreto, somente através de sua relação com seu próprio oposto.
O termo “comum” não coincide aqui em seu significado com “idêntico” ou “o mesmo”. Ainda assim esse uso, característico da lógica dialética, não é de forma alguma alheio ao uso comum e é baseado em uma sombra do significado presente na palavra “comum”. Assim, em todas as linguagens um objeto em posse coletiva ou conjunta é chamado “comum”: por exemplo, alguém fala de um “campo comum”, um “ancestral comum”, e assim por diante. A abordagem dialética tem sempre se baseado nesta sombra etimológica do significado. Aqui “comum” tem o significado de ligação que de forma alguma coincide em seu conteúdo com as características idênticas de objetos, homens correlatos diferentes, e assim por diante. O que é comum a eles aqui é aquele objeto particular que cada um deles possui fora de si, confrontando-os, aquele objeto através da relação a que a relação entre eles é estabelecida. A essência de sua ligação mútua é dessa forma dada por um sistema mais geral de condições, um sistema de interação, dentro do qual eles podem desemprenhar os mais diversos papéis.
O que um leitor tem em comum com o livro que lê, qual é a essência da sua relação mútua? Certamente a comunhão não reside em que ambos leitor e livro são tridimensionais, que ambos pertencem aos objetos definidos espacialmente, que ambos consistem de átomos, moléculas, elementos químicos etc. idênticos. Aquilo que é comum a eles não consiste nas propriedades idênticas de ambos. Muito pelo contrário: o leitor é o leitor exatamente porque ele é confrontado, como uma condição se a qual ele não é um leitor, por aquilo que lê, o concreto oposto do leitor.
Um existe enquanto tal, como um objeto dado concretamente definido, exatamente porque e somente porque é confrontado por algo diferente como concretamente diferente dele – um objeto cujas definições são todas diametralmente opostas àquelas do primeiro objeto. Definições de um são definições invertidas no outro. Essa é a única forma na qual a unidade concreta dos opostos, comunhão concreta, é expressa em um conceito.
A essência dos elos concretos (comunhão concreta, unidade concreta) é assim determinada não por procurar pelos traços idênticos abstratamente inerentes em cada um dos elementos de tal comunhão, mas de outras formas.
Análise é neste caso direcionada ao sistema concreto de condições dentro da qual dois elementos, objetos, fenômenos etc., emergem, simultaneamente ambos se excluem mutuamente e assumem um ao outro mutuamente. Para estabelecer os opostos cujas relações mútuas dão existência ao sistema de interação em questão, uma comunhão concreta dada, significa resolver a tarefa. Análise da comunhão dialética, portanto, prova ser o estudo do processo que cria os dois elementos de interação (por exemplo, capitalista e trabalhador assalariado ou leitor e livro) cada um não podendo existir sem o outro porque possui uma característica que o outro não possui, e vice-versa.
Neste caso, em cada um dos dois objetos interagindo uma definição será descoberta que é inerente a isso como um membro do modo de interação concreto, unicamente específico, dado. Somente neste caso em cada um dos dois objetos relacionados esse aspecto será descoberto (e destacado através de abstração), o que torna este objeto em um elemento do todo concreto dado.
Identidade concreta, identidade de opostos – estas são as fórmulas dialéticas: identidade do diferente, a unidade concreta de definições mutuamente excludente e, portanto, mutuamente suposto. Uma coisa precisa ser concebida como um elemento, como uma expressão individual de uma substância universal (universal concreto). Essa é a tarefa do conhecimento.
Esse ponto de vista explica, por exemplo, as dificuldades que preveniram Aristóteles de descobrir a essência, a substância da relação de troca, o mistério da igualdade de uma casa e cinco camas. O grande dialético da Antiguidade aqui, também, tentou achar uma unidade interna de duas coisas, ao invés de sua identidade abstrata. Nada poderia ser mais fácil do que encontrar a última, enquanto descobrir a primeira é bastante difícil.
Considerando a relação de troca entre uma casa e uma cama, Aristóteles foi de encontro a uma tarefa que era insolúvel à época, não porque ele não podia ver qualquer coisa que os dois tinham em comum. Um cérebro muito menos sofisticado na lógica achará características comuns a casa e cama; Aristóteles possui muitas palavras a sua disposição para expressar algo que uma casa e uma cama possuem em comum. Casa e cama são igualmente objetos do dia a dia, parte do ambiente familiar do homem, ambas são coisas percebidas sensorialmente existindo no tempo e espaço, ambos possuem peso, forma, dureza etc., ad infinitum. Poderia ser assumido que Aristóteles não ficaria muito surpreso se alguém chamasse sua atenção ao fato de que casa e cama são igualmente feitos pelas mãos do homem (ou escravo), que ambos são produtos do trabalho humano.
Então a dificuldade de Aristóteles de forma alguma residia em encontrar uma propriedade geral abstrata comum a casa e cama ou em incluir ambas em um “gênero comum”, mas sim em revelar a substância real na qual eles eram equiparados independentemente da vontade do sujeito, da cabeça que faz abstrações e dos dispositivos puramente artificiais que o homem inventou com propósito de convivência prática. Aristóteles desiste de mais análises não porque ele não podia encontrar algo que uma casa e uma cama terão em comum, mas sim porque ele não podia encontrar uma entidade que necessariamente requeira o fato de troca mútua, de substituição mútua de dois objetos diferentes para sua realização e manifestação. A incapacidade de Aristóteles em encontrar algo em comum entre duas coisas tão diferentes revela a força e profundidade dialética de seu pensamento ao invés de uma fraqueza de suas habilidades lógicas ou falta de observação. Não satisfeito com o abstrato geral, ele tenta descobrir as profundas raízes do fato. Ele não está interessado meramente no gênero aproximado no qual ambos podem ser incluídos, se alguém desejar, mas no gênero real, o qual possui uma concepção muito mais significativa do que a que a escola tradicional da lógica tem feito ele ser responsável.
Aristóteles quer a realidade que só é implementada como uma propriedade de uma cama ou de uma casa devido à relação de troca entre elas, algo geral que requeira troca para sua manifestação. Entretanto, todas essas propriedades comuns que ele observa nelas também existem quando não possuem alusão para trocar e consequentemente não forma uma essência específica de troca. Aristóteles então fica muito acima daqueles teóricos que, dois mil anos atrás, viram a essência e substância da qualidade valor das coisas em sua utilidade. A utilidade de uma coisa não é de forma alguma necessariamente conectada com a troca, não requere obrigatoriamente a troca para ser revelada.
Em outras palavras, Aristóteles quer encontrar a essência que manifesta a si própria somente através da troca e não é de forma alguma manifestada fora da troca, ainda que constitua a “natureza latente” da coisa. Marx mostrou claramente o que impediu a compreensão de Aristóteles da essência da relação de troca: a falta do conceito de valor. Aristóteles não podia entender ou revelar a essência real, a substância real das propriedades de troca das coisas como, pois esta substância é, na verdade, trabalho social. A questão é que os conceitos de valor e trabalho não existiam. Apontemos ao mesmo tempo em que a noção abstrata geral de ambos não existia em sua época. “O trabalho parece ser uma categoria muito simples. A ideia de trabalho nesta universalidade – como trabalho em geral – é, também, das mais antigas” (Marx, 2003, p. 251)Referência 1, e Aristóteles era certamente consciente disso. Incluindo casa e cama numa noção abstrata de “produtos do trabalho em geral” não seria uma tarefa tão complicada, e ainda assim insolúvel, para Aristóteles.
O que faltava a Aristóteles era o conceito de valor. A palavra, o nome que contém a abstração simples do valor existia na época, naturalmente, assim como em seu tempo também existiam comerciantes que consideravam todas as coisas do ponto de vista abstrato de comprar e vender.
Mas o conceito de trabalho não existia na época. Isso mostra meramente, mais uma vez, que na terminologia de Marx um conceito é algo diferente de uma noção geral abstrata fixada em um termo. O que é então?
O conceito de trabalho (sendo distinto de e oposto a uma noção geral abstrata dele) assume uma realização do papel do trabalho no processo global da vida humana. Na época de Aristóteles, trabalho não era visto como uma substância universal de todos os fenômenos da vida social, como a “essência real” de tudo que era humano, como a fonte real de todas as qualidades humanas sem exceção.
O conceito de um fenômeno existe, em geral, somente onde este fenômeno é entendido não abstratamente (isto é, não como um fenômeno recorrente), mas concretamente, isto é, em consideração a sua posição e papel em um sistema definido de fenômenos interagindo, em um sistema formando certo todo coerente. Um conceito existe onde o particular e o individual são realizados como mais do que meramente o individual e o particular (apesar de recorrente) – eles são realizados através de seus elos mútuos, através do universal construído como uma expressão do princípio destes elos.
Aristóteles não possuía tal concepção de trabalho, pois a humanidade ainda não havia elaborado naquela época qualquer realização clara do papel e lugar do trabalho no sistema da vida social. Além disso, os contemporâneos de Aristóteles não acreditavam ser o trabalho a forma da atividade da vida que poderia ser incluída na própria esfera da vida humana. Ele não concebia o trabalho como a substância real de todas as formas e modos da vida humana. Não surpreendentemente, ele falhou em entendê-lo como a substância das propriedades de troca de uma coisa. Na terminologia de Marx, isso significa precisamente isto, que ele não possui um conceito de trabalho e valor, mas somente uma noção abstrata deles. Essa noção abstrata não poderia servir como a chave para entender a essência da troca mercantil.
Os representantes clássicos da economia burguesa foram os primeiros a perceber o trabalho como a substância real de todas as formas de vida econômica, incluindo, primeiro de tudo, tal forma como a troca mercantil. Isso significa que eles foram os primeiros a formar um conceito daquela realidade que Aristóteles possuía somente uma noção abstrata. A razão para isso não é, naturalmente, que os economistas Ingleses provaram ser melhores lógicos do que o Estagirita. A razão é que os economistas estudaram essa realidade dentro de um ambiente social melhor desenvolvido.
Marx mostrou claramente o que estava envolvido aqui: o próprio objeto de estudo, neste caso a sociedade humana, maturou a um nível que era necessário e possível estudar em termos de conceitos expressando a substância concreta de todas as suas manifestações.
Trabalho como uma substância universal, como uma “forma ativa” apareceu aqui, não somente na consciência, mas também na realidade, como aquele “gênero real aproximado” que Aristóteles falhou em ver. A redução de todos os fenômenos ao “trabalho em geral”, ao trabalho desprovido de todas as diferenças qualitativas, pela primeira vez tomou lugar aqui na realidade das próprias relações econômicas, ao invés de cabeças fazendo abstrações ou teóricos. Valor se tornou aquele objetivo para uma questão de que cada coisa era realizada no trabalho; se tornou uma “forma ativa”, uma lei universal concreta governando os destinos de cada coisa separada e cada indivíduo separado.
O ponto é que a redução do trabalho desprovido de todas as diferenças aparece aqui como uma abstração, mas como uma abstração real “que se faz diariamente no processo da produção social” (Marx, 2003, p. 15)Referência 2. Como Marx colocou, essa redução não é mais nem menos uma abstração do que resolução de corpos orgânicos no ar.
De fato, o trabalho assim medido pelo tempo não aparece como trabalho de indivíduos diferentes, antes os diferentes indivíduos que trabalham aparecem normalmente como simples órgãos do trabalho (Marx, 2003, p. 15)Referência 3.
Aqui o trabalho em geral, trabalho enquanto tal aparece como uma substância universal concreta, e um único indivíduo e o único produto de seu trabalho, como manifestações dessa essência universal.
O conceito de trabalho expressa algo muito maior do que meramente os elementos idênticos que podem ser abstraídos das atividades de trabalho das pessoas individuais. É uma lei universal real que domina o individual e o particular, determina seus destinos, os controla, faz deles seus órgãos, os forçando a desempenhar as funções dadas e não outras.
Os próprios particular e individual são formados de acordo com os requerimentos contidos no universal real, e a impressão é que o individual em sua particularidade aparece como a personificação individual do realmente universal. Distinções entre os individuais provar ser uma forma de manifestação do universal, ao invés de algo estando lado a lado com o universal e não tendo relação com ele.
Um conceito é uma expressão teórica desse universal. Através do conceito, todo elemento particular e individual é apreendido precisamente naqueles aspectos que pertencem ao todo dado, é uma expressão da substância concreta dada e é compreendido como um elemento surgindo e desaparecendo do movimento do sistema específico concreto de interação. A própria substância, o sistema concreto de fenômenos interagindo é entendido como um sistema que foi formado historicamente.
Um conceito (sendo distinto de uma noção geral expressa em uma palavra) não equipara meramente uma coisa (objeto, fenômeno, evento, fato etc.) a outro no gênero próximo, extinguindo nele todas as diferenças específicas, abstraindo delas. Algo bem diferente toma lugar no conceito: o objeto individual é refletido em suas características particulares o que o torna um elemento necessário de algum todo, uma expressão individual (unilateral) de um todo concreto. Cada elemento separado de qualquer todo dividido dialeticamente, expressa, unilateralmente, a natureza universal deste todo precisamente em sua diferença de outros elementos, ao invés de através da afinidade abstrata entre eles.
O conceito (em seu sentido preciso e estrito) não é assim um monopólio de pensamento teórico científico. Cada homem possui um conceito, ao invés de uma noção geral expressa em um termo, sobre coisas como mesa ou cadeira, faca ou fósforos. Todos entendem muito bem o papel dessas coisas em nossas vidas e as características específicas devidos ao que desempenham um papel dado, ao invés de algum outro e ocupam uma posição dada, ao invés de alguma outra, no sistema de condições da vida social na qual eles foram feitos, no qual eles surgiram. Neste caso o conceito está presente em sua definição mais plena, e todo homem conscientemente manipula coisas de acordo com seu conceito, provando assim que ele possui este conceito.
Coisas como átomo ou arte são uma questão bem diferente. Não é todo artista que possui um conceito bem desenvolvido de arte, de forma alguma, apesar de ele criar trabalhos magníficos de arte. O presente autor não se envergonha de admitir que possui uma noção bastante vaga do átomo, quando comparado a um físico. Mas não é todo físico que possui um conceito do conceito. Um físico que evita filosofia dificilmente o adquirirá.
Para escapar de desentendimentos, nós agora devemos fazer a seguinte qualificação. No presente trabalho pensamento é tomado para significar primeiro de tudo pensamento teórico científico, isto é, pensamento operando em estudo teórico científico do mundo. Esta restrição no escopo do trabalho não significa absolutamente que o tão falado pensamento diário não é digno da lógica como ciência ou que ele se desenvolve de acordo com leis diferentes. A questão é que o pensamento teórico científico é a forma mais bem desenvolvida de pensamento. Sua análise assim permite estabelecer, com grande facilidade, as leis que operam no pensamento em geral. Por outro lado, o pensamento como é praticado no dia a dia não se empresta tão facilmente à descoberta dessas leis universais e formas do pensamento: eles estão sempre escondidos da visão por uma massa de complicações, de vários fatores e circunstâncias. O processo de pensamento é aqui frequentemente interrompido por interferências devido à associação pura ou motivos emocionais puramente individuais; muito frequentemente um número de elos na cadeia do raciocínio são simplesmente omitidos, a lacuna sendo preenchida com um argumento baseado em experiências puramente individuais que cruzam a mente da pessoa; não menos frequentemente o homem se orienta em uma situação, em sua relação com outro homem ou evento, com a ajuda do gosto e percepção estético bem desenvolvido, enquanto o raciocínio no sentido estrito desempenha um papel acessório ou auxiliar etc., etc. Por todas essas razões, pensamento diário é um objeto bastante inconveniente da análise lógica, um estudo visado a estabelecer a lei universal do pensamento em geral. Essas leis operam aqui permanentemente, mas é muito mais difícil estuda-las isoladas do efeito das circunstâncias complicadoras do que na análise do processo teórico científico. No último, as formas e leis universais do pensamento geralmente aparecem em um aspecto muito mais “puro”; aqui como em todo lugar, a forma mais desenvolvida nos permite entender o menos desenvolvido em sua essência genuína, quanto mais as possibilidades e prospectos do desenvolvimento em direção a uma forma mais alta e mais avançada pode ser levada em conta.
Pensamento teórico científico está exatamente nesse tipo de relação com o pensamento diário: a anatomia do homem fornece a chave para a anatomia do macaco, e não vice-versa, e “rudimentos das formas mais avançadas” podem somente ser corretamente entendidas quando essas formas mais avançadas são bem conhecidas por si mesmas. Procedendo dessa hipótese metodológica geral, nós consideramos as leis e formas do pensamento em geral, sobretudo em consideração à forma que eles aparecem no pensamento teórico científico. Nós obtemos assim a chave para compreender outras formas e aplicações do pensamento que são em certo sentido mais complicadas do que pensamento científico, do que a aplicação da habilidade de pensar a solução dos problemas teóricos científicos, de delinear claramente e estritamente problemas. É lógico que as leis universais do pensamento são as mesmas tanto no pensamento científico quanto no tão falado pensamento diário. Mas eles são mais fáceis de discernir no pensamento científico pela mesma razão pela qual as leis universais do desenvolvimento da formação capitalista seriam mais facilmente estabelecidas, na metade do século XIX, pelas análises do capitalismo inglês, do que do russo ou italiano.