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Examinamos, em seu princípio e em suas aplicações, a estratégia ofensiva de Dmitrov relativamente à polícia, ao juiz de instrução, aos procuradores, aos advogados, à imprensa, às testemunhas nazis, aos espiões e ministros. Estudamos como Dmitrov pôs a nu publicamente todos os pontos fracos do inimigo, com que clarividência e com que heroísmo tenaz desmascarou os provocadores e incendiários.
Resta-nos ilustrar Com alguns exemplos a estratégia de Dmitrov para com o próprio tribunal.
Para começar, lembremos como Dmitrov, no decorrer de nossa entrevista, caracterizou essa estratégia:
— “Assim, o tribunal encontrou-se isolado, enfraquecido. Para com ele, minha tática foi mais elástica. Pude, porém, conservar sempre a iniciativa conquistada desde o princípio”.
Já mostramos como tinha tomado e sabido conservar essa iniciativa, não obstante as interrupções, recusas de palavra, expulsões, arbitrariedades de que foi objeto, de parte de um presidente em apuros.
Em que Dmitrov, para conservar o domínio dos debates, se mostrou ao mesmo tempo elástico e firme?
Mostrou-se elástico, no sentido de que nunca perdeu O sangue frio, submetido durante três meses a rude prova, em que seu vocabulário sempre permaneceu calmo, impecável, sem violências verbais inúteis: isto lhe facultava dizer tudo, levar para a frente sua ofensiva política em profundidade e atingir todos os seus objetivos, mesmo os mais perigosos, sem jamais oferecer à repressão, às sanções de audiência, o mínimo pretexto que pudesse parecer plausível à opinião popular informada pela imprensa internacional.
“Para abalar os alicerces da acusação, disse-me ele, não basta apenas fazer discursos políticos perante o tribunal e deitar em silêncio os detalhes da acusação”.
Disse-me ainda que “é preciso atentar cuidadosamente para todos os detalhes da acusação e do processo, acompanhar tudo, contar com tudo, utilizar todas as possibilidades que o processo pode oferecer: acusações concretas devem ser combatidas com fatos concretos e tudo isso deve ser feito do ponto de vista e no interesse da defesa política”.
Ser corajoso e tudo subordinar à defesa política não significa que só se devam pronunciar discursos de comício ou se devam injuriar os juízes.
Meditemos nestas palavras instrutivas e ricas de sentido que anotei no decorrer de minha entrevista com Dmitrov:
— “É mister ter uma atitude corajosa. Mas é falso e estúpido só pronunciar frases comunistas e insultar o tribunal... Comecei por caracterizar o tribunal como instrumento da ditadura fascista, porque eu sabia que, desse modo, perderia a possibilidade de continuar minha defesa: antes, conduzi minha defesa de modo a que toda a gente se capacitasse de que o tribunal é efetivamente um instrumento da ditadura fascista”.
Foi graças a essa elasticidade que usou perante o tribunal que Dmitrov pôde, até o fim, formular as perguntas mais necessárias, forçar as testemunhas, seja à confissão, seja à retratação, seja às contradições e às mentiras desastradas, que a imprensa estrangeira era obrigada a reproduzir e comentar. “E quando, a partir de 1.° de dezembro, o Tribunal deliberou privá-lo do direito de formular perguntas orais”, submeteu ao Tribunal as perguntas que tinha redigido por escrito”.
Foi graças a essa elasticidade, que Dmitrov pôde revelar às massas populares como, nas condições mais difíceis da ditadura fascista, se pode e deve utilizar todas as possibilidades legais. Demonstrou, com seu próprio exemplo, antes de formulá-lo, com incomparável autoridade, em seu imortal relatório para o VII Congresso da Internacional Comunista.
Foi, enfim, graças a essa elasticidade que pôde demonstrar ao mundo inteiro que os abusos de autoridade, as arbitrariedades, os golpes de força cada vez mais amiudados contra ele “eram tantas outras provas, não da força, mas da fraqueza real do inimigo, particularmente do tribunal, instrumento judiciário do inimigo”. Ainda aí, é seu próprio exemplo que dá tanto peso à afirmação decisiva de seu relatório ao VII Congresso sobre a precariedade da ditadura fascista.(1)
Essa elasticidade, porém, aliava-se a uma firmeza de granito, a uma firmeza que se tornara legendaria, a tal ponto, que a legenda, popularizando-a por toda a parte, a iluminou com uma luz crua, deixando de certo modo na sombra os outros traços dessa fisionomia a que nada falta.
Suas réplicas celebres, suas declarações escritas (que ele teve a habilidade de guardar para nós), testemunham a extraordinária autoridade que soubera conquistar e medem a força das posições que soubera tomar.
Não retornaremos, aqui, às intervenções famosas pelas quais, desde o dia do seu primeiro interrogatório, 23 de setembro, já inspirara respeito, impusera seu domínio, introduzira o proletariado na sala de audiência.
Lembremos simplesmente, por um ou dois exemplos, com que justeza e com que eficacia Dmitrov, interrompido incessantemente, faz estalar como um chicote, aos ouvidos dos juízes, sua ironia.
Para começar, essa lição de modéstia, de humildade mesmo, que dedica à fauna grenat e parda que observa e cujos reflexos analisa com olho de zoologista:
— “Passo minha vida a estudar. Ainda aqui, nesta sala, aprendo teórica e praticamente muitas coisas, e, entre outras, o que é a justiça do III Reich!”
Eis o tema que Dmitrov iria desenvolver (desta vez, sem ironia) dois anos depois, perante o VII Congresso da Internacional Comunista, no discurso de encerramento que pronunciou após os debates que se seguiram ao, seu relatório.
— “Tal inimigo, disse falando do fascismo, é mister conhecê-la exatamente e sob todos os ângulos... Não se deve ter nenhum escrúpulo em aprender, mesmo com o inimigo, se isso nos ajuda a torcer-lhe o pescoço mais depressa e seguramente.(2)
Outro exemplo é-nos fornecido pela carta de admirável dignidade que enviou ao presidente no dia seguinte ao da audiência de onde foi expulso (era então a segunda expulsão) por ter exclamado que ele não era apenas o acusado Dmitrov, mas também o defensor do acusado Dmitrov.
Depois de ter recordado que foi pelo fato do tribunal lhe recusar todos os defensores de sua escolha, que foi forçado a defender-se só e, portanto, a comparecer em sua dupla qualidade de acusado e de defensor de si mesmo, depois de ter repetido essa frase que acabara de provocar-lhe a expulsão, dá à sua indignação uma forma friamente sarcástica:
“Admito que, ao mesmo tempo como acusado e como defensor de mim mesmo, seja desagradável e incomodo para meus acusadores e para seus comitentes. Não posso porém impedi-lo. A mesa do Tribunal foi bastante imprudente para fazer-me sentar, a mim, apesar de minha completa inocência, no banco dos réus, perante o Tribunal do Império; agora, tendes que pagar pela vossa imprevidência. Preparastes o prato e agora é preciso engoli-lo. Que o acheis bom ou não, isso não é de minha conta; isso não me interessa absolutamente. Tenho em vista comparecer perante vós como acusado político e não como soldado na caserna ou prisioneiro de guerra no campo de concentração”.(3)
Sem demora, evoca, pela primeira vez, a imagem dominante do Mefistófeles do incêndio, do Mefistófeles desaparecido, que delibera, em sua qualidade de inocente acusado e sobretudo de comunista, fazer surgir aos olhos de todos.
Retorna, depois, ao modo irônico, para tratar um tema que retomará em seu discurso final e assim se poderia formular: “nosso melhor propagandista é vossa maneira desastrada!”
— “Não tenho necessidade de fazer propaganda perante o Tribunal do Império. Tanto mais quanto a melhor propaganda para o comunismo já está feita, não por mim, aliás, más pela ata de acusação ‘clássica’ do Sr. Dr. Parisius e pelo próprio fato de que comunistas inocentes são acusados de incendiários do Reichstag”.(4)
E conclui por um desafio e um ultimatum cuja elevação nada iguala:
— “Tenho o direito natural de defender-me e de tomar parte ativa nos debates, como acusado e como defensor de mim mesmo. É claro que nenhuma expulsão de vossas audiências poderia, a esse respeito, intimidar-me. Essas expulsões, que me afastam das audiências, precisamente das mais importantes, constituem uma violação evidente do meu direito de defesa; mostram simplesmente ao universo que meus próprios acusadores não se sentem tão seguros do seu trabalho; abrirão os olhos a muitos daqueles que são desprovidos de senso crítico, e, desse modo, são adequadas para dar à propaganda comunista um alimento novo. Se se continuar a tratar-me desta maneira insuportável, terei de dizer francamente que me verei constrangido a perguntar a mim mesmo se é verdadeiramente útil que eu compareça ainda perante o tribunal. E, pouco me importariam as consequências que disso poderiam resultar”.(5)
Essa intimação foi tão certeira que, durante certo tempo, as medidas de expulsão não foram renovadas.
Depois de três meses de luta em várias frentes, o documento ao qual Dmitrov dedicara todo o seu cuidado, era naturalmente sua declaração final.
Já falamos da importância primordial que Lênin ligava a essas declarações de princípio, que aconselhava a preparar antecipadamente.
Dmitrov guardou-nos suas notas preparatórias.
Essas notas é que ele tinha sob os olhos quando teve que expor imprevistamente, antes da data marcada, e de fazer essa inesquecível obra-prima de autodefesa revolucionária.
Recordemos, para começar, como agiu para oferecer a Torgler uma última oportunidade de reabilitar-se politicamente e para rebater o habilíssimo, o funesto Dr. Sack.
Aqui temos os detalhes inéditos que recebi do próprio Dmitrov ; demos-lhe a palavra:
— Queria dar a Torgler oportunidade para reparar, em seu discurso final, alguns de seus erros. Tinha sido anunciado nos jornais que os Drs. Sack, Seiffert e Teichert deveriam pronunciar suas alegações, depois do questionário do procurador-geral Parisius. Todos três, porém, declararam não querer fazer alegação nesse dia e pediram ao tribunal autorização para fazê-la no dia seguinte. O tribunal deliberava. Levanto-me, então e declaro: “Já que os pretensos defensores não estão prontos para fazer a alegação hoje, peço ao Sr. Presidente que me conceda a palavra. É claro, o tribunal opôs-se. Eu queria mostrar assim a Torgler que ele não se deveria fiar na defesa do Dr. Sack. que era preciso que se defendesse pessoalmente. Não obstante, tinha pouca esperança em que ele agisse assim. No dia seguinte, os defensores fizeram alegações. A do Dr. Sack foi um discurso infame contra o comunismo, discurso que pronunciava em nome de Torgler. Ora, Torgler lá estava sentado tranquilamente e não dizia palavra. Depois chegou nossa vez. Van der Lubbe tinha a palavra em primeiro lugar: nada tinha a dizer. Quando Torgler foi convidado a falar, levantou-se e pediu permissão para só falar depois dos búlgaros. O presidente respondeu-lhe que o Tribunal não compreendia a razão de tal solicitação, porém que lhe concedia essa autorização, já que era seu desejo e o defensor o apoiava. É-me concedida, então, a palavra. Começo a falar, embora não me tenha preparado para esse dia, porque tinha calculado que minha vez só chegaria depois da de Torgler. Por que Torgler terá pedido para falar depois de mim? Em minha opinião aqui temos a explicação: depois do discurso de Sack, na véspera, eu dissera rapidamente a Torgler. passando por ele, no corredor: ‘Ouça; na primeira ocasião, atacarei o Dr. Sack de tal maneira que você também, julgo, mudará de atitude a esse respeito’. Ele não podia me responder, porque tínhamos que continuar a andar. Sabia que eu atacaria o Dr. Sack e foi porque pensava que eu levaria a cabo esse ataque em meu discurso final que quis falar depois de mim, para poder responder-me: ‘infelizmente era-me impossível, em meu discurso, travar polemica contra Sack. Escolhi, pois, para minha declaração, a forma seguinte: ‘Prefiro ser condenado à morte inocente, a ter que dever minha absolvição a um defensor tal como o Dr. Sack’. Acrescentei ainda que não tinha o menor desejo de provar nem o mel nem o veneno da defesa ex-officio. Torgler respondeu indiretamente. Começou sua intervenção examinando sua enorme gratidão ao seu defensor, o Dr. Sack, por sua brilhante defesa. Declarou não querer ocupar-se de detalhes, por temer prejudicar a impressão grandiosa, e inaudita que essa alegação do seu defensor tinha produzido. Foi por essa razão que Torgler quisera falar depois de mim”.
Notas de rodapé:
(1) G. Dmitrov: A luta pela Frente Única, contra o fascismo e a guerra (ed. francesa), E.S.I., p. 26, e segs., Paris, 1938. (retornar ao texto)
(2) Idem, p. 106. (retornar ao texto)
(3) Cartas, notas e documentos. Ob. cit., p. 97. (retornar ao texto)
(4) Idem, p. 98. (retornar ao texto)
(5) Idem, p. 98. (retornar ao texto)