MIA > Biblioteca > Trotsky > Novidades
Transcrição autorizada |
Primeira Edição: Leon Trotsky, In Defense of Marxism, New York 1942.
Fonte: "Em Defesa do Marxismo", publicação da Editora "Proposta Editorial"
Direitos de Reprodução: © Editora Proposta Editorial. Agradeçemos a Valfrido Lima pela autorização concedida.
Estimado camarada:
Segundo me informaram, você expressou, como reação a meu artigo sobre a oposição pequeno-burguesa, que não tem intenção de discutir comigo sobre dialética, e que discutirá somente "questões concretas". "Há muito que deixei de discutir sobre religião", acrescentou você ironicamente. De minha parte, já ouvi Max Eastman apregoar uma vez este mesmo pensamento.
Tal como o entendo, suas palavras indicam que a dialética de Marx, Engels e Lênin pertencem à esfera da religião. O que significa esta afirmação? Permita-me recordar mais uma vez, a dialética é a lógica da evolução. Assim como um almoxarifado de máquinas de uma fábrica fornece ferramentas para todos os departamentos, assim a lógica é indispensável para todas as esferas do conhecimento humano. Se você não considera a lógica em geral como um preconceito religioso (lamento dizer, mas os escritos contraditórios da oposição se inclinam cada vez mais para esta lamentável idéia), então que lógica você aceita? Eu conheço dois sistemas de lógica, dignos de atenção: a lógica de Aristóteles (lógica formal) e a lógica de Hegel (lógica dialética). A lógica aristotélica toma como ponto de partida os fenômenos e objetos imutáveis. O pensamento científico de nossa época estuda todos os fenômenos em sua origem, mudança e desintegração. Você defende a idéia de que o progresso das ciências, inclusive o darwinismo, o marxismo, a química, e a física modernas etc., não influíram de forma alguma nas formas de nosso pensamento? Em outras palavras, você admite que em um mundo onde tudo muda, só o silogismo permanece eterno e imutável? O Evangelho segundo São João, começa com as palavras: "No início foi o Verbo", ou seja, no início foi a Razão ou a Palavra (razão expressa pela palavra, ou seja, o silogismo). Para São João, o silogismo é um dos pseudônimos literários de Deus. Se você considera o silogismo imutável, ou seja, que não tem origem e nem desenvolvimento, isto significa então que para você, ele é produto da revelação divina. Porém, se você reconhece que as formas lógicas de nosso pensamento se desenvolvem no processo de nossa adaptação à natureza, então faça o favor de fazer a gentileza de nos informar quem é que, seguindo Aristóteles, analisou e sistematizou o subseqüente progresso da lógica. Contanto que você esclareça este ponto, tomarei a liberdade de afirmar que identificar a lógica (a dialética) com a religião, revela profunda ignorância e superficialidade nas questões básicas do pensamento humano.
No entanto, suponhamos que a sua mais presunçosa insinuação seja correta. Porém, isto não melhora as coisas em seu favor. A religião, espero que você esteja de acordo, desvia a atenção do conhecimento real para o fictício, da luta por uma vida melhor para as falsas esperanças de recompensas no Além. A religião ê o ópio do povo. Aquele que for incapaz de lutar contra a religião, é indigno de levar o nome de revolucionário. Com quais razões, então, você justifica sua recusa para lutar contra a dialética, se a considera como uma das variedades da religião?
Como você mesmo disse, há muito que deixou de se ocupar com a questão da religião. Mas você deixou de se preocupar para com você mesmo. Além de você, existem todos os outros. Que não são poucos. Nós, os revolucionários, nunca "deixamos" de nos preocupar sobre as questões religiosas, uma vez que nossa tarefa não consiste em emancipar só nós mesmos da influência da religião, mas também as massas. Se a dialética é uma religião, como é possível se renunciar à luta contra este ópio dentro do próprio partido?
Ou será que você tentou dizer que a religião não tem nenhuma importância política? Quem é capaz de ser religioso e ao mesmo tempo um lutador revolucionário e um comunista firme? Dificilmente você se aventurará a fazer uma afirmação tão temerosa. Naturalmente que mantemos a atitude mais considerada frente aos preconceitos religiosos de um operário atrasado. Se ele quiser lutar pelo nosso programa, o aceitamos como membro do partido; mas ao mesmo tempo, nosso partido o educará, persistentemente, no espírito do materialismo e do ateísmo. Se você está de acordo com isso, como pode se recusar a lutar contra uma "religião" defendida. Pelo que sei, pela esmagadora maioria daqueles membros de seu próprio que se interessam por questões teóricas? Claro que você foi superficial neste importantíssimo aspecto da questão.
Não existem poucos burgueses cultos que romperam pessoalmente com a religião, mas cujo ateísmo é unicamente para seu próprio consumo: conservam para si mesmos este pensamento, mas em público freqüentemente defendem que é conveniente que o povo tenha uma religião. Será possível que você defenda esta posição com relação a seu próprio partido? Será possível que isso é o que explica sua recusa em discutir conosco as bases filosóficas do marxismo? Se assim for, sob seu desdém pela dialética, percebe-se um toque de desprezo pelo partido.
Por favor, não me venha com a objeção de dizer que estou me baseando em uma frase pronunciada por você em uma conversa particular, e de que você não está interessado em refutar publicamente o materialismo dialético. Isto não é verdade. Sua frase intencionada serve somente de exemplo. Sempre que teve ocasião, você proclamou, por distintas razões, sua atitude negativa frente à doutrina que constitui a base teórica de nosso programa. Tal coisa é bem conhecida no partido, por todos. No artigo "Intelectuais em retirada", escrito por você, em colaboração com Shachtman, e publicado no órgão teórico do partido, afirma-se categoricamente que você rechaça o materialismo dialético. Depois de tudo isso, o partido não terá razão de saber por quê? Você supõe, realmente, que na Quarta Internacional, o editor de um órgão teórico pode se limitar a esta simples declaração; "Eu decididamente rechaço o materialismo dialético", como se tratasse de um cigarro que lhe é oferecido e ele diz: "Obrigado, não fumo". A questão de uma doutrina filosófica correta, ou seja, de um método correto de pensamento é de importância decisiva para um partido revolucionário, da mesma forma que um bom almoxarifado de máquinas é de importância decisiva para a produção. No entanto, é possível defender a velha sociedade com os métodos materiais e intelectuais herdados do passado. É absolutamente impensável que esta velha sociedade possa ser destruída, e uma nova seja construída, sem antes analisar criticamente quais os métodos que existem. Se o partido se equivoca nos fundamentos mesmos de seu pensamento, seu dever elementar consiste em assinalar o caminho correto. De outro modo, sua conduta será, inevitavelmente, interpretada como a atitude cavalheiresca de um acadêmico diante da organização proletária que, depois de tudo, é incapaz de compreender uma verdadeira doutrina "científica". Poderia haver algo pior do que isto?
Quem quer que conheça a história das lutas de tendências dentro dos partidos operários, sabe que as deserções para o campo do oportunismo e mesmo para o campo da reação burguesa, muito freqüentemente, começaram com o rechaço da dialética. Os intelectuais pequeno-burgueses, consideram a dialética como o ponto mais vulnerável do marxismo e, ao mesmo tempo, tiram vantagem do fato de que fica mais difícil aos operários verificarem as diferenças no plano filosófico do que no plano político. Tal fato, conhecido há muito, está demonstrado por toda a evidência da experiência. Além disso, é inadmissível desconhecer um fato ainda mais importante, que é o fato de que todos os maiores e mais destacados revolucionários — primeiro e antes de mais nada, Marx, Engels, Lênin, Rosa Luxemburgo, Franz Mehring — se basearam no materialismo dialético. Pode-se supor que todos eles eram incapazes de distinguir entre a ciência e a religião? Camarada Burnham, não é muita presunção de sua parte? Os exemplos de Bernstein, Kautski e Franz Mehring são extremamente instrutivos. Bernstein rechaçou categoricamente a dialética como "escolasticismo" e "misticismo". Kautski se manteve indiferente frente à questão da dialética, mais ou menos como o camarada Shachtman. Mehring foi um incansável propagandista e defensor do materialismo dialético. Durante décadas, seguiu todas as inovações da filosofia e da literatura, desmascarando incansavelmente a essência reacionária do idealismo, do neokantismo, do utilitarismo, de todas as formas de misticismo etc. O destino político desses três indivíduos é muito bem conhecido. Bernstein terminou sua vida como um pulcro democrata pequeno-burguês. Kautski, de centrista, se transformou em um vulgar oportunista. Enquanto que Mehring, morreu como um comunista revolucionário.
Na Rússia, três marxistas acadêmicos muito proeminentes – Struve, Bulgakov e Berdiaev – começaram rechaçando a doutrina filosófica do marxismo e terminaram no campo da reação e da Igreja Ortodoxa. Nos Estados Unidos, Eastman, Sidney Hook e seus amigos, utilizaram a oposição à dialética como pretexto para as suas transformações de companheiros de viagem do proletariado, em companheiros de viagem da burguesia. Poderíamos ainda citar exemplos semelhantes de outros países. O exemplo de Plekanov, que parece uma exceção, na realidade só confirma a regra. Plekanov foi um notável propagandista do materialismo dialético, mas durante toda a sua vida nunca teve ocasião de participar na verdadeira luta de classes. Seu pensamento estava divorciado da prática. A revolução de 1905, e posteriormente a guerra mundial, jogaram-no no campo da democracia pequeno-burguesa e obrigaram-no a renunciar, na realidade, ao materialismo dialético. Durante a guerra mundial, Plekanov apresentou-se abertamente como protagonista do categórico imperativo kantiano na esfera das relações internacionais: "Não faças aos outros o que não queres que façam a ti". O exemplo de Plekanov só demonstra que o materialismo dialético em si e por si só, ainda não fazem de um homem um revolucionário.
Shachtman, por outro lado, argumenta que Liebknecht deixou um trabalho póstumo contra o materialismo dialético, que havia escrito na prisão. São muitas as idéias que entram na cabeça de uma pessoa enquanto ela está na prisão, idéias que não podem ser examinadas através da discussão com outras pessoas. Liebknecht, que ninguém, e muito menos ele próprio, considerava ser um teórico, transformou-se em símbolo de heroísmo dentro do movimento operário mundial. Se alguns dos adversários americanos da dialética, demonstrarem o mesmo espírito de sacrifício e de independência ante o patriotismo, durante a guerra, lhes renderíamos, o que lhes é devido como revolucionários. Porém, com isto, não estaria resolvida a questão do método dialético.
É impossível saber quais teriam sido as conclusões de Liebknecht se tivesse continuado em liberdade. Em todo caso, antes de publicar seu trabalho, certamente teria mostrado aos seus amigos mais competentes, ou seja, Franz Mehring e Rosa Luxemburgo. É muito provável que, por conselhos destes, tivesse simplesmente queimado o manuscrito. No entanto, suponhamos que contra o conselho de pessoas que o superavam completamente na esfera da teoria, tivesse decidido publicar seu trabalho. Mehring, Rosa Luxemburgo, Lênin e outros, naturalmente não haveriam de propor que por causa disso fosse expulso do partido; ao contrário, teriam intervindo decisivamente para apoiá-lo caso alguém tivesse feito uma proposta tão disparatada. Porém, ao mesmo tempo, não teriam formado um bloco filosófico com ele, mas teriam se diferenciado decisivamente de seus erros teóricos.
A conduta do camarada Shachtman, observamos, é completamente distinta. "Observareis — diz, e isto para ensinar à juventude! — que Plekanov era um destacado teórico do materialismo dialético, mas terminou como um oportunista; Liebknecht era um notável revolucionário, mas tinha suas dúvidas sobre o materialismo dialético". Este argumento significa, se é que tem algum significado, que o materialismo dialético não tem nenhuma importância para um revolucionário. Com estes exemplos de Liebknecht e Plekanov, artificialmente arrancados da história, Shachtman reforça e "aprofunda" a idéia de seu artigo do ano passado, ou seja, que a política não depende do método, uma vez que o método está divorciado da política pelo divino dom da inconsistência. Interpretando falsamente duas "exceções", Shachtman tenta destruir a regra. Se este é o argumento de um "defensor" do marxismo, que podemos esperar de um adversário? A revisão do marxismo passa aqui à sua liquidação simples e pura; mais do que isso, à liquidação de toda doutrina e de todo método.
Naturalmente, o materialismo dialético não é uma filosofia eterna e imutável. Pensar em outra coisa seria contradizer o espírito da dialética. O desenvolvimento ulterior do pensamento científico criará, indubitavelmente, uma doutrina mais profunda na qual o materialismo dialético entrará simplesmente como material estrutural. No entanto, não existe nenhuma base para se esperar que esta revolução filosófica se realize sob o decadente regime burguês, sem mencionar o fato de que um Marx não nasce todos os anos nem em todas as décadas. A tarefa de vida ou morte do proletariado não consiste atualmente, em interpretar de novo o mundo, mas em refazê-lo, de cima a baixo. Na próxima época podemos esperar grandes revoluções de ação, mas dificilmente um novo Marx. Somente sob a base de uma cultura socialista a humanidade sentirá a necessidade de revisar a herança ideológica do passado e sem dúvida nos superará não só na esfera da economia, como também na da criação intelectual. O regime da burocracia bonapartista da URSS é criminoso não só porque cria uma desigualdade sempre crescente em todas as esferas da vida, mas também porque degrada a atividade intelectual do país à abjeção dos desenfreados imbecis da GPU.
No entanto, suponhamos que ao contrário de nossa suposição, o proletariado seja tão afortunado durante a atual época de guerras e revoluções, a ponto de produzir um novo teórico ou uma nova constelação de teóricos que superarão o marxismo e em particular, façam a lógica avançar além do materialismo dialético. Não é preciso dizer que todos os operários avançados aprenderão com seus novos professores e os antigos homens terão novamente que se reeducar. Porém, por enquanto, isto permanece como a música do futuro. Ou eu estou enganado? Será que você chamará minha atenção para aqueles trabalhos que deverão suplantar o sistema do materialismo dialético para o proletariado? Se estes trabalhos estivessem à mão, certamente você não teria se recusado a conduzir a luta contra o ópio da dialética. Mas não existe nenhum trabalho. Enquanto tenta desacreditar a filosofia do marxismo, você não propõe nada para substituí-la.
Imagine-se como um jovem médico, aficcionado, que inicia uma discussão com um cirurgião que utiliza o bisturi, dizendo a ele que a anatomia moderna, a neurologia etc., não têm valor, que nelas existe muita coisa que permanece pouco claro e incompleto e que somente "burocratas conservadores" se poriam a trabalhar com um bisturi, baseando-se nestas pseudociências etc. Acredito que o cirurgião exigiria que seu irresponsável colega abandonasse a sala de operações. Também nós, camarada Burnham, não podemos fazer insinuações baratas sobre a filosofia do socialismo científico. Ao contrário, já que no transcurso da luta fracional, a questão foi colocada categoricamente, diremos, dirigindo-nos a todos os membros do partido, especialmente à juventude: cuidado com a infiltração do ceticismo burguês em vossas fileiras. Recordem que o socialismo não encontrou até o presente, uma expressão científica superior ao marxismo. Tenham presente o fato de que o método do socialismo científico é o materialismo dialético! Estudem seriamente! Estudem Marx, Engels, Plekanov, Lênin e Franz Mehring. Isto é cem vezes mais importante para vocês do que o estudo de tratados tendenciosos, estéreis e ligeiramente ridículos sobre o conservadorismo de Cannon. Que a discussão atual produza pelo menos este resultado positivo, que a juventude tente introduzir em sua mente uma séria base teórica para a luta revolucionária!
No entanto, em seu caso, o problema não se reduz à dialética. Em sua resolução, as observações no sentido de que você não coloca agora à decisão do partido, a questão da natureza do Estado soviético, na verdade significam que você coloca esta questão, senão juridicamente, pelo menos teórica e politicamente. Somente as crianças são incapazes de entender tal coisa. Esta mesma declaração tem também um outro significado, muito mais violento e perigoso. Significa que você divorcia a política da sociologia marxista. No entanto, para nós, o nó da questão radica, precisamente nisto. Se for possível definir corretamente o Estado sem utilizarmos o método do materialismo dialético; se for possível determinar corretamente a política, sem fazer uma análise de classe do Estado, surge então a seguinte pergunta: Existe alguma necessidade de marxismo, qualquer que seja ela?
Estando em desacordo uns com os outros sobre a natureza de classe do Estado soviético, os líderes da oposição estão de acordo sobre o fato de que a política externa do Kremlin deve ser qualificada de "imperialista" e que a URSS não pode ser apoiada "incondicionalmente" (que plataforma extremamente substancial!). Quando a "camarilha" opositora colocar categoricamente no congresso a questão da natureza do Estado soviético (que crime!) você, antecipadamente achará melhor concordar em... não estar de acordo, ou seja, votar de forma diferente. No governo "nacional” britânico, dá-se este exemplo, de ministros que "concordam em não concordar", ou seja, votar de forma diferente. Porém, os ministros de Sua Majestade gozam desta vantagem: sabem perfeitamente qual a natureza de seu Estado e podem se dar ao luxo de não estar de acordo nas questões secundárias. Os líderes da oposição estão situados muito menos favoravelmente. Se permitem o luxo de discordar na questão fundamental, a fim de se solidarizarem nas questões — secundárias. Se isto é marxismo e política de princípios, então eu não sei o que quer dizer sobre o significado de combinações sem princípios.
Aparentemente, você parece considerar que ao recusar-se a discutir o materialismo dialético e a natureza de classe do Estado soviético e ao destacar as questões "concretas", atua como um político realista. Este auto-engano é fruto de seu conhecimento inadequado sobre a história dos últimos 50 anos de lutas fracionais dentro do movimento operário. Em toda discussão de princípios, sem qualquer exceção, os marxistas, invariavelmente, procuraram colocar claramente ao partido os problemas fundamentais de doutrina e de programa, considerando que somente nesta situação as questões "concretas" poderiam se situar em seu verdadeiro lugar e proporção.
Por outro lado, os oportunistas de todo tipo, especialmente aqueles que sofreram algumas derrotas no terreno das discussões de princípio, invariavelmente contrapõem à análise marxista de classe, apreciações conjunturais "concretas" que formulam, como de costume, sob a pressão da democracia burguesa. Através de décadas de luta fracional, esta divisão de papéis persistiu. A oposição, permita-me assegurar, não inventou nada de novo. Continua a tradição do revisionismo na teoria, e do oportunismo na política.
No final do século passado, as tentativas revisionistas de Bernstein, que na Inglaterra se realizaram sob a influência do empirismo e do utilitarismo anglo-saxão — a mais podre das filosofias! — foram impiedosamente rechaçadas. Depois disso, repentinamente, os oportunistas alemães se distanciaram da filosofia e da sociologia. Nos congressos e na imprensa, não paravam de censurar os marxistas "pedantes" que substituíam as "questões políticas concretas" com considerações gerais de princípio. Leia os anais da social-democracia alemã do final do século passado e inícios do atual, e você mesmo ficará assombrado com o grau em que, como dizem os franceses, le mort saisit le vif (o morto agarra o vivo)!
Você não conhece o grande papel jogado pelo Iskra no desenvolvimento do marxismo russo. O Iskra começou com a luta contra o chamado "economicismo" dentro do movimento operário e contra o narodniki (Partido dos Socialistas Revolucionários). O principal argumento dos "economicistas" era o de que o Iskra vagava na esfera da teoria enquanto que eles, se propunham a dirigir o movimento operário concreto. O principal argumento dos socialistas-revolucionários era o seguinte: o Iskra quer fundar uma escola de materialismo dialético, enquanto nós queremos derrotar a autocracia czarista. Deve-se destacar que os terroristas narodnikis levavam suas palavras ao pé-da-letra: de bombas nas mãos, sacrificavam suas vidas. Nós discutíamos com eles: "Em certas circunstâncias, uma bomba é uma coisa excelente, mas antes devemos aclarar nossas mentes". Faz parte da experiência histórica, o fato de que a maior revolução de toda a história não foi dirigida pelo partido que começou com bombas, mas pelo partido que começou com o materialismo dialético.
Quando os bolcheviques e os mencheviques ainda eram membros do mesmo partido, os períodos anteriores aos congressos (pré-congressos) e os próprios congressos, se caracterizavam, invariavelmente, por uma amarga luta contra a ordem do dia. Lênin tinha o costume de propor como primeiro ponto da ordem do dia questões como a clarificação da natureza da monarquia czarista, a análise do caráter de classe da revolução, a análise das etapas da revolução porque estávamos passando etc. Martov e Dan, líderes mencheviques, quase sempre objetavam: não somos um clube sociológico, mas um partido político; devemos chegar a um acordo não sobre a natureza de classe da economia czarista, mas sobre as "tarefas políticas concretas". Cito estas coisas de memória, mas não corro nenhum risco de estar equivocado porque estas discussões se repetiam todos os anos e acabaram tendo um caráter estereotipado. Poderia acrescentar que eu, pessoalmente, cometi não poucos pecados neste aspecto. Porém, a partir de então, aprendi algo.
Àqueles enamorados das "questões políticas concretas", Lênin sempre explicava que nossa política não era conjuntural, mas de caráter principista; que a tática está subordinada à estratégia; que para nós o interesse fundamental de toda campanha política consiste em guiar os trabalhadores até as questões gerais, partindo das questões particulares, coisa que lhes é ensinado pela natureza da sociedade moderna e pelo caráter de suas forças fundamentais. Os mencheviques sempre sentiam a urgente necessidade de dissimular as diferenças de princípios em seu conglomerado instável, através de evasivas, enquanto que Lênin, ao contrário, colocava diretamente, sem rodeios, as questões de princípio. Os argumentos comuns da oposição, contra a filosofia e a sociologia e a favor das "questões políticas concretas", não são mais do que uma repetição atrasada dos argumentos de Dan. Nem uma só palavra nova! E lamentável o fato de que Shachtman respeite a política de princípios do marxismo somente quando esta já tenha se envelhecido o suficiente para ir fazer parte de arquivos.
Camarada Burnham, soa particularmente falso e inadequado em seus lábios, o chamado para se passar da teoria marxista às "questões políticas concretas", porque não fui eu mas você quem colocou a questão do caráter da URSS, obrigando-me dessa forma a colocar a questão do método através do qual se determina o caráter de classe do Estado. É verdade que você abandonou sua resolução. Porém, esta manobra fracional não tem, absolutamente, nenhum significado objetivo. Você extraiu suas conclusões políticas a partir de sua premissa sociológica, ainda que temporariamente, tenha feito com que ela passasse rapidamente para sua maleta de papéis. Shachtman extraiu exatamente as mesmas conclusões políticas, sem uma premissa sociológica: se adaptou a você. Abern procura tirar proveito, igualmente, para suas combinações "organizativas", tanto da premissa oculta como da falta de premissa. Esta é a verdadeira e não a diplomática situação no campo da oposição. Você procede como antimarxista; Shachtman e Abern como marxistas... platônicos. É difícil determinar quem é o pior.
Quando examinamos a frente diplomática que cobre as premissas ocultas e a falta de premissas de nossos adversários, nós, os "conservadores", naturalmente contestamos: é possível realizar uma discussão frutífera sobre "questões políticas concretas", somente se especificarmos claramente quais são as premissas de classe que vocês tomam como ponto de partida. Não estamos obrigados a nos limitar àqueles tópicos da discussão que vocês selecionaram artificialmente. Se alguém tivesse proposto que discutíssemos como questões "concretas" a invasão da Suíça pela frota soviética ou a extensão do rabo de uma bruxa do Bronx, então eu teria razão em fazer, primeiro, as seguintes perguntas: a Suíça possui costa marítima? Existem bruxas?
Toda discussão séria se desenvolve a partir do particular: e ainda do acidental ao geral e fundamental. As causas e os motivos imediatos de uma discussão, na maior parte dos casos, são de um interesse somente sintomático. Possuem uma verdadeira importância política somente aqueles problemas que a discussão coloca em seu desenvolvimento. Para certos intelectuais, ansiosos em assinalar o "conservadorismo burocrático" e deslanchar seu "espírito dinâmico", pode parecer que as questões que se referem à dialética, ao marxismo, à natureza do Estado, ao centralismo, são colocadas "artificialmente" e que a discussão tomou uma direção falsa. O nó da questão, no entanto, consiste no fato de que a discussão tem sua própria lógica objetiva que não coincide, em nada, com a lógica subjetiva dos grupos e indivíduos. O caráter dialético da discussão procede do fato de que seu curso objetivo está determinado pelo conflito das tendências opostas e não por um plano lógico pré-concebido. A base materialista da discussão consiste no fato de que reflete a pressão de distintas classes. Desta forma, a atual direção do SWP, como o processo histórico em seu conjunto, se desenvolve — com ou sem a sua permissão, camarada Burnham — de acordo com as leis do materialismo dialético. Não se tem como escapar destas leis.
Acusando seus adversários de "conservadorismo burocrático" (uma simples abstração puramente psicológica, já que você não demonstrou que existem interesses sociais específicos sob este "conservadorismo") você exige em seu documento que a política conservadora seja substituída por uma "política crítica e experimental", em uma palavra, por uma política científica" (p. 32). Esta declaração, à primeira vista tão inocente e carente de significado, com toda pomposidade, é em si mesma, uma exposição completa. Você não fala de política marxista. Nem de política proletária. Você fala de política "experimental", "crítica", "científica". Por que esta terminologia pretensiosa e deliberadamente confusa, tão estranha às nossas fileiras? Eu direi porque. É produto de sua adaptação, camarada Burnham, à opinião pública burguesa, e da adaptação de Shachtman e Abern à sua adaptação. Nos amplos círculos intelectuais burgueses, o marxismo já não está mais em moda. Além disso, se alguém tiver que falar de marxismo, poderia ser visto — e que Deus não o permita! — como um materialista dialético. É melhor evitar esta palavra desacreditada. Com o que substituí-la? Com "ciência", naturalmente, inclusive Ciência escrita com letra maiúscula. E como todo mundo sabe, a ciência se baseia na "crítica" e nos "experimentos". Tem seu próprio som: Tão sólida, tão tolerante, tanta falta de sectarismo, tão professoral! Com esta fórmula, pode-se entrar em qualquer salão democrata.
Por favor, releia uma vez mais sua própria declaração: "No lugar de uma política conservadora, devemos empregar uma política audaz, flexível, crítica e experimental, em uma palavra, uma política científica". Não poderia ter dito melhor! Porém, esta é exatamente a fórmula de todos os charlatães pequeno-burgueses, todos os revisionistas e, dos últimos mas não menores, todos os aventureiros políticos que se contrapuseram ao "estreito", “limitado", "dogmático" e "conservador" marxismo.
Certa vez, Buffon disse: "O estilo é o homem". A terminologia política não é somente o homem, mas o partido. A terminologia é um dos elementos da luta de classes. Somente os pedantes sem vida podem não entender isso. No seu documento, você apaga, cuidadosamente — e ninguém mais a não ser você, camarada Burnham — não só palavras como dialética e materialismo, mas também a palavra marxismo. Você está acima de tudo isso. Você ê um homem de ciência "critica", "experimental". Exatamente pela mesma razão, você elegeu o qualificativo de "imperialismo" para definir a política exterior do Kremlin. Esta inovação o diferencia da terminologia demasiada embaraçosa da Quarta Internacional, ao criar fórmulas menos rigorosas, menos "religiosas", menos "sectárias", comuns a você — oh, feliz coincidência! — e à democracia burguesa.
Você quer experimentar? Mas permita-me recordar que o movimento operário possui uma larga história não isenta de experiências, ou se você preferir, de experimentos. Esta experiência tão custosamente adquirida cristalizou, na forma de uma doutrina determinada, o próprio marxismo, cujo nome você evita tão cuidadosamente. Antes de dar a você o direito de experimentar, o partido tem o direito de perguntar: Que método você vai utilizar? Henry Ford, dificilmente permitirá que um homem que não tenha assimilado as necessárias conclusões a partir do passado do desenvolvimento da indústria e dos inumeráveis experimentos já efetuados, venha fazer experiências em sua fábrica. Além disso, nas fábricas, os laboratórios de experimentação estão cuidadosamente separados da produção em massa. No terreno do movimento operário, os experimentos de curandeiros são ainda mais inadmissíveis, mesmo que se realizem sob a bandeira da "ciência" anônima. Para nós, a ciência do movimento operário é o marxismo. A ciência social sem nome, a Ciência com letra maiúscula, nós deixamos completamente à disposição de Eastman e seus semelhantes.
Sei que você discutiu com Eastman e que você argumentou muito bem algumas questões. Mas você discute com ele como um representante do mesmo círculo, e não como um agente do inimigo de classe. Você demonstrou isso, visivelmente, no artigo que escreveu junto com Shachtman, ao terminá-lo com o inesperado convite a Eastman, Hook, Lyons e o resto para que aproveitassem as páginas do New lnternational para difundir suas idéias. Nem mesmo lhe ocorreu que poderia ter-lhes obrigado a colocar a questão da dialética, obrigando deste modo, você a sair de seu diplomático silêncio.
No dia 20 de janeiro passado, muito antes desta discussão, em uma carta aberta ao camarada Shachtman, insisti sobre a urgente necessidade de acompanhar, atentamente, o desenvolvimento interno do partido stalinista. Escrevi: "Seria mil vezes mais importante do que convidar Eastman, Lyons e os demais a apresentarem seus suores pessoais. Fiquei um pouco assombrado com o fato de você ter publicado o último arrogante e insignificante artigo de Eastman. Ele possui, à sua disposição, o Harper's Magazine, o Modern Monthly, o Common Sense etc. Porém, estou absolutamente perplexo com o fato de você ter convidado, pessoalmente, esta gente para sujar as escassas páginas de New lnternational. A perpetuação desta polêmica pode interessar alguns intelectuais pequeno-burgueses, mas não os elementos revolucionários. Tenho a firme convicção de que é necessário uma certa reorganização do New lnternational e do Socialist Appeal: tomar maior distância de Eastman, Lyons etc.; e ficar mais próximo dos operários, e neste sentido, do partido stalinista".
Como sempre acontece em tais casos, Shachtman respondeu de forma desatenta e sem cuidado. Na realidade, a questão foi resolvida pelo fato de que os inimigos do marxismo, que vocês tinham convidado, se recusaram a aceitar o convite. No entanto, este episódio merece maior atenção. Por um lado, camarada Burnham, você, com o apoio de Shachtman, convida os democratas burgueses a enviar amistosas explicações para serem publicadas nas páginas do nosso órgão partidário. Por outro, você, com o apoio deste mesmo Shachtman, recusa-se a discutir comigo sobre dialética e a natureza de classe do Estado soviético. Isto não significa que você, juntamente com seu aliado Shachtman, voltou sua face para os semi-adversários burgueses e ficou de costas para seu próprio partido? Há muito tempo que Abern chegou à conclusão de que o marxismo é uma doutrina digna de atenção, mas que uma boa combinação oposicionista é algo muito mais substancioso, Entretanto, Shachtman resvala e cai, consolando-se com sábias idiotices. No entanto, acredito que seu coração esteja algo pesaroso. Depois de chegar a um certo ponto, espero que Shachtman se levante e comece novamente a subir. Com isso, expresso a esperança de que sua política fracional "experimental", se produzirá, pelo menos, em benefício da "Ciência".
Utilizando como sua minha observação sobre Darwin, Shachtman disse, segundo me informei, que você é um "dialético inconsciente". Esta ambígua cortesia não contém um só centímetro de verdade. Todo indivíduo, em uma ou outra medida é dialético, e na maior parte dos casos, inconscientemente. Uma dona de casa sabe que certa quantidade de sal condimenta agradavelmente a sopa, mas que uma quantidade maior faz com que esta se torne intragável. Conseqüentemente, uma camponesa ignorante, ao fazer a sopa, se guia pela lei hegeliana da transformação da quantidade em qualidade. Poderíamos citar uma quantidade infinita de exemplos parecidos, obtidos na vida cotidiana. Até os animais chegam às suas conclusões práticas baseando-se não somente no silogismo aristotélico, mas também na dialética hegeliana. Assim, a raposa sabe que existem aves e quadrúpedes gostosos e nutritivos. Ao cercar uma lebre, um coelho ou uma galinha, a raposa deduz: esta criatura extraordinária pertence ao tipo nutritivo e gostoso, e salta sobre a presa. Temos aqui um silogismo completo, ainda que possamos acreditar que a raposa nunca leu Aristóteles. Quando esta mesma raposa, no entanto, encontra o primeiro animal que lhe excede em tamanho, por exemplo, um lobo, rapidamente chega à conclusão de que a quantidade se transformou em qualidade, e começa fugir. Evidentemente as patas da raposa estão equipadas com tendências hegelianas, ainda que não plenamente conscientes. Tudo isto demonstra, ainda que só de passagem, que nossos métodos de pensamento, tanto a lógica formal como a dialética, não são construções arbitrárias de nossa razão, mas sim, expressões das verdadeiras inter-relações da própria natureza. Neste sentido, o universo interior está saturado de dialética "inconsciente". Porém a natureza não se deteve aqui. Produziu-se um desenvolvimento não pequeno antes que as relações internas da natureza passassem da consciência de raposas e homens para a linguagem, e que o homem chegasse a ser capaz de generalizar estas formas de consciência de transformá-las em categorias lógicas (dialéticas), criando assim a possibilidade de investigar mais profundamente no mundo que nos cerca.
Até hoje, a expressão mais acabada das leis da dialética que regem na natureza e na sociedade foram dadas por Hegel e Marx. Apesar do fato de Darwin não ter se interessado em verificar seus métodos lógicos, seu empirismo — o de um gênio — na esfera das ciências naturais alcançou as mais elevadas generalizações dialéticas. Neste sentido. Darwin foi — como manifestei em meu artigo anterior — um "dialético inconsciente". No entanto, não gostamos de Darwin por causa de sua incapacidade para chegar até a dialética, mas sim porque, apesar de seu atraso filosófico, nos explicou a origem das espécies. Deve-se assinalar que Engels se exasperava pelo estreito empirismo do método de Darwin, ainda que como Marx, apreciasse desde o inicio a grandiosidade da teoria da seleção natural. Ao contrário, Darwin permaneceu — ai! — ignorando o significado da sociologia de Marx até o fim de sua vida. Se Darwin houvesse feito declarações à imprensa, contra a dialética ou o materialismo, Marx e Engels o teriam atacado com força redobrada afim de não permitir que sua autoridade disfarçasse a reação ideológica.
Na defesa feita por Shachtman, no sentido de que você é um "dialético inconsciente", a ênfase deve ser colocada na palavra inconsciente. O objetivo de Shachtman (também parcialmente inconsciente) é defender seu bloco, junto com você, mediante a degradação do materialismo dialético. Porque na verdade, Shachtman diz: a diferença entre um dialético "consciente" e um "inconsciente" não é tão grande a ponto que possamos dar risadas sobre isso. Dessa forma, Shachtman tenta desacreditar o método marxista.
Porém, o mal vai ainda mais longe. No mundo existem muitos dialéticos inconscientes ou semiconscientes. Alguns deles aplicam de forma excelente a dialética materialista na política, ainda que não estejam interessados nas questões de método. Evidentemente, seria de um pedantismo imbecil atacar tais camaradas. Mas com você, camarada Burnham, a coisa é muito diferente. Você é um editor do órgão teórico cuja tarefa consiste em educar o partido no espírito do método marxista. No entanto, você é um adversário consciente da dialética, e de forma alguma um dialético inconsciente. Mesmo que nas questões políticas você tenha seguido com êxito a dialética, como insiste Shachtman, ou seja, ainda que você seja dotado de um "instinto" dialético, da mesma forma nos veríamos obrigados a iniciar uma luta contra você, porque seu instinto dialético, como outras qualidades individuais, não pode ser transmitido aos demais, e porque o método dialético consciente, em um ou outro grau, pode fazer-se acessível a todo o partido.
Inclusive, se você tem um instinto dialético — coisa que não vou julgar agora — este se vê afogado pela rotina acadêmica e pela altivez intelectual. O que nós chamamos instinto de classe do operário, aceita com relativa facilidade a consideração dialética das questões. Não podemos falar de semelhante instinto de classe em se tratando de um intelectual burguês. Somente superando conscientemente seu espírito pequeno-burguês, um intelectual divorciado do proletariado pode se elevar ao nível da política marxista. Infelizmente, Shachtman e Abern estão fazendo todo o possível para obstaculizar o seu caminho neste sentido. Com o apoio que lhe dão, prestam a você multo poucos serviços, camarada Burnham.
Você comete um desatino depois do outro, com o apoio do bloco que poderiam os chamar de "Liga do Abandono Fracional": na filosofia, na sociologia, na política, na esfera organizativa. Seus erros não são acidentais. Você trata toda questão de forma isolada, separando-a de sua conexão com as demais questões, longe de sua conexão com os fatores sociais e independentemente da experiência internacional. Você carece do método dialético. Apesar de toda a sua cultura, na política você procede como um curandeiro.
Na questão do Comitê Dies,(1) seu discurso embrulhado e confuso se manifestou não com menor transparência do que na questão da Finlândia. Frente aos meus argumentos em favor da utilização deste corpo parlamentar, você respondeu dizendo que a questão não deveria ser decidida de acordo com considerações de princípios, mas através de certas circunstâncias especiais que só você conhecia, mas que se absteve de especificar. Permita-me dizer quais eram estas circunstâncias: sua dependência ideológica frente a opinião pública burguesa. Ainda que a democracia burguesa, em todas as suas seções, incluindo o Comitê Dies, defenda com plena responsabilidade o regime capitalista, vê-se obrigada, por interesse deste mesmo capitalismo, a distrair vergonhosamente, a atenção dos órgãos do regime, que estão demasiadamente expostos. Uma simples divisão de trabalho! Uma velha fraude que ainda continua operando de forma efetiva! Com relação aos operários, a quem você alude de forma vaga, uma parte deles, que é uma parte bastante considerável, está como você, sob influência da democracia burguesa. Porém, o operário mediano, não contagiado pelos preconceitos da aristocracia operária, receberia alvoroçado, toda palavra revolucionária firme que for arrojada na própria cara do inimigo de classe. E quanto mais reacionária seja a instituição que serve de arena ao combate, tanto mais completa será a satisfação do operário. Tal coisa foi demonstrada pela experiência histórica. O próprio Dies, assustado e retrocedendo a tempo, demonstrou o quanto era falsa a sua posição. Sempre é melhor obrigar o inimigo a se retirar do que esconder-se sem lutar.
Porém, neste ponto, vejo a irada figura de Shachtman, me detendo com um gesto de protesto: "A oposição não se responsabiliza pela posição de Burnham sobre o Comitê Dies. Esta questão não tem caráter fracional" etc., etc. Conheço tudo isso. Como se a única coisa que faltasse à oposição fosse o se expressar em favor da tática de boicote, tão completamente sem sentido neste caso! Basta que o líder da oposição, que tem uma posição e que a expressou abertamente, se pronunciasse a favor do boicote. Se você superou a idade em que se discute sobre "religião", então permita-me confessar que considero que toda a Quarta Internacional superou a idade em que se considera o abstencionismo como uma das políticas mais revolucionárias. Neste caso, além da sua falta de método, você revelou uma evidente falta de sagacidade política. Em tal situação, um revolucionário não teria necessidade de discutir muito, antes de se lançar pela porta aberta pelo inimigo, aproveitando ao máximo a oportunidade. Aqueles membros da oposição, que junto com você se pronunciaram contra a participação no Comitê Dies — e o número deles não era pequeno — acredito que seja necessário lhes ministrar cursos especiais elementares a fim de lhes explicar as verdades mais elementares da tática revolucionária, que não tem nada em comum com o abstencionismo pseudo-radical dos círculos intelectuais.
A oposição é mais débil exatamente no terreno onde imagina que seja mais forte: no terreno da política revolucionária cotidiana. Isto se aplica sobretudo a você, camarada Burnham. A impotência frente aos grandes acontecimentos se manifestou em você, como em toda a oposição, de forma mais evidente na questão da Polônia, dos Estados Bálticos e da Finlândia. Shachtman começou por descobrir a pedra filosofal: a realização de uma insurreição simultânea contra Hitler e Stalin na Polônia ocupada. A idéia era esplêndida; e lastimável pelo fato de Shachtman não ter podido colocá-la em prática. Os operários avançados da Polônia oriental poderiam dizer com razão: "Uma insurreição simultânea contra Hitler e Stalin em um país ocupado pelas tropas, talvez possa ser decidida de forma muito conveniente a partir do Bronx, mas aqui, no lugar onde os fatos acontecem, é mais difícil. Gostaríamos de ouvir Burnham e Shachtman responder esta "questão política concreta": Que devemos fazer durante o período que começa hoje e vai até a chegada da insurreição?" No intervalo, o Estado-Maior do exército soviético chamou os operários e camponeses a se apoderarem das fábricas e da terra. Esta chamada, com o apoio da força armada, jogou um enorme papel na vida do país ocupado. Os diários de Moscou estavam literalmente cheios de informes sobre o “entusiasmo" sem limites dos operários e dos camponeses pobres. Devemos considerar estes informes com justificada desconfiança; mentiras não faltam. No entanto, é inadmissível fechar os olhos diante dos fatos. O chamado ao ajuste de contas com os grandes proprietários e a expulsão dos capitalistas, não teria feito nada a não ser levantar o espírito dos acossados e oprimidos camponeses e operários ucranianos e bielo-russos, que viam no grande proprietário polonês um duplo inimigo.
No órgão parisiense dos mencheviques, que se solidarizava com a democracia burguesa da França e não com a Quarta Internacional, se afirmava categoricamente que o avanço do Exército Vermelho foi acompanhado por uma onda de levantamentos revolucionários, cujos ecos chegaram até as massas camponesas da Romênia. A coisa que chama atenção nos despachos deste órgão é a estreita conexão que possui com os mencheviques, os dirigentes do Bund judeu, o Partido Socialista Polonês e outras organizações hostis ao Kremlin e que fugiram da Polônia. Estávamos, pois, completamente corretos quando dissemos aos bolcheviques da Polônia oriental: "Junto com os operários e camponeses, e na frente de batalha, vocês devem conduzir a luta contra os grandes proprietários de terra e os capitalistas; não se separem das massas, apesar de todas suas ilusões, façam a mesma coisa que os revolucionários russos, que não se separaram das massas que ainda não haviam se libertado de suas esperanças no Czar (o domingo sangrento de 22 de janeiro de 1905); eduquem as massas no transcurso da luta, previnam-nas contra as ingênuas esperanças em Moscou, mas não se separem delas; lutem em seu campo, tratem de estender e aprofundar sua luta e dar-lhes a maior independência possível. Somente desta forma vocês prepararão a próxima insurreição contra Stalin". O curso dos acontecimentos na Polônia confirmou completamente esta diretiva, que era uma continuação e um desenvolvimento de todas as nossas políticas, particularmente na Espanha.
Como não existem diferenças de princípios entre as situações polonesa e finlandesa, não temos porque modificar nossa política. Mas a oposição, que não foi capaz de compreender o significado dos acontecimentos poloneses, agora tenta se aferrar à Finlândia como se esta fosse uma nova âncora de salvação. "Onde se encontra a guerra civil na Finlândia? Trotski fala de uma guerra civil. Na imprensa, não vimos nenhuma referência a ela" etc. A principio, a questão da Finlândia aparece frente à oposição como diferente da questão da Ucrânia ocidental e da Bielo-Rússia. Cada questão ê isolada e considerada fora do curso geral de desenvolvi- mento. Confundida pelo curso dos acontecimentos, a oposição tenta, a cada ocasião, se apoiar em alguma circunstância acidental, secundária, temporal e conjuntural.
Esses gritos da oposição sobre a ausência de guerra civil na Finlândia significam que se a guerra civil fosse desencadeada neste país a oposição adotaria nossa política? Sim ou não? Em caso afirmativo, a oposição condenaria sua própria política em relação à Polônia, uma vez que ali, apesar da guerra civil, limitou-se a recusar sua participação nos acontecimentos, enquanto esperava um levantamento simultâneo contra Stalin e Hitler. É evidente, camarada Burnham, que você e seus aliados não pensaram sobre esta questão até o fim.
O que acontece com minha afirmação sobre uma guerra civil na Finlândia? Quando do início das hostilidades militares poderia ter-se pensado que Moscou realizaria uma "pequena" expedição punitiva para conseguir uma mudança no governo em Helsingfors, e para estabelecer com a Finlândia relações semelhantes às que tem com os demais Estados Bálticos. Porém, a criação do governo de Kuusinen, em Terrijoki, demonstrou que Moscou tinha outros planos e outros objetivos. Os despachos informaram imediatamente sobre a formação de um "Exército Vermelho" finlandês. Naturalmente, tratava-se somente de pequenas formações, criadas de cima para baixo. O programa de Kuusinen tornou-se público. Depois, os despachos falaram da divisão de grandes propriedades entre os camponeses pobres. Em sua totalidade, estes despachos assinalavam a intenção de Moscou, de organizar uma guerra civil. Naturalmente, esta é uma guerra civil de tipo especial. Não surge espontaneamente das profundezas das massas populares. Não se realiza sob a direção do partido revolucionário finlandês, com o apoio das massas. É introduzida de fora, com baionetas. É controlada pela burocracia de Moscou. Sabemos disso tudo e já tratamos disso ao discutir sobre a Polônia. No entanto, trata-se precisamente de uma guerra civil, de um chamado aos pobres, às camadas mais baixas, para que expropriem os ricos, os expulsem, os prendam etc. Não conheço nenhum outro nome para estas ações, a não ser o de guerra civil.
"Mas, depois de tudo, a guerra civil na Finlândia não se desencadeou", objetam os líderes da oposição. "Isto significa que suas predições não se materializaram". Com a derrota e a retirada do Exército Vermelho, respondeu, a guerra civil não pode se desenvolver na Finlândia, lógico, sob as baionetas de Mannerheim. Este fato não é um argumento contra mim, mas contra Shachtman; uma vez que demonstra que nas primeiras etapas da guerra, no momento em que a disciplina ainda é forte nos exércitos, é muito mais fácil organizar a insurreição e calçar as botas em duas frentes, a partir do Bronx e a partir de Terrijoki.
Não previmos as derrotas dos primeiros destacamentos do Exército Vermelho. Não podíamos ter previsto o grau da estupidez e desmoralização reinante no Kremlin e nas cúpulas do exército decapitado pelo Kremlin. Não obstante, trata-se somente de um episódio militar, que não pode determinar nossa linha política. Se, depois de sua primeira tentativa fracassada, Moscou desistisse totalmente de toda nova ofensiva contra a Finlândia, então o próprio fato que hoje obscurece os olhos da oposição frente a toda situação mundial desapareceria da ordem do dia. Porém, existem poucas probabilidades de que isso aconteça. Por outro lado, se a Inglaterra, França e os Estados Unidos, partindo da Escandinávia, fossem em ajuda da Finlândia com força militar, então a questão finlandesa desapareceria em uma guerra entre a URSS e os paises imperialistas. Neste caso, podemos esperar, inclusive, que a maioria da oposição estaria de acordo com o programa da Quarta Internacional.
No entanto, atualmente estas duas variantes não interessam à oposição: nem a suspensão da ofensiva por parte da URSS e nem o desencadeamento de hostilidades entre a URSS e as democracias imperialistas. A oposição se interessa somente pela questão isolada da invasão da Finlândia pela URSS. Muito bem, tomemos isto como nosso ponto de partida. Se a segunda ofensiva, como pode-se presumir, está melhor preparada e realizada, então o avanço do Exército Vermelho dentro do país colocará novamente a questão da guerra civil na ordem do dia e numa escala bem maior do que durante a primeira tentativa fracassada de forma ignominiosa. Conseqüentemente, nossa política continua sendo plenamente válida enquanto a questão permaneça na ordem do dia. Mas, o que a oposição propõe para o caso do Exército Vermelho avançar, com êxito, sobre a Finlândia e se desencadeie ali uma guerra civil? Aparentemente, a oposição não pensa absolutamente em tal coisa, uma vez que vive, dia após dia, de um incidente a outro, aferrando-se aos episódios, separando frases isoladas de um editorial, baseando-se em simpatias e antipatias e criando dessa forma e para si, um semblante de plataforma. A debilidade dos empiristas e impressionistas sempre se revelou com maior clareza quando de sua aproximação às "questões políticas concretas".
Através de todas as vacilações e convulsões da oposição — ainda que possam ser contraditórias — duas características gerais correm como um fio condutor desde os pináculos da teoria até os mais insignificantes episódios políticos. A primeira característica geral é a falta de uma concepção uniforme. Os líderes da oposição separam a sociologia do materialismo dialético. Separam a política da sociologia. No campo da política, separam nossas tarefas na Polônia, de nossa experiência na Espanha, nossas tarefas na Finlândia de nossa posição sobre a Polônia. A história se vê transformada em uma série de incidentes excepcionais; a política se vê transformada em uma série de improvisações. Temos aqui, no exato sentido da palavra, a desintegração do marxismo, a desintegração do pensamento teórico, a desintegração da política em seus elementos constituintes. O empirismo e seu irmão de leite, o impressionismo, dominam de cima a baixo. É por isso que a direção ideológica, camarada Burnham, recai sobre você como adversário da dialética, como empirista que não sente vergonha de seu empirismo.
Através de todas as vacilações e convulsões da oposição, existe uma segunda característica geral ligada à primeira, ou seja, uma tendência a se abster da participação ativa, uma tendência à auto-eliminação, ao abstencionismo, naturalmente sob a cobertura de frases ultra-radicais. Você está a favor da derrota de Stalin e Hitler na Polônia; de Stalin e Mannerheim na Finlândia. E até o momento, rechaça ambos os bandos da mesma forma, em outras palavras, abandona a luta, inclusive a guerra civil. Sua citação sobre a ausência de guerra civil na Finlândia é somente um argumento conjuntural acidental. Se a guerra civil se desencadear, a oposição tentará ignorá-la, como tentou ignorá-la na Polônia, ou declarará que visto que a política da burocracia de Moscou possui um caráter "imperialista", "nós" não participaremos deste negócio sujo. Seguindo com palavras as tarefas políticas "concretas", a oposição se coloca, de fato, fora do processo histórico. Sua posição com relação ao Comitê Dies merece atenção, camarada Burnham, exatamente por ser uma expressão gráfica desta mesma tendência ao abstencionismo e ofuscação. Seu princípio orientador continua sendo o mesmo: "Obrigado, não fumo".
Naturalmente, todo homem, todo partido e inclusive toda classe pode se ofuscar. Mas no que se refere à pequena burguesia, especialmente frente aos grandes acontecimentos, a ofuscação é uma condição iniludível e, por assim dizer, congênita. Os intelectuais tentam apressar seu estado de ofuscação na linguagem da "ciência". A plataforma contraditória da oposição reflete a ofuscação pequeno-burguesa expressa na linguagem rimbombante dos intelectuais. Nisso, não existe nada de proletário.
No terreno organizativo, sua opinião é tão esquemática, empírica e não revolucionária, tanto quanto no terreno da teoria e da política. Um Stolberg busca, de lanterna na mão, uma revolução ideal, que não seja acompanhada por excessos e imunizada contra o Termidor e a contra-revolução; você, desta mesma forma, busca uma democracia partidária ideal, que assegure para sempre e para todos a possibilidade de dizer e fazer qualquer coisa que brote em sua cabeça, e salve o partido da degeneração burocrática. Você esquece um detalhe, ou seja, que o partido não é um campo para a afirmação da livre individualidade, mas um instrumento da revolução proletária; que somente uma revolução vitoriosa pode evitar não só a degeneração do partido, mas a do próprio proletariado e de toda a civilização moderna. Você não vê que a nossa seção norte-americana não está doente por excesso de centralismo — nos fará rir o fato de mencionar isso — mas foi contagiada por um monstruoso abuso e desfiguração da democracia, por parte dos elementos pequeno-burgueses. Esta é a raiz da crise atual.
O operário passa o dia na fábrica. Comparativamente, possui poucas horas para dedicar ao partido. Nas reuniões, está interessado em aprender coisas mais importantes: a análise correta da situação e as conclusões políticas. Ele aprecia aqueles dirigentes que fazem isso da forma mais clara e precisa, e que marcham junto dos acontecimentos. Os pequeno-burgueses, e especialmente os elementos marginalizados da classe, divorciados do proletariado, vegetam em um ambiente fechado e artificial. Possuem muito tempo para discutir sobre política ou seu substitutivo. Observam os erros, intercambiam todo tipo de piadas e zombarias relacionados com o que se passa nas "cúpulas" do partido. Sempre localizam um dirigente que os inicie em todos os "segredos". A discussão é seu elemento natural. Nenhuma quantidade de democracia lhes é suficiente. Para sua guerra de palavras, buscam a quarta dimensão. Tornam-se nervosos, giram em um círculo vicioso e saciam sua sede com água salgada. Quer saber qual o programa organizativo da oposição? Consiste na busca aloucada da quarta dimensão da democracia partidária. Na prática, isto significa suplantar a política pela discussão; e suplantar o centralismo pela anarquia dos círculos intelectuais. Quando alguns milhares de operários se unirem ao partido, repreenderão severamente os anarquistas pequeno-burgueses. Quanto antes, melhor.
Por que me dirijo a você e não aos outros líderes da oposição? Porque você é o líder ideológico do bloco. A fração do camarada Abern, carente de programa e de bandeira, necessita sempre de um quebra-luz. Certo tempo, Shachtman serviu como quebra-luz, depois Muste junto com Spector, e agora você, com Shachtman se adaptando a você. Considero sua ideologia como a expressão da influência burguesa dentro do proletariado.
Alguns camaradas talvez achem o tom desta carta um pouco violento. No entanto, confesso que fiz todo o possível para me conter. Porque, além do mais, trata-se nada mais e nada menos, de uma tentativa de renunciar, desqualificar e destruir os fundamentos teóricos, os princípios políticos e os métodos organizativos de nosso movimento.
Como reação ao meu artigo anterior, foi dito que o camarada Abern assinalou: "Isto significa a cisão". Tal resposta demonstra, simplesmente, que Abern carece de devoção ao partido e a Quarta Internacional; é um homem de círculos. Em todo caso, as ameaças de cisão não nos impedirão de apresentar uma análise marxista sobre as diferenças. Para nós, marxistas, não se trata de uma questão de cisão, mas de educação do partido. Tenho a firme esperança de que o próximo congresso rechaçará, sem piedade, os revisionistas.
Em minha opinião, o congresso deve declarar categoricamente que os dirigentes da oposição, em seus esforços para separar a sociologia do materialismo dialético e a política da sociologia, romperam com o marxismo e se transformaram no mecanismo de transmissão do empirismo pequeno-burguês. À medida que reafirma de maneira decisiva e completa sua lealdade à doutrina marxista e aos métodos políticos e organizativos do bolchevismo, à medida que dedica os comentários editoriais de suas publicações oficiais para promulgar e defender esta doutrina e estes métodos, o partido abrirá, logicamente no futuro, as páginas de suas publicações àqueles membros que se considerem capazes de acrescentar algo novo à doutrina do marxismo. Mas não permitirá que se brinque de esconde-esconde com o marxismo e nem que se façam frívolos sarcasmos sobre ele.
A política de um partido tem um caráter de classe. Sem uma análise de classe do Estado, dos partidos e das tendências ideológicas, é impossível chegar a uma orientação política correta. O partido deve condenar como oportunismo vulgar a tentativa de determinar a política relacionada com a URSS de incidente em incidente e independentemente da natureza de classe do Estado soviético.
A desintegração do capitalismo, que engendra um agudo descontentamento na pequena-burguesia e que empurra à esquerda as suas camadas mais baixas, abre grandes possibilidades, mas também contém graves perigos. A Quarta Internacional admitirá somente aqueles emigrantes da pequena-burguesia que tenham rompido completamente com seu passado social e que tenham adotado definitivamente o ponto de vista do proletariado.
Esta mudança teórica e política deve ser acompanhada por uma verdadeira ruptura com o velho ambiente e com o estabelecimento de uma íntima ligação com os trabalhadores, em particular, com a participação no recrutamento e na educação de proletários para o partido. Os emigrantes do meio pequeno-burguês que tenham se demonstrado incapazes de conviver no meio proletário devem ser transferidos depois de certo tempo à categoria de simpatizantes, ao invés de permanecerem como membros do partido.
Os membros do partido que não tenham sido colocados à prova na luta de classes, não devem ser colocados em posições responsáveis. Não importa o quanto inteligente ou consagrado ao socialismo seja este imigrante do meio burguês. Antes de se converter em professor, deve primeiro passar pela escola da classe trabalhadora. Os jovens intelectuais não devem ser colocados à cabeça da juventude intelectual, mas devem ser enviados a províncias durante alguns anos, a centros genuinamente proletários, para realizar duros trabalhos práticos.
A composição de classe do partido deve corresponder a seu programa de classe. Ou a seção norte-americana da Quarta Internacional se proletariza, ou deixará de existir.
Camarada Burnham! Se podemos chegar a um acordo com você, com base nestes princípios, então não haverá dificuldade para se encontrar uma política correta com relação à Polônia, Finlândia e inclusive a Índia. Ao mesmo tempo, me comprometo a ajudá-lo a realizar uma luta contra qualquer manifestação de burocratismo e de conservadorismo. Estas são, em minha opinião, as condições necessárias para terminar com a crise atual.
Saudações bolcheviques,
Leon Trotsky
Coyoacán (México)
Notas:
(1) Comitê Dies: comitê parlamentar “sobre atividades anti-americanas”, presidido por Dies, convidou Trotsky para assistir uma sessão do comitê em Austin (Texas) como testemunha. Trotsky aceitou, mas finalmente Dies voltou atrás. Nas discussões sobre este tema, Burnham se opunha à presença de Trotsky na sessão do comitê. (retornar ao texto)
Inclusão | 05/07/2009 |
Última alteração | 12/08/2014 |