História da Revolução Russa

Léon Trotsky


O rearmamento do partido


Como se explica o isolamento excepcional de Lenine no início de Abril? Como se pôde criar tal situação? E como foi obtido o rearmamento dos quadros bolcheviques?

Desde 1905, o partido bolchevique travava a luta contra a autocracia sob a palavra de ordem de uma «ditadura democrática do proletariado e dos camponeses». Essa palavra de ordem, assim que a sua argumentação teórica, provinha de Lenine. Ao avesso dos mencheviques, cujo teórico, Plekhanov, combatia irredutivelmente «a ideia falsa da possibilidade de realizar uma revolução socialista sem a burguesia» - Lenine considerava que a burguesia russa era incapaz de dirigir a sua própria revolução. Para realizar a revolução democrática contra a monarquia e os proprietários de terras, só o podia fazer o proletariado e o campesinato estreitamente unidos. A vitória desta união devia, segundo Lenine estabelecer uma ditadura democrática, que não somente se identificava a ela, mas, pelo contrário, opunha-se-lhe, porque se atribuía a tarefa não para estabelecer uma sociedade socialista, nem mesmo criar formas transitórias a caminho dessa sociedade, mas somente limpar sem cuidados os estábulos de Aúgias da Idade Média.

O começo da luta revolucionária era completamente determinado por três palavras de ordem – república democrática, confiscação das terras dos proprietários nobres, dia de trabalho de oito horas – o que se chamava familiarmente as «três baleias» do bolchevismo, em alusão às baleias sobre as quais, segundo uma velha crença popular, repousa o globo terrestre.

A questão de saber se a ditadura democrática do proletariado e dos camponeses era realizável resolvia-se em função de outra questão, a da capacidade do campesinato em cumprir a sua própria revolução, isto é constituir um novo poder apto a liquidar a monarquia e a propriedade latifundiária dos nobres. É verdade que a palavra de ordem da ditadura democrática supunha também a participação no governo revolucionário dos representantes operários. Mas esta participação era antecipadamente limitada pelo papel do proletariado, como aliado de esquerda, na solução dos problemas da revolução camponesa.

A ideia popular e mesmo oficialmente reconhecida da hegemonia do proletariado na revolução democrática, não podia, em consequência, significar outra coisa senão que o partido operário ajudaria os camponeses com as armas políticas dos seus próprios arsenais, sugerindo-lhes os melhores procedimentos e métodos de liquidação da sociedade feudal e mostrar-lhes-ia como aplicar esses meios. De qualquer modo, o que se dizia do papel dirigente do proletariado na revolução burguesa não significava de forma alguma que o proletariado utilizaria a insurreição camponesa para actualizar, ao se apoiar sobre ela, as suas próprias tarefas históricas, isto é, a passagem directa a uma sociedade socialista. A hegemonia do proletariado na revolução democrática distinguia-se nitidamente da ditadura do proletariado e opunha-se a ela nas suas polémicas. Sobre estas ideias que o partido bolchevique se tinha educado desde da Primavera de 1905.

A caminhada efectiva da Revolução de Fevereiro ultrapassou o esquema habitual do bolchevismo. A revolução era, na verdade, realizada por uma aliança dos operários e dos camponeses. O facto que os camponeses agiam principalmente sob o aspecto de soldados não mudava ao assunto. A conduta do exército camponês do czarismo teria tido uma importância decisiva mesmo se a revolução tivesse acontecido em tempo de paz. Tanto mais natural que, nas condições da guerra, um exército de vários milhões de homens tenha, nos primeiros tempos, escondido o campesinato. Após a vitória da insurreição, os operários e os soldados encontraram-se mestres da situação. Nesse sentido, poder-se-ia dizer, parece, que uma ditadura democrática dos operários e camponeses se tinha estabelecido.

Portanto, na realidade, a Revolução de Fevereiro tinha trazido um governo burguês, no qual o poder das classes possuidoras era limitado por um poder dos sovietes de operários e de camponeses não realizado até ao fim. Todas as cartas encontraram-se embaralhadas. No lugar de uma ditadura revolucionária, isto é da autoridade mais concentrada, estabeleceu-se o regime de uma frouxa dualidade de poderes, onde a fraca energia dos círculos governantes se despendia infrutuosamente a ultrapassar as contrariedades interiores. Ninguém não tinha previsto esse regime. Além disso, não se pode exigir que um prognóstico indique não somente as tendências essenciais de um desenvolvimento, mas também as suas combinações episódicas. «Quem pôde fazer uma grande revolução sabendo previamente como a fazer até ao fim? - perguntava Lenine. Onde se poderia tomar tal ciência? Não se aprende nos livros. Não há livros para isso. É precisamente da experiência das massas que pôde nascer a nossa decisão.»

Mas o pensamento humano é conservador, e a dos revolucionários, por vezes, mais particularmente. Os quadros bolcheviques na Rússia continuavam a manter o velho esquema e não consideravam a Revolução de Fevereiro – ainda se ele comportava evidentemente nele dois regimes incompatíveis – que como uma primeira etapa de uma revolução burguesa. No fim de Março, Rykov enviou da Sibéria à Pravda, em nome dos sociais-democratas, um telegrama de felicitações sobre a vitória da «revolução nacional» cuja tarefa era «a conquista da liberdade política». Todos os bolcheviques dirigentes, sem nenhuma excepção – nós não conhecemos alguma – consideravam que a ditadura democrática estava ainda no futuro. Quando o governo provisório da burguesia «se esgotará», uma ditadura democrática dos operários e dos camponeses se estabelecerá, preliminar a um regime parlamentar burguês.

Era uma perspectiva completamente errada. O regime saído da Revolução de Fevereiro, longe de preparar uma ditadura democrática, foi a demonstração viva e integral da impossibilidade desta ditadura em geral. Que a democracia conciliadora, não por acaso, não pela leviandade de Kerensky e a inteligência limitada de Tchkheidze, tenha transmitido o poder aos liberais, ela demonstrou por esse facto que, nos oito meses que seguiram, ela lutou com todas as suas forças para manter o governo burguês, esmagar os operários, os camponeses, os soldados. E caiu, no 25 de Outubro, no seu posto de aliado e de advogado da burguesia. Mas, mesmo desde do princípio, era claro que se a democracia, tendo diante dela tarefas gigantescas e o apoio ilimitado das massas, tinha renunciado de sua própria vontade ao poder, isso era provocado não por princípios ou preconceitos políticos, mas pela situação desesperada da pequena burguesia na sociedade capitalista, particularmente em período de guerra e de revolução, quando se decidem as questões fundamentais da existência dos países, dos povos e das classes. Ao remeter o ceptro à Miliukov, a pequena burguesia dizia: não, essas tarefas estão acima das minhas forças.

O campesinato tendo erigido sobre ela própria a democracia conciliadora, contem, numa forma primitiva, toda as classes de uma sociedade burguesa. Com a pequena burguesia urbana que, na Rússia, não desempenha portanto nunca um papel sério, o campesinato é o protoplasma onde novas classes se diferenciaram no passado, e continuam a se diferenciar no presente. O campesinato tem sempre duas caras: uma virada para o proletariado, a outra para a burguesia. A posição intermediária, mediadora, conciliadora dos partidos «camponeses», do género do partido socialista-revolucionário, não pode manter-se senão nas condições de um relativo marasmo político; numa época revolucionária, o momento acontece inevitavelmente onde a pequena burguesia é obrigada a escolher. Os socialistas-revolucionários e os mencheviques fixam a sua escolha desde da primeira hora. Eles liquidaram no ovo a «ditadura democrática» para a impedir de se tornar um ponto de passagem para a ditadura do proletariado. Mas mesmo por aí, eles abriram caminho a esta última, somente do outro lado: não através deles, mas contra eles.

O desenvolvimento ulterior da revolução não podia proceder, evidentemente, senão a partir de factos novos e não de velhos esquemas. Pelos seus representantes, as massas, meio contra vontade, meio inconscientemente, foram arrastadas no mecanismo do duplo poder. Elas tiveram desde então que passar por aí para constatar por experiência que esse mecanismo não podia dar-lhe nem paz, nem a terra. Afastar o regime do duplo poder significa doravante, para as massas, romper com os socialistas-revolucionários e os mencheviques. Mas é absolutamente evidente que a conversação política dos operários e dos soldados para o bolchevismo, derrubando todo o edifício do duplo poder, já não podia significar nada senão o estabelecimento de uma ditadura do proletariado, apoiada na aliança dos operários e camponeses. No caso de uma derrota das massas populares, sobre as ruínas do partido bolchevique não podia estabelecer-se senão uma ditadura do capital. A «ditadura democrática» nos dois casos era excluída. Ao dirigir a sua atenção para ela, os bolcheviques voltavam-se de facto para um fantasma do passado. É sob este aspecto que os encontrou Lenine, chegado com a inflexível intenção de meter um partido numa nova via.

O próprio Lenine, na verdade, não tinha substituído a formula da ditadura democrática por outra, mesmo condicionalmente, mesmo hipotéticamente, até ao início da Revolução de Fevereiro. Era justo? Pensamos que não. O que se passou no partido após a insurreição mostrava de maneira demasiado ameaçadora o atraso do rearmamento teórico que, aliás, nas condições dadas, só Lenine podia operar. Ele preparou-se para isso. Ele levou ao rubro o aço e temperou no fogo da guerra. Aos seus olhos tinha-se modificado a perspectiva geral do processo histórico. As perturbações da guerra tinham bruscamente aproximado os prazos possíveis de uma revolução socialista no Ocidente. Aliás, para Lenine, a revolução russa, ainda democrática, devia dar um impulso à insurreição socialista na Europa, que, seguidamente, devia arrastar também a Rússia atrasada nesse turbilhão. Tal era a concepção geral de Lenine quando deixou Zurique. A carta ao operários suíços, que já citámos, diz isto:

«A Rússia é um país de camponeses, um dos países mais atrasados da Europa. O socialismo aí não pode sair directamente e imediatamente vencedor. Mas o carácter rural do país, onde se conservaram enormes edifícios de proprietários nobres, pode, na base da experiência de 1905, contribuir para o desenvolvimento da revolução democrático-burguesa na Rússia e fazer da nossa revolução o prólogo de uma revolução socialista mundial, um degrau de acesso a esta.»

Nesse sentido, Lenine escrevia então pela primeira vez que o proletariado russo começaria a revolução socialista.

Tal era o ponto de junção entre a antiga posição do bolchevismo que limitava a revolução aos objectivos democráticos, e a nova posição que Lenine expôs pela primeira vez diante do partido nas suas teses de 4 de Abril. A perspectiva da passagem imediata à ditadura do proletariado parecia absolutamente inesperada, contrária à tradição, e, enfim, simplesmente falando, não entrava nos cerebros. Aqui, é indispensável lembrar que, até à explosão da Revolução de Fevereiro e nos primeiros tempos depois dela, o que se chamava trotskismo não era a ideia que, nas fronteiras nacionais da Rússia, não se pôde erguer uma sociedade socialista (ideia de tal «possibilidade» não foi exprimida por ninguém até 1924, e é duvidoso que ela tenha vindo ao espírito de alguém – o que se chamava trotskismo, era esta ideia que o proletariado da Rússia pode se encontrar no poder mais cedo que o do Ocidente, e que nesse caso ele não poderia manter-se no quadro da ditadura democrática, mas devia se atacar às primeiras medidas socialista. Não é de admirar que as teses de Abril de Lenine tenham sido reprovadas como sendo trotskistas.

Os objecções dos «velhos bolcheviques» desenvolviam-se em várias linhas. O debate principal consistia em saber se a revolução democrática burguesa estava completamente terminada. Dado que a revolução agrária não tinha ainda sido realizada, os adversários de Lenine podiam afirmar com razão que a revolução democrática não tinha sido levada até ao fim e, seguidamente, concluíam, não há lugar para uma ditadura do proletariado, mesmo se as condições sociais da Rússia permitiam em geral essa ditadura num período mais ou menos próximo. Foi assim que a redacção da Pravda colocava a questão numa passagem que nós citámos. Mais tarde, na Conferência de Abril, Kamenev repetia:

«Lenine está errado quando diz que a revolução democrática-burguesa está terminada… Sobrevivência clássica do feudalismo - a propriedade latifundiária dos nobres – ainda não está liquidada… O Estado não se transformou em sociedade democrática… É muito cedo para dizer que a democracia burguesa esgotou todas as suas possibilidades.»

«A ditadura democrática – respondia Tomsky – eis a nossa base… Nós devemos organizar o poder do proletariado e do campesinato e devemos separar a Comuna, dado que lá não existe senão o poder do proletariado.»

«Diante de nós colocam-se imensas tarefas revolucionárias retomava Rykov. Mas a realização dessas tarefas não nos conduz ainda para além dos quadros do regime burguês»

Lenine via, certamente, tão bem como os seus detractores, que a revolução democrática não estava terminada, ou, mais exactamente, que apenas iniciada ela recuava já na traseira. Mas daí precisamente resultava que não seria possível levá-la até ao fim sob o domínio de uma nova classe e não se podia chegar lá senão em arrancando as massas à influência dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários, isto é à influência indirecta da burguesia liberal. A ligação desses partidos com os operários e particularmente com os soldados alimentava-se da ideia de defesa - «defesa do país» ou melhor «defesa da revolução». Lenine exigia, por consequência, uma política intransigente em relação de todas as nuanças do social-patriotismo. Afastar o partido das massas atrasadas para seguidamente libertar essas massas do seu estado atrasado.

«O velho bolchevismo deve ser abandonado – repetia ele. É indispensável separar a linha pequena-burguesa da do proletariado assalariado.»

Do ponto de vista superficial, poderia parecer que os adversários perpétuos tinham mudado as suas armas. Os mencheviques e os socialistas-revolucionários representavam agora a maioria dos operários e dos soldados, como se eles realizavam de facto a aliança política do proletariado e do campesinato que tinham sempre pregado os bolcheviques contra os mencheviques. Ora, Lenine exigia que a vanguarda proletária saísse dessa aliança. Na realidade, cada um dos partidos continuava fiel a ele próprio. Os mencheviques, como sempre, julgavam que a sua missão era de apoiar a burguesia liberal. Sua aliança com os socialistas-revolucionários era somente um meio de alargar e de consolidar esse apoio. Em contrapartida, a ruptura da vanguarda proletária com o bloco pequeno-burguês significava a preparação de uma aliança dos operários e dos camponeses sob a direcção do partido bolchevique, isto é a ditadura do proletariado.

Objecções de outro tipo estavam baseadas sobre o estado atrasado da Rússia. O poder da classe operária significa inevitavelmente a passagem para o socialismo. Mas a economia e a cultura da Rússia não estão maduras para isso. Nós devemos levar até ao fim a revolução democrática. Só a revolução socialista no Ocidente pode justificar entre nós a ditadura do proletariado. Tais eram as objecções de Rykov na conferência de Abril. As condições culturais e económicas da Rússia eram em si insuficientes para a edificação de uma sociedade socialista - era para Lenine o ABC. Mas a sociedade não está de forma nenhuma estruturada tão racionalmente que os prazos para uma ditadura do proletariado caiam no momento onde as condições económicas e culturais amadureçam para o socialismo. Se a humanidade se desenvolvesse tão regularmente, não seria necessário ditadura, nem tão pouco revoluções em geral. Uma sociedade histórica viva é pouco harmoniosa, tanto mais que o seu desenvolvimento é mais tardio. A expressão da inarmonia encontra-se no facto que, num país atrasado como a Rússia, a burguesia decompôs-se antes da vitória completa do regime burguês e que, para a substituir, na qualidade de dirigente da nação, só havia o proletariado. O estado económico atrasado da Rússia não dispensa a classe operária da obrigação de concretizar a tarefa que ela própria se impôs, mas condiciona somente esta realização por dificuldades extremas. Rykov, que repetia que o socialismo deve vir de países onde a indústria está mais desenvolvida, Lenine dava uma resposta simples, mas suficiente:

«Não se pode dizer quem começará ou, nem quem acabará.»

Em 1921, quando o partido, ainda longe de se anquilosar burocraticamente, metia tanta liberdade a apreciar o seu passado como a preparar o seu futuro, um dos mais antigos bolcheviques, Olminsky, que tinha colaborado como dirigente na imprensa do partido em todas as etapas do seu desenvolvimento, questionava-se como explicar que no momento da Revolução de Fevereiro, o partido encontrou-se numa via oportunista. E o que permitiu ao partido bifurcar bruscamente para o caminho de Outubro? A fonte dos erros de Março aparece ao dito autor, justamente, no facto que o partido tinha «exageradamente prologando» a sua orientação a caminho de uma ditadura democrática.

«A revolução que se anuncia não pode ser uma revolução burguesa … Era, disse Olminsky – um julgamento obrigatório para todo o membro do partido, era a opinião oficial do partido, sua palavra de ordem constante e invariável, até à Revolução de Fevereiro de 1917 e mesmo algum tempo depois.»

Para ilustrar a afirmação, Olminsky teria podido mencionar que a Pravda, ainda antes de Estaline e Kamenev, isto é com uma redacção «de esquerda» que incluía o próprio Olminsky, escrevia (7 de Março) como qualquer coisa evidente:

«Bem entendido, entre nós não se põe ainda a questão da queda da dominação do capital, trata-se somente da queda da autocracia e do feudalismo… »

A falta de visão se deve que em Março o partido estava preso à democracia burguesa. «Donde veio então a Revolução de Outubro? - pergunta mais longe o mesmo autor. Porquê o partido, desde dos seus dirigentes até aos militantes de base, «tão repentinamente» tenha renunciado ao que que ele considerava como uma verdade inabalável durante quase vinte anos?

Sokhanov, como adversário, colocou a mesma questão de outra maneira.

«Como e por quais meios Lenine se desenvencilhou para ganhar aos bolcheviques?»

Efectivamente, a vitória de Lenine no interior do partido não só foi integral, mas alcançada num breve prazo. Os adversários dispensaram bastante ironia sobre a questão, falando do regime pessoal do partido bolchevique. À questão posta por ele, o próprio Sokhanov deu uma resposta completamente no espírito do seu heróico princípio:

«O genial Lenine era uma autoridade histórica – é um lado do assunto. Por outro lado, à excepção de Lenine, não havia, no partido, ninguém nem nada. Alguns grandes generais, sem Lenine, não são nada, tal como alguns enormes planetas sem o sol (deixo de lado Trotsky, que estava nessa altura ainda fora das fileiras da Ordem).»

Essas linhas curiosas tentam explicar a influência de Lenine pela sua influência, tal que o poder que tem o ópio em dar sono explica-se pelas suas faculdades em adormecer. Tal explicação, todavia, não nos leva muito longe.

A influência efectiva de Lenine no partido era indubitavelmente muito grande, mas não era de forma nenhuma ilimitada. Ela não era irrevogável mesmo mais tarde, depois de Outubro, quando a autoridade de Lenine aumentou extraordinariamente, porque o partido tinha medido a sua força à luz dos acontecimentos mundiais. Tanto mais insuficientes são as alegações gratuitas sobre a autoridade pessoal de Lenine, referindo-se a Abril 1917, quando toda a camada dirigente do partido já tinha chegado a ocupar uma posição contrária à de Lenine.

Olminsky aproxima-se muito mais da solução do problema quando ele demonstra que, apesar da sua formula de revolução democrática-burguesa, o partido, por toda a sua política contra a burguesia e a democracia, preparava-se efectivamente há já muito tempo a tomar o poder.

«Nós (ou muitos de nós) diz Olminsky – orientámo-nos inconscientemente para a revolução proletária, acreditando dirigir-nos para a revolução democrática-burguesa. Noutros termos, preparamos a Revolução de Outubro imaginando que preparamos a de Fevereiro.»

Generalização altamente preciosa, que é ao mesmo tempo a confissão irrepreensível de uma testemunha. A educação teórica do partido revolucionário tinha um elemento de contradição que encontrava a sua expressão na formula equivoca da «ditadura democrática» do proletariado e a do campesinato. Uma delegada que tomou a palavra na Conferência sobre o relatório de Lenine, exprimiu o pensamento de Olminsky ainda mais simplesmente:

«O prognóstico estabelecido pelos bolcheviques mostrou-se errado, mas a táctica era justa.»

Nas teses de Abril que pareciam paradoxais, Lenine apoiava-se, contra a velha formula, sobre a tradição viva do partido; irreconciliável em relação às classes dirigentes, hostil a todas as hesitações, enquanto que os «velhos bolcheviques» opunham recordações – ainda se frescas, mas já arquivadas – ao desenvolvimento concreto da luta de classes. Lenine tinha um apoio sólido, preparado para toda a história da luta entre bolcheviques e mencheviques.

Convém lembra aqui que o programa oficial da social democracia continuava ainda, nessa época, comum aos bolcheviques e aos mencheviques, e que as tarefas práticas da revolução democrática apresentava-se no papel idênticas para os dois partidos. Mas elas não eram de forma nenhuma as mesmas nos factos. Os operários bolcheviques, logo após a insurreição, tinham tomado por iniciativa sua a luta pelo dia de oito horas; os mencheviques declaravam prematura esta reivindicação. Os bolcheviques dirigiam as detenções dos funcionários czaristas, os mencheviques opunham-se aos «excessos». Os bolcheviques energicamente criaram uma milícia armada, os mencheviques encravavam o armamento dos operários, desejando manter-se em paz com a burguesia. Sem ultrapassar ainda o limite da democracia burguesa, os bolcheviques agiam ou esforçavam-se em agir com intransigência revolucionária, ainda se distraídos pela sua direcção; em contrapartida os mencheviques, a cada passo, sacrificavam o programa democrático aos interesses de uma aliança com os liberais. Faltando-lhes completamente aliados democratas, Kerensky e Estaline não tinham inevitavelmente mais chão debaixo dos pés.

O conflito de Lenine, em Abril, com o estado-maior general do partido não foi o único. Em toda a história do bolchevismo, excepção feita de alguns episódios que, em suma, confirmam somente a regra, todos os líderes do partido, em todos os momentos principais do desenvolvimento, encontraram-se à direita de Lenine. Fortuitamente? Não! Lenine tornou-se o chefe incontestável do partido o mais revolucionário na história mundial, precisamente porque o seu pensamento e a sua vontade estiveram finalmente à altura das grandes possibilidades revolucionárias do país e da época. Aos outros faltava-lhes alguns centímetros, o dobro, e muitas vezes mais.

Quase toda a camada dirigente do partido bolchevique, durante meses e mesmo os anos que tinham precedido a insurreição, tinha-se encontrado fora do trabalho activo. Muitos tinham levado com eles nas prisões e a deportação as impressões pesadas dos primeiros meses da guerra e tinham ressentido o desmoronar da Internacional no isolamento e em pequenos grupos. Se, nas fileiras do partido, eles manifestavam uma receptividade suficiente em relação às ideias da revolução – o que os ligava ao bolchevismo – uma vez isolados, eles não estavam mais em condições de resistir à pressão do meio ambiente e de dar por eles próprios uma avaliação marxista dos acontecimentos. Os formidáveis movimentos que se produziram nas massas em dois anos e meio de guerra tinham ficado quase fora do seu campo de observação. Ora, a insurreição não os arrancou somente ao seu isolamento, mas colocou-os, por causa da autoridade adquirida, nos postos supremos do partido. Pela sua mentalidade, esses elementos encontravam-se frequentemente mais próximos da intelliguentsia «de Zimmerwald» que dos operários revolucionários das fábricas.

Os «velhos bolcheviques», que sublinharam com enfase, em Abril de 1917, a sua qualidade de antigos militantes, estavam condenados à derrota, porque defendiam justamente esse elemento da tradição do partido que não tinha resistido à verificação da história. «Eu pertenço aos velhos bolcheviques-leninistas – dizia, por exemplo, Kalinine na conferência de Petrogrado de 14 de Abril – e considero que o velho leninismo não se mostrou inaplicável para o singular momento actual, e admiro-me que Lenine declare que os velhos bolcheviques estorvam no presente momento.» Lenine ouviu, nesses dias, bastantes recriminações assim. Todavia, ao romper com a formula tradicional do partido, o próprio Lenine não deixava de ser «leninista»: rejeitava a casca gasta do bolchevismo para apelar o seu núcleo a uma vida nova.

Contra os velhos bolcheviques, Lenine encontrou apoio numa outra camada do partido, já temperada, mas mais fresca e mais ligada às massas. Na insurreição de Fevereiro, os operários bolcheviques como sabemos, tiveram um papel decisivo. Eles consideravam que era evidente que o poder fosse tomado pela classe que tinha saído vitoriosa. Esses mesmos operários protestavam veementemente contra a orientação KamenevEstaline, e o núcleo de Vyborg ameaçou mesmo expulsar os «líderes» do partido. Observava-se a mesma coisa na província. Havia quase por todo o lado bolcheviques de esquerda que acusavam de maximalismo, ou mesmo de anarquismo. O que faltou aos operários revolucionários, era só os recursos teóricos para defender suas posições. Mas eles estavam prontos a responder à primeira chamada inteligível.

Para esta camada de operários que se tinham definitivamente erguido durante o ascenso dos anos 1912-1914, orientava-se Lenine. Já, no início da guerra, quando o governo tinha dado um rude golpe ao esmagar a fracção bolchevique na Duma, Lenine, falando do trabalho revolucionário ulterior, chamava os que o partido tinha educado «milhares de operários conscientes entre os quais, apesar das dificuldades, se recrutará um novo quadro de dirigentes». Separado deles por duas frentes, quase sem ligação, Lenine, todavia nunca se desligou deles. «Que eles sejam mesmo cinco e dez vezes mais quebrados pela guerra, a prisão, a Sibéria, o degredo! Não se pode destruir essa camada. Ela está viva. Ela está impregnada do espírito revolucionário e de anti-chauvinismo.» Lenine compartilhava à distância os acontecimentos conjuntamente com esses operários bolcheviques, encontrava com eles as deduções indispensáveis, mas mais largamente e ousadamente que eles. Para combater a irresolução do estado-maior e a oficialidade do partido, Lenine apoiou-se com certeza sobre os subalternos desse mesmo partido que melhor representava o operário bolchevique de base.

A força temporária dos sociais-patriotas e a fraqueza dissimulada da ala oportunista dos bolcheviques residia nisto que os primeiros apoiavam-se nos preconceitos e ilusões actuais das massas, enquanto que os segundos acomodavam-se a isso. A principal força de Lenine consistia que ele compreendia a lógica interna do movimento e regulava por ela a sua política. Ele não impunha o seu plano às massas. Ele ajudava as massas a conceber e a realizar os seus próprios planos. Quando Lenine trazia todos os problemas da revolução a um só - «explicar pacientemente» - isso significava levar à consciência das massas de acordo com a situação à qual elas foram levadas pelo processo histórico. O operário ou o soldado, ao se desilusionando da política dos conciliadores, devia passar para a posição de Lenine sem se demorar na etapa intermediária de KamenevEstaline.

Quando as formulas de Lenine foram dadas, elas iluminaram com uma nova luz, diante dos bolcheviques, a experiência do mês decorrido e a experiência de cada novo dia. Na larga massa do partido começou uma rápida diferenciação: à esquerda! à esquerda! Para as teses de Lenine.

«Os distritos, uns após outros – diz Zalejsky – aderiram, e para a conferência pan-russa do partido que se reuniu no 24 de Abril, a organização petersburguesa completa pronunciou-se pelas teses.»

A luta pela reorientação política dos quadros bolcheviques, começou na noite do 3 de Abril, terminou em suma no fim do mês.(1)

A conferência do partido, que teve lugar em Petrogrado do 24 ao 29 de Abril, chegava às conclusões de Março, mês de hesitações oportunistas, e Abril, mês de crise aguda. O partido, nessa época, tinha crescido consideravelmente tanto em quantidade como em valor político. Cento e quarenta e nove delegados representavam setenta e nove mil membros do partido, cujos quinze mil em Petrogrado. Para um partido ontem ainda ilegal e hoje antipatriota, era um número imponente, e Lenine repetiu-o várias vezes com satisfação. A fisionomia política da conferência esboçou-se desde da eleição dos cinco membros do secretariado: não se encontraram aí nem Kamenev nem Estaline, principais causadores dos equívocos de Abril.

Ainda se, para o conjunto do partido, as questões litigiosas estivessem resolvidas definitivamente, o número de dirigentes, ligados pela sua acção da véspera, continuavam ainda nesta conferência, e oposição ou meia oposição em relação a Lenine. Estaline reservava-se em silêncio, ficava na expectativa. Dzerjinski, em nome «de um grande número», que «não estão de acordo em princípio com as teses do relator», pedia que se ouvisse um relatório conjunto de «camaradas que viveram connosco a revolução praticamente». Era uma evidente alusão à proveniência da emigração das teses de Lenine. Kamenev, efectivamente, apresentou à conferência um relatório conjunto preconizando a ditadura democrática-burguesa. Rykov, Tomsky, Kalinine tentaram manter-se mais ou menos nas suas posições de Março. Kalinine continuava a apostar pela união com os mencheviques, no interesse da luta contra o liberalismo. Um destacado militante de Moscovo, Smidovitch, queixava-se no seu discurso:

«Em todo o lado onde nós nos apresentamos, dirigem contra nós um espantalho, as teses do camarada Lenine

Antes, enquanto que os moscovitas votavam as resoluções dos mencheviques, tinham uma existência mais tranquila.

Como discípulo de Rosa Luxemburgo, Dzerjinski pronunciou-se contra o direito das nações a dispor delas próprias, acusando Lenine de proteger as tendências separatistas que enfraqueciam o proletariado russo. Como ele tinha sido acusado, em resposta, de apoiar o chauvinismo grão-russo, Dzerjinski respondeu:

«Posso censurá-lo (a Lenine) de manter o ponto de vista dos chauvinistas polacos, ucranianos e outros.»

Esse diálogo, do ponto de vista político, não deixa de ter piada: o grão-russo Lenine acusa o polaco Dzerjinski de chauvinismo grão-russo dirigido contra os polacos, e é acusado por este último de chauvinismo polaco. A ideia política justa era ainda, nesse debate, inteiramente do lado de Lenine. A sua política das nacionalidades tornou-se um dos elementos dos mais essenciais da Revolução de Outubro.

A oposição extingui-se completamente. Sobre as questões litigiosas, ela reunia mais de sete votos. Houve portanto uma excepção curiosa e notável no que diz respeito às relações internacionais do partido. Completamente no fim dos trabalhos, na noite da sessão de 29 de Abril, Zinoviev entregou, em nome da Comissão, um projecto de resolução: «Tomará parte na conferência internacional dos zimmerwaldianos marcada para 18 de Maio» (em Estocolmo). O processo verbal diz isto: «adoptado à unanimidade menos um voto». Este único voto era o de Lenine. Ele exigia a ruptura com Zimmerwald, onde a maioria afirmou-se definitivamente como a dos independentes alemãs e de pacifistas neutros do género do suíço Grimm. Mas, para os quadros russos do partido, Zimmerwald, durante a guerra, identificava-se quase ao bolchevismo. Os delegados não concordavam ainda romper com Zimmerwald, que aliás continuava, a seus olhos, a manter um laço com as massas da IIª Internacional. Lenine tentou limitar, pelo menos, a participação na futura conferência ao fixar somente os objectivos de informação. Zinoviev pronunciou-se contra ele. A proposição de Lenine não foi adoptada. Então ele votou contra a o conjunto da resolução. Ninguém o apoiou. Foi a última ressaca dos sentimentos de «Março», agarravam-se às posições da véspera, temiam ficar «isolados». Todavia, a conferência não teve lugar em razão desses mesmos conflitos íntimos de Zimmerwald que tinham levado Lenine a romper com este. A política de boicote, afastada unanimemente menos um voto, realizou-se assim de facto.

O carácter brusco da conversão operada na política do partido era evidente para todos. Schmidt, operário bolchevique, futuro comissário do povo do Trabalho, dizia na conferência de Abril:

«Lenine deu uma nova orientação ao carácter da actividade do partido.»

Segundo a expressão de Raskolnikov, que escreveu, alguns anos mais tarde, Lenine, em Abril 1917,

«realizou a Revolução de Outubro na consciência dos dirigentes do partido… A táctica do nosso partido não se esboçou por uma simples linha direita; após a chegada de Lenine, ela marca um brusco zigzag para a esquerda».

Mais directamente e também mais exactamente, a mudança surgida foi apreciada por uma velha bolchevique, Ludmila Stahl:

«Todos os camaradas, até à chegada de Lenine, vagabundeavam pelas trevas – dizia ela em 14 de Abril, na conferência petersburguesa. Só havia as formulas de 1905. vendo o povo criar espontaneamente, nós não podíamos dar-lhe lições… Os nossos camaradas tiveram que se limitar à preparação da Assembleia constituinte pelo procedimento parlamentar e não contavam de forma nenhuma avançar. Tendo adoptado as palavras de ordem de Lenine, fazemos o que a própria vida nos sugere. Não tememos a Comuna pois, apesar de tudo, é já um governo operário. A Comuna de Paris não era somente operária, ela era igualmente pequeno burguesa.»

Podemos concordar com Sokhanov, a reorientação do partido

«foi a principal e a vitória essencial de Lenine, terminada nos primeiros dias de Maio».

Na verdade, Sokhanov considerava que Lenine tinha substituido, no decurso desta operação, a arma do marxismo pela do anarquismo.

Fica por perguntar, e a questão tem a sua importância, ainda se é mais fácil de a colocar do que responder: como teria seguido o desenvolvimento da revolução se Lenine não pudesse ter chegado à Rússia em Abril de 1917? Se a nossa exposição mostra e demonstra em geral alguma coisa, é, esperemos, que Lenine não foi o demiurgo do processo revolucionário, que se inseriu somente na cadeia de forças históricas objectiva. Mas, nessa cadeia, ele foi um grande elo. A ditadura do proletariado decorria de toda a situação. Mais ainda era necessário erguê-la. Não se podia instaurá-la sem um partido. Ora, o partido não podia realizar a sua missão senão a ter compreendido. Para isso justamente, Lenine era indispensável. Até à sua chegada, nem um dos líderes bolcheviques não soube estabelecer o diagnóstico da Revolução. A direcção KamenevEstaline era empurrada, pela marcha das coisas, para a direita, para os sociais-patriotas: entre Lenine e o menchevismo, a revolução não deixou lugar para posições intermediárias. Uma luta interna no partido bolchevique era absolutamente inevitável.

A chegada de Lenine acelerou somente o processo. Sua influência pessoal abreviou a crise. Pode-se, todavia, dizer com certeza que o partido, mesmo sem ele, teria encontrado o seu caminho? Não ousaríamos afirmá-lo em qualquer caso. O tempo é aqui o factor decisivo, e, após o golpe, é difícil de consultar o relógio da história. O materialismo dialéctico não tem, de qualquer modo, nada em comum com o fatalismo. A crise que devia inevitavelmente provocar a direcção oportunista teria tomado, sem Lenine, um carácter excepcionalmente agudo e prologando. Ora, as condições da guerra e da revolução não deixavam ao partido um grande prazo para cumprir a sua missão. Assim, não é de forma nenhuma admissível pensar que o partido desorientado e dividido pudesse deixar escapar a situação revolucionária por numerosos anos. O papel da individualidade manifesta-se-nos aqui em proporções verdadeiramente gigantescas. É preciso somente compreender exactamente esse papel, ao considerar a individualidade como um elo da cadeia histórica.

A chegada «inesperada» de Lenine, regresso do estrangeiro após uma ausência prolongada, os clamores exasperados levantados na imprensa à volta do seu nome, o conflito de Lenine com todos os dirigentes do seu próprio partido e a sua rápida vitória sobre eles – numa palavra, o envelope exterior dos acontecimentos contribuiu muito nesse caso a uma evolução dos acontecimentos contribuía muito nesse caso a uma evolução mecânica opondo o indivíduo, o herói, o génio, às condições objectivas, à massa, ao partido. Na realidade, esta antítese só apresenta um lado das coisas.

Lenine era não um elemento fortuito da evolução histórica, mas um produto de todo o passado da história russa. Ele tinha nela pelas suas raízes mais profundas. Conjuntamente com os operários avançados, ele tinha participado em toda a luta durante o quarto de século precedente. «Efeito do acaso» não interviu nos acontecimentos, foi antes de mais a pequena palha com a qual Lloyd George tentou barrar-lhe o caminho. Lenine não se opôs ao partido a partir do exterior, mas era a expressão mais acabada dele. Educando o partido, ele educava-se a si próprio. O seu desacordo com a camada dirigente dos bolcheviques significava uma luta do partido entre o seu ontem e o seu amanhã. Se Lenine não tivesse sido artificialmente afastado do partido pelas condições da emigração e da guerra, o mecanismo exterior da crise não tivesse sido tão dramático e não tivesse disfarçado a tal ponto a continuidade interna do desenvolvimento do partido. A importância excepcional que tomou a chegada de Lenine, resulta do facto que os líderes não se formam por acaso, que a sua selecção e a educação exigem dezenas de anos, que não se pode suplantá-los arbitrariamente, senão excluindo-os mecanicamente da luta inflige-se ao partido um ferida viva e que, em certos casos, pode paralizá-lo por muito tempo.


Notas:

(1) No mesmo dia que Lenine chegou a Petrogrado, do outro lado do Atlântico, em Halifax, a polícia marítima canadiana raptava, no vapor norueguês Christiania-Fjord, seis emigrados que regressavam à Rússia, partidos de Nova Iorque: Trotsky, Tchudnovsky, Melnitchansky, Mukhine, Fichelev, Romantchenko. Essas pessoas não tiveram oportunidade de chegar a Petrogrado senão no dia 5 de Maio, quando a reorientação política do partido bolchevique estava, em grande medida, terminada. Nós não pensamos, por consequência, possível introduzir na nossa narração uma exposição das ideias da revolução que Trotsky tinha desenvolvido num diário russo que se publicava em Nova Iorque. Mas como, por outro lado, o conhecimento dessas ideias ajudará o leitor a compreender os agrupamentos ulteriores no nosso partido e sobretudo a luta ideológica na véspera de Outubro, consideramos racional de colcoar à parte a referência que se relaciona a essa passagem e de a colocar em apendice no fim do livro. O leitor que não se interessar por um estudo mais detalhado da preparação teórica de Outubro pode tranquilamente deixar de lado esse apêndice. (retornar ao texto)

Inclusão 11/08/2010