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Primeira Edição: Jornal Política Operária, edição nº 1, janeiro de 1962.
Fonte: Centro de Estudos Victor Meyer — http://centrovictormeyer.org.br/
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Este artigo foi escrito por Erico Sachs para a edição nº 1 do Jornal Política Operária, publicado em janeiro de 1962. O parlamentarismo foi uma espécie de golpe civil pressionado pelos militares. Em 1963, por meio do plebiscito, Goulart retoma o presidencialismo e assim, seu mandato. Mas pode fazê-lo por conta da mobilização dos trabalhadores que, deste modo, serviu para “tirar as castanhas do fogo” (dos quartéis). Embora se tratasse de um latifundiário, comprometido com a classe dominante, Jango tinha o apoio dos sindicatos. A ilusão das reformas de base é desvelada, considerada por Erico como um fator de barganha da burguesia frente ao imperialismo e não como uma ameaça real aos pilares do Estado burguês. Mesmo reconhecendo um movimento golpista em curso, na visão da classe operária, a oposição ao golpe não deveria implicar no alinhamento com os chamados “setores progressistas da burguesia” ou com a defesa de Jango e suas reformas . (CVM)
A crise política suscitada pela renúncia do sr. Jânio Quadros e agravada pela tentativa dos setores mais reacionários da Forças Armadas para impor ao país uma ditadura militar teve, como resultado, a mudança do sistema presidencial para o parlamentar. Desapareceu, assim, a separação dos poderes para elaborar as leis e executá-las, antes exercidos, respectivamente, pelo Congresso e pelo Presidente da República, passando a concentrar as funções legislativas e executivas. Na impossibilidade de exercer diretamente estas últimas, o Congresso as delegava igualmente a um Gabinete de Ministros, que governa somente enquanto detêm sua confiança. Cabe, também, ao Congresso eleger o Presidente da República, cuja função é, essencialmente, representar o país no exterior e cujo único poder real é dissolver o Congresso, quando ocorrer crise política, convocando novas eleições para substituí-la.
O parlamentarismo não é, em si mesmo, nem pior nem melhor do que o presidencialismo. Não é a forma do sistema político que importa, mas a classe a cujo serviço esse sistema se encontra. Num Estado burguês como o Brasil, todas as formas de governo ”não são senão variedades do Estado burguês, isto é, da ditadura da burguesia” (Lenin). Isso é tanto mais verdade se considerarmos que o parlamentarismo surgiu como fórmula de salvação para a burguesia, a quem não considerava uma saída(1) pela extrema direita e que temia que, radicalizando-se, a mobilização popular realizada contra o golpismo viesse a pôr em perigo sua dominação. Representou dessa maneira, simultaneamente, uma virtude e uma derrota para as forças populares as quais esmagaram o golpe fascista mas não conservaram o fruto dessa vitória, a não se no que lhes ficou de experiência e revigoramento. O Estado, todavia, permaneceu burguês, ainda que travestido de nova roupagem.
Instalado o novo sistema, e empossados os srs. João Goulart e Tancredo Neves, a burguesia não modificou basicamente, a política que havia imposto ao sr. Jânio Quadros. Tornou-se apenas menos agressiva, tendo compreendido — foi a lição que tirou da crise — que o país marcha para crescente radicalização entre classes opressoras e oprimidas. Tratou, pois, de mascarar as aspirações populares resultantes da consciência cada vez mais aguda das massas em relação à espoliação de que são vítimas, sob a capa de “reformas de base”, realizáveis dentro do regime atual e com as quais pretende a burguesia reforçar a sua dominação. O custo de vida é aí o ponto mais sensível, já que é por onde as massas percebem mais claramente o processo de espoliação: a burguesia lança mão do aumento do salário mínimo (que não cobre sequer a elevação do custo de vida verificada deste outubro último) e preconiza a estabilização financeira (a qual, em regime capitalista, propicia a formação e a consolidação dos monopólios). O sentimento anti-imperialista das massas a burguesia emprega-o para ampliar suas relações comerciais, anunciar o disciplinamento das remessas de lucros e neutralizar as esquerdas. A crise agrária caracterizada pela superprodução das culturas para exportação e pelo desemprego ou subemprego da massa camponesa — cuja única solução está na liquidação do latifúndio e na subversão das relações de produção semiescravagistas que a sustenta – a crise agrária é agitada como espantalho pela burguesia (realmente assustada com o movimento das Ligas) a fim de forçar os latifundiários a fazer concessões, mas sem intenção séria de destruí-los. Cada aspiração popular é sim utilizada pela burguesia em proveito próprio, procurando ela induzir as massas a queimar os dedos para retirar do fogo as castanhas que completarão o seu banquete.
A tarefa imediata que se coloca, portanto, às massas e especificamente à sua vanguarda que é a classe operária, consiste em impedir que a burguesia realize seu intento e a forçá-la a fazer concessões efetivas de que não seja ela a primeira beneficiária. As lutas pela contenção do custo de vida com simultâneo aumento dos salários, por uma reforma agrária que importe no desmantelamento do latifúndio; por relações comerciais e diplomáticas com todos os povos, apoiadas no desvinculamento do Brasil em relação ao bloco ocidental e no apoio irrestrito à revolução cubana – essas lutas, e as que as circunstâncias vierem a colocar, têm um valor positivo, são imprescindíveis para a politização das massas.
O recente caso do plano diretor da SUDENE nos mostra, todavia, que é necessário mobilizar a massa em torno dos grandes debates que se abrem, evitando, porém, de criar nela ilusões injustificáveis: combater as emendas reacionárias do senador Argemiro Figueiredo era imperativo, principalmente porque descobririam o jogo da classe latifundiária: apresentar, entretanto o plano da SUDENE como redenção do Nordeste constituía uma ingenuidade (de que não era vítima nem mesmo o sr. Celso Furtado, como o comprovam suas declarações à imprensa no último dia 10). O problema da remessa de lucros apresenta-se na mesma linha: o projeto do sr. Celso Brand oferece excelente oportunidade para desmascarar a burguesia desnacionalizada que, de conluio com o capital estrangeiro, explora as massas brasileiras, mas convém fugir ao exagero de apresentá-lo como salvação da pátria – a menos que se esteja pensando na pátria burguesa.
É imprescindível que não nos percamos no imediatismo dos combates que se travam e que orientemos nossa ação dentro de uma perspectiva mais ampla, que conduza à transformação radical da estrutura socioeconômica do país. Essa perspectiva só pode se uma – o socialismo – como um só é o caminho para o seu amadurecimento progressivo das massas, sua identificação profunda com seus legítimos interesses. Nesse sentido apoiamos todas as medidas que representem um avanço da consciência das massas e sejam capazes de levar a essa solução.
Nota do CVM:
(1) o texto original contém uma palavra que está ilegível, deixando a frase truncada. Optamos por substituí-la, destacando em itálico. (retornar ao texto)
Inclusão | 26/09/2019 |