A Índia em um Estágio de Transição

Manabendra Nath Roy

Dezembro de 1921


Primeira edição: Communist International, número 19, pp. 429-436.

Transcrição do inglês: Ted Crawford(1), para a seção inglesa do Arquivo Marxista na Internet.

Tradução e HTML: Guilherme Corona.

Direitos de reprodução: Domínio público.


A Ascensão da Burguesia

Como sabemos, não há feudalismo na Índia. O feudalismo na Índia foi destruído, ou melhor, abalado, não por uma revolução violenta como na Europa, mas por um processo comparativamente pacífico e lento. O feudalismo como a base da economia social recebeu o primeiro golpe – que também foi o golpe fatal – nos primeiros anos do governo britânico (em meados do século XVIII), quando o poder político foi transferido para representantes da burguesia estrangeira. Enquanto a Companhia das Índias Orientais Britânicas, representando o capital comercial, estava tomando o poder supremo na Índia, as bases do sistema feudal foram abaladas. Mas a Companhia das Índias Orientais levou por volta de um século para consolidar seu domínio sobre todo o país. Dessa maneira, o feudalismo, apesar de enfraquecido, continuou – ao menos formalmente – a existir por todo este período. Já no início do governo britânico o direito à propriedade da terra foi, por força ou enganação, retirado da classe proprietária indiana e entregue ao Governo Britânico. Em outras palavras, no lugar de senhores feudais, os representantes do capital comercial britânico se tornaram os donos da terra.

A revolução fracassada de 1857, conhecida como a Revolta Sepoy, destruiu os últimos remanescentes do poder feudal. Foi a última tentativa dos senhores feudais restantes de retomar seu antigo poder. Foi uma luta por supremacia política entre o moribundo sistema feudal e o capital comercial, que estava ganhando terreno no país. Quando o feudalismo na Europa desabou sob a pressão da burguesia ascendente, esta grande luta social encontrou um eco na Índia. Entretanto, durante o século seguinte a essa revolução, o desenvolvimento econômico normal e o fortalecimento da burguesia nativa encontrou novos obstáculos. Em primeiro lugar, ela foi prejudicada pela exportação forçada pela Companhia das Índias Orientais para a Inglaterra de mais de 70% da riqueza acumulada da Índia, para contribuir no maior desenvolvimento da indústria. Um segundo fator de considerável importância foi a destruição deliberada da indústria artesanal e a expulsão forçada dos artesãos manuais nos vilarejos. Isso impediu os artesãos de se tornarem uma parte integrada do proletariado da indústria de máquinas moderna, como foi o caso na Europa. Na Europa também a indústria manufatureira fora destruída mais ou menos no mesmo período; mas enquanto na Europa ela deu lugar a uma forma de produção superior – o maquinário que ascendeu como um novo poder social – na Índia a destruição da indústria manufatureira veio por um processo forçado e deliberado. Este ramo morreu, mas não para dar espaço a uma forma de produção superior no país. Os artesãos indianos na verdade se tornaram vítimas do crescimento histórico da Inglaterra. Mas, seja como for, os resultados históricos foram, em geral, idênticos: o poder político foi transferido para uma nova classe social, que controlava a forma de produção superior, e isso desarticulou o sistema feudal, desprovendo ele de importância econômica, e arruinou a indústria manufatureira. Depois da revolta de 1857 todo o país foi dominado pelo capital. O governo da Índia passou das mãos da Companhia das Índias Britânicas para o Governo Britânico.

A população atual da Índia consiste em quatro classes: 1. A aristocracia latifundiária a quem também pertencem os governantes da chamada Índia nativa; 2. A burguesia e os intelectuais; 3. O campesinato; 4. A classe trabalhadora, incluindo os camponeses sem-terra. Dos 17.328 grandes donos de terra, 700 controlam a Índia nativa. Eles são chamados vassalos e gozam da proteção do Governo Britânico. Esta Índia nativa governada pelos lordes vassalos compreende por volta de um terço de todo o país e se estende por mais de 709.555 milhas quadradas. As maiores dessas províncias, o Haiderabad ou Nisam, são tão grandes quanto a Itália e contabilizam 13,5 milhões de habitantes; as menores consistem em não mais que cinco vilarejos. A população total da Índia nativa chega aos 72 milhões, ou seja, um pouco menos do que um quarto de toda a população da Índia. É por essas províncias serem governadas pelos vassalos que a Índia costumava ser chamada de um país feudal. Em teoria esses vassalos exercem poder supremo em suas províncias, mas, na prática, eles são destituídos de qualquer poder, e então seria errado encarar esse fato como a base da estrutura social e econômica do país. Ainda mais, o governo dessas províncias não tem nada de feudal em sua essência; nenhum dos vassalos governantes descende da aristocracia feudal que existia antes da conquista britânica da Índia. Esses “reis” e “príncipes” que o poder não se estende para além da estreita esfera do governo local, não são nada mais do que fantoches nas mãos do Governo Britânico. Todo o poder político e militar nas “suas” províncias é controlado pelo capital britânico, enquanto o comércio e a indústria estão nas mãos da burguesia nativa. Na verdade, a última exerce mais influência sobre os governos locais do que o Governo central da Índia. Todas essas províncias têm conselhos legislativos, nos quais as classes comercial e agricultora locais são representadas; recentemente a burguesia comercial está rapidamente adquirindo um papel destacados nelas. Entretanto, todo o poder fica, na prática, nas mãos do Residente representando o Governo Britânico. No início, esses Residentes eram delegados nas cortes dos príncipes indianos, como enviados do Governo Britânico, mas representando uma classe social mais avançada, a burguesia britânica, no decorrer do tempo eles se tornaram mestres absolutos daquelas províncias. Então, praticamente todo o poder político pertence a burguesia, apesar de alguns remanescentes do feudalismo ainda poderem ser encontrados aqui e ali.

No governo local da Índia nativa a tendência progressista da burguesia é mais marcada do que na Índia britânica. O percentual de analfabetos é muito menor em domínios como Maysore, Travangor, Baroda, Kochin, etc., do que na Índia britânica. Enquanto na última a educação primária não é nem mesmo gratuita, na maior parte da Índia nativa ela é gratuita e compulsória. A industrialização do país nesses últimos anos também tem progredido mais rapidamente na Índia nativa do que na britânica. A situação dos camponeses é a mesma em ambas as partes da Índia. Em resumo, a Índia nativa possui tão poucos remanescentes do feudalismo quanto a Índia britânica.

Os príncipes da Índia nativa sabem perfeitamente que eles estão condenados e que é somente graças ao Governo Britânico que eles ainda estão no poder. O domínio britânico na Índia nunca se baseou nesses fragmentos do extinto feudalismo. Justamente o contrário; a sua existência na estrutura social da Índia foi mantida artificialmente pelo Governo Indiano representando a burguesia britânica. Percebendo que eles deviam sua existência ao domínio britânico, eles sempre estiveram de corpo e alma ao lado da Inglaterra e certamente a apoiarão em qualquer emergência, assim como fizeram durante a última guerra.

Já os outros 16.628 grandes latifundiários dos 17.328 mencionados acima também estão direta ou indiretamente conectados aos senhores feudais que começaram a governar a Índia após a queda do Império Mogul. Junto com os setecentos príncipes nativos eles formam a aristocracia nativa da Índia. Esses aristocratas e suas famílias contam 541.175 pessoas, de uma população total de 320 milhões. De acordo com os resultados do censo de 1911 (nós não temos dados para os anos 1920-21), 8.500.000 pessoas vivem de arrendamentos. Além 541.175 pessoas mencionadas acima pertencentes a aristocracia terratenente, mais oito milhões arrendam terras. Eles diferem do grupo anterior porque aqueles possuem a terra por mandato do Governo Britânico, e sua terra está sujeita à lei de sucessão feudal, ou seja, ela passa de pai para filho. O segundo grupo possui a terra por meio de uma aluguel temporário ou permanente, sendo a terra considerada propriedade do Governo. O aluguel que eles pagam ao Governo é, em alguns casos, fixado de uma vez por todas, e em outras está sujeito a mudanças periódicas, correspondendo as mudanças no valor da terra.

Esta classe de rendeiros ou fazendeiros tem origem nos primeiros dias do domínio britânico na Índia. Ela ascendeu das ruínas do Império Moslem, ainda antes da consolidação do poder britânico, e seus primeiros representantes eram os dignatários do último período da administração Moslem. Nas últimas décadas do século XVIII o país experimentou vários de anos de fome, causados pela destruição deliberada da indústria manufatureira, a exportação ilimitada de gêneros alimentícios, perda de safras devido a condições climáticas desfavoráveis, a transição em muitos lugares para o cultivo de índigo e juta, e uma perda considerável de área cultivada por conta da guerra civil. Como resultado disso, uma parte considerável do campesinato teve que suportar a pena de pesadas dívidas, e suas terras passaram para as mãos de usurários e de oficiais do Governo que acumularam grande riqueza. A Companhia das Índias Orientais naquele tempo não tinha material humano suficiente a sua disposição para subjugar a população descontente com suas próprias forças, e portante promoveu o crescimento dessa classe de fazendeiros arrendando a eles a terra que pertencia ao Governo. Então os elementos que poderiam formar uma burguesia nativa foram desviados do caminho da sua evolução natural e se tornaram uma classe de fazendeiros. Isto foi parcialmente causado também pela conquista do poder político pela burguesia estrangeira, que assumiu o direito de explorar todo o país. Mas agora que o Governo Britânico é forçado a mudar sua política de esmagar a industrial local da Índia, nos vemos a nova burguesia indiana sendo recrutada em larga medida dessa classe de fazendeiros. Os pequenos fazendeiros acham mais vantajoso abandonar suas terras e investir seu dinheiro em empresas comerciais e industriais. Isto leva à concentração da terra nas mãos do grande capital. Nós devemos discutir essa concentração em detalhe mais tarde.

A segunda camada da população da Índia – a burguesia e os intelectuais – contando 37 milhões, contando mulheres e crianças (20 milhões). Em 1918-1919, a soma total de capital controlado por essa classe foi de 640 milhões de libras esterlinas, investidos parcialmente em títulos do Governo (359 milhões de libras esterlinas) e parcialmente em várias ações de empresas (225 milhões). Além disso, somas consideráveis foram investidas em áreas indústrias que cresceram muito recentemente, como nos 1.800 moinhos de algodão, plantas industriais de ferro e metal, de açúcar, plantações de borracha, 500 moinho de arroz, fábricas de óleo, gráficas, fábricas de couro e etc.. Cem anos atrás, em 1820, esta classe controlava, apenas em títulos do Governo, um capital de 20 milhões de libras esterlinas. Não haviam empresas de capital aberto na Índia naquela época.

A intelligentsia indiana que, junto com os elementos progressistas da classe de fazendeiros, formam a base da burguesia local, é filha do Governo Britânico. Já nos primeiros anos do seu domínio o Governo Britânico considerou mais vantajoso encher os escritórios e os postos de administração menores com nativos do que trazer pessoas da Inglaterra especificamente para esse propósito. Ainda mais, era importante para os britânicos terem o apoio dos elementos nativos na máquina do governo local que estariam satisfeitos com baixo salário. Nos primeiros dias do domínio britânico cerca de cinquenta empregados nativos poderiam ser contratados pelo mesmo salário que seria necessário para pagar a um único empregado britânico vindo da Metrópole. Com isso em vista, nos anos 20 do século XIX o Governo começou a abrir novas escolas, dando então um forte impulso ao desenvolvimento da classe intelectual local, que logo excederam todas as expectativas dos governantes estrangeiros. Esses intelectuais dominaram completamente as profissões médicas, legais e docentes. No presente, os britânicos foram completamente expulsos dessas profissões pelos intelectuais nativos. De acordo com os resultados do censo de 1911, havia 7.973.662 pessoas engajadas nessas profissões e ocupando postos administrativos. Esse número não incluiu os empregados das empresas privadas. As profissões mencionadas acima se provaram muito lucrativas, e grandes somas foram acumuladas nas mãos da camada superior dos intelectuais. Em 1850, as somas acumuladas por este grupo da população e investidas em títulos do Governo totalizaram 69 milhões de libras esterlinas. Naqueles dias esta era praticamente a única maneira lucrativa de investir capital, como não haviam empresas comerciais, etc.. A soma total depositada em bancos nacionais naquele tempo igualava 15 milhões de libras esterlinas. Outra operação lucrativa era arrendar a terra. Naquele tempo a terra estava escorregando das mãos dos grandes fazendeiras que não estavam conseguido pagar os pesados impostos sobre a terra. Os pequenos fazendeiros também foram forçados a abandonar sua terra, devido as grandes dívidas que impossibilitavam que eles fechassem as cotas. Então uma parte considerável da terra mudou de mãos, passando dos velhos donos conservadores para os novos elementos progressistas da classe intelectual nativa. Esta classe de fazendeiros progressistas, parte dos quais continuam – junto com sua posse da terra – exercendo as altamente lucrativas profissões liberais, está rapidamente enchendo as fileiras da própria burguesia, vez que, enquanto grandes somas se acumulam em suas mãos, esses fazendeiros-intelectuais são mais e mais frequente e extensivamente investindo seus capitais em empresas industriais. No presente se pode frequentemente encontrar grandes fazendeiros na Índia que estão ao mesmo tempo representando os interesses da grande indústria.

Nos primeiros anos do governo britânico, o comércio e as finanças eram praticados muito extensivamente entre os diversos governantes da Índia. O comércio interno, contudo, completamente arruinado na primeira metade do século XIX, quando o mais novo sistema bancário foi introduzido e as empresas de comércio britânicas foram criadas. Como resultado deste processo a classe comercial da Índia – um dia um grande fator considerável – foi reduzida ao nível de pequenos comerciantes. Após 1860, o comércio interno foi revivido novamente. Essa ressurreição foi causada pela lenta mas constante penetração de capital europeu no interior do país – em busca de matéria-prima e mercados para bens europeus. Este fato, por sua vez, levou a formação de uma classe de atravessadores indianos. O crescimento do comércio externo enriqueceu a classe comercial nativa que rapidamente começou a acumular grandes capitais, mas já que o comércio externo e as finanças internacionais eram monopolizadas pelo capital estrangeiro, o comerciante nativo não tinha nenhum acesso imediato a esta esfera de interesses. O que lhe restou foram as empresas industriais, e ele dirigiu a elas tanto sua energia quanto seu capital. O primeiro moinho de algodão indiano foi estabelecido em Ahmedabad em 1851.

Entretanto, até 1880 o capital indiano penetrou apenas lentamente na indústria. Apenas depois desse ano que a industrialização do país realmente começou. Em 1880 havia ao todo 58 moinhos de algodão na Índia, com um capital total de 3.800.00 libras, e 22 fábricas têxteis e paradas com um capital de 22.246.000 libras. O número total de trabalhadores empregados nestas empresas era de 68.000. Além do capital investido nestes e em outros empreendimentos industriais privados – incluindo comércio interno e finanças – os capitalistas nativos controlam outras 90 milhões de libras em depósitos e ações de empresas. Desta maneira nós vemos que até o início dos anos oitenta o capital indiano, concentrado nas mãos dos representantes das profissões liberais, fazendeiros indianos e comerciantes, estava pronto para dar sua contribuição na industrialização do país. Mas isto foi neutralizado pelos representantes do capital estrangeiro, que viam a Índia como uma fonte de matéria-prima e um mercado para bens manufaturados. Impostos especiais foram colocados sob as empresas nativas, prejudicando seu desenvolvimento e frequentemente fazendo-as fechar imediatamente após a sua abertura. Ainda, apesar da oposição ativa de parte do capital estrangeiro, a empresa nativa continuou a aparecer e ganhou um firmamento sólido, já que eles tinham vantagens a seu favor como o baixo custo de matérias-primas locais e a possibilidade de empregar trabalho barato.

Tendo a classe intelectual nativa enriquecido, e sendo privada da possibilidade de investir seu capital lucrativamente, se tornaram descontentes com o Governo Britânico. Já que eles consideravam abaixo de sua dignidade se envolver no comércio, e as empresas industriais encontraram oposição contínua das autoridades, a propriedade da terra e títulos do Governo permanecerem os únicos objetos para o investimento dos seus capitais. Os títulos do Governo gerando um rendimento muito baixo – de 3 a 3,5% - eram pouco atraentes para os intelectuais ricos. A renda da terra também não gerava muito lucro. O capital nativo foi excluído da construção de ferrovias e bondes, da mineração, assim como da participação em outras indústrias em que o Governo Britânico não interferia no desenvolvimento. Toda esta esfera da indústria era monopolizada pelo capital britânico. As profissões liberais estavam saturadas. Vendo todas as possibilidades bloqueadas para eles, a classe rica de intelectuais naturalmente começou a ver o Governo Britânico como a causa de todos os seus problemas, e decidiu lutar contra o Governo. Dessa maneira foram os interesses econômicos que fizeram da burguesia nascida da intelligentsia indiana começarem a luta política. O primeiro estágio desta luta foi o Congresso Nacional Indiano que teve sua primeira sessão em Bumbai, em 1885, sob liderança de J. S. Vanarji, um rico advogado que investira toda a sua poupança em empresas industriais e comerciais. O novo movimento político se deu um claro objetivo: destruir, ou, ao menos, limitar o poder do Governo Britânico que deliberadamente impedia o desenvolvimento econômico da burguesia local. Este movimento foi liderado por ricos advogados, comerciantes, industriais, médicos, etc., em resumo – por aqueles elementos sociais progressistas que queriam ser livres para investir seus capitais como eles desejarem.

Pelo fim do século XIX o poder do capital indiano passou por um crescimento lento mas constante, graças ao excesso de capital livre e ao sempre crescente proletariado. As fileiras do último foram preenchidas pelos nativos sem-terra assim como pelos artesãos que foram despojados dos seus rendimentos. A indústria nativa continuou a se desenvolver e expandir, apesar de todos os obstáculos que o Governo Britânico colocou em seu caminho.

Os grandes fazendeiros da Província de Bengala desfrutam de privilégios especiais na base da Lei de 1829, sobe esta Lei, eles pagam apenas um imposto fixo sobre a terra, e mais nenhum. Além disso, a Lei de Terras de Bengala dá aos grandes fazendeiros o direito de arrendar sua terra em um aluguel-vitalício. Graças a essas provisões, Bengala sempre teve um lugar proeminente na agricultura, e o aluguel da terra alcançou lá os níveis mais altos.

Entretanto, a Lei de 1829 colocou o Governo Britânico em desvantagem, retirando dele a possibilidade de lucrar diretamente com os altos alugueis da terra. Para remover esta “inconveniência”, uma divisão de Bengala foi efetuada em 1905. A parte leste da Província com suas ricas plantações de arroz foi colocada sob uma nova administração provincial, e a esta foi garantido o direito de revisar o velho sistema de taxação.

Dessa maneira um novo conflito surgiu entre o Governo e os fazendeiros ricos. Este conflito fez com que os representantes dos senhores de terra e dos capitalistas nativos juntassem forças na luta comum contra o domínio britânico. Em 1905, o movimento político da burguesia indiana, expresso pelo Congresso Nacional e apoiado pelos elementos progressistas da classe de fazendeiros, tomou a arma econômica do boicote contra o capital britânico. A vigésima sexta sessão do Congresso Nacional Indiano ocorrida em Calcutá em 1905 declarou que o boicote da Inglaterra continuaria até que a divisão feita pela Lei de Bengala fosse revogada.

A burguesia indiana constituída de intelectuais, industriais, comerciantes e fazendeiros progressistas, adquiriu um poder tão considerável naquele tempo que era capaz de se engajar em uma luta aberta contra o monopólio do capital estrangeiro. O número de fábricas crescera para 2.688 em 1905. Dessas fábricas, 1970 funcionavam a vapor ou eletricidade, e em 718 empresas o trabalho era feito sem máquinas.

De acordo com dados oficiais, a soma total de capital investido em ações de empresas industriais nativas era igual a 57 milhões de libras, quase dez vezes mais do que em 1880. Por outro lado, os valores investidos em títulos do Governo totalizavam 94.616.740 libras, mostrando um crescimento de apenas 4 milhões de libras. Com o desenvolvimento da indústria também surgiram bancos fundados com capital indiano. Em 1905, nove desses bancos existiam na Índia.

Para justificar o boicote, foi levantada a teoria de que a indústria em crescimento necessitava de proteção e encorajamento para aumentar a riqueza nacional, que era a única fonte para a melhoria da posição das massas. A indústria indiana era, entretanto, ainda jovem demais para competir com o capital britânico, e o boicote falhou em obter seu objetivo. De qualquer forma o Governo foi obrigado a reconhecer a força da burguesia indiana. Em 1909, uma lei que garantia à burguesia uma parte do governo do país foi aprovada. Pela primeira vez durante todo o período do domínio britânico um indiano foi indicado como membro do Comitê Executivo do Vice-reino, - um ofício correspondente àquele de ministro em uma monarquia absolutista. A escolha foi de um dos mais proeminentes advogados, que era ao mesmo tempo um rico fazendeiro. O número de membros dos Conselhos Legislativos, nacional e também Provincial, foi aumentado. Uma Comissão Real especial foi instruída a lidar com a questão de atrair um maior número de nativos para o serviço. O ano de 1911 testemunhou a conclusão do primeiro estágio da luta iniciada pela burguesia indiana contra o Governo Britânico: a Partição da Lei de Bengala foi rescindida. Com esta primeira vitória política o espírito de luta da burguesia indiana cresceu ainda mais. Ela perseverou na luta, e um ano depois o Governo, através do próprio Rei – que tinha visitado a Índia especialmente com este propósito – prometeu conceder à Índia o autogoverno no futuro próximo.

Junto com a sua vitória política, a burguesia continuou a fazer avanços na esfera econômica. Foi particularmente na indústria têxtil que o número de empresas de nativos cresceu rapidamente. Nunca houve nenhum capital britânico relevante investido nesta indústria, e depois de 1905 ele diminuiu ainda mais. O movimento de boicote deu grande ímpeto ao desenvolvimento da indústria indiana como um todo. Um grande número de novas empresas foi inaugurado, e as velhas foram expandidas e melhoradas. Seguindo a indústria têxtil, um desenvolvimento considerável foi feito nos seguintes ramos, mineração de carvão, metal, papel, tintas, sabão, vidro, fósforos, farinha, óleos e etc..

O comércio de ferro e aço também progrediu rapidamente depois que a “Tata” Iron and Stell Mills Company, com um capital de sete milhões de libras foi fundada em 1907.

Com o começo da guerra, uma nova era se inaugurou para a burguesia indiana. A Inglaterra, sendo obrigada a mobilizar todas as suas forças industriais para a produção de munições de guerra, tendo também que adaptar uma parte da sua marinha mercante para as necessidades de guerra. Tudo isso, junto com a guerra submarina, levou a uma queda considerável das exportações inglesas para a Índia. Inesperadamente, os manufatureiros indianos foram colocados em uma posição favorável. A competição do capital britânico, que tendia a prejudicar o capital indiano, parou de uma só vez, e uma larga gama de atividades foi aberta para os manufatureiros nativos. O próprio Governo Britânico que até essa época tinha impiedosamente seguido a política de esmagar a indústria indiana, agora se dava conta da necessidade de mudar sua política. O descontentamento estava crescendo na Índia desde o início do século. Nos anos anteriores a guerra este desafeto se tornou nacional, por um lado devido a uma maior unidade das massas e, por outro, ao enorme crescimento do desemprego entre os intelectuais, que tinham cada vez mais dificuldades para conseguir uma ocupação. É por isso que no começo da guerra o sentimento generalizado dentro da Índia causou alarde. Tentativas foram feitas para derrubar o domínio britânico com insurreições armadas. Nas fileiras do exército indiano também surgiu um espírito de motim. Ao movimento político iniciado pelos intelectuais ricos se juntaram os chamados extremistas, com fileiras tomadas pelas camadas mais baixas dos intelectuais pequeno-burgueses. Sociedades terroristas foram ativas no campo político desde 1904. Agora, entretanto, não eram somente organizações revolucionárias secretas que almejavam a completa separação da Índia do Império Britânico por meio de uma revolução. Também era o objetivo perseguido pelas numerosas fileiras de extremistas formando a ala esquerda do Congresso Nacional Indiano. O movimento político era sustentando por dois fatores: em primeiro lugar havia uma poderosa classe de capitalistas indianos que, tendo concentrado grandes capitais em suas mãos, almejavam conquistar, se não o monopólio, pelo menos uma parte da exploração dos recursos naturais e forças laborais do país; em segundo lugar, havia uma crescente pobreza e desemprego causados pela extensiva e intensiva exploração do país pelo capital estrangeiro, que deliberadamente impedia o desenvolvimento industrial da Índia. Ambos estes fatores trabalharam contra o domínio britânico. Socialmente eles representavam interesses diametralmente opostos um ao outro, mas visando o inimigo comum eles se tornaram aliados temporários. Naturalmente, o Governo Britânico dirigiu todos os seus esforços para quebrar esta aliança. O Governo Britânico decidiu subornar parte da burguesia com concessões políticas, mas a burguesia indiana de 1919 não era a mesma de 1906. Ela não poderia mais ser pacificada com falsos privilégio políticos e administrativos. Ela demandava concessões econômicas, ela queria a sua parte na exploração do país.

Nos primeiros anos da guerra o Japão conquistou uma parte considerável do mercado indiano que tinha sido antes suprido pelas mercadorias ingleses. Os capitalistas britânicos agora se provavam incapazes de expulsar as mercadorias japoneses do mercado indiano. Todas essas causas internas e externas confluíram para fazer o Governo Britânico entrar em um acordo com a burguesia indiana. Mais uma vez foi prometido à Índia o autogoverno, desde que ela ajudasse a Inglaterra na guerra. Como o autogoverno significava uma transferência parcial do governo do país para a burguesia indiana, era apenas natural que esta promessa causasse um apoio ativo à Inglaterra pela classe proprietária da população indiana. Esta classe abandonou sua luta política e ajudou o Governo Britânico a recrutar tropas indianas. Em troca desses serviços valiosos o Governo introduziu em 1916 um imposto importação de 3,5% em artigos de algodão. Esta proteção para o carro-chefe da indústria indiana foi uma concessão tão considerável para a burguesia industrial que esta última, por sua vez, fielmente ajudou o Governo Britânico a alcançar os 100 milhões de libras em empréstimo, como um presente para a Inglaterra. Graças a introdução de impostos sobre a importação de algodão, o capital dos acionistas investido na indústria têxtil imediatamente subiu para 24.500.000 libras em 1917, e o número de moinhos chegou a 276.

Em 1917 a Índia produziu todo o tecido que ela precisava para sua indústria têxtil e metade dos artigos têxteis que ela precisava. A produção na Índia em 1917 alcançou 94,6% das importações totais, onde a produção doméstica no pré-guerra não chegava a 42% das importações. Em 1917 a Índia produziu 1.614.126.458 jardas de tecidos de algodão, representando uma soma de 18 milhões de libras.

Uma ideia da posição econômica e industrial da Índia pode ser obtida dos seguintes dados. Em 1917 as ferrovias se estendiam por 40.000 milhas e eram controladas principalmente por capitalistas britânicos. Este número não inclui as linhas subsidiárias e de menor bitola que eram majoritariamente pertencentes ao capital nativo. O número de trabalhadores empregados nestas ferrovias, incluindo aqueles que trabalham nas fábricas, era de 1,5 milhão e em todas as outras 9.000 empresas industriais havia dois milhões de trabalhadores. Dessas empresas 5.000 eram movidas a vapor e eletricidades. Além disso, a Índia tinha 1.800 plantações de chá e café, com 900.000 trabalhadores. A produção de carvão, nafta, manganês, mica, ferro e ouro era levada com grande energia. A atividade dos portos e docas pode ser julgada pelo fato de que não menos que um milhão de trabalhadores eram lá empregados.

Progresso considerável também foi feito pela indústria de juta. O capital nativo investido neste ramo cresceu 113% desde 1914. As indústrias de lã e papel também se desenvolveram muito.

A produção de carvão da Índia em 1917 era de 18.200.000 toneladas e o consumo de carvão – 17.809.000 de toneladas. Comparada a 1913 a produção cresceram em dois milhões de toneladas. A indústria indiana consumia 9.000.000 de toneladas. Para comparação, nós destacamos que a indústria japonesa – sem contar a marinha mercante – consumia 10.236.000 toneladas de carvão em 1917. A produção de nafta na Índia também cresceu consideravelmente.

Simultaneamente ao crescimento da indústria, o comércio indiano se desenvolveu fortemente. Comerciantes indianos recentemente começaram a tomar um papel ainda maior no comércio externo. Eles estão competindo nas Índias Holandesas, na Península da Malásia, na África Oriental, Afeganistão e parcialmente na China, fornecendo artigos de algodão e semimanufaturados a esses mercados. A exportação de mercadoras manufaturadas da Índia está crescendo, enquanto a exportação de matérias-primas, em particular de algodão cru, está diminuindo.

A seguinte tabela mostra (em porcentagens) a queda de capital indiano investido em títulos do governo e o crescimento do capital em empresas industriais, testemunhando que a burguesia indiana não falhou em tomar vantagem das condições favoráveis criadas pela guerra e pela mudança na política econômica do Governo Britânico.

1914 1917 1918 1919 1920
Títulos do Governo 100 70 67 74 62
Bancos 100 106 112 116 137
Empréstimos municipais 100 89 84 84 81
Indústria de juta 100 311 467 383 563
Indústria de algodão 100 132 162 167 386
Indústria de lã 100 106 125 125 187
Mineração de carvão 100 136 134 157 149
Plantações de chá 100 137 125 123 136
Moinhos de farinha 100 137 206 238 406
Ferro e aço 100 332 295 284 207

A mudança na política econômica do Governo Britânico também foi expressa na definição da Comissão da Indústria da Índia em 1916, com uma visão de encontrar caminhos e meios para o desenvolvimento industrial do país. A Comissão consistia de 10 membros, quatro dos quais eram indianos; um deles era o líder da ala direita do Congresso Nacional indiano e os outros três pertenciam aos maiores manufaturas do país. A Comissão estava instruída a investigar e relatar as possibilidades de maior desenvolvimento industrial da Índia e a dar suas opiniões nas seguintes questões.

A. Podem novas fontes serem encontradas para uma aplicação lucrativa de capital indiano em comércio ou indústria indianos? B. Pode o Governo – e se a resposta for afirmativa, de que maneira – contribuir para o desenvolvimento industrial do país por meio de: 1. consultoria técnica; 2. organização de empresas modelos mostrando a praticabilidade de certas indústrias em linhas comerciais; 3. apoio financeiro direto ou indireto para as empresas industriais; 4. quaisquer outras maneiras não conflitantes com a política fiscal do Governo na Índia.

A Comissão terminou seus trabalhos e em 1918 apresentou um relatório impresso. Em linhas gerais os seus conteúdos são os seguintes:

1. No futuro o Governo deve tomar parte ativa no desenvolvimento industrial do país. 2. A Índia produz todas as matérias-primas que ela precisa, mas ela é incapaz de produzir muitos dos artigos que ela precisa em tempos de paz e de guerra. É portanto imperativo que o Governo ajude a organizar tais indústrias na Índia vez que o país estaria exposto a um grande perigo em caso de guerra. 3. Os métodos mais modernos devem ser introduzidos na técnica agrícola, para que o trabalho hoje desperdiçado seja empregado lucrativamente em indústrias manufatureiras. 4. Educação para o público geral deve ser um objetivo, mas foi injusto colocar todos os gastos para sua realização sobre a indústria, sendo claramente dever do Governo executar esta medida. 5. Educação técnica especial deve ser oferecida em grande escala. 6. O Governo deve abandonar sua política de não-interferência com a vida econômica do país, que ele defendeu até hoje. Bancos industriais devem ser fundados; se necessário – com o apoio financeiro do Governo. 7. Já que é, por um lado, claramente necessário fortalecer a posição econômica do país, enquanto, por outro lado, é óbvio que a população em si, sem a ajuda do Governo é incapaz de alcançar isto, o Governo deve adotar o princípio de interferência enérgica nos assuntos industriais do país.

A prontidão do Governo Britânico para entrar em acordo com a burguesia indiana também encontrou uma expressão política na Lei Montagu-Chelmsford. Lucrando das condições altamente favoráveis trazidas pela guerra, a classe capitalista indiana obteve uma base econômica tão firme que o Governo Britânico não podia mais ignorá-la.

Se, depois da guerra, o Governo ressuscitasse sua velha política de obstruir o desenvolvimento econômica do país; induziria a burguesia indiana, fortalecida durante a guerra tanto politica quando organizativamente, a ficar à frente do movimento revolucionário que se espalhou amplamente por todo o país. A única maneira de prevenir esta catástrofe era direcionar as aspirações políticas da burguesia por outro canal. A guerra tinha terminado. A burguesia indiana tinha sido leal ao Governo todo o tempo e agora estava aguardando a realização da promessa duas vezes repetida do autogoverno. O governo então se apressou para introduzir as reformas colocadas pelo Quadro Montagu-Chelmsford, que podem ser sumarizadas como o seguinte: 1) Mudanças foram feitas no controle do Parlamento Britânico sobre o Governo da Índia, executado pelo Secretário de Estado para a Índia. 2) O número de membros indianos do Comitê Executivo do Vice-reino foi aumentado. 3) Duas câmaras legislativas foram criadas, e o número de membros indianos assim como a razão de membros eleitos em relação àqueles indicados foram aumentados. 4) O sufrágio foi estendido para incluir todas as classes proprietárias dentro de uma certa qualificação de propriedade. 5) O poder político de fato que anteriormente era de propriedade do Comitê Executivo foi parcialmente para as câmaras legislativas. 6) Para auxiliar os governantes provinciais, indianos foram indicados, que deveriam ser recrutados entre os representantes do nacionalismo moderado. 7) O número de membros da câmara legislativa provincial foi aumentado e os seus poderes legislativos estendidos. 8) Uma terça parte de todos os postos civis de alto escalão foi reservada para a população nativa. 9) Facilidades foram colocadas para a admissão de nativos para os exames de serviço civil na Índia assim como na Inglaterra. 10) A diferença entre os salários dos oficiais ingleses e indianos foi diminuída. 11) O governo municipal foi colocado em grande medida nas mãos da burguesia local.

Por sinal, a parte mais essencial desta acordo que – como muitos acreditam – abriu uma nova era política na Índia, são as concessões econômicas feitas ao capital indiano. A natureza dessas concessões pode ser vista na Lei da Reforma, que diz que, visando a conveniência do desenvolvimento industrial da Índia, o Governo compartilha totalmente o desejo dos representantes da indústria indiana de aproveitar-se das vantagens econômicas que podem resultar da manufatura de matérias-primas localmente. As teorias britânicas sobre a não-interferência do Estado na esfera econômica não podem ser aplicadas à Índia. Se os recursos do país devem ser desenvolvidos, o Governo deve contribuir para isso. Não é de se estranhar que os Partidos líderes ainda estão amargurados contra o governo. O povo percebe a sua inabilidade para executar o programa do desenvolvimento industrial com suas próprias forças, sem a ajuda ou conselho do Governo. Então uma nova situação surgiu. A proibição de importações de países inimigos foi bem recebida na Índia, já que abriu a possibilidade de substituir mercadorias estrangeiras por artigos manufaturados nativos. Depois da guerra a necessidade de desenvolvimento industrial deve ser sentida de forma ainda mais aguda, se a Índia não quiser se tornar um aterro de mercadorias estrangeiras e deseja evitar a competição violenta entre países estrangeiros no seu território, por um mercado que depende da sua força política. A Índia tem, claro, o direito de requisitar a assistência do Governo para ajudá-la a se tornar um país industrial.

Uma política econômica progressista é necessária em todos os aspectos – não somente para dar a Índia estabilidade econômica, mas também para satisfazer as aspirações da sua população de fazer da Índia um país industrial; e para prover mais oportunidades para sua juventude que agora não tem chances com exceção do serviço público e de algumas profissões saturadas; e, por fim, para que o dinheiro que está sendo desperdiçado seja utilizado para o bem-estar do país. Os interesses do Império também pedem que os recursos da Índia se desenvolvam totalmente. Graças ao desenvolvimento industrial da Índia, o poder do Império crescerá enormemente. As representações de diferentes ramos da indústria agora estão inclinados a acreditar que cada novo moinho ou fábrica diminuem suas fontes de lucro; mas toda riqueza adicional aumenta a capacidade de compra de todo o país. A guerra mostrou claramente o quão é importante é o desenvolvimento econômico do Estado para os assuntos militares. Em nossos dias a produção de materiais de guerra depende de tal maneira no estado da indústria que o desenvolvimento dos recursos naturais da Índia se torna uma necessidade militar. Os representantes dos Partidos políticos indianos provavelmente também desejam que a Índia seja capaz de satisfazer suas necessidades militares. O Governo se dá conta da sua responsabilidade na questão do desenvolvimento industrial da Índia. É certo que o capital necessário será encontrado tão cedo quanto as condições favoráveis forem criadas. Para isso benefícios financeiros e de crédito serão fornecidos. O desejo geral que o capital indiano e o trabalho indiano encontrem aplicação para o bem-estar do país como um todo é o melhor augúrio.

Tais foram as razões que induziram a classe capitalista britânica a não apenas reconhecer a burguesia indiana como um fator muito importante, mas também para ajudar no seu desenvolvimento ao levá-la para a exploração do país. Com esta mudança de política o Governo Britânico pretendia separar a burguesia indiana do movimento nacional ao mostrá-la que uma maior gama de possibilidades podia ser lhe ser garantida sob o domínio britânico. Por outro lado, a burguesia indiana estava mais interessada em fortalecer sua própria posição econômica e considerava a luta política meramente como um meio para isso. As conquistas da burguesia na esfera econômica durante a guerra foram substanciadas pela nova política do Governo, uma nova era de prosperidade se iniciou então para a indústria indiana desde 1918.

Além disso, o desenvolvimento da indústria foi promovido pelo fluxo de capital livre trazido pelo fechamento de firmas alemãs e austríacas que – por meio de intermediários indianos – faziam um extensivo comércio de exportação e importação em matéria-prima e artigos manufaturados. Em 1918-19, seu capital investido em empresas comerciais caiu para um oitavo do total pré-guerra.

Com o desenvolvimento da indústria nativa vieram mudanças importantes no comércio externo. As importações de maquinário cresceram, enquanto aquelas de artigos de algodão caíram. A exportação de matéria-prima caiu consideravelmente. De acordo com dados oficiais, o comércio externo da índia aumentou em seis vezes desde 19000, maquinário e nafta tomando o primeiro lugar em importações. Os retornos do comércio externo da Índia mostram que a indústria do país deve ser desenvolvida para aumentar seu poder de compra. Bens manufaturados e semimanufaturados têm mais valor do que matérias-primas. Esta tendência foi notada nos últimos anos. A juta é exportada em artigos manufaturados. Oleaginosas são trabalhadas no próprio país e o óleo é exportado. Graças a isso a Índia é capaz de importar mais máquinas e outros artigos necessários para o seu desenvolvimento industrial.

A riqueza da burguesia indiana durante e depois da guerra não cresceu às custas do capital britânico. Como nós demonstraremos em outro artigo, junto com o enriquecimento da burguesia indiana, as grandes massas da população empobreceram.

Hoje a burguesia indiana representa sem dúvida um fator importante. Reconhecer isto e com vistas no crescente movimento revolucionário na Índia, o Governo, desejando ganhar para seu lado a parte da população que, devido aos seus interesses de classe, é a mais próxima dele, está agora pronto para admitir que a burguesia indiana participe do governo e da exploração do país. Contudo, a classe capitalista indiana – a qual já tem concentrado em suas mãos três quartos da indústria e uma parte considerável do comércio – está longe de estar contente. Quanto mais concessões são feitas pelo governo para a burguesia indiana, mais crescem as suas demandas. A burguesia indiana compreende perfeitamente que ela não pode se sustentar sem um compromisso com o capital britânico, mas eles estão aguardando para começar a luta pelo monopólio na exploração da Índia. Eles também percebem que eles precisam da ajuda das massas para derrubar o imperialismo britânico. Para subornar os trabalhadores, nos quais a consciência revolucionária cresce a cada dia por conta do empobrecimento das massas e da concentração das riquezas do país nas mãos da burguesia, ela recebe abertamente as massas no Congresso Nacional Indiano. Mas ao mesmo tempo, a burguesia indiana, ao declarar pela segunda vez um boicote de mercadorias britânica, fez evidente que ela deseja enriquecer às custas do povo. A burguesia indiana assim como as as massas indianas estão sendo empurrados para uma revolução por um número de fatores objetivos. Mas essas duas partes da população estão divididas pela diferença dos seus interesses de classe, e o abismo entre eles está se alargando e continuará se alargando cada vez mais enquanto se desenvolve a indústria indiana, ambos os fatores estão se tornando mais fortes e se consolidando. As massas – graças ao crescimento do Labour Union e do movimento camponês, e a burguesia – por meio do seu porta-voz político: o Congresso Nacional. O fato de que o Congresso Nacional Indiano sob a liderança de Gandhi pôde coletar 10 milhões de rupees para o Fundo Nacional prova a solidariedade crescente da burguesia indiana. A Liga Moslem de Toda a Índia, fundada em 1912 com a ajuda do Governo, que esperava organizar os capitalistas Moslem e os senhores de terra em uma oposição política ao Congresso Nacional Indiano (constituído quase exclusivamente de elementos indianos com uma pequena adição de intelectuais Moslem), desistiu do seu papel original e entrou no movimento nacionalista da burguesia indiana. No presente a burguesia indiana representa um classe social bem unida econômico e politicamente, e consciente da sua missão história. Ela será sem dúvida a vanguarda do movimento nacional que derrubara o domínio estrangeiro. Entretanto, quanto mais consciente for de si mesma como uma classe, mais difícil será para ela enganar as massas. Quanto mais importante for o desenvolvimento econômico do país, mais agudas serão as diferenças de classe. Não pode haver dúvida que a derrubada do domínio britânico na Índia será conquistado com os esforços conjuntos da burguesia e das massas, mas não podemos dizer ainda de que forma essa união será feita. Será mais fácil para nós responder essa questão depois de examinar a posição atual das massas e medir o abismo que separa esses dois fatores revolucionários