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Primeira Edição: revista A Sementeira, 2ª série, N.º 1, Janeiro de 1916
Fonte: Última Barricada - https://ultimabarricada.wordpress.com/neno-vasco/obras-de-neno-vasco/arte-e-revolucao/
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
O homem vive primeiramente de pão, mas não é só de pão que ele vive: assim pensam os revolucionários sociais. Mas, em geral, aos revolucionários escasseiam o tempo e os recursos mesmo para tarefas mais urgentes e essenciais, para a conquista direta do pão e da liberdade. Em matéria de arte são obrigados a contentar-se com a que lhes fornecem as empresas mercantis.
No entanto, a arte, nas formas superiores, é verdadeiramente revolucionária, mesmo sem tese preconcebida, sem preocupações subversivas, e não somente por afinar o sentido.
Sem educação técnica nem artística, o homem do povo é incapaz de compreender as mais belas obras a refugia-se nos espetáculos mais ordinários, seguido pelo desdém dos super-homens.
Mas tentai e retentai, sem intentos financeiros, essa educação que lhe falta, incitai-o, fazei apelo aos seus melhores sentimentos, explicai-lhe previamente as obras de arte, interessai-o por elas, afinai-lhe gradualmente o gosto, e ele acudirá ao vosso chamamento e em breve tocará, deliciado, os guisados requentados e sebosos pelo mel suavíssimo do Himeto. As suas preferências passadas parecer-lhe-ão abomináveis e vergonhosas.
E tornar-se-á então mais consciente a sua revolta contra a injustiça social, que mergulha a grande maioria na miséria, na abjeção e na ignorância, proporcionando apenas a uma minoria de privilegiados e parasitas todos os gozos da arte e da ciência; contra a injustiça social que a ele próprio o priva ainda de satisfazer completamente as suas novas e legítimas aspirações e curiosidades.
Nesse sentido, a civilização moderna colabora toda com os revolucionários; e divulgar os seus benefícios, seja embora em proporções modestas, é tornar os homens insofridos do jugo, revelar-lhes plenamente a fealdade do existente, – o que, se não é tudo, é um primeiro passo para o desejo duma transformação social. «O homem habituado a lavar-se e que conhece todas as vantagens o asseio corporal, – disse um dia Malatesta, – torna-se revolucionário no dia em que não possa comprar sabão.»