A Revolução Alemã e a Burocracia Estalinista
(Problemas Vitais do Proletariado Alemão)

Léon Trotsky


6. As lições da experiência russa


Numa das nossas obras precedentes, referimos-nos à experiência bolchevista na luta contra Kornilov: os dirigentes oficiais nos responderam por grunhidos de desaprovação. Lembremos mais uma vez o fundo do assunto, para mostrar de maneira mais precisa e mais detalhada como a escola estalinista tirou as lições do passado.

Em Julho-Agosto de 1917, o chefe do governo, Kerensky, realizou praticamente o programa do comandante em chefe Kornilov: ele restabeleceu na frente os tribunais militares de campanha e a pena de morte para os soldados, retirou aos Sovietes conciliadores toda influência sobre os assuntos do Estado, reprimiu os camponeses, dobrou o preço do pão (no quadro do monopólio do Estado sobre o comércio do trigo), preparou a evacuação de Petrogrado revolucionária e juntou nos arredores da capital, de acordo com Kornilov, as tropas contra-revolucionárias, prometeu aos aliados uma nova ofensiva na frente, etc. Tal era a situação política geral. No 26 de Agosto, Kornilov rompeu com Kerensky por causa das hesitações deste e lançou as suas tropas sobre Petrogrado. O partido bolchevique estava numa situação semi-legal. Seus chefes, a começar por Lénine, escondiam-se na clandestinidade ou estavam presos, acusados de ligação com o estado-maior dos Hehenzollern. Os jornais bolcheviques foram proibidos. As perseguições vinham do governo de Kerensky, que era apoiado à sua esquerda pelos conciliadores socialistas-revolucionários e mencheviques.

O que fizera o partido bolchevique? Ele não hesitou um minuto em concluir um acordo prático com os seus carcereiros, Kerensky, Tseretelli, Dan, para lutar contra Kornilov. Por todo o lado foram criados comités de defesa revolucionários, onde os bolcheviques eram minoritários. O que não os impedia de jogar um papel dirigente: quando dos acordos visando desenvolver a acção revolucionária das massas, o partido revolucionário mais consequente e o mais ousado ganha sempre. Os bolcheviques estavam nas primeiras filas, destruindo as barreiras que os separavam dos operários mencheviques e sobretudo dos soldados socialistas-revolucionários e mobilizou-os.

Talvez os bolcheviques tenham agido desta maneira unicamente porque estavam desprevenidos? Não, os bolcheviques exigiram dezenas, centenas de vezes no decurso dos meses precedentes, dos mencheviques uma luta comum contra a contra-revolução que se mobilizava. Desde do 27 de Maio, enquanto que Tseretelli reclamava medidas de repressão contra os marinheiros bolcheviques, Trotsky declarou numa reunião do Soviete de Petrogrado:

''Se um general contra-revolucionários se esforça de passar o nó górdio no pescoço da revolução, os cadetes ensaboarão a corda, mas os marinheiros de Cronstadt virão combater e morrer connosco.''

Isto confirmou-se inteiramente. Durante as jornadas onde Kornilov avançava, Kerensky dirigiu-se aos marinheiros do cruzador Aurora, pedindo-lhes para tomarem a responsabilidade de defender o Palácio de Inverno. Os marinheiros eram todos bolcheviques. Eles odiavam Kerensky. Mas isso não os impedia de proteger o Palácio de Inverno. Seus representantes foram à prisão ''Kresty'' para encontrar Trotsky que aí estava preso, e lhe perguntaram: prende-se Kerensky? Mas a questão era um pouco uma gracinha: os marinheiros compreendiam que era preciso em primeiro lugar esmagar Kornilov e logo fazer contas com Kerensky. Graças a uma direcção política justa, os marinheiros do Aurora tinham uma melhor compreensão que o comité central de Thälmann.

O Rot Fahn qualifica o nosso esclarecimento histórico ''de errado''. Por qual razão? É uma questão inútil. Pode-se verdadeiramente esperar que dessa gente objecções sensatas? Eles receberam ordem de Moscovo, sob ameaça de serem despedidos, de ladrar quando ouvem o nome de Trotsky. Eles executam a ordem como eles podem. Para eles, Trotsky

''fez uma comparação errada entre a luta actual de Bruning ''contra'' Hitler e a luta dos bolcheviques quando do levantamento reaccionários de Kornilov no início de Setembro de 1917: confrontados imediatamente a uma situação revolucionária aguda os bolcheviques batiam-se contra os mencheviques para ganha a maioria nos Sovietes, e armados na luta contra Kornilov, eles atacavam simultaneamente Kerensky pelos flancos. Trotsky apresenta assim o apoio a Bruning e ao governo prussiano como um mal menor''. (Rote Fahne, 22 de Dezembro).

É difícil refutar t oda essa balbúrdia de palavras. Eu comparo, diga-se, a luta dos bolcheviques contra Kornilov com a luta de Bruning contra Hitler. Não sobrestimo as capacidades intelectuais da redacção do Rote Fahne, mas essa gente não podia não compreender o meu pensamento. A luta dos bolcheviques contra Kornilov, eu a comparo com a do partido comunista alemão contra Hitler. No quê que esta comparação está ''errada''? Os bolcheviques, escreve Rote Fahne, combatiam nessa época os mencheviques para ganhar a maioria nos Sovietes. Mas o Partido comunista alemão, também ele, combate a social-democrata para ganhar a maioria na classe operária. Na Rússia, estávamos na véspera de ''uma situação revolucionária aguda''. Correcto! Todavia, se os bolcheviques tinham adoptado em Agosto a posição de Thälmann, é uma situação contra-revolucionária que poderia ser instaurada no lugar da situação revolucionária.

No decurso das últimas jornadas de Agosto, Kornilov foi esmagado, de facto não pela força das armas, mas pela unidade das massas. No dia seguinte do 3 de Setembro, Lénine propôs na imprensa aos mencheviques e aos socialista-revolucionários, o seguinte compromisso:

''vocês têm a maioria nos Sovietes, lhes dizia ele, tomai o poder, nós apoiamos-vos contra a burguesia. Garantam a liberdade total de agitação e nós prometemos-vos uma luta pacífica pela maioria dos Sovietes''.

Eis o oportunista que era Lénine! Os mencheviques e os socialistas-revolucionários rejeitaram o compromisso, quer dizer uma nova proposta de frente única contra a burguesia. Essa recusa tornou-se entre as mãos dos bolcheviques uma potente arma para a preparação do levantamento armado que, sete semanas mais tarde, varreu os mencheviques e os socialistas-revolucionários.

Até agora, no mundo, só houve uma revolução proletária vitoriosa. Em nenhum caso, eu não considero que nós tenhamos cometido qualquer erro no caminho da vitória; contudo, penso que a nossa experiência apresenta para o Partido comunista alemão uma certa importância. Desenvolvo uma analogia histórica entre duas situações muito próximas e aparentadas. Que respondem os dirigentes do Partido comunista alemão? Injúrias.

Só o grupo ultra-esquerda do Roter Kampfer, armado com toda a sua ciência, esforçou-se de criticar seriamente a nossa comparação. Ele considera que os bolcheviques agiram em Agosto de maneira correcta,

''porque Kornilov era o representante da contra-revolução czarista. O que significa que a sua luta era a da reacção feudal contra a revolução burguesa. Nessas condições, um acordo táctico dos operários com a burguesia e o seu apêndice socialista-revolucionário e menchevique era não somente necessário mas inevitável, porque os interesses das duas classes coincidiam para afastar a contra-revolução feudal.''

Mas como Hitler representa a contra-revolução burguesa e não feudal, a social-democrata que apoia a burguesia não pode se comprometer contra Hitler. É por esta razão que não existe a frente única na Alemanha e que a comparação de Trotsky é errada. Tudo isso parece muito sólido. Mas de facto, não há uma só palavra justa. A burguesia russa em Agosto de 1917 não se opôs de forma alguma à reacção feudal: todos os proprietários apoiavam o partido cadete, que se opunha à expropriação dos proprietários de terras. Kornilov se proclamava republicano, ''filho de camponeses'' e partidário de uma reforma agrária e da Assembleia constituinte. Toda a burguesia apoiava Kornilov. O acordo dos bolcheviques com os socialistas revolucionários e os mencheviques tinha-se tornado possível unicamente porque os conciliadores tinham temporariamente rompido com a burguesia: foi com medo de Kornilov que os tinha empurrado. Os conciliadores tinham compreendido que a partir do momento onde Kornilov vencesse, a burguesia deixaria de ter necessidade deles e permitiria a Kornilov de os esmagar. Nesses limites, vê-se que há uma total analogia com as relações que existem entre a social-democrata e o fascismo.

A diferença não começa de forma alguma onde os teóricos do Roter Kampfer a vêem. Na Rússia, as massas pequeno-burguesas, sobretudo camponesas, tendiam não para a direita mas para a esquerda. Kornilov não se apoiava sobre a pequena burguesia. É precisamente por esta razão que o seu movimento não era fascista. Era uma contra-revolução burguesa – e de forma alguma feudal – dirigida por um general conspirador. É nisso que residia a sua fraqueza. Kornilov apoiava-se sobre a simpatia de toda a burguesia e sobre o apoio militar dos oficiais, dos junkers, quer dizer da jovem geração desta mesma burguesia. Isso mostrou-se insuficiente. Mas no caso de uma política errada dos bolcheviques, a vitória de Kornilov não era de forma alguma excluída.

Vemos que os argumentos do Roter Kampfer contra a frente única na Alemanha são baseados no facto que os seus teóricos não compreendem nem a situação russa, nem a situação alemã.(1)

Sentido-se pouco seguro sobre o gelo escorregadio da história russa, o Rote Fahne tenta abordar a questão de um outro lado. Para Trotsky, só os nacionais-socialistas são fascistas.

''uma situação de excepção, a redução dictatorial do salário, proibição de fazer greves … tudo isso não é fascismo par Trotsky. Mas tudo isso o nosso partido deve suportar.''

A irritabilidade impotente dessa gente é desarmante. Onde e quando propus ''apoiar'' o governo Bruning? E o que quer dizer: ''suportar''? Trata-se de um apoio parlamentar ou extra-parlamentar do governo Bruning, é uma vergonha para os comunistas de falarem disso. Mas num outro sentido mais largo, histórico, vocês, senhores vociferadores, vocês são obrigados de ''apoiar'' o governo Bruning, porque vós estais demasiados fracos para o derrubar.

Todos os argumentos que o Rote Fahne dirige contra mim a propósito dos assuntos alemãs poderiam também se dirigir contra os bolcheviques em 1917. Poder-se-ia dizer:

''Para os bolcheviques, a política de Kornilov começa com Kornilov. Mas, de facto, Kerensky não é um kornilovista? A sua política não visa esmagar a revolução? Não ameaça os camponeses com expedições punitivas? Não organiza ele os lock-out? Lénine não está na clandestinidade? E tudo isso, nós devemos apoiá-lo? ''

Tanto que me lembro, nem um só bolchevique se arriscou a utilizar um tal argumento. Mas se houvesse um, ter-lhe-iam respondido aproximadamente isto:

''Nós acusamos Kerensky de preparar e de facilitar a chegada de Kornilov ao poder. Mas isso nos livrará da obrigação de responder à ofensiva de Kornilov? Nós acusamos o porteiro de ter aberto metade das portas ao ladrão. Mas será que isso implica que negligenciemos a porta?''

Como o governo Bruning, graças à condescendência da social-democrata, meteu o proletariado até aos joelhos na capitulação diante do fascismo, vocês concluem daí: até aos joelhos, até à cintura ou totalmente, não é a mesma coisa? Não, não é a mesma coisa. Aquele que se meteu no pântano até aos joelhos pode ainda sair disso. Mas para aquele que se meteu até à cabeça, não tem mais esperanças de sair de lá.

Lénine escrevia sobre os ultra-esquerdas:

''Eles falam bem de nós, bolcheviques. Às vezes temos vontade de lhes dizer: se vocês nos elogiassem menos, vocês compreendiam melhor a táctica dos bolcheviques e conheciam-a melhor!''

continua>>>

Notas de rodapé:

(1) Todas as outras posições desse grupo são do mesmo nível e apresentam-se como uma repetição dos erros mais grosseiros da burocracia estalinista, acompanhada de caretas ainda mais ultra-esquerda. O fascismo triunfa já, Hitler não é um perigo independente, os operários não querem se bater. Se é assim, e e se sobra bastante tempo, é preciso que os teóricos do Roter Kampfer utilizem esse interregno e leiam bons livros, em vez de escreverem maus artigos. Há muito tempo, Marx explicava a Weitling que a ignorância não podia conduzir a bons resultados. (retornar ao texto)

Inclusão 09/11/2018/