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No panorama político brasileiro destaca-se, neste momento, por sua importância e gravidade para os destinos de nosso povo amante da paz e da liberdade, o chamado Acordo de Assistência Militar entre o Brasil e os Estados Unidos, firmado entre os governos de Vargas e Truman e que ora se acha na Câmara dos Deputados para discussão e referendamento. Trata-se, sem dúvida, de um novo passo que os governantes brasileiros dão no caminho da guerra e da subordinação total de nosso país aos bilionários de Wall Street, de uma medida a mais no conjunto de sua política de militarização do Brasil e de seu atrelamento à máquina bélica do imperialismo norte-americano.
Conforme ressalta de suas próprias cláusulas, esse “acordo bilateral” não é, de fato, um acordo, mas uma imposição ianque; e é pois, unilateral e não bilateral. Se assim o qualificam é por mera tática dos senhores de Washington que, diante da resistência patriótica dos povos da América Latina às suas ordens e exigências ditadas nas tais conferências pan-americanas, resolveram agir por partes, tentando colocar a canga em cada país separadamente fazendo aprovar o tratado primeiro onde essa resistência se revele mais fraca.
Mas no espírito de qualquer cidadão brasileiro a questão inicial que se forma é a de saber o porque desse tratado militar. Por acaso nosso país tem necessidade dele? É certo que no seu texto se encontra aqui e ali uma referência à necessidade de “desenvolver o seu próprio poder defensivo” ou ao auxílio a “qualquer Estado americano quando vítima de um ataque armado”. Mas estarão ameaçadas por alguma potência a integridade do território nacional e as vidas dos que o habitam? Quem nos ameaça? Haverá alguém que procure ocupar o nosso solo e apoderar-se de nossas riquezas ou escravizar nosso povo?
Como acentuou em seu informe de fevereiro o camarada Prestes, ao tratar da política de guerra e militarização do governo Vargas,
“a resposta não pode deixar de ser Positiva, não por causa da União Soviética, mas porque em nossa terra já se encontram os soldados ianques que ocupam bases militares, em nossa terra são norte-americanos os generais e almirantes que comandam de fato as nossas forças armadas, como norte-americanos são os senhores que dizem a última palavra sobre a política econômica do pais, sobre o comportamento de sua delegação na ONU e, inclusive, sobre a orientação da política interna do governo”.
“Os interesses de nosso povo estão justamente do outro lado, do lado dos povos que lutam contra essa odiosa política americana de expansão imperialista, de dominação, de escravização e de guerra”.(1)
Então por que o “Acordo”? É apenas, exclusivamente, para servir aos Estados Unidos, em detrimento dos mais altos interesses de nossa pátria. Isto salta aos olhos à simples análise dos termos desse instrumento imperialista.
É para servir aos objetivos de guerra americanos, que, em mais de um lugar, mas, sobretudo no terceiro considerando do preâmbulo, se impõe ao Brasil a obrigação de remeter tropas para a Coréia ou qualquer outra parte, conforme o determine o governo dos Estados Unidos, que fala, manda e desmanda em nome da ONU, certo do servilismo e da cumplicidade não só do títere Trygve Lie, secretário geral daquela organização, como da “maioria mecânica” de que dispõe nas suas assembléias. Nesse considerando se diz que os dois governos reafirmam
“a decisão de cooperar plenamente na tarefa de proporcionar forças armadas às Nações Unidas...”.
Ora, foi em nome das Nações Unidas que os imperialistas americanos e seus satélites desencadearam a agressão contra a Coréia e tudo fazem para prolongá-la, uma vez que esse conflito é uma fonte de superlucros para a oligarquia financeira de Wall Street. Esses oligarcas fazem pressão sobre os governos que giram na sua órbita para que lhes forneçam carne de canhão. Assinando semelhante tratado, Vargas cede mais uma vez aos imperialistas americanos e hipoteca-lhes a vida de nossa juventude.
Ademais, o “acordo” é para servir aos planos norte-americanos de “legalizar” e completar a subordinação de nossas forças armadas ao comando do Pentágono.
De conformidade com a art. VI, § 1.0,
“cada governo concorda em receber, depois de devidamente notificado, os funcionários e oficiais do outro governo, incumbidos de desempenhar as obrigações relacionadas com a execução deste Acordo”.
Está claro que só o governo brasileiro, a quem se destinaria a “ajuda”, teria a obrigação de receber os oficiais e funcionários americanos, os quais gozarão
“de todas as prerrogativas e imunidades” e aos quais “serão concedidas facilidades para observar a aplicação da assistência fornecida”.
Em outras palavras, os oficiais norte-americanos que já ditam ordens a nossos oficiais e soldados, passariam a agir mais aberta e arrogantemente, submetendo por completo o comando militar brasileiro ao comando militar norte-americano, e isto devidamente sacramentado por um Congresso de pretensos representantes do povo.
É a aplicação que se tenta agora de um velho plano já denunciado em 1946, na Assembléia Constituinte, pela vigilância e a clarividência do camarada Prestes, quando aludiu aos projetos de Truman neste continente:
“As nossas forças armadas passarão à categoria de elementos submissos às forças armadas norte-americanas. É inevitável. Pela maneira por que está sendo projetado nos Estados Unidos esse bloco pan-americano, essa organização militar do continente, visa ele colocar nossas forças armadas frente ao exército ultra-moderno dos Estados Unidos, nas condições — tomadas as devidas proporções — de nossas polícias estaduais frente ao Exército Nacional. E mais dia menos dia, teremos o nosso Exército, com soldados brasileiros, sob o comando de oficiais norte-americanos. É esse o caminho, é essa a tendência do imperialismo ianque. Estamos alertando. Ninguém mais do que nós deseja que isso não se realize, e lutaremos contra tal coisa”.(2)
Mais ainda: no quarto considerando do preâmbulo do “acordo”, fala-se explicitamente na prestação, pelo governo dos Estados Unidos, de
“ajuda militar às nações que, com aquele país, tenham estabelecido ajustes de segurança coletiva”.
Essa ajuda militar, compreendendo armamentos e homens, abre o caminho para a ocupação militar de nosso território por tropas americanas. Aliás, o artigo VI, acima citado, estabelecendo a obrigação de receber “funcionários e oficiais”, e o meio expresso para atingir a esse fim.
Para melhor compreendermos a iminência e gravidade desse perigo, basta notar que, sem nenhum tratado que estabeleça tal permissão, já existem centenas de oficiais das três armas norte-americanas em nosso solo. De fato, “somente na Capital da República e em São Paulo, no presente momento, existem:
Assim, bastaria que um poderoso movimento popular anti-imperialista se desenvolvesse em nosso país, para que os imperialistas considerassem que estavam ameaçados o “Hemisfério Ocidental e o Mundo Livre” e para que, em sua defesa e brandindo as cláusulas do tratado, tentassem esmagar a ferro e fogo esse movimento e ocupar definitivamente nosso território.
O tratado tem ainda o objetivo de deformar cada vez mais a nossa economia, tornando-a inteiramente complementar da economia de guerra norte-americana. Daí que o artigo VIII estipule a obrigação dos dois governos
“de aumentar a produção de materiais básicos e estratégicos e de fornecer uns aos outros materiais, produtos e serviços necessários a sua defesa comum”.
“Dois governos”, é maneira de dizer. Claro que só ao Brasil caberia o fornecimento de tais materiais, como aliás já vem acontecendo. Mas para que não paire a menor dúvida a respeito, o quisling João Neves, na sua exposição de motivos, frisou bem que
“ao Brasil caberá fornecer aos Estados Unidos da América principalmente materiais básicos e estratégicos”.
É o compromisso de entregar aos ianques as riquezas naturais do Brasil, o tório e o urânio, o manganês e o ferro, o petróleo e tudo quanto exigirem os generais e banqueiros da guerra atômica e bacteriológica, que agridem povos pacificos, falando hipocritamente em “defesa”.
No artigo IX estabelece-se:
“No interesse da segurança mútua, cada governo cooperará com o outro na adoção e aplicação de medidas e controles comerciais destinados a proteger o Hemisfério Ocidental contra ameaças de qualquer nação”.
Essas “medidas e controles comerciais” encerram um dos mais clamorosos atentados à soberania de uma nação. O que se pretende é simplesmente proibir o Brasil de fazer comércio com quem lhe aprouver e interessar, e subordinar inteiramente esse comércio aos interesses e às ordens dos imperialistas americanos.
E certo que hoje em dia as coisas já se passam mais ou menos assim, porquanto todos sabem que nosso país cortou relações com a União Soviética e deixou de restabelecer com outros paises do campo socialista, por determinação expressa do governo ianque. Mas a aceitação desse “Acordo” e dessa cláusula agravaria ainda mais essa situação de dependência, permitiria o desenvolvimento das atuais relações nessa humilhante base de colônia para metrópole e faria assim girar para trás as rodas da história de nossa civilização, compelindo o Brasil a recuar, sob esse aspecto, depois de século e meio de lutas pela libertação nacional, à época anterior à abertura dos portos brasileiros, em 1808, ao comércio de outros países que não apenas Portugal.
É que o imperialismo não se contenta em ficar a meio caminho, não se satisfaz com as escandalosas concessões que lhe são feitas pelos governantes e as classes dirigentes dos países semi-coloniais e dependentes. Como já observava Lenin em 1916:
“o capital financeiro é força tão considerável, tão decisiva em todas as relações econômicas e internacionais, que é capaz de subordinar — e efetivamente subordina — até os Estados que gozam de independência política completa”... “Porém, naturalmente, para o capital financeiro a subordinação mais benéfica e mais “cômoda” é a que traz consigo a perda da independência política dos países e dos povos submetidos”.(4)
Com plena justeza, pois, declarou a Comissão Executiva do Partido Comunista do Brasil, em março do corrente ano, logo após a assinatura e divulgação dos termos do ignominioso documento:
“Trata-se, antes de tudo, de arrastar o país às ações guerreiras do governo dos Estados Unidos, de enviar tropas brasileiras para a Coréia ou para qualquer outra parte do mundo, segundo as imposições de Truman”.
“Em segundo lugar, visa o sr. Vargas legalizar a concessão de bases militares ao governo dos Estados Unidos e tornar assim mais fácil a ocupação de nosso solo pelas tropas norte-americanas. E como a pretensa ‘assistência militar' visa enfrentar supostas agressões externas ou mesmo internas, os termos do “Acordo” permitem a automática ocupação de nosso território pelas tropas norte-americanas em caso de qualquer movimento popular contra o governo no país, facilmente qualificável de agressão do “comunismo internacional”.
“Enfim, nos termos do novo ‘Acordo', o governo de Vargas entrega gratuitamente aos imperialistas americanos todas as riquezas da nação, abre por completo as portas do pais à invasão de todos os agentes e espiões ianques com regalias e imunidades diplomáticas, e viola cinicamente as leis do país assegurando aos agentes de Truman direitos de extraterritorialidade e garantias até mesmo contra processos judiciários”.(5)
Com esse ato, o governo de Vargas, caracteriza-se mais uma vez como um governo de traição nacional, composto de lacaios do imperialismo americano, de advogados administrativos e testas-de-ferro dos trustes e monopólios estrangeiros. Somente um governo desses, que só foi empossado depois de jurar fiel subserviência aos seus amos da Casa Branca, teria o suficiente despudor de voltar as costas aos mais sagrados interesses da pátria para firmar um tratado dessa espécie. Somente um governo de tal composição social e política poderia cometer semelhante crime de lesa-pátria.
Com efeito, quem são os homens desse governo? É um João Neves da Fontoura, ministro do Exterior e presidente da Ultragás (subsidiária da Standard Oil); um Simões Filho, ministro da Educação e agente da Bond and Share; um Segadas Viana, ministro do Trabalho e advogado da Standard Oil Company of Brazil; um Horácio Lafer, ligado a Dupont de Nemours, e outros da mesma laia.
Nosso povo, entretanto, está vigilante e não aceita a assinatura desse “acordo” como um fato consumado. Luta e continuará lutando para derrotá-lo, assim como lutou e derrotou várias outras investidas dos imperialistas. Nosso povo luta pela paz e realiza, neste momento, os preparativos para sua participação no Congresso dos Povos pela Paz. Um dos pontos altos dessa luta tem consistido na derrota infligida a todas as tentativas do governo de remeter tropas para a Coréia, de atender as insistentes ordens que nesse sentido tem recebido de seus patrões ianques.
Luta ao mesmo tempo pela independência nacional, contra as arremetidas dos trustes, organizando movimentos de resistência tão poderosos como o de defesa do petróleo, que derrotou o Estatuto entreguista de Dutra—Rockefeller, que derrotou igualmente o primitivo projeto Vargas—Rockefeller, da Petrobrás, e prossegue na luta pela solução do monopólio estatal para o problema de nosso ouro negro.
O povo demonstra cada vez maior ódio aos imperialistas americanos e seus lacaios. Certamente que isso é um fenômeno mundial. Em sua edição de 30 de julho, a New York World Telegram and Sun publicava um artigo intitulado Por que nos odeiam?, em que escrevia:
“As tendências anti-americanas se multiplicam na maioria dos países e encontram uma expressão cada dia mais clara na Inglaterra e na Europa Ocidental, assim como nos chamados países atrasados”.
Mas é um fenômeno também acentuadamente brasileiro. Esse ódio manifestou-se com particular vigor nas manifestações de repulsa aos “gangsters Kennan e Miller”, levadas a efeito especialmente diante do Itamarati; nas demonstrações contra a quadrliha de Abbink, nas jornadas de repúdio a Acheson e a presença em nossos portos da esquadra americana, que teve de abandonar nossas águas mais cedo do que programara.
Em suma, o povo brasileiro, cujo sentimento anti-imperialista cresce dia a dia, há de derrotar essa nova ameaça como derrotou o Tratado dos 27 Itens, instrumento de colonização que, sob a denominação de Tratado de Comércio, Navegação e Amizade, foi apresentado para ratificação à Câmara Federal em 1947, não passando entretanto da Comissão de Diplomacia e Tratados, em face do clamor da imprensa democrática e do trabalho de desmascaramento e denúncia brilhantemente realizado então pela gloriosa bancada comunista.
A luta contra o tratado de guerra e colonização é parte da luta geral de nosso povo pela paz e a independência nacional. Nessa luta os comunistas não estão sós; ao nosso lado, dela participam não apenas os operários e os elementos mais esclarecidos e progressistas de outros setores da população. Para todos e cada um dos democratas e patriotas, para todos os que não querem a guerra nem desejam viver escravos, está reservado um posto de honra nessa frente de combate.
Conforme recomenda a nota da C. E. do P.C.B.:
“Empregando todas as formas de protesto, as grandes massas populares devem demonstrar seu repúdio a esse acordo criminoso contra a Pátria, assim como desenvolver a mais ampla ação para impedir que o Congresso Nacional a ratifique. A ação popular poderá reduzir a nada os acordos de guerra e abalar a política de guerra do governo. Se as grandes massas populares tomarem em suas mãos a defesa da paz e da soberania nacional, os planos dos incendiários de guerra poderão ser derrotados”.(6)
Notas de rodapé:
(1) Luiz Carlos Prestes - A luta pela paz, nossa tarefa central e decisiva , em Problemas, nº 39, pág. 41 - Rio. (retornar ao texto)
(2) Luiz Carlos Prestes - Paz indivisível. Problemas atuais da democracia, pág. 354, Editorial Vitória - Rio. (retornar ao texto)
(3) João Amazonas - Pela paz, pela libertação nacional, em Problemas, nº35, pág. 25.- Rio. (retornar ao texto)
(4) V. I. Lenin - O imperialismo: fase superior do capitalismo, pág. 105 - Editorial Vitória - Rio. (retornar ao texto)
(5) Nossa Política: Mais um passo para a guerra - Problemas nº39 - Rio. (retornar ao texto)
(6) Nossa política - Mais um passo para a guerra - Problemas nº 39, pág. 5 - Rio. (retornar ao texto)
Fonte |
Inclusão | 18/12/2016 |