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No dia 19 de Maio de 1975, o “República” aparecia no cabeçalho com o nome de Álvaro Belo Marques. Director interino. Substituindo o jornalista Raul Rêgo.
Uma nota na primeira página:
ESTIMADO LEITOR
Cremos dever-vos uma palavra.
Não será talvez aquela que agrade a todos, pois cada um de vós terá a sua verdade. E é precisamente por cada homem pensar que a sua verdade é melhor que a dos outros, que se geram guerras — que se matam friamente, com raivas, homens, mulheres, crianças.
Mas há uma verdade que não é individual; um conceito colectivo do que está ou não certo.
Os trabalhadores de “República” — cada um sem dúvida, com as suas formações ideológicas —, querem e assim decidiram, estar acima de lutas partidárias, servindo respeitosamente a Informação. A Informação isenta, sem a sofisma das meias-verdades as quais, não beneficiando o País, nada dará à Revolução; pelo contrário.
Não se torna necessário alongar, pormenorizando a história deste Jornal. Foi ao longo dos seus 62 anos uma modesta “folha”, feita por homens verticais, com muitos defeitos é evidente, mas com o gozo-força da coerência e sem o olhar vesgo do servilismo pactuante. Foi assim a sua vida, numa estrada cheia de pedras e com as botas cambadas. Lutou frontalmente contra o fascismo e algum povo deste país ajudou na luta. Deu palavras, deu estímulos, deu dinheiro, deu críticas saudáveis e deu-nos a alegria de poder continuar. Cada parafuso da nossa rotativa é uma afirmação popular, quantas vezes anónima, de uma permanente luta antifascista.
Foi com lágrimas de felicidade que, em 25 de Abril de 1974, vimos surgir a madrugada libertadora. E fizemos um belo Jornal — não porque estivesse bem feito; mas sim porque todos nesta Casa, o fizemos.
O povo fardado deu-nos uma prenda linda, ambicionada, quantas vezes sonhada em noites de amargura. Um ano volvido, ficámos — os trabalhadores deste Jornal — com a sensação que se estava a estragar a prenda.
E recusamos.
Recusamos desvios partidários.
Recusamos dizer meias-verdades.
Recusamos ignorar a luta dos trabalhadores.
Recusamos ignorar as ideologias, quaisquer que sejam, desde que tragam consigo o nosso permanente antifascista.
Cremos dever-vos ainda mais uma palavra: o que já fizemos e o que vamos fazer. E tal cremos porque desejamos, repetindo a frase, que cada parafuso da nossa rotativa, seja pertença de quem o ofereceu.
Devemos isso.
Elegemos uma Comissão de Trabalhadores e essa comissão afirmou, no dia 5 de Maio, que a totalidade dos seus redactores deveria colocar acima de todos os interesses, a Informação, em beneficio dos leitores de “República”.
A Comissão diz hoje não à direcção literária do jornal — são elementos marcadamente antifascistas mas também marcadamente partidários. Devemos-lhes uma palavra de respeito, mas propomos que se retirem, para continuarem a merecer essa palavra.
Os trabalhadores de “República”, representados pela sua comissão, não desejam que a administração pare a sua actividade; não desejam a autogestão; não desejam a cogestão. Não têm sequer criticas a efectivar àquela administração.
Os trabalhadores de “República”, representados pela sua comissão, desejam muito mais que “sanear”: desejam continuar a receber o salário que lhes é pago pelos seus leitores e anunciantes. Mas a recebê-lo com mérito, honestamente, ao serviço dos outros trabalhadores que, como eles, amam e defendem a Revolução.
É possível que voltemos à estrada cheia de pedras e que fiquemos novamente com as botas cambadas. É possível. Mas o único jornal antifascista durante 62 anos, deve continuar a sua caminhada isenta, independente, séria após uma Revolução socialista.
Devíamos ao leitor de “República” esta palavra.
O leitor que nos retire ou que nos dê a sua confiança, mas será para si, seja qual for a sua filiação partidária, que trabalhamos agora.
Todos.
O Conselho de Imprensa divulgou no dia 19/5/75, um comunicado cujo teor é o seguinte:
1. O Conselho de Imprensa recebeu uma queixa da administração do jornal “República” sobre a situação, neste momento, ali existente, que culminou com a publicação de um número apresentando no cabeçalho, como director interino o nome de Álvaro Belo Marques.
Reconhecendo a necessidade de ser assegurado o cumprimento da Lei de Imprensa, o Conselho aprofundará todos os aspectos da questão, recorrendo a sessões extraordinárias necessárias para o efeito.
2. No entanto, o Conselho de Imprensa manifesta, desde já, a mais viva preocupação pelos factos registados na “República”, na medida em que eles possam pôr em causa o princípio da liberdade de Imprensa.
3. No sentido de contribuir para a informação do público, o Conselho de Imprensa recorda que, nos termos da Lei de Imprensa em vigor, compete ao director a orientação, superintendência e determinação do conteúdo do periódico, e que o director é designado pela empresa proprietária, com voto favorável do Conselho de Redacção.
Pelo Conselho de Imprensa — O presidente,
a) Henrique Ramalho Ortigão.
★
A “guerra" estava aberta. De um lado a quase totalidade dos redactores do jornal. Do outro, os restantes trabalhadores.
É neste contexto que se insere um “relatório” subscrito pelos “trabalhadores da República”, com o qual procuram explicar ao público a sua “luta”:
1. Pretendem os trabalhadores do jornal “República” com este relatório descrever o modo como se tem desenrolado a sua luta, seus antecedentes e ocorrências para completo esclarecimento do povo português, ultimamente objecto de uma intensa campanha noticiosa altamente deformadora por parte de uma determinada facção política.
2. O conflito laborai que opõe a esmagadora maioria dos trabalhadores da “República” à Administração, Direcção e Redacção do jornal, teve praticamente o seu início a partir de 25 de Abril de 1974. Efectivamente a partir dessa data não mais se verificaram as sãs relações de trabalho até então vividas por aqueles que tinham a honra de laborar no único jornal diário antifascista.
3. Foi quando um sector do jornal, nomeadamente a Direcção e a Redacção se sentiram na necessidade de fazer dele um órgão ao serviço do partido a que pertenciam. E como a Administração, Direcção e parte da Redacção pertenciam ao Partido Socialista é evidente que a partir daí se assiste, nas colunas de “República” a uma escalada do partido. Tal escalada desenvolve-se a vários níveis, que vão desde o retirar influência no seu trabalho a redactores não-P.S., passando pela admissão de elementos para a redacção afectos ao partido, até à não publicação, truncagem e cortes de todas as notícias que, de algum modo, pusessem em causa o Partido Socialista.
4. Os trabalhadores começam a sentir necessidade de se opor aos constantes desvios da linha de independência antifascista sempre mantida pelo jornal até 25 de Abril de 1974, até porque a feitura de um órgão informativo diário, de características partidárias, resulta muito menos vendável colocando, portanto, em perigo a independência económica do jornal “República”.
O acerto deste raciocínio e a comprovação desta afirmação verificam-se a partir de Outubro de 1974 altura em que a venda do jornal começa a decrescer acentuadamente. Recorde-se que naquela data a tiragem média diária se cifrava em 67.000 exemplares sendo em Dezembro de pouco mais de 50.000.
5. Curiosamente, ou não, é em Outubro que se realiza a primeira R.G.T. para debater a linha ideológica do jornal, a pretexto de um artigo de autoria do Senhor António Reis, dirigente do Partido Socialista. Nessa R.G.T. não se chega a qualquer conclusão concreta continuando o jornal a manter a mesma linha. Os trabalhadores não se mostravam ainda suficientemente coesos, notando-se sobreposição de linhas partidárias entre si.
6. Entretanto, os conflitos vão-se sucedendo e as relações de trabalho deteriorando-se progressivamente. Começam a demarcar-se com bastante nitidez as duas linhas agora em confronto. De um lado a Administração, Direcção e Redacção, do outro os restantes trabalhadores do jornal. Esta situação resulta da ocorrência de duas ordens de problemas. Uma é o abandono maciço da redacção por banda dos elementos não afectos ao P.S. derivada das insuportáveis condições de trabalho por eles sentidas; outra é a união entre os trabalhadores das restantes secções, ultrapassando as suas divergências a nível partidário. Efectivamente eles compreendem nesta altura, que o jornal deve servir as classes trabalhadoras colocando de lado as questões partidárias.
7. Em consequência da saída de redactores referida no número anterior, a redacção começa a sentir a necessidade de admitir outros elementos. No entanto, e dado que havia ficado decidido em R.G.T. anterior não admitir pessoal para qualquer sector da Empresa até à concretização de um trabalho de reorganização interna, em elaboração pelo sector de tipografia, tal admissão teria de ser adiada.
Não querendo aceitar isto a redacção admite dois trabalhadores o que gera um conflito, ocorrido em 2 de Maio passado, e que provoca a não saída do jornal daquele dia, de resto possível por manobras dilatórias da Administração e Direcção. Na R.G.T. realizada nesse dia foi deliberada a formação de uma comissão coordenadora de trabalhadores com incumbência de dialogar com a Administração e Direcção para se resolver, sobretudo, o problema do conteúdo ideológico do jornal. A comissão é constituída por elementos de cada um dos sectores, na proporção de um elemento por cada 15 trabalhadores da secção.
8. A comissão começa a trabalhar de imediato, tendo elaborado em 6 de Maio um documento, no qual se exprime a certa altura “sobre a posição partidária do jornal”.
I. PONTO
II. PONTO
O jornal não será partidário, no sentido de não reflectir a predominância de um determinado partido nas suas colunas.
Todos os partidos progressistas deverão ter idêntico tratamento, que apenas ficará dependente da importância dos acontecimentos relacionados com os partidos.
A aplicação correcta deste princípio nascerá da análise quotidiana do jornal pela Comissão Coordenadora dos Trabalhadores e pelos próprios trabalhadores a quem caberá, portanto, decidirem sobre o apartidarismo do jornal.
Este documento, em cuja elaboração participaram os representantes do sector de. Redacção, Álvaro Guerra e Jardim Gonçalves, reúne a concordância da Administração e Direcção do jornal em reunião realizada no dia 7 de Maio nas instalações do jornal.
9. Entretanto a Comissão Coordenadora e os trabalhadores verificam com surpresa que o jornal se mantém inalterável com um conteúdo marcadamente partidário, contrariando assim aquilo a que a Administração e a Direcção se haviam comprometido.
10. O conflito agudiza-se com o conhecimento que os trabalhadores têm, no passado dia 16, sexta-feira, do pedido de demissão apresentado pelo director comercial, sr. Álvaro Belo Marques.
Seria necessário aqui frisar que:
10.1 O director comercial, tendo entrado para a empresa em princípios de 1972, numa altura em que esta se encontrava em grandes dificuldades e com uma penetração no público bastante reduzida, foi um dos obreiros do crescimento que o jornal registou desde então. Não vamos afirmar que foi o mais importante obreiro porque isso nada adianta para o entendimento da actual problemática.
10.2 O pedido de demissão por ele apresentado filia-se na marginalização a que a direcção comercial foi sendo sujeita por ser corrente a sua não concordância com o conteúdo do jornal, afinal o produto que a direcção comercial tinha de tornar mais vendável para cumprir a sua missão.
10.3 O director comercial sempre se impôs à consideração de todos os trabalhadores pela maneira correcta de procedimento, pelo seu trato com o pessoal, pela efectiva defesa dos interesses de todos quantos laboram naquela casa.
11. O pessoal, ao tomar conhecimento daquele pedido de demissão, movimenta-se no sentido de assegurar a permanência na empresa do sr. Belo Marques, iniciando-se uma recolha de assinaturas com tal fim. Entretanto, os trabalhadores incumbem a Comissão Coordenadora de discutir e analisar o problema na sua reunião da noite (sexta-feira, dia 16).
12. A C.C.T. reúne e decide;
12.1 Exigir do sr. Álvaro Belo Marques a sua permanência na empresa;
12.2 Sugerir à Direcção e Chefia da Redacção a apresentação do seu pedido de demissão a concretizar em R.G.T. a realizar para o efeito.
Estas duas decisões são aprovadas pelo elemento da Redacção presente (Jardim Gonçalves), que, no entanto, faz declaração de voto. Na declaração, afirma que a sua concordância com as decisões tomadas, era feita apenas à título pessoal, uma vez que não se encontrava mandatado pelo seu sector para tal. Frise-se que o outro elemento da Redacção se havia retirado da reunião apelidando de “polícias” os camaradas da C.C.T. em virtude destes pretenderem que prestasse a máxima atenção ao decorrer das reuniões, o que, objectivamente, não estaria a fazer. Foi também acordado entre todos que seria guardado sigilo do conteúdo daquela reunião até segunda-feira, em virtude do fim-de-semana que se seguiria.
13. Quebrando este sigilo, são divulgadas as decisões saídas da reunião, pelo que, no sábado de manhã, a Redacção reúne com a Direcção, dando-lhe um voto de confiança, registando-se dois votos contra. A C.C.T., tendo conhecimento da quebra do acordo, convida os trabalhadores a formar piquetes de guarda às instalações, unicamente com o fito de as proteger de qualquer tentativa de assalto. Qualquer trabalhador poderia entrar e sair livremente. O receio de assalto às instalações fundamenta-se numa concentração que o P.S. promoveu em 2 de Maio, e esteve à porta do “República” gritando-se: “República é do povo — não é paga por Moscovo”.
14. Na segunda-feira, às 9 horas, a C.C.T. reúne com a Direcção, Administração e Chefia da Redacção, dando-lhe conhecimento da sua decisão. A Direcção e Chefia recusam demitir-se, tendo então a C.C.T. inquirido se pretendiam fazer jornal naquele dia. Foi-lhe pedido um período de espera para consulta à Redacção. Findo este período, é comunicado à C.C.T. que a Redacção estaria disposta a fazer a edição naquele dia, desde que não fosse feita qualquer censura interna por parte dos trabalhadores e que pudesse emitir um comunicado na primeira página sobre as condições em que estava a trabalhar. A C.C.T. disse que não faria qualquer tipo de censura, como nunca fez, contrariamente à Redacção, mas que não aceitaria a inserção do comunicado porque também ela não havia feito nenhum. Mais: durante o fim-de-semana havia sido assediada pelos órgãos de informação para esclarecer os porquês da formação dos piquetes e tinha mantido silêncio por achar ser o assunto de natureza interna. Não havia, pois, razão para a saída de qualquer comunicado.
15. Então, a Redacção e a Direcção recusam-se afazer o jornal.
16. Posta perante este problema e na perspectiva de não poder fazer sair o jornal, no fundo a razão da existência da empresa, a C.C.T. reúne e, apoiada nas assinaturas (93), obtidas dos trabalhadores naquela altura presentes, resolve suspender até à R.G.T. a Direcção e Chefia do Jornal, nomeando como director interino o sr. Álvaro Belo Marques.
Esclarece-se que a empresa tem neste momento 175 trabalhadores e que à hora a que a C.C.T. tomou a decisão, não se encontravam a laborar o sector da expedição e o turno da tarde da tipografia que, no seu conjunto, somam cerca de 50 trabalhadores. No entanto, esses expressaram posteriormente o seu apoio à decisão da C.C.T.
17. Os trabalhadores da Redacção e a Direcção, informados desta decisão, resolveram manter-se nas instalações, tendo, com o exterior, contactos pelo telefone ou, querendo, abandonar as instalações do jornal, não podendo reentrar. Não se pode falar nunca de “prisão”, pois, ao que nos parece, os presos não podem sair dos seus locais de prisão nem contactar livremente com o exterior, como o fizeram aqueles trabalhadores.
18. Entretanto, o jornal sai e o P.S. convoca uma manifestação a realizar em frente das instalações do jornal, com as seguintes palavras de ordem: “Contra o assalto aos órgãos de informação”; “Pela liberdade de expressão”; “Libertemos a República”. Curiosamente, mais ninguém aparece a querer libertar a “República”, para além do P.S., daquele “assalto”, pelo que será de concluir que talvez esta já estivesse assaltada pelo mesmo P.S.
Receando pela integridade de pessoas e bens justificadamente, como posteriormente veio a demonstrar-se, o Ministério da Comunicação Social solicita a comparência do COPCON.
19. O tempo vai decorrendo e a realização da R.G.T., em. princípio marcada para as 20 horas de segunda-feira (19) é protelada para terça-feira. Devia-se isto à convocação da manifestação, impeditiva de qualquer R.G.T. naquele dia.
20. Por outro lado, os trabalhadores vêm-se impedidos de abandonar as instalações do jornal, pois as ameaças exteriores à sua integridade física eram constantes, como, aliás, se pode concluir pelos relatos da imprensa do dia 20.
Nesse impasse, o COPCON tenta servir de medianeiro a conversações entre a Administração, Direcção, Chefia de Redacção e C.C.T. Um dos oficiais do COPCON sugere a resolução do conflito em reunião geral de trabalhadores, o que é recusado pela Chefia da Redacção, por saber, segundo afirmou, que perderia a questão.
21. Gorada esta tentativa, é solicitada a comparência do ministro da Comunicação Social, enquanto a Administração do jornal entrega um documento ao COPCON, no qual solicita o encerramento das instalações da empresa.
22. Comparece o senhor ministro da Comunicação Social, acompanhado do director-geral da Informação para realização de conversações. Estas mostram-se inúteis, dados os trabalhadores continuarem a considerar ter terminado o diálogo com quem, sistematicamente, não cumpriu o estabelecido exactamente através do diálogo.
Na perspectiva de concretização do encerramento da empresa, os trabalhadores quiseram obter da Administração a garantia dos pagamentos de salários, uma vez que eram alheios à interrupção do seu trabalho, tendo aquele órgão recusado assumir semelhante compromisso.
23. Recusaram-se então os trabalhadores a abandonar de livre vontade as instalações do jornal até à chegada de um representante do Ministério do Trabalho. Contudo, como eram 6 horas da manhã e o COPCON afirmava não poder manter a segurança exterior por mais tempo, os trabalhadores viram-se coagidos a retirar.
24. São estes os factos, para que os trabalhadores os julguem.
Os trabalhadores da “República” reafirmam o carácter apartidário da sua luta, pois apenas desejam participar no produto que fabricam, o que lhes é recusado pela actual Lei de Imprensa, mas perfeitamente de acordo com o momento revolucionário que o País atravessa.
Os trabalhadores da “República
Posição assumida pelo Ministério da Comunicação Social, sobre o caso “República”, no dia 20.5.75.
“No dia 20 de Maio do corrente ano chegou ao conhecimento do Ministério da Comunicação Social que se desenrolava um conflito entre trabalhadores do jornal “República” e a respectiva administração, tendo como base discordâncias quanto à orientação daquele órgão de informação.
Como resultado desse conflito, o jornal “República” veio a ser publicado nesse dia sob a direcção interina de Álvaro Belo Marques, o que não foi reconhecido legítimo nem legal pela administração.
Solicitada a intervenção do M.C.S. pelo director da “República”, dr. Raul Rêgo, e verificando-se um agravamento da situação pelo facto de numeroso grupo de manifestantes ameaçar a invasão das instalações daquele periódico e perturbando a ordem pública, foi solicitado ao COPCON que interviesse por forma a evitar confrontos.
Por iniciativa do M.C.S., que entrou em contacto com a administração da “República”, foi claramente explicado que o Governo não tem, de acordo com a lei vigente, competência para aplicar medidas administrativas a órgãos de informação, devendo todo e qualquer delito de Imprensa ser resolvido por via judicial. Assim, e caso a administração se visse na impossibilidade de resolver o conflito com os trabalhadores e o julgasse conveniente, deveria ela própria solicitar como solução extrema de recurso, a intervenção militar para encerrar e selar as instalações daquele periódico e evacuação de todo o pessoal até que os tribunais venham a pronunciar- -se.
A administração concordou ser essa a via que as circunstâncias exigiam, pelo que veio a solicitar, por escrito, ao COPCON, a intervenção sugerida.
Posteriormente e, antes de dar execução ao solicitado pela administração da “República” o M.C.S. e D.G.I. estiveram nas instalações da “República” onde dialogaram com ambas as partes em litígio numa tentativa sem êxito de conciliação do diferendo. Esgotadas as possibilidades, deu o COPCON execução ao pedido da administração procedendo à selagem e evacuação das instalações.
No que se refere a diligências futuras aguarda*se que o problema seja oficialmente apresentado a fim de, tal como se acha estipulado na Lei de Imprensa, caso se verifique delito, serem apuradas responsabilidades e julgado o processo em tribunal.
O Ministério da Comunicação Social sublinha e reafirma que esta linha de actuação é a única admissível de acordo com a legislação em vigor sendo sua política, aliás como lhe compete enquanto órgão do Governo, fazê-la cumprir e executar.
O Ministério da Comunicação Social não pode ainda deixar de lamentar as manipulações partidárias de que este conflito foi pretexto e que se inscrevem em manobras divisionistas cujo único fim parece consistir em sabotar a própria marcha da revolução portuguesa. Não pode ainda deixar de lamentar que muitas das palavras de ordem dos manifestantes, partidariamente controlados, fossem nitidamente ofensivas para o COPCON e para as entidades oficiais que tentaram, por todos os meios, a mediação entre as partes em litígio.”
O Ministério da Comunicação Social divulgou, no dia 28 de Maio, a decisão do Conselho de Imprensa sobre o caso:
O Conselho de Imprensa, tendo analisado os acontecimentos que levaram ao encerramento do jornal “República” e na sequência de uma queixa apresentada pelos administradores do referido jornal, drs. Gustavo Soromenho e Raul Rêgo, ouviu a administração, a direcção e o Conselho de Redacção daquele periódico e tomou conhecimento de uma exposição elaborada pela Comissão Coordenadora de Trabalhadores do mesmo diário.
Verificou o Conselho de Imprensa ter havido violação da Lei de Imprensa vigente:
O Conselho de Imprensa, porém, não pode deixar de reconhecer que a análise de outras violações da Lei de Imprensa está prejudicada pelo facto de a “República” não ter ainda adoptado publicamente um estatuto editorial que, no caso das publicações informativas, e segundo o n.° 4 do art. 3.°, “definirá a sua orientação e objectivos, comprometendo-se a respeitar os princípios deontológicos da Imprensa e a ética profissional, de modo a não poderem prosseguir apenas fins comerciais, nem abusar da boa-fé dos leitores, encobrindo ou deturpando a informação”.
“O Conselho de Imprensa, tendo ainda tomado conhecimento da intenção manifestada pela administração, direcção e Conselho de Redacção do jornal “República” de fazer cooperar os restantes trabalhadores na gestão da empresa e de promover a sua participação crítica na orientação do jornal, exprime a esperança de que o conflito seja rapidamente sanado por acordo de todas as partes envolvidas.
Ao analisar este problema, o Conselho reconheceu mais a pertinência de algumas críticas que têm vindo a ser feitas à insuficiência da Lei perante a evolução do processo revolucionário, particularmente no que se refere à participação do conjunto dos trabalhadores da empresa jornalística, na definição e aplicação do estatuto editorial dos periódicos, sem prejuízo da salvaguarda do povo à liberdade de informação e da especificidade da função dos jornalistas na garantia desse direito.
O Conselho considera também necessário encontrar estruturas institucionais que garantam a liberdade das publicações doutrinárias e o apartidarismo das publicações informativas com, pelo menos, um quarto do capital social na posse do Estado ou doutra pessoa colectiva de direito público.
Em relação com o problema da “República” o ministro da Comunicação Social, Correia Jesuíno, e o director-geral da Informação, comandante Montês, fizeram declarações à TV.
Disse o ministro:
“Como sabe, nós, actualmente, somos regidos, no que se refere à Imprensa, por uma Lei de Imprensa. Essa lei, que o Ministério da Comunicação Social está apostado e determinado em fazer cumprir é considerada como sendo das mais liberais que têm sido feitas e onde se consagra o direito à informação. Não há, portanto, dispositivos, como havia antes, de censura prévia, não há qualquer tipo de medida administrativa que torne possível às instâncias governamentais controlarem os órgãos de Informação.
“De modo que, no caso específico da “República”, que é um jornal economicamente independente, uma empresa jornalística que nem sequer foi tocada com as consequências das nacionalizações, no domínio da banca e dos seguros, e que continuou, portanto, com a estrutura de independência económica, tratando-se de um caso dessa natureza, o conflito que se desenhou na “República” entre cerca de metade dos trabalhadores (92, ao que me disseram; os trabalhadores são cerca de 195, mas não tenho a certeza que estes números estejam correctos: dos 92 trabalhadores, sim, porque estavam as assinaturas e era uma questão de as contar). Esse conflito que se desenhou no seio da “República” é, portanto, um conflito que terá que ser resolvido por via judicial.
É um conflito que, de acordo com a nova Lei de Imprensa, terá de ser resolvido pelo foro judicial e nunca através de medidas administrativas que sejam impostas pelo Governo. Eu creio que é fundamental acentuar este ponto.
“Nós actualmente não temos competência para aplicarmos medidas administrativas. As medidas administrativas, como sabe, consistiam na possibilidade que o Governo tinha, fora da aplicação e do julgamento do caso através dos tribunais, de suspender, de multar, de censurar. Isso é que eram medidas administrativas. Nada disso existe actualmente.”
“Portanto, sendo assim, se há um delito que é cometido ao nível da Lei de Imprensa, esse delito tem de ser resolvido através da aplicação das leis” E quem tem competência para julgar esses delitos e aplicar as penas são os tribunais. Ora, eu creio que isto não foi compreendido por toda a gente e o que me parece ainda mais grave é que nem sequer foi compreendido pelos próprios profissionais da Informação, pois já hoje, de tarde tive ocasião de ler a nossa Imprensa vespertina e lá aparecem os ataques ao Ministério da Comunicação Social, que mostrou imperícia, que não tinha capacidade de actuação, que não tinha capacidade de decisão, etc.
Ora o Ministério da Comunicação Social, num caso desta natureza, o que pôde fazer, fê-lo. E tentou. Estivemos lá. O sr. comandante Montês, director-geral da Informação, acompanhou-me. Nós estivemos, na “República”, até às 6 da manhã, numa tentativa de conciliação entre a administração, que é no fundo quem representa a entidade patronal do jornal, e os trabalhadores em litígio.
“Nós tivemos conversações no sentido de procurarmos obter um saneamento da questão, um acordo das partes. Houve do lado dos trabalhadores intransigência nas posições que tinham assumido. As suas reivindicações fundamentais consistiam no saneamento da direcção, e, em face disso, a única solução era o prolongamento daquele impasse ou, então, caso fosse julgado conveniente, pela administração, solicitava a intervenção militar para fechar o jornal, quer dizer, selar o jornal, suspender as suas actividades até que o problema seja resolvido por via judicial.
“Ora, poderemos perguntar por que razão a administração pediu o encerramento do jornal, a sua selagem. Entretanto, em tomo das instalações da “República”, decorria uma manifestação espectacular, com muita gente. Foi necessário pedir o auxílio do COPCON, e isso também foi uma iniciativa do Ministério da Comunicação Social. Apesar da sua imperícia, teve essa iniciativa de solicitar ao COPCON, para evitar qualquer confrontação física, visto que havia a ameaça de invasão das instalações do jornal por parte dos manifestantes. Evidentemente que isso seria uma situação caótica, de perturbação da ordem pública, e foi nessa medida que nós solicitámos ao sr brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho para dispor forças ali, com vista a evitar esse tipo de confrontações. Como a manifestação iria decorrer e essa situação de impasse não mostrava qualquer prenúncio de uma evolução positiva, pois pareceu por bem à administração no que, aliás, todos nós estivemos perfeitamente de acordo, pedir por escrito ao COPCON para selar as instalações e remeter, portanto, o processo para a via judicial.
Especular-se agora, com vista a mostrar que há uma imperícia do Ministério da Comunicação Social, é que me parece realmente calunioso, porque nem o Ministério da Comunicação Social podia ter tido outro tipo de intervenção. Mas: creio que o processo em que nós, estamos realmente inseridos, que é o de procurar fazer cumprir as leis, é aquele que realmente deve ter toda a nossa aprovação. Eu considero que este problema podia ter sido resolvido a frio, através dos mesmos meios, através de uma apreciação de um delito de Imprensa, através dos tribunais. A Lei de Imprensa até exige prazos extremamente curtos, para os julgamentos a fim de as coisas não se eternizarem. Nomeadamente, posso citar-lhe: talvez seja ridículo eu considerar isso, mas o que está consignado na lei é um prazo máximo de 48 horas para os tribunais resolverem assuntos dessa natureza. Portanto, como lhe digo, o problema poderia ter sido resolvido a frio, através de processos legais, através de interferência do Conselho de Imprensa, através da interferência do aparelho judicial. Mas, evidentemente que com toda a pressão que se fez com os manifestantes em volta da redacção,a solução foi a quente. E uma solução a quente que passou pelo encerramento do jornal, pela sua selagem, pela evacuação através do dispositivo do COPCON. E, acentuo, não a pedido do Ministério da Comunicação Social, porque o Ministério da Comunicação Social, insisto, não tem competência para isso, mas pedido expresso, escrito, da própria administração.
“EMPOLOU-SE MUITO QUE A “REPUBLICA” É A ÚNICA VOZ INDEPENDENTE"
A pergunta sobre se o caso “República” nos poderia conduzir uma vez mais ao tal problema do actuar das forças políticas para conquista dos órgãos de informação, Correia Jesuíno respondeu:
“Pois é um problema que me parece grave. Nós se atentarmos bem no processo em que estamos inseridos, se atentarmos bem no problema do País, se atentarmos bem nas palavras em que o nosso primeiro-ministro tanto insiste, deveremos estar verdadeiramente interessados em que haja uma preocupação de unidade e as pessoas conjuguem esforços no sentido de se aglutinarem em volta daquilo que nos deve unir e não propriamente envolverem-se em lutas partidárias, envolverem-se em conflitos de natureza ideológica, acentuando, portanto, aquilo que nos separa.
“Aqui, mais uma vez notou-se isso. Empolou-se muito no aspecto de que a “República” é a única voz independente, que é um juízo que me parece um bocadinho sumário, sumário e até nos dois sentidos.
“NÃO TEMOS UMA POLÍTICA DIRIGISTA”
“Inclusivamente, insinua-se que é do próprio interesse do Ministério da Comunicação Social selar a “República”.É claro que, para a nossa política de Informação, isso tornou-se altamente atentório, porque nós pensamos que realmente o pluralismo é indispensável e na medida em que, digamos, o jornal “República” poderia representar uma voz mais discordante ou mais veemente em algumas reivindicações ou acusações que faz, pois nós pensamos que seria essencial e é essencial que continue.
“Não temos, de forma alguma uma política dirigista. Não pensamos que seja conveniente que todos os órgãos de Informação afinem pelo mesmo diapasão. Portanto, quando nos surpreendemos, digamos, a estar conluiados com toda essa estratégia que procura um domínio uniformizado dos órgãos de Informação, nós ficamos um pouco naquela situação da anedota que diz que o amigo, disfarçadamente, põe-nos uma moeda de dez escudos no bolso do casaco e depois nos vai dizer: “Afinal tu roubaste-me dez escudos”. A verdade é que nós metemos a mão ao bolso e deparamos com os dez escudos sem sabermos como a moeda lá foi parar. Isto é uma anedota, mas serve para frisar um pouco a situação de nós ficarmos perfeitamente estupefactos com as acusações que nos são feitas, com o tipo de conluios de que se acusa o Ministério da Comunicação Social, quando é uma política expressa, um política explícita.
“Mas não só expressa e explícita como actuante, através dos órgãos que possuímos e através de um Conselho de Informação, através das reuniões que constantemente temos, dos contactos, nós possuímos uma política de inteira verdade, inteira abertura. Muitas vezes isso até já tem sido notado pela Imprensa estrangeira. Falam eles “da candura com que nós falamos”. Portanto, de forma alguma uma política de secretismo e temos muitas vezes repetido e insistido em que é necessário que haja de facto uma crítica, uma análise,
“Se a nossa Imprensa enferma de alguns males é justamente a de não analisar muito, de não criticar. Evidentemente, que, para um regime plural, em que nós pretendemos, que haja um leque ideológico que permita às pessoas fazer opções, ter maior imaginação, e espírito criador pois isso é absolutamente essencial para ajudar a reconstrução do País.
Referindo-se ao tipo de perguntas que lhe estavam a ser feitas pelo repórter, o comandante Correia Jesuíno afirmou;
“Sinto que estou a ser julgado pelas suas perguntas, mas agradeço que mas faça porque elas dão-me a oportunidade de vincar bem esta nossa política e afirmar, por outro lado, a minha enorme estupefacção quando verifico que isso não é reconhecido, até mesmo pelos próprios órgãos de Informação que não reconhecem essa política de honestidade por parte do Ministério da Comunicação Social.
“Isso é uma coisa que me magoa profundamente mas que de forma alguma me faz vacilar quanto à orientação que nós temos imprimido à nossa pasta e que julgamos ser a mais correcta, não apenas por juízo subjectivo, mas porque pensamos que temos realmente, a aprovação de todo o elenco colegial em que estamos inseridos.”
“CRITICAS DE UMA PARCELA LOCALIZADA DE FORÇAS POLÍTICAS"
Por seu turno, o comandante Montês, director-geral da Informação declarou;
“Queria acrescentar uma coisa que me parece fundamental. Realmente verifico com desgosto e com certo choque as críticas de que o Ministério da Comunicação Social está ser alvo da parte de uma parcela realmente muito significativa, mas muito localizada, também das forças políticas deste País.
“Gostava, até, um dia, se fosse possível que a televisão portuguesa fizesse uma mesa-redonda em que estivessem os directores dos jornais diários controlados pelo Ministério da Comunicação Social, mesa essa em que participasse o director-geral da Informação, para que esses directores de jornais dissessem publicamente, à frente de toda a gente e perante o director-geral da Informação se nestes dez meses em que estou a prestar serviço no Ministério da Comunicação Social, já sofreram alguma espécie de pressão, se já receberam ordens para fazerem determinada coisa que lhes repugnasse.
“Gostaria que isso fosse esclarecido perante o público, porque estamos perante uma campanha insultuosa que eu, como homem e como militar, não posso de maneira nenhuma consentir, venha ela de onde vier. Acho que isto é muito importante."
A propósito de se afirmar que alguns órgãos da Informação controlados pelo Ministério da Comunicação Social “aparecem com tendências partidárias,\ como disse o repórter da televisão, o comandante Montês respondeu:
“Devo dizer que mesmo os órgãos de Informação — e eu estou a pensar nos grandes jornais diários, que neste momento estão a ser subsidiados, como toda a gente sabe, pois nós herdámos essa herança com a nacionalização da banca, herdámos meia-dúzia de jornais — que os directores desses jornais, eu volto a insistir nisto, deviam ser chamados para uma mesa-redonda em que nos encarássemos de frente, para dizer se alguma vez sofreram qualquer espécie de aperto, qualquer espécie de ordem que eles realmente não quisessem executar. Isso tem de ser feito porque pessoas altamente responsáveis neste País têm feito afirmações que eu considero, volto a repeti-lo, altamente caluniosas e insensatas.”
Interrompendo o comandante Montês, o ministro Correia Jesuíno declarou:
“Gostava ainda de acrescentar um ponto. É que a nossa Lei de Imprensa é uma lei muito original pela estrutura que prevê para os órgãos de Informação, nomeadamente o director ser eleito pelo Conselho de Redacção.
“Pois essas administrações — que nós temos tido sempre o cuidado de fazer presidir por militares para salvaguardar até o aspecto do apartidarismo —, pois essas administrações perante estruturas homogéneas que se constituíssem ao nível dos conselhos de redacção dificilmente podem exercer a censura interna que é, aliás, comum, mais do que comum em todo o Mundo.
“Devo dizer-lhe que agora, na minha recente viagem aos Estados Unidos fiquei perfeitamente entendido a esse respeito. Os directores dos jornais são soberanos e nem tudo se publica. Publica-se aquilo que eles muito bem entendem. Os artigos são muitas vezes altamente mutilados, e até os correspondentes estrangeiros aqui se queixam disso.
“Mas quando nós olhamos para os órgãos de Informação que neste momento têm realmente administrações por parte do Estado, por vezes são feitas acusações de que fulano ou beltrano tem filiações partidárias, e que isso irá dar a tónica do jornal. Ora eu sobre esse aspecto, desejaria salientar que sempre acentuámos não competir ao Ministério da Comunicação Social fazer nomeações de directores, de subdirectores ou coisa que o valha. Isso é, digamos, uma nomeação que surge a partir das administrações, mas que para ela seja possível é preciso que o Conselho de Redacção esteja bastante coeso. Mas nós pensamos que não podemos julgar as pessoas apenas pela sua filiação partidária, mas pela sua competência e pelo trabalho que efectivamente realizam. Portanto, nós não podemos classificar um órgão de Informação porque tem um seu director ou um subdirector de determinada filiação partidária. Temos é que ajuizar o jornal pelo seu conteúdo. E, se houver filiação partidária, se houver delito de Imprensa, pois lá estão os tribunais para resolverem esse assunto. O que é leviano é passar a vida a dizer-se que existe essa filiação partidária e ela não ser constantemente substanciada, que o Conselho de Imprensa, recém-constituído, não seja activado e que nós não tenhamos constantemente de pôr à prova a nossa própria lei e verificar em que medida é que isso sucede. Portanto, as pessoas têm que ser apreciadas pelas suas competências, pelo trabalho apartidário, que são capazes realmente de realizar e não propriamente a partir do rótulo.
“Um conflito com ramificações ideológicas”
E, por sua vez, o comandante Montês afirmou:
“Eu queria acrescentar mais uma coisa, àquilo que eu disse para os jornais. Como sabe, os outros meios de comunicação social audiovisuais que nós possuímos, a Emissora Nacional e a Radiotelevisão Portuguesa, qualquer delas desde o 25 de Abril que têm à frente e à sua testa uma equipa militar. Julgo que o apartidarismo dessas equipas militares é bem evidente. Pois diz-se que esses meios de comunicação social estão nas mão&de determinados partidos: umas vezes são uns, outras vezes são outros. Por outro lado, sobre a própria agência noticiosa ANI, que tão acusada tem sido, devo-lhe dizer que fiz uma estatística do noticiário dos últimos três meses. Ela é acusada de emitir uma grande maioria de notícias de países de Leste ou de países de simpatias comunistas e eu devo-lhe dizer que de cinco mil e tal notícias, quatro mil e tal são da Associated Press, da Reuter e EFE espanhola, e só mil e tal em cinco mil é que são das agências de Leste e da Prensa Latina. Parece-me que estas afirmações que se fazem sem a mínima base, apenas por pura demagogia, as pessoas que as fazem têm que começar a ser chamadas à responsabilidade, isto é importante também.
— Eu só queria saber do sr. ministro se este conflito da “República” se poderá interpretar como um conflito de trabalho?
Poderá ser, em parte, mas repare: não há, propriamente reivindicações salariais em causa. É um conflito que depois tem ramificações ideológicas, nós não cremos que essa seja a via adequada para examinarmos a questão. Há que ver se foi ou não cometido um delito de Imprensa. Uma análise grosseira da situação leva-me a concluir que houve, realmente um conflito de Imprensa, quer dizer houve realmente uma edição clandestina, digamos assim, da “República” na medida em que ela saiu com um. director que não foi eleito de acordo com as regras da Lei da Imprensa. Portanto, numa análise grosseira, mas que não me compete a mim fazer, compete justamente ao Conselho de Imprensa e compete aos tribunais, quer-me parecer que houve realmente delito de Imprensa. Portanto, como tal, ele deverá ser apreciado. Se, para além dos aspectos de delito de Imprensa há outros problemas mais fundos, que são confrontações de tipo ideológico, lembremo-nos de que estamos a viver na nossa sociedade um período dessa natureza. Bem desejaríamos que isso não acontecesse, quer dizer, que não houvesse conflitos ideológicos em que segmentos da população fossem atirados contra outros segmentos da população, porque o momento é, realmente, um momento de unidade e não um momento de divisão.
“Actuação extremista perigosa”
“Sobre o fenómeno “República”, eu queria explicar outra coisa que me parece importante. O Ministério da Comunicação Social é acusado, hoje, por órgão vespertino, de não ter actuado a tempo. Devo-lhe dizer que até praticamente à meia-noite de ontem, nós não conhecíamos a posição da administração da “República”, sabíamos apenas qual era a posição da direcção, qual era a posição da direcção, qual era a posição do Conselho de Redacção, qual era a posição dos tipógrafos, mas não sabíamos nada sobre a administração, que é a verdadeira proprietária do jornal. Fui eu quem tomou a iniciativa de entrar em contacto com o dr. Gustavo Soromenho, cerca da meia-noite, para lhe perguntar qual era a posição da administração, e foi-me respondido que a posição da administração era de solidariedade com a direcção e com o Conselho de Redacção. Eu pedi então ao dr. Gustavo Soromenho que, se queria realmente que houvesse uma intervenção, como uma das hipóteses possíveis de selagem e fechar as instalações, que teria de ser a própria administração a pedi-la, visto que a “República” é uma empresa privada e não faz sentido que nós ordenemos uma intervenção numa empresa privada.
Pois, o dr. Soromenho disse-me que isso só seria possível com a assinatura de dois membros da administração, que ao que sei é composta por cinco membros, que um deles poderia ser o dr. Raul Rêgo, que também pertence à administração. Isto passou-se cerca da meia- -noite. E estava a telefonar da Escola Naval no Alfeite. O dr. Gustavo Soromenho revelou a preocupação de ter, para chegar à “República”, de atravessar, realmente, uma multidão ululante. Foi-lhe prometido que seria conduzido à “República” pelas forças de segurança, que naquele momento eram o COPCON e, cerca das duas horas da manhã, quando estava a acabar a Assembleia do Movimento das Forças Armadas, recebi um telefonema do dr. Raul Rêgo, que pedia a intervenção e uma mediação do ministro da Comunicação Social e minha. Partimos imediatamente para a “República”, onde estivemos desde as duas e vinte da madrugada até cerca das seis e um quarto. Portanto, eu não percebo como é que se pode ser mais rápido e mais eficiente. Estávamos sem dormir há cerca de vinte e quatro horas. O dr. Raul Rêgo, quando nós terminámos a nossa mediação (e foi impossível, realmente, um entendimento entre as duas partes em litígio), disse-me, verbalmente, que nós tínhamos feito tudo aquilo que era possível fazer-se, e que ele não faria melhor. Portanto, eu não compreendo onde é que está a inoperância do Ministério da Comunicação Social, e quero chamar a atenção para outro ponto que me pareceu muito importante: é que eu assisti a uma mobilização de massas à porta da “República” e considero isso extremamente perigoso porque verifiquei que as pessoas que mobilizaram essas massas a certa altura, perderam o controlo delas. Quando o dr. Raul Rêgo chegou à janela a dizer à multidão, cerca das seis horas da manhã, que se tinha tomado uma solução, que era a solução que mais convinha à administração da própria “República”, a multidão ululante não concordou com a solução da administração. Eu considero muitíssimo perigoso movimentar massas através de “slogans”. Porque e muito fácil mobilizar massas e depois perder o controlo sobre elas. Acho que isso é muitíssimo grave.
O Conselho da Revolução após examinar o caso “República”, no dia 6 de Junho, emitiu o seguinte comunicado:
1. O jornal “República” reabrirá logo que a administração assim o solicite às mesmas autoridades militares que, a seu pedido, procederam ao encerramento das instalações.
2. Não serão admitidos saneamentos da administração, direcção e Conselho da Redacção, conforme tem sido reivindicado pelos trabalhadores, medida que, aliás, viria novamente a pôr em causa a Lei de Imprensa em vigor.
3. Não serão, igualmente, admitidas transferências de trabalhadores, conforme a administração tem exigido nas conversações (embora não se tenha pronunciado por despedimentos), a menos que os próprios trabalhadores, caso a caso, livremente desejem ser transferidos. A verificar-se esta última circunstância, garantir-se-á, através do Ministério da Comunicação Social e do Ministério do Trabalho, a salvaguarda dos interesses dos trabalhadores, incluindo garantia de postos de trabalho.
4. A reabertura do jornal “República”, nas condições acima estipuladas, pressupõe a garantia, por parte do Conselho da Revolução, de que, enquanto não se proceder à sua revisão, se dará cumprimento integral à Lei de Imprensa.
5. O Conselho da Revolução, de acordo, aliás, com o parecer emitido pelo Conselho de Imprensa, e tendo ainda em conta o debate público já espontaneamente iniciado sobre o assunto e para o qual a própria iniciativa dos trabalhadores da “República” muito terá contribuído, admite que o texto da Lei de Imprensa esteja inadequado ao contexto da actual fase da Revolução Portuguesa. Nestas condições, recomenda, pois, o Conselho da Revolução ao Governo que, através do Ministério da Comunicação Social seja, desde já, iniciado o processo de revisão do referido diploma.
No dia 9 de Junho, “O Século” publicava mais um documento significativo dentro deste processo no qual doze ex- redactores da “República” definiam a sua posição face ao conflito:
“Visados por afirmações falsas e caluniosas, a propósito do “caso República”, os signatários sentem- -se, neste momento, no dever de trazer a público alguns dados que poderão contribuir para esclarecer aspectos da crise que se abateu sobre aquele jornal.
1. Desde 25 de Abril de 1974 até agora, saíram da “República” 17 jornalistas. Entre estes contam-se os signatários que., com raras excepções, faziam parte da equipa redactorial quando surgiu o movimento que derrubou o regime fascista.
2. A esmagadora maioria dos signatários, portanto, participou activamente (e em difíceis condições de trabalho) no ressurgimento de um jornal que, em fins de 1971, tinha uma tiragem diária inferior a 8000 exemplares e atingiu, dois anos depois, cerca de dez vezes mais, sem profundas alterações na estrutura da empresa.
3. Ao contrário do que há pouco tempo foi afirmado pelo dr. Raul Rêgo, na RTP, durante um “Tele- domingo”, a redacção da “República” não é, actualmente, a mesma que era antes do 25 de Abril.
4. Efectivamente, a partir de meados do ano passado, começaram a ingressar na redacção da “República” novos jornalistas e candidatos a jornalista seleccionados pela direcção e pela administração segundo um critério partidário, e sem que o Conselho de Redacção fosse chamado a pronunciar-se.
5. Actualmente, dos 25 jornalistas que integram a redacção da “República”, apenas 12 são de antes do “25 de Abril” e, destes, três estiveram até muito recentemente afastados, ocupando cargos de maior evidência social e política.
6. Em Junho do ano passado, e durante uma reunião de redacção, um dos signatários levantou, pela primeira vez, o problema do enfeudamento do jornal ao Partido Socialista. Por essa altura, já o ambiente da redacção — até ao “25 de Abril” e nos dias que se seguiram, de perfeita unidade antifascista — começava a deteriorar-se. No entanto, os responsáveis pelo jornal garantiam que a “República” seria o que sempre foi — um jornal da resistência antifascista, unitário e sem partido.
7. Apesar de tudo, os signatários começavam a ver, com apreensão, que das palavras aos actos ia uma grande distância e que tanto os seus reparos como os protestos crescentes de muitos leitores caíam em cesto roto. Nunca se resignaram, porém, nem mesmo quando em Julho o primeiro camarada abandonou o jornal, invocando o enfeudamento partidário deste. Por outro lado, muitos dos signatários desenvolveram ao longo desse Verão, esforços no sentido de evitar uma debanda- dada, com o objectivo único de manter coesa uma equipa que já dera provas da sua capacidade.
Isso foi possível até Novembro, quando mais dois jornalistas decidiram sair da “República”, numa altura em que o ambiente estava francamente degradado, a ponto de se poder falar numa crise de relações humanas que se reflectia nas páginas do jornal.
8. Esta crise arrastava-se, praticamente, desde Maio-Junho e foi-se agravando gradualmente, à medida que se intensificavam as tentativas para transformar a “República” num “jornal do PS”. Estas tentativas (que os responsáveis pelo jornal sempre negaram) concretizaram-se de diversos modos, nomeadamente:
10. Tudo isto (e isto não é tudo...) contribuiu, em larga escala, para a deterioração de um ambiente que antes do 25 de Abril, era dos melhores dos jornais portugueses. E não se diga, mesmo depois do que ficou escrito, que se tratava de uma manobra do Partido Comunista; os factos falam por si e, dos jornalistas que abandonaram o jornal, menos de metade era afecta a este Partido.
11. Por outro lado, e a propósito do ambiente, recorda-se que o afastamento do dr. Raul Rêgo da direcção do jornal chegou a ser encarado por um grupo de redactores, quando ele ocupava o cargo de ministro da Comunicação Social. A “proposta” veio de jornalistas afectos ao Partido Socialista (alguns militantes com responsabilidades no seio do Partido) e só não foi por diante por falta de concordância de jornalistas não afectos ao PS, entre os quais alguns dos signatários.
12. Não pretendem os signatários esgotar o “dossier”, nem os move qualquer intuito de agravar a crise aberta. Mas não podem deixar de vir a público, agora que os ânimos parecem menos exaltados, afirmar inequivocamente que não participaram em qualquer campanha contra a “República”, estando mesmo convencidos de que tal campanha nunca existiu.
13. Até quando lhes foi possível, os signatários deram o melhor do seu esforço para o jornal, trabalharam em condições quase inaceitáveis e muito* deles “contentaram-se” com vencimentos extremamente baixos, sem qualquer poder concorrencial, numa altura em que muitos dos actuais jornalistas andavam por outras paragens e não abundavam os profissionais desejosos de apostarem na “República”.
14. Além disso, sempre os signatários lutaram para que o seu esforço não fosse destruído por lutas partidárias, e ainda em Outubro, um deles apresentou uma proposta para a criação de uma comissão de trabalhadores, proposta essa então derrotada.
15. Os signatários saíram da “República” quando a sua permanência, incómoda para outros, se tornava Já impossível para si próprios.
A terminar — e independentemente de novas achegas que possam vir a trazer para o debate do problema — apenas afirmam que o jornal de onde saíram pouco mais tinha de comum com aquele para onde entraram, do que o título.
Assinam:
Miguel Serrano (ex-chefe da redacção), Fernando Assis Pacheco (ex-subchefe da redacção), Figueiredo Filipe, Eduardo Valente da Fonseca, Fernando Cascais, Gonçalves André, Goulart Machado, Cármem de Carvalho, Álvaro Esteves, José Jorge Letria e Eugênio Alves.
Pouco se fez esperar a resposta dos ainda e então redactores da “República" aos seus ex-camaradas de Redacção. Violenta como o próprio titulo da peça inserida no n.° 6 do “Jornal do Caso República”: “Resposta a doze apóstolos da verdade única".
Foi do seguinte teor aquela resposta:
Os doze subscritores do comunicado divulgado em 9/6/75, ex-redactores da “República”, exprimem, entre outras preocupações, os cuidados relativos ao “partidarismo” do jornal, facto que os teria levado a apresentar a sua demissão. Regista-se a propósito que todos eles saíram para “O Século”, “Diário de Notícias” e “Diário de Lisboa”, jornais que se caracterizam por partidarismo pró-PCP, o que não parece preocupar nada os doze “ex”. Aliás, os abaixo-assinados nada têm a opor às opções partidárias de cada um e acham correcto que os seus ex-camaradas de redacção se tenham mudado para jornais de tendência partidária mais de acordo com as suas convicções. O que não enxergam é a razão pela qual os seus doze ex-camaradas se comportam de maneira ‘diferente.
Querem também os abaixo-assinados lembrar — já que o mesmo pecado é atribuído a alguns de nós — que pelo menos três autores do documento em questão não eram redactores da “República” antes do 25 de Abril.
Além disso, Miguel Serrano, F. Assis Pacheco e Afonso Praça — respectivamente, ex-chefe de redacção e ex-subchefes de redacção da “República” — foram nomeados para os seus cargos após o 25 de Abril, o que prova claramente a boa-fé dos socialistas que, pelos autores do comunicado, são apresentados como dominadores e tirânicos.
Aliás, quando hoje se pretende insinuar que “República” se transformou, depois do 25 de Abril, num órgão reaccionário e dissociado do processo revolucionário, esquece-se que no nosso jornal, muito antes do 28 de Setembro, se publicaram as críticas mais firmes e enérgicas à política seguida pelo general Spínola. Tentativas para introduzir limitações às liberdades públicas, hesitações no processo de descolonização, manobras tendentes a marginalizar as forças de esquerda, foram firmemente denunciadas nas nossas colunas. E foram-no pelos redactores socialistas ou independentes, que não pelos seus “compagnons de route” do PCP sempre confinados à mediocridade da sua vocação para o jornalismo de serviço — monótono, conservador e pró-soviético.
A orientação supra-partidária da “República” foi, então, claramente demonstrada pela abertura a todas as correntes políticas de esquerda — incluindo a extrema- -esquerda revolucionária que a imprensa pró-PCP sistematicamente procurava marginalizar. Aliás, as primeiras críticas feitas por alguns dos signatários do documento que nos ocupa à orientação do jornal referiam-se à inclusão de entrevistas com dirigentes políticos da extrema-esquerda.
A prova de que estivemos na vanguarda da luta revolucionária pela liberdade de Imprensa reside no próprio facto de termos sido o primeiro órgão de informação vitimado pelas medidas repressivas da “comissão ad hoc” que o general Spínola criou para controlar os jornais, porque fomos os únicos que (por iniciativa de socialistas e sob a responsabilidade da direcção do jornal) tiveram a coragem de publicar a convocatória de uma manifestação organizada pelo MES para exigir a libertação dos militares Anjos e Marvão que se encontravam detidos por terem recusado reprimir a greve dos CTT.
Quanto a partidarismos, há a referir, ainda, a energia com que estes nossos ex-camaradas tentaram dominar o jornal, após o 25 de Abril, procurando introduzir métodos censórios e marginalizar os socialistas. Caso particularmente notório e conhecido da opinião pública foi a tentativa de obstar à publicação de um artigo de colaboração da autoria do dirigente socialista António Reis, intitulado “Quinze reflexões sobre o MDP/CDE”. Numa moção proposta por alguns dos doze que agora nos atacam (e tornada pública na edição da “República” de 31/10/74) afirma-se a dada altura, justificando a referida medida censória, que a matéria contida nesse texto seria “insidiosa e com objectivos propositados de levar o Povo Português à confusão política, assim prejudicando a Nação no próximo acto eleitoral”. Recorda-se, ainda, que, em reunião efectuada por essa ocasião, um dos signatários do “documento dos doze” disse textualmente que “a censura é aceitável, desde que seja posta ao serviço dos interesses das classes trabalhadoras”. Como partem do princípio de que os únicos intérpretes fiéis dos interesses dos trabalhadores são, por definição, eles próprios, não restam dúvidas de que os censurados seríamos sempre nós próprios!
Entre os signatários deste comunicado encontram-se muitos jornalistas que trabalhavam na “República” antes de 25 de Abril, acontecendo até que alguns deles tiveram acção decisiva na admissão no jornal de signatários do documento a que agora estão a responder.
Recorda-se, igualmente, que apenas 5 daqueles que agora nos contestam trabalhavam na “República” antes da remodelação de fins de 1971.
A afirmação de que a redacção da “República” não é actualmente a mesma que era antes do 25 de Abril pode induzir em erro o leitor — habituado que está a ver a vida política bipolarizada em “revolucionários” e “reaccionários” — e levá-los a pensar que algumas alterações nos quadros redactoriais foram determinados por súbita mudança no rumo da “República”. Ora isto não é verdade. E nenhum dos jornalistas da “República” foi obrigado a sair; os que saíram fizeram- -no de livre vontade.
Os ex-redactores da “República” utilizam um argumento falacioso ao invocarem “protestos crescentes de muitos leitores”, relativamente ao “partidarismo” do jornal. Na realidade, eram mais numerosos os apoios expressos à direcção, acontecendo até que, em determinado período, se registaram fortes protestos por o jornal inflectir com frequência para uma tendência pró-PCP.
Ainda quanto às admissões de redactores, que os nossos ex-camaradas dizem ter sido exclusivamente de “elementos afectos ao PS”, sublinhamos que, neste momento, apenas metade dos redactores são do PS, sendo os restantes independentes ou afectos a outros partidos.
Parece-nos grave, por outro lado, que os nossos doze ex-camaradas refiram a existência nas páginas do jornal de “campanhas anti-PCP, anti-MDP/CDE, anti-Intersindical, anti-MFA, anti-Vasco Gonçalves, etc.” Consideramos gravíssima esta denúncia, na medida em que ela espelha a abdicação de qualquer espírito crítico da parte dos nossos ex-camaradas que tomam análises críticas (que em muitos casos não pouparam o PS) por “campanha anti”. Que dizer, então, da afirmação de um gráfico da “República”, em reunião no seu Sindicato, de que “a Lei de Imprensa é efectivamente reaccionária”, ama semana depois de Vasco Gonçalves ter afirmado ao País que ela era a mais perfeita e livre da Europa?
É também verdadeiramente lamentável que os camaradas que trocaram a “República” pelo “Diário de Lisboa”, pelo “Diário de Noticias” ou pelo “O Século”, nos venham falar de “manipulação da informação” Este facto é, aliás, revelador da “imparcialidade” dos ex-redactores da “República”.
Quanto ao “afastamento de Raul Rego da direcção do jornal” ela verificou-se de facto enquanto ele foi ministro da Comunicação Social...
Afirmam os nossos ex-camaradas que “não os move qualquer intuito de agravar a crise aberta”. Apraz-nos registar que tal intenção coincide com a nossa.
No entanto, confessamos não entender porque razão os doze só agora se manifestaram. Achamos muito mal que não tenham tomado posição quando o conflito eclodiu e que só o façam quando já se verificou uma decisão oficial, de tal modo que mais parecem estar a esclarecer à posteriori o Conselho da Revolução do que a manifestarem-se contra os seus ex-camaradas da redacção da “República”.
Muitos dos signatários deste documento trabalharam nas mesmas “condições inaceitáveis” a que se referem os doze ex-redactores da “República” na qual “apostaram” tudo. Não têm, portanto que nos dar lições de sacrifícios e muito menos de riscos. Somos nós que temos de nos lembrar que continuamos coerentemente a. defender a liberdade de expressão e o direito à informação que não mereceram uma palavra aos doze apóstolos da verdade única.
Não podem os signatários deixar de repudiar a provocatória afirmação dos ex-redactores da “República” de que “o jornal de onde saíram pouco mais tinha de comum com aquele para onde entraram do que o título”.
Estas palavras, na boca de alguns dos subscritores do documento a que estamos a responder, assumem significado grotesco, e representam uma ofensa a quantos se bateram com firmeza e valentia contra a besta fascista que nos oprimia a todos e que, mais uma vez, se comprometem a lutar contra qualquer fascismo que queira renascer.
Por tudo isto, assinam este documento.
Lisboa, 10 de Junho de 1975
A “operação República" foi fértil em tomadas de posição de lado a lado.
Transcrevemos a seguir um “Manifesto" dos trabalhadores da “República" a todos os trabalhadores pobres e explorados, datado de 11 de Junho:
Os trabalhadores da “República” são um grupo de trabalhadores obscuros entre todos os trabalhadores portugueses e que na actual crise da Informação em Portugal, reagem às correntes do oportunismo geral: não obedecem a nenhuma seita, não estão submetidos a nenhum partido, não são de nenhuma irmandade.
Assumiram uma responsabilidade solidária com todos os explorados de Portugal e lutam para que a Informação seja uma acção colectiva.
Temos a felicidade de pertencer unicamente à nossa própria razão e ao nosso próprio trabalho e lutamos contra a engrenagem que visa dividir os trabalhadores explorados de Portugal em vários partidos, em várias políticas, em vários poleiros, em vários comedouros.
É desta crise geral que procedem alguns partidos que temos: de conciliações que atingem a imoralidade e de tolerâncias que roçam a corrupção. Uma Informação prostituída ao serviço de partidos destes sob a alegação do pluralismo, só pode contribuir para a dissolução da sociedade, arrastando-a para a indiferença e para a relaxação.
A “REPÚBLICA CAÍRA NAS MÃOS DE UMA CÚPULA DE FALSA GRANDEZA
Os trabalhadores da “República” não querem permitir que o País continue a manter-se unicamente pelos suprimentos provenientes de explorações sucessivas. Como trabalhadores da Informação querem um jornal que ajude os portugueses a lutar, cientes dos seus direitos e da sua dignidade, contrariamente aos demagogos e oportunistas que arregimentam os que se batem pela liberdade que não sabem amar e por um programa socialista que não sabem ler.
O jornal “República” caíra nas mãos de uma cúpula de falsa grandeza, de falso talento, com uma arrogância burguesa. Caíra no reinado da usura, da ruína do trabalho e da sofismação dos princípios do socialismo.
Essa cúpula provaria sobejamente entre nós e no concerto de uma minoria de nações capitalistas e barulhentas, a sua queda para o chinfrim, para o ordinário e para o reles.
Os nossos adversários provaram que têm nas suas mãos unicamente o “poder da intriga” e com este poder mostraram-se vaidosos, pusilânimes e fanáticos.
O PODER DA INTELIGÊNCIA E DA ECONOMIA NAS MÃOS DOS TRABALHADORES
Nós trabalhadores da “República”, somos conscientes de que estamos numa sociedade a que falta ciência e educação, a que falta portanto, uma política de Informação que em vez de mutilar as classes trabalhadoras exploradas e pobres, lhes dê o poder da inteligência e da economia.
Nós, não queremos uma Informação ao serviço dos demagogos entretidos violentamente em contar o número possível das liberdades. Sabemos que é das profundidades demagógicas que saem sempre à periferia social os tiranos.
É esta a ocasião propícia de proceder a uma remodelação completa da nossa política de Informação, criando uma Informação nas mãos das classes trabalhadoras, independente de todos os compromissos e de todas as solidariedades partidárias, inaugurando uma Informação de desforra e de reabilitação, nas mãos dos explorados e dos pobres.
Como seria inevitável, alguma burguesia portuguesa, que antes do 25 de Abril estava em parte a favor dos explorados e dos pobres, quanto mais não fosse por sentimento poético, no canto e nas armas, ou para consolidação de futuras clientelas, essa tal burguesia abandonou pouco a pouco a sua atitude, para hoje, após os revezes do 28 de Setembro e do 11 de Março, acolher formas doutrinais dirigistas, proteccionistas e autoritárias.
Antifascistas de antes do 25 de Abril, transformaram-se em autoritaristas após o 11 de Março, pretendendo usurpar a Informação para melhor injectarem nas classes exploradas a sua ideologia de classe dominante. Os spinolistas do 11 de Março sabiam perfeitamente o valor político do cabeçalho República para terem planeado a sua ocupação declaradamente contra os princípios que nós trabalhadores hoje defendemos contra a cúpula barulhenta do jornal.
Nós defendemos que a emancipação dos trabalhadores portugueses terá que ser obra dos próprios trabalhadores. Por isso, os trabalhadores deverão deter a Informação de cobertura nacional, para não serem em caso algum, manipulados por cúpulas dirigistas para o exercício do poder da informação.
LIBERDADE A PARTIR DA BASE
Defendemos, perante todos os trabalhadores portugueses que para a construção de uma verdadeira sociedade socialista, a Informação deve visar a transformação da classe trabalhadora, de uma classe explorada e dirigida, para se tornar numa classe dirigente, através dos seus organismos de base, cada vez mais consciente, mais responsável e mais livre.
O jornal “República”, deve ser um destes organismos no contexto geral da Informação.
É neste sentido que lutamos contra qualquer ingerência partidária, contra a ingerência da ditadura de compadres que o P.S. pretende instalar.
Defendemos um “República”, numa perspectiva criadora, um jornal continuadamente confrontado com a prática e corrigido pela prática. A cúpula dirigista que pretendemos afastar provou já, não ter idoneidade moral para coerentemente utilizar o jornal como instrumento de análise e acção revolucionária.
Defendemos que a ascensão definitiva das classes trabalhadoras ao poder político da Informação, não surge por decreto, nem por decisão de nenhuma “comissão central”: surge pela precipitação das contradições sociais e económicas.
Neste sentido não aceitamos produzir uma Informação condicionada às tácticas premeditadas dos que não querem acompanhar a Revolução em marcha.
A Informação da classe trabalhadora não precisa que informem em seu nome, tem ela própria que informar. Nenhum partido se pode sobrepor aos interesses dos trabalhadores pobres e explorados e é autêntico crime contra a Revolução, manipular os pobres e explorados com uma Informação ainda não restituída às classes trabalhadoras.
CONTRA O ESPONTANEÍSMO DA REVOLUÇÃO
Defendemos que a Informação não pode cair numa concepção espontaneísta da Revolução.
Não basta que perante situações concretas de luta — caso actual da “República” — surjam comissões de trabalhadores que após o desaparecimento dessa situação de luta, desaparecem também.
As comissões de trabalhadores têm de se tornar organismos estáveis, unitários e de base, enquadrados pela vanguarda proletária surgida da luta, que determinem a acção dos sindicatos e condicionem a acção de organizações e partidos, sobre a Informação.
A comissão de trabalhadores da “República” é neste sentido formada por militantes operários de várias organizações e partidos (incluindo o próprio P.S.). Desta comissão — a luta a isso os conduziu — terão de dialecticamente saber acompanhar o desenrolar do processo da Informação, como catalisadores e detonadores, ou terão de ser ultrapassados se actuarem como travões e reformistas e contra-revolucionários.
O PODER DA INFORMAÇÃO
AOS TRABALHADORES
Declaramos a todos os trabalhadores portugueses, que lutamos para que a classe trabalhadora possa controlar o poder da Informação.
Declaramos que a classe trabalhadora tem que interferir nas decisões que dizem respeito à produção da comunicação social e à sua distribuição.
Declaramos que o socialismo não se fez para que se atinjam tiragens “records” do jornal, sem que se transformem o trabalho e as condições em que o mesmo é efectuado.
Declaramos que na Informação são os trabalhadores que têm de poder determinar que o fruto do seu trabalho — o jornal — seja aplicado em realizações que dizem respeito à transformação do homem e da vida e não em objectivos belicistas dos políticos, em privilégios de minorias corruptas ou em exibicionismos partidários.
Declaramos finalmente que a decisão da nossa luta partiu do nosso local de trabalho e subiu gradualmente até à centralização necessária na comissão coordenadora (e não controladora) de trabalhadores.
Estamos solidários com todos os trabalhadores explorados e pobres de Portugal, que nas fábricas, nos campos, nos portos de pesca, nos serviços e nos transportes, lutam por uma Revolução ao serviço dos trabalhadores e não ao serviço de meia dúzia de ambições de poder e de outras tantas traições aos soldados verdadeiramente revolucionários.
Lisboa, 11 de Junho de 1975.
As instalações do jornal viriam a ser desseladas às 8,40 do dia 18 de Junho, tendo as chaves sido entregues a elementos da Comissão de Trabalhadores.
Só mais tarde (11,40) representantes da Redacção e Administração, avisados do sucedido, se dirigiram à “República”, tendo sido impedidos de entrar.
A ocorrência motivou mais uma “guerra” de comunicados, o primeiro dos quais dos redactores a que o COPCON directamente viria a responder nos seguintes termos:
“Recebeu este Comando um comunicado assinado por sete jornalistas da redacção da “República” que, pelo seu conteúdo demagógico e difamatório, nos merece as seguintes considerações:
1 — Está redigido numa linguagem nitidamente direitista, custando a crer ter sido escrito por elementos que se dizem socialistas e que estão com a Revolução.
Dirigem-se com mágoa aos militares do COPCON, assumindo demagogicamente o papel de vítimas;
2 — Os comunicados de um órgão revolucionário como o COPCON, pela sua límpida verdade nada têm de comum com os comunicados oficiais do antigo regime. Sugerir Uma identificação entre uns e outros é caluniar o braço armado do MFA, decidida e reconhecidamente comprometido perante as massas populares na vanguarda do processo revolucionário em curso.
3 — O comunicado dos jornalistas da “República” é uma forma da liberdade de expressão só possível após o 25 de Abril, embora seja um deliberado ataque a um órgão revolucionário que, mais pelos seus actos do que pelas suas palavras, quotidianamente tem vindo a demonstrar inequivocamente de que lado se encontra.
4 — Ao exprimirem-se em identificação com o Povo Português, estão os jornalistas da “República” a utilizar abusivamente algo que não lhes pertence. Falam, sim, em nome de uma minoria de trabalhadores de uma empresa que quer a todo o custo defender os seus interesses burgueses de classe que os opõe aos interesses da classe operária — historicamente a mais explorada.
5 — O oficial delegado do COPCON presente na “República” garantiu o cumprimento das decisões do Conselho da Revolução e da Lei de Imprensa, tendo sido a administração quem repudiou aquela garantia. Quanto ao sr. Belo Marques, podemos afirmar que o mesmo acordara com a administração a sua demissão, após um período de licença, a iniciar em 19 de Maio, o que não se chegou a efectivar.
6 — O COPCON não fez o papel de Pilatos, antes pelo contrário, enviou para o local dois oficiais seus delegados com a missão de garantirem o direito ao trabalho e o cumprimento do que fora estabelecido.
7 — Os inimigos da liberdade de expressão são aqueles que não respeitam a opinião pública, deturpando ou seleccionando a informação de acordo com os seus interesses partidários, que põem acima dos interesses das classes trabalhadoras.
8 — A luta dos trabalhadores da “República” é uma luta desencadeada por aqueles que estão interessados em evitar que um jornal tradicionalmente antifascista e independente se vincule cada vez mais a uma linha partidária. Quem conheça esta luta por dentro constata facilmente que não há assaltos à “República” por parte de partidos contrários ao que define a orientação do jornal. Aliás os próprios trabalhadores afirmaram, na altura, que não teriam qualquer problema se no cabeçalho do jornal fosse impressa a indicação de ser o mesmo, um órgão partidário.
9 — Informados pelo COPCON de que a desselagem das portas da “República”, por despacho do comandante-adjunto sobre requerimento apresentado pelos interessados, só poderia vir a ter lugar no dia 16, a administração, direcção e redacção da “República” “reclamavam” que a reabertura se fizesse mediante certas condições. O COPCON considerou que não aceitaria condições que fossem diferentes das já anteriormente combinadas e que o documento apresentado não obrigava, de forma alguma, a uma resposta por escrito tendo esta sido dada verbalmente pelo oficial delegado.
10 — O COPCON chamou a si a responsabilidade da resolução de um problema que se encontrava num impasse, procurando obter a todo o transe uma solução justa e exequível.
Acresce que o COPCON percebe perfeitamente tudo o que se passa e assim tem que acontecer para formas de actuação justas, sendo raras as ocasiões em que nos têm restado margens para dúvidas.
11 — No comunicado fala-se em “trabalhadores dissidentes”, pretendendo apresentá-los como uma minoria, quando no estudo cuidado do conflito nos aparecem os “dissidentes” como a totalidade dos trabalhadores não privilegiados da empresa e que constituem a esmagadora maioria.
12 — No dia 12 o sr. belo Marques não apareceu sequer à abertura do jornal, pois entraria de férias, regressando-se à situação que vigorava em 18 de Maio, conforme o que fora estipulado com o Conselho de Revolução.
13 — A administração, que se havia comprometido, perante o CR, ao pagamento dos 10 dias de salário (de 20 a 30 de Maio) aos trabalhadores, recusou-se na data de abertura a tal pagamento, remetendo o assunto “para o que as leis em vigor determinarem”, contrariando flagrantemente o compromisso anteriormente assumido.
14 — Ao referir que requereu ao COPCON a não- -desselagem, a administração falseia a verdade, pois o que aconteceu foi ter entregue neste Comando um documento inaceitável em que “não autorizava a reabertura das instalações”, isto duas horas depois de o jornal ter sido desselado com conhecimento da administração.
15 — O COPCON considera muito estranho o facto de, no fim do seu comunicado, os jornalistas da “República” invocarem a sua disposição de contribuir de forma decisiva para o cumprimento da legalidade revolucionária, quando ao longo de todo o texto não terem feito outra coisa senão mencionar o cumprimento da Lei de Imprensa, já considerada largamente ultrapassada pelos órgãos mais responsáveis a que o COPCON se junta em uníssono e o cumprimento das leis vigentes para o pagamento dos 10 dias de trabalho. Falar em legalidade revolucionária (que o COPCON não utilizou, note-se, no caso “República”) é demasiado arriscado e grotesco para um órgão como este, cuja extraordinária implantação junto das massas populares deriva disso mesmo.
16 — O respeito pela opinião pública não se consegue passando-lhe gato por lebre, isto é, servindo- -lhe como jornal independente um órgão de Imprensa descaradamente partidário.
17 — Mais por actos do que por palavras, o COPCON tem vindo a demonstrar, ao longo do processo, o intenso desejo de participar na construção de uma sociedade socialista não totalitária em Portugal.
18 — Quanto ao panfleto que circulou com o título “A República foi assaltada”, duvidamos que tivesse sido realmente obra dos jornalistas da “República”, pois o tom panfletário e ofensivo em que é escrito é de tal ordem que não nos merece resposta.
A resposta dos redactores ao COPCON foi imediata. Nestes termos:
“Ao tomar conhecimento de um comunicado do COPCON, ou, talvez mais rigorosamente, do sr. major Arlindo Dias Ferreira e do sr. capitão Cabral da Silva, publicado na Imprensa, de 19 de Junho, os jornalistas da “República” refutam energicamente a acusação feita de “conteúdo demagógico e difamatório” atribuída ao seu último comunicado. Aliás, a História virá provar quem é que no período extremamente grave que o País atravessa, usou de demagogia e difamou pessoas e organizações que não abdicam do seu direito de livre crítica e estão firmemente empenhados em evitar o regresso a quaisquer formas de opressão às liberdades conquistadas, até porque essas pessoas e organizações não esqueceram as promessas de liberdade e democracia feitas pelos capitães do 25 de Abril.
Por tudo isto o comunicado do COPCON merece-nos os seguintes comentários:
1 — Nunca assumimos o papel de vítimas mas sempre o de lutadores pela liberdade de informação em Portugal, neste momento já gravemente comprometida. Ao contrário do que outros hipocritamente fizeram, nunca enjeitamos responsabilidades, actuamos sempre de face descoberta e junto das massas populares.
Quanto à nossa linguagem “direitista”, limitamo-nos a considerar tal classificação resultante do espírito partidário e tendencioso do comunicado do COPCON, que é manifestamente contrário à isenção e ao “caminho pluralista” mais uma vez afirmado pelo Conselho da Revolução no comunicado hoje tornado público.
2 — Reafirmamos a similitude entre os processos utilizados pelo anterior regime, com as suas verdades oficiais e dogmáticas, e os métodos actualmente seguidos por determinados oficiais ao serviço de órgãos revolucionários. Faltar declaradamente à verdade, quer nos contactos directos quer nas declarações prestadas aos meios de comunicação, não será essa sim, a forma mais cabal de caluniar o “braço armado do M.F.A.”?
3 — O nosso comunicado de 17 de Junho é, efectivamente, “uma forma de liberdade de expressão só possível após o 25 de Abril”. Não é, porém, nem quis ser, “deliberado ataque a um órgão revolucionário”, a menos que, como dantes, o direito de resposta, a liberdade de crítica e a denúncia de falsidades sejam entendidos como “deliberados ataques”. E exactamente porque o 25 de Abril nos devolveu o direito inalienável à liberdade de expressão é que consideramos não haver pessoas ou instituições intocáveis quando se trata de defender a verdade e a justiça.
4 — A liberdade de expressão em cuja defesa tão firmemente nos empenhamos é particularmente cara a milhões de portugueses cansados de uma Imprensa controlada durante os duros anos do fascismo e que mais uma vez se consideram vítimas da informação monocórdica e monolítica, que diariamente lhe fornecem os jornais nacionalizados. Nessa medida, os jornalistas da “República” sentem-se no direito de falar em nome do povo português. É, porém, completamente falso que a redacção da “República” esteja a defender interesses burgueses. Bastará lembrar que um linotipista (esse considerado um “trabalhador”...) ganha mensalmente 11800$00, enquanto um redactor e um repórter (que neste processo nunca foram considerados trabalhadores) ganham, respectivamente, 11000$00 e 9250$00. Recorde-se, ainda que da “Comissão Coordenadora de Trabalhadores” fazem parte o director comercial adjunto, que aufere um vencimento mensal de 18500$00 e o chefe dos Serviços Administrativos, cujo ordenado é de 18000$00. Como é que se poderá falar nestes casos específicos de classe operária “mais explorada”? Por que lado é usada a demagogia? E quem está interessado no recurso à demagogia?
5 — Não corresponde à verdade que o sr. major Dias Ferreira tenha garantido o cumprimento das decisões do Conselho da Revolução e da Lei de Imprensa. E o mais formal e categórico desmentido dessa afirmação consiste no facto de não ter respeitado a hora acordada com a administração do jornal (11 horas do dia 18 de Maio) para a desselagem e abertura das instalações e entrada conjunta de trabalhadores de todos os sectores da “República”. Como o COPCON muito bem sabe, o seu oficial delegado desselou as instalações do jornal às 8 e 40 horas, sem autorização e com desconhecimento da administração e, na ausência do seu representante, entregando-as à chamada “Comissão de Trabalhadores”, sabendo encontrarem-se lá dentro elementos estranhos ao jornal e alguns até armados. Perante este facto, da maior gravidade, poderá ainda haver dúvidas acerca do carácter unilateral do procedimento do representante do COPCON, sr. major Dias Ferreira?
6 — Efectivamente, poderá considerar-se que o COPCON, na pessoa do seu delegado, não fez o papel de Pilatos, na medida em que contrariando as decisões do Conselho da Revolução, tem actuado em escandalosa defesa de uma das partes, exactamente aquela que violou a Lei de Imprensa e se propôs apoderar-se do jornal.
O comunicado do COPCON fala de garantir o direito ao trabalho. Mas os autores do comunicado falam do direito de quem? O direito ao trabalho dos 24 jornalistas da “República” esse foi violentamente espezinhado pelo representante do COPCON, que, ainda esta manhã e pela segunda vez, nos impediu a entrada na redacção do jornal.
7 — Concordamos inteiramente com o ponto n.° 7 do comunicado do COPCON — só que o endossamos frontalmente a certos órgãos de comunicação social sob controlo directo ou indirecto do Estado. De facto* “os inimigos da liberdade de expressão são aqueles que não respeitam a opinião pública, deturpando ou seleccionando a informação de acordo com os seus interesses partidários que põem acima dos interesses das classes trabalhadoras”. Só nos surpreendeu que no comunicado do COPCON não existam palavras de reprovação para aqueles que todos os dias assim procedem numa alarmante e sistemática campanha de manipulação e intoxicação da opinião pública.
8 — É profundamente surpreendente que o comunicado do COPCON venha afirmar de forma tão categórica não haver “assaltos à República”. Como justificarão os autores do texto tal afirmação? Será que o major Dias Ferreira e o capitão Cabral da Silva se identificam com os processos de actuação da chamada “Comissão de Trabalhadores” e visam cobrir a acção dos “assaltantes”?
Por outro lado, é incompreensível a afirmação do comunicado do COPCON de que os trabalhadores visam combater o suposto partidarismo do jornal, satisfazendo-se nessa luta com a simples menção, em cabeçalho, desse contestado partidarismo. A contradição é da Comissão de Trabalhadores ou dos delegados do COPCON?
9 — Em face dos termos dúbios do comunicado em que o COPCON pretendeu endossar à Administração a iniciativa do adiamento da desselagem e abertura do jornal no passado dia 12 e ao carácter pouco convincente do motivo invocado pelo COPCON, para esse adiamento, surgiram justificadas dúvidas quanto às intenções de representantes daquele Comando no que respeitava ao cumprimento das decisões do Conselho da Revolução. As condições reclamadas mais não visavam do que a obtenção de um compromisso escrito — que, como se vê, nunca foi dado.
O posterior comportamento falacioso e parcial do major Dias Ferreira foi prova cabal do fundamento das nossas dúvidas e do acerto da nossa atitude.
10 — O que atrás fica dito dispensa a soma de mais argumentos ou comentários, não restando também da nossa parte “margens para dúvidas” quanto à procura “a todo o transe” de “uma solução justa e exequível”... Fora esta a verdadeira intenção dos delegados do COPCON e não só seria bem diferente o seu procedimento como até já o caso “República” estaria resolvido.
11 — Desconhecemos a base sociológica em que se fundamentam os autores do comunicado do COPCON para refutar a nossa classificação de “dissidentes” e falar de “trabalhadores não privilegiados”, particularmente depois do que afirmamos no ponto 4, relativamente a vencimentos de tipógrafos e jornalistas.
As considerações do comunicado do COPCON, no ponto n.° 11 reforçam a nossa conclusão acerca da parcialidade dos delegados do Comando Operacional do Continente na apreciação deste caso e da forma arbitrária como favorecem uma das partes.
Por outro lado, o estudo cuidado da situação que os autores do comunicado evocam revela a obstinação de continuar a ignorar o elemento nitidamente mais importante de todo o processo que são as dezenas de milhar dos leitores que, por todas as formas, têm apoiado a luta dos jornalistas da “República” na defesa do direito de informação.
12 — Registamos o zelo revelado no comunicado do COPCON, em relação ao sr. Álvaro Belo Marques, que não só apresentara a sua demissão de director comercial da “República”, como havia assegurado emprego em Amsterdão. Ou será que o responsável pelo texto do COPCON, que “percebe perfeitamente tudo o que se passa”, sabia das verdadeiras intenções do sr. Álvaro Belo Marques?
13 — É completamente falso que a Administração se tenha comprometido ao pagamento dos 10 dias de salário (de 20 a 30 de Maio). Recordamos que na madrugada de 20 de Maio, perante o ministro da Comunicação Social, comandante Correia Jesuíno, e o director-geral da Informação, comandante Rui Montez, o administrador-delegado, dr. Gustavo Soromenho, declarou peremptoriamente não pagar os dias em que o jornal se encontrasse fechado, até porque esse encerramento era da exclusiva responsabilidade da chamada “Comissão de Trabalhadores”.
Mais tarde, numa prova de boa vontade, a Administração acedeu a proceder ao pagamento desses 10 dias, desde que o conflito se resolvesse rapidamente. Ora, melhor do que nós, os empregados administrativos sabem que a situação económica da “República” não se compadece com paralisações tão prolongadas.
14 — Mais uma vez os representantes do COPCON distorcem a verdade ao afirmar que o jornal foi desselado com conhecimento da Administração. Com efeito, as instalações foram desseladas na tarde de segunda-feira, dia 16, depois de o administrador-delegado ter deixado, cerca das 17 horas, as imediações do jornal, sem que tivesse chegado a acordo com o major Dias Ferreira, sobre as condições de abertura do jornal. E isto é tanto mais verdade quanto aquele oficial, atendendo aos nossos veementes protestos, mandou proceder a nova selagem, cerca das 21 horas.
15 — Consideramos muito estranho que os autores do comunicado reputem de “largamente ultrapassada pelos órgãos mais responsáveis” uma lei que o sr. primeiro-ministro, no seu recente regresso da conferência da N.A.T.O. em Bruxelas, classificou de uma das mais liberais da Europa. Em que ficamos? Na opinião constante do comunicado do COPCON ou na do sr. primeiro-ministro?
Só uma inqualificável cegueira pode explicar os ataques de que está a ser objecto a Lei de Imprensa, como se esta não tivesse sido aprovada pelo Governo Provisório, elaborada com a participação dos partidos políticos, discutida publicamente, através dos órgãos de comunicação.
16 — Mais uma vez estamos de acordo com o ponto de vista do comunicado em apreciação acerca do respeito devido à opinião pública. E mais uma vez endossamos esse comentário aos jornais nacionalizados e que, apesar de venderem gato por lebre ao povo português, parece em nada preocupar os seus autores.
17 — A construção de uma sociedade socialista não totalitária depende essencialmente da existência de uma informação livre e pluralista. Ao impedir, esta manhã, a entrada dos jornalistas da “República” na sua redacção, o oficial do COPCON destacado para o caso do nosso jornal vibrou forte machadada na concretização desse objectivo.
18 — Reassumimos a autoria e responsabilidade do comunicado intitulado “A República” foi assaltada” Quanto à classificação de “panfletário e ofensivo” deixámo-la ao juízo do povo português. Não desconhecemos, no entanto, que a possibilidade do povo português conhecer os factos aqui referidos será assaz limitada em confronto com a divulgação proporcionada ao comunicado do COPCON a que ora se responde. Entretanto perguntamos: que será mais grave — o tom pretensamente panfletário do nosso texto ou a forma distorcida e nem sempre verdadeira que caracterizou os dois últimos comunicados do COPCON relacionados com o caso “República”?
Desejamos, a terminar, reafirmar a nossa determinação de prosseguir a luta em que os lançámos. Sabemos que ela é não só indispensável à defesa da liberdade de expressão e de informação, como elemento decisivo na vitória da Revolução do 25 de Abril e na construção de uma genuína sociedade socialista, onde a vida e os interesses do homem são, seguramente, os mais importantes alvos da acção individual e colectiva.
Os jornalistas da “República
O regresso da “República”.
10 de Julho de 1975: cinquenta e Um dias depois do fecho da “República ”, o vespertino veio de novo para a rua. Sem Raul Rego. Sem a Redacção anterior. Sem a Administração de Gustavo Soromenho.
O controlo pertencia aos trabalhadores.
O coronel Pereira de Carvalho era, a partir de então, o novo director do jornal. Integrado na comissão administrativa composta por militares e nomeada pelo Conselho de Revolução.
Na primeira página vinha contada uma parte da “luta":
A história da luta dos trabalhadores do jornal “República” passou por diversíssimas fases. Há muito para contar, o que agora não faremos por duas razões: falta de espaço para contos largos, e por não ser ainda oportuno revelar alguns pormenores da nossa luta que não tornámos públicos.
Era necessário, no entanto, relatarmos aos leitores alguns dos passos deste conflito que opõe duas entidades bem caracterizadas — os trabalhadores que somos nós e os patrões que são a Administração, Direcção, Chefia de Redacção e maioria de redactores que ficou do outro lado.
Sintetizamos aqui portanto a história deste conflito de trabalho que se arrasta há 50 dias.
1. Selado o jornal pelo COPCON em 20 de Maio, por exclusiva culpa da Administração e a pedido desta, foram os trabalhadores desalojados do seu local de trabalho. Começava, então, um novo período da luta em que de um lado estavam 153 trabalhadores e do outro 24 senhores, representantes do Capital — administradores, directores e a maioria dos redactores.
2. A luta dos trabalhadores do jornal “República" desenvolveu-se em várias frentes: contra as calúnias da cúpula do PS (que tentou intoxicar a opinião pública e fazer crer — sem o conseguir — que éramos conduzidos pelo PCP) transformando por sua conveniência e cálculo o problema do “República" numa falsa questão nacional e internacional; contra a morosidade dos poderes constituídos, a quem fizeram relato claro da situação do “República” e esclareceram sobre os objectivos da sua luta, que mais não é do que tomá-lo um jornal independente de tutelas partidárias, que sirva efectivamente os interesses do povo português e das classes trabalhadoras em particular; contra a campanha de pressões a nível nacional (governamental) e internacional (Imprensa, forças económicas e políticas) que os administradores, directores e a maioria dos redactores, ao lado do patrão PS, desenvolveram com o intuito de nos fazer recuar e ceder em manobras que caracterizam bem o estilo do patronato mais reaccionário, que esses senhores tantas vezes denunciaram e verberaram nas páginas do jornal; contra todas as dificuldades resultantes de os únicos meios de que dispõem serem o seu braço de trabalho e mais nada; contra a incompreensão de certo sector da Informação, que, não abandonando (por conveniência própria) o seu partidarismo sectário não aceitou que a nossa verdade viesse clarificar muita coisa que se passa neste país no sector da Informação.
3. Não obstante tudo isto os trabalhadores do jornal “República" levaram para a frente a sua luta. Não estiveram sós, pois a seu lado se puseram muitos milhares de trabalhadores deste país, que compreenderam que a nossa luta era também a deles e que só assim a Revolução (tão cantada pelas altas esferas mas muito maltratada por quem mais a canta) iria para a frente.
4. Os trabalhadores do jornal “República" conseguiram que as instâncias oficiais se debruçassem sobre o seu caso. Mas, aqui, eles têm de fazer a clara denúncia de como as coisas se passaram:
5. Um mês de dura luta decorreu e, enquanto os trabalhadores do “República" tentavam vencer a causa e lhes eram feitas belas promessas por parte das entidades oficiais contactadas, os senhores da Administração, Direcção e Redacção editavam o “Jornal do Caso República" que além de inqualificável pasquim destilador de ódios e de partidarismos (os mesmos que se viam todos os dias no jornal “República" antes de 19 de Maio) servia de arma contra os trabalhadores e vinha intensificar ainda mais a campanha de intoxicação da opinião pública portuguesa — isto com os apoios do PS e da sua máquina lubrificada com muito dinheiro.
6. Entretanto, que fizeram os poderes constituídos? O CSR emitiu um comunicado com um mínimo de condições (entre os quais o não despedimento de qualquer trabalhador e a necessidade da revisão breve pelo Governo da desactualizada e reaccionária Lei de Imprensa) sendo a primeira a da reabertura do jornal pela Administração logo que esta o pedisse.
A entidade patronal em face do comunicado do CSR requereu a reabertura do jornal, impondo condições que lesavam os direitos dos trabalhadores.
O COPCON procedeu à reabertura respeitando apenas o indicado pelo CSR não aceitando imposições da Administração. Verificou-se, então, a entrada dos trabalhadores nas instalações e por outro lado a recusa terminante por parte do patronato em querer negociar com eles dentro do jornal.
7. Nas negociações (que a Administração entabulou apenas com os representantes do COPCON) houve sempre uma clara manobra de diversão por parte da entidade patronal, que punha condições absurdas, que nem o moderado despacho do CSR previa. E quanto a negociar com a C. C. T. nunca a Administração, Direcção e maioria da Redacção aceitaram tal hipótese. Pretendiam, até, que o COPCON evacuasse os trabalhadores dos locais de trabalho que por direito são seus, para então dialogarem.
8. Simplesmente, quando seria lícito pensar que a situação ia ser (como era legítimo esperar-se) resolvida fazendo-se justiça aos trabalhadores do jornal “República” que tanto tinham lutado para isso, o COPCON afasta-se, o CSR nada decide e o primeiro- -ministro manda conciliar o inconciliável.
9. Perguntam os trabalhadores do “República” como é possível negociar com quem nos recusou o direito ao trabalho, se negou ao pagamento do salário devido pelos dias em que o jornal esteve encerrado por sua exclusiva culpa; como é possível negociar com quem tudo tem feito (através das mais sujas manobras para nos dividir, confundir e nos apresentar como criminosos perante a opinião pública); como é possível negociar com aqueles que, insultando-nos constantemente em frente do jornal, durante dias seguidos, com as “costas-quentes" pelos elementos da segurança do PS, que nos apelidam de “fascistas", nos chamam “assassinos" e se servem de todos os meios (sujos) ao seu alcance para nos fazer desistir da nossa luta?
10. A hipótese que o major Dias Ferreira e o capitão Cabral e Silva, respectivamente representantes do COPCON e do primeiro-ministro, puseram da nomeação de uma Comissão Administrativa — uma vez que o Conselho de Administração se mostrava impotente e incompetente para assumir as responsabilidades de gestão do jornal — serviu apenas para notícia na Imprensa.
Na reunião com os trabalhadores foi dito por aqueles dois oficiais que o problema resultante do pagamento dos dias de salário até à data, seria resolvido a seu contento, pois alguém arranjaria o dinheiro e depois a Administração seria forçada, por lei, a restituir as verbas entregues agora aos trabalhadores.
Nada disto, porém, veio a concretizar-se. Os trabalhadores ficaram no seu local de trabalho, a Comissão Administrativa de que os jornais falaram não foi nomeada e quando a C.C.T. pediu explicações ao COPCON, nada de claro nos foi dito. A protecção por forças militares à “República" foi retirada e, entretanto, o secretário-geral do PS declarava ao “Expresso” que não aceitava que o problema da “República" tivesse outra solução que não aquela por que sempre clamara dentro e fora do país. A situação começava a clarificar-se e os trabalhadores verificaram que tinham entrado num barco que não era o deles.
Finalmente, através do COPCON recebemos um (novo) recado do primeiro-ministro — conciliar as partes. Foi sugerido no COPCON pela CCTs “entremos todos para lá amanhã de manhã (24) e discutiremos os problemas lá dentro". A sugestão não teve resposta.
11. Os trabalhadores do jornal “República" alertam o Conselho Superior da Revolução para o seguinte: perdida a nossa luta, perderão todos os trabalhadores portugueses e deixará a revolução de ter significado. A luta dos trabalhadores do “República" é um conflito de trabalho que os poderes públicos não quiseram nem souberam resolver com a justiça devida aos trabalhadores. Mas este conflito de trabalho pode, agora, transformar-se num verdadeiro problema político: os milhares de trabalhadores deste país que nos têm apoiado recusam-se a aceitar a ideia de qualquer recuo da nossa parte que faça supor uma derrota.
12. No dia 26 de Junho os trabalhadores enviam ao primeiro-ministro uma exposição, não tendo obtido qualquer resposta, e que é a seguinte:
Ex.mo Senhor Primeiro-Ministro
Excelência
Vêm os trabalhadores de “República” expor a Vossa Excelência o seguinte:
1. Perfazem hoje 38 dias que o jornal se encontra parado.
2. Está, portanto, provado até à sociedade, que a decisão do Conselho Superior da Revolução não foi suficiente para solucionar o conflito, aliás só possível por apego a uma Lei que não acompanhou a revolução.
3. Os trabalhadores de “República” receberam apenas o correspondente a 20 dias de trabalho, tentando substituir, a partir desta data, da subscrição pública.
4. Os trabalhadores de “República” com alto sentido cívico e político, não fizeram solução ou que que avolumasse a crise — podendo-o ter feito.
5. Perante esta situação e o expresso em 2., solicitamos a V. Ex.a que providencie no sentido de mandar nomear imediatamente uma Comissão Administrativa, conforme oportunamente foi requerido a V. Ex.a, com base no decreto-lei n.° 660/74.
6. Se esta proposta não for aceite ou se outra solução não se encontrar, não se responsabiliza a Comissão Coordenadora dos Trabalhadores das medidas que, por sua iniciativa, tomarem os trabalhadores, já que estes, devido à bem conhecida pressão económica, se encontram dispostos a não esperar mais tempo.
7. A luta dos trabalhadores de “República” não está isolada, encontrando-se portanto apoiada por outros milhares de trabalhadores que vêem, com apreensão este impasse, o que pode significar um retrocesso no processo revolucionário português. E este processo que está em causa.
8. Estamos convictos de que a nossa luta merece o apoio de Vossa Excelência com o qual contamos e que constitui um estímulo.
9. Por todas as razões expostas esperamos uma solução que continuará a ser oportuna se for proferida até ao próximo dia 28.
10. Na falta de decisão até esta data, a C. C. T., sente-se autorizada a tornar público este documento.
Respeitosos Cumprimentos
Lisboa, 26 de Junho de 1975
Comissão de Trabalhadores do “República”
13. No dia 28, o major Dias Ferreira contacta a CCT e parecendo ignorar o documento acima mencionado, sugere uma reunião entre a Administração, CCT e chefes de secção que aliás vinha ao encontro de uma sugestão da Administração ao pretenderem uma reunião entre eles e os chefes de secção.
14. Os trabalhadores reúnem em plenário no dia-30 de manhã e estranhamente, surgem-nos os srs. capitão Castro (CRS) e o major Dias Ferreira (COPCON) que acharam estranho não se encontrarem dentro das instalações os administradores e os jornalistas que a eles aderiram em 19 de Maio. Nada poderia indicar que tal pudesse acontecer a não ser na imaginação daqueles oficiais já que não tinha havido qualquer aproximação nesse sentido.
15. Os trabalhadores reunidos decidem propor aos CSR e COPCON uma reunião para o dia seguinte no Centro de Sociologia entre a Administração e CTT com a presença de todos os trabalhadores da empresa.
16. Aceite a nossa proposta encetaram-se conversações. A CTT pôs como ponto prévio para começarem a negociar que lhes fossem pagos todos os valores vencidos e correspondentes a vencimentos de Maio (10 dias) e Junho, subsídios de férias e retroactivos. Foi contraposto pela Administração que não só se recusava a pagar más também exigia que a reunião fosse feita entre eles e os chefes de secção para discutirem apenas aspectos técnicos de funcionamento do jornal.
17. Foi vencida esta primeira disputa ao fim de algumas horas de discussão, em que se acordou no processamento dos salários até ao dia 7 de Julho, caso as negociações chegassem a bom termo entre as duas partes. Em caso negativo o documento seria rasgado pelo seu fiel depositário, capitão Castro, na presença de elementos da Administração e CTT.
18. No ponto seguinte tratou-se do Estatuto Editorial do “República" a publicar, bem como da intervenção dos trabalhadores na feitura do jornal. Apesar de vários acordos já estabelecidos anteriormente, entre a Administração, direcção da Redacção e trabalhadores em que tal intervenção fora aceite faltando apenas concretizar a forma como seria feito, a Administração acabaria por reconhecê-los mas afirmou que não estava disposta a respeitá-los a partir da data do conflito.
19. A posição irredutível que viriam a manter até ao fim das negociações era mais uma prova de desrespeito e atropelo aos legítimos interesses dos trabalhadores levando estes a reforçarem as suas posiç5es contra a resistência reaccionária da entidade patronal.
20. Simultaneamente falou-se no caso Belo Marques, o que levou os trabalhadores a reagir contra a Administração em face destes o considerarem demitido, fazendo por ignorar que tal demissão nunca veio a concretizar-se o que o próprio administrador-delegado concordou com a posição dos trabalhadores exigirem a continuidade de Belo Marques na empresa.
21. Ás negociações viriam a ser encerradas no dia seguinte pelo major Dias Ferreira, após os trabalhadores exigirem uma resposta concreta da Administração se permitiam ou não, a intervenção e a determinação da linha ideológica do jornal por parte da Redacção juntamente com todos os trabalhadores.
22. Foi dito categoricamente NÃO e que tais determinações só seriam da responsabilidade da Redacção e sua Direcção. Alguns srs., ditos socialistas, negavam assim o direito aos trabalhadores de caminharem para uma sociedade sem classes, para a qual só seria possível com a participação de todos. Pretenderam dar-se ao luxo de impor a sobreposição de uma classe (os seus jornalistas) em detrimento e alienação das restantes.
23. Imediatamente os trabalhadores reuniram nas instalações do jornal e em Plenário decidiram retomar as suas funções habituais e enviar um telegrama à Administração como segue:
“Devido impasse negociações trabalhadores — Administração cujas culpas não nos cabem, trabalhadores reunidos em PLENÁRIO convidam Administração Editorial República assumir funções amanhã dia 3, à hora habitual de abertura, a fim de em colaboração retomar publicação do “República”.
Uma hora depois contactavam pessoalmente o administrador dr. Costa Neves que os recebeu muito cordialmente, prometendo que no dia seguinte envidaria os seus esforços no sentido de conseguir uma reunião em local a combinar com a Administração e a CCT.
24. No dia seguinte, cerca das 9 horas entraram nas instalações da empresa o administrador e alguns redactores. “Vinham para trabalhar e fazer sair o jornal com os restantes trabalhadores”.
Nem um pedido de desculpa pelas ofensas proferidas, e pelas agressões que foram vítimas alguns camaradas nossos; nem uma palavra sobre a queixa apresentada na Polícia Judiciária contra a CCT e Álvaro Belo Marques (cujo único “crime” cometido foi o de serem porta-vozes dos trabalhadores).
Com o maior desplante o dr. Vítor Direito queria apenas entrar para carregar o seu isqueiro desgaseificado.
A serenidade dos trabalhadores manteve-se uma vez mais e pediram ao administrador-delegado que entrasse para dialogar; quanto aos srs. jornalistas teriam de aguardar até que algumas coisas se esclarecessem e clarificassem.
25. Não foi aceite isto e imediatamente foram para o CSR apresentar queixa contra os trabalhadores fazendo entender que as instalações estavam ocupadas.
Por telefonema feito pelo capitão Castro para a CCT foi dito que tal não acontecia. A seguir viria a notícia do dr. Costa Neves de que não seria possível negociar por “não termos permitido” a entrada dos jornalistas apesar de termos afirmado repetidamente que a principal razão foi evitar confrontações físicas antes de tentar uma aproximação possível. Receio esse que nunca se pôs em relação à Administração.
26. Fez-se silêncio absoluto a partir de então. Alguém estava interessado em vencer os trabalhadores pelo cansaço e dependência económica. Entretanto alguns membros do Conselho Fiscal do “República" consideravam que era impossível dialogar com os administradores.
27. Finalmente, anteontem, os trabalhadores, reunidos de novo em Plenário decidem fazer sair o jornal sob a sua responsabilidade ao aprovarem a seguinte proposta que referimos noutro local.
28. Os trabalhadores do “República" têm consciência que a sua luta não vai terminar hoje. Será mais difícil até daqui para a frente. Mas o reconhecimento e apoio de milhares de trabalhadores dão-lhes coragem de continuar por muitas razões que ultrapassam o elementar direito ao trabalho.
Que os trabalhadores explorados e oprimidos de muitos anos lhes façam justiça.
Inclusão | 31/07/2019 |