O PCP e a Luta pela Reforma Agrária

Partido Comunista Português


I CONFERÊNCIA DE TRABALHADORES AGRÍCOLAS DO SUL (Évora, 9 de fevereiro de 1975)
CONCLUSÕES DA CONFERÊNCIA


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1ª SECÇÃO

1. — A situação nos distritos do Sul, particularmente no Alentejo, Ribatejo, no que diz respeito ao desemprego, é extraordinariamente grave.

Várias dezenas de milhares de trabalhadores agrícolas, particularmente mulheres, estão sem trabalho.

Esta situação, em vez de se atenuar, tende a agravar-se ainda mais nas próximas semanas.

2. — A responsabilidade desta situação cabe inteiramente aos grandes lavradores.

Inconsolados com o 25 de Abril, os grandes agrários estão profundamente envolvidos na preparação de um golpe que faça voltar o país a um regime de tipo fascista.

Com esses objectivos, lançaram-se abertamente no caminho da sabotagem económica e do desemprego em massa dos trabalhadores, diminuem a produção, atiram para a miséria e a fome milhares e milhares de trabalhadores e assalariados e pequenos rendeiros, e procuram desunir as massas populares e, se possível, lançá-las contra o Governo Provisório e o M. F. A.

3. — A sabotagem económica que os grandes agrários têm vindo a desenvolver depois do 25 de Abril reveste-se de carácter

generalizado, o que pressupõe a existência dum autêntico plano unificado dos grandes latifundiários.

Esta sabotagem assume as formas mais diversas, das quais se destacam:

4. — Além dos trabalhadores, também os pequenos rendeiros são vítimas da política de sabotagem económica dos grandes agrários.

Isto traduz-se em situações tais como:

Deste procedimento dos grandes agrários resulta a diminuição da produção, o aumento do desemprego e o lançamento na miséria dos pequenos rendeiros e seareiros.

5. — A luta dos trabalhadores agrícolas contra o desemprego e a sabotagem económica tem registado importantes vitórias.

No domínio das formas de luta, a realização de reuniões de trabalhadores, concentrações e manifestações continuam sendo importantes meios a que os trabalhadores lançam mão para fazer face ao desemprego.

Também como forma de luta contra o desemprego e a sabotagem, e ao mesmo tempo como meio de desenvolver a produção agrícola nacional, têm particular importância as iniciativas dos trabalhadores no sentido de fazerem cumprir os Contratos Colectivos de Trabalho, de impedirem actos de sabotagem, e de procederem à realização dos trabalhos agrícolas indispensáveis a um melhor aproveitamento das terras incultas ou mal exploradas.

Tem particular importância a manutenção e o esforço da aliança Povo-M. F. A. para o apoio do governo ao avanço da luta dos trabalhadores contra o desemprego e a sabotagem económica.

6. — Reconhece-se a necessidade de ser reforçada a organização sindical dos trabalhadores agrícolas, para uma luta mais eficaz contra o desemprego e a sabotagem.

Quanto ao funcionamento de comissões paritárias ou de técnicos, os trabalhadores devem estar particularmente vigilantes em relação a alguns técnicos que fazem o jogo dos grandes agrários, e exigir o seu imediato saneamento.

2ª SECÇÃO
SINDICATOS

Há grandes proprietários que são ao mesmo tempo empregados superiores de empresas monopolistas, onde ganham 20 e 30 contos. Por isso deixam grandes extensões de terra por cultivar.

É justo que não possa haver acumulação de empregos. Mas também é justo que se impeça pessoas de serem ao mesmo tempo empregados superiores e grandes proprietários.

Alguns patrões dão trabalho a quem não está sindicalizado e recusam-no aos trabalhadores sindicalizados.

Há casos em que delegados sindicais se têm deixado comprar pelos patrões e deixam assim de defender os interesses dos trabalhadores. Há casos concretos em que os trabalhadores desanimam e descrêem dos sindicatos, deixando de pagar quotas e acabando por se dividir.

Os sindicatos têm distribuído trabalhadores pelas terras incultas e onde há trabalhos atrasados. Em muitos casos, os proprietários recusam-se a pagar, dizendo que não têm dinheiro. Mas alguns agrários têm por vender pargas de cortiça correspondentes a três anos. E há muita cortiça que já devia ter sido tirada há dois anos. Há agrários que têm grandes quantidades de trigo ensacado e a estragar-se. Há ainda herdades com oliveiras por limpar há vinte anos.

Em muitos casos, os trabalhadores, unidos à volta do seu sindicato, têm conseguido obrigar os patrões a pagar aos trabalhadores distribuídos pelo sindicato para cada patrão e herdade.

— OS TRABALHADORES DEVEM UNIR-SE CADA VEZ MAIS E ORGANIZAR-SE NOS SINDICATOS.

— Os Sindicatos devem defender todos os trabalhadores e não serem Sindicatos deste ou daquele partido, porque isso leva à divisão dos trabalhadores, o que só serve os patrões e é uma formai de melhor explorar os trabalhadores.

— Os trabalhadores não devem deixar-se dividir, e devem defender para sempre a unicidade sindical.

— Dos sindicatos de operários agrícolas só devem fazer parte os assalariados rurais, tractoristas e pequenos camponeses que trabalham pelo menos seis meses por ano para um patrão.

— Há latifundiários e até Câmaras Municipais que obrigam os trabalhadores a fazer trabalho de empreitada.

— As empreitadas devem ser recusadas.

Os trabalhadores devem trabalhar apenas à jorna e recusar os trabalhos de empreitada.

— Por vezes recusa-se dar trabalho quando se sabe que os trabalhadores são membros do Partido Comunista Português.

Os trabalhadores fazem parte de uma classe única, são uma grande família. Não devem deixar-se dividir, pois tão explorados são uns trabalhadores como outros.

Os trabalhadores rurais reclamam:

— Em algumas zonas tem sido mais difícil resolver o problema do desemprego. Em vários casos isso deve-se ao pouco dinamismo dos delegados sindicais.

Em tais casos, estes delegados devem ser substituídos por outros mais batalhadores.

Há agrários que, quando forçados pelo sindicato, se dispõem a receber mulheres e recusam os homens. Fazem isto porque pagam salários mais baixos às mulheres.

Os trabalhadores devem lutar para que a trabalho igual seja pago salário igual.

Como os agrários acham sempre que são muitos os trabalhadores que o sindicato lhes distribui, dizendo que têm pouca terra, DEVE-SE DISTRIBUIR OS TRABALHADORES PELOS AGRÁRIOS CONFORME OS HECTARES DE TERRA QUE TENHAM E COMO TAL DEVEM SER OBRIGADOS A aceitar OS TRABALHADORES. (Esta conclusão foi muito aplaudida.)

Há trabalhadores que temem os sindicatos, porque lhes dizem que os sindicatos são para fazer política. A política dos sindicatos é defender os interesses de todos os trabalhadores.

Dividindo os trabalhadores, os patrões conseguem pagar salários mais baixos. Unidos nos sindicatos os trabalhadores conseguem melhores salários.

— OS SINDICATOS SOZINHOS NADA CONSEGUEM, MAS OS TRABALHADORES ISOLADOS AINDA MENOS. AS VITÓRIAS SÃO ALCANÇADAS PELOS SINDICATOS JUNTAMENTE COM OS TRABALHADORES UNIDOS.

— Sem os sindicatos ainda hoje não se tinham conquistado convenções de trabalho.

— TODOS OS TRABALHADORES DEVEM ESTAR ORGANIZADOS NOS SINDICATOS. DIVIDIDOS SÃO FACILMENTE VENCIDOS. UNIDOS OS TRABALHADORES SÃO UMA FORÇA.

— Os contratos colectivos de trabalho devem garantir que os trabalhadores que até 25 de Abril de 1974 estavam efectivos para um patrão ou para uma herdade continuem como efectivos não podendo ser passados para eventuais como alguns patrões têm feito e como outros patrões pretendem.

— Que todos os sindicatos se unam através da Intersindical, mas que os trabalhadores agrícolas tenham os seus sindicatos específicos.

— Que as Comissões Sindicais não consintam que o patronato provoque o desemprego. Que se siga o exemplo da Comissão Sindical do Vale de Vargos, que não consente o desemprego na sua terra.

— Se os agrários deixam morrer o gado à fome, que os trabalhadores não consintam. Se os donos não se importam de deixar morrer o gado, devem os trabalhadores tomar nas suas mãos a resolução do problema.

— O gado e as máquinas deverão vir a ser entregues a quem trabalha a terra, quando a terra for entregue a quem a trabalha.

— Que seja estipulado o horário máximo de 45 horas para o campo, nos casos em que o horário já era esse ou superior. Mas que se respeite e se mantenham os horários inferiores onde isso já se verifique.

— Que os Sindicatos lutem contra o desemprego tanto dos homens como das mulheres.

— Que os agrários não façam parte de Comissões para resolverem os problemas da colocação de desempregados. Pois se os agrários se recusam a receber os trabalhadores que o Sindicato lhes distribui como podem ajudar a resolver este problema?

— Os trabalhadores querem a Reforma Agrária. E para a conquistar, para a defender e para a consolidar estão dispostos, nestas circunstâncias, a trabalhar 14 ou 16 horas. Mas que as terras incultas ou mal aproveitadas sejam desde já entregues aos trabalhadores.

— O problema do horário de trabalho não pode ser aproveitado pelos agrários para dividir os trabalhadores. Por isso, na elaboração de futuras convenções de trabalho, este ponto deve ser devidamente estudado. E que sejam salvaguardadas as situações de direitos adquiridos, onde os horários sejam inferiores a 45 horas.

3ª SECÇÃO
PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA; CONDIÇÕES DE VIDA NOS MEIOS RURAIS

— Alargamento aos trabalhadores agrícolas do esquema geral de previdência;

— Transferência dos fundos das Casas do Povo para a gestão das Caixas de Previdência e respectiva unificação de serviços;

— Melhoria das condições de assistência nas Casas do Povo enquanto não integradas na previdência geral e igualmente melhoria das condições de assistência da própria previdência;

— Manutenção das regalias de previdência e assistência no caso de desemprego;

— Aumento dos dias de consulta e do período de consulta diário nas Casas do Povo;

— Aumento substancial do número de médicos nos meios rurais, começando por uma melhor distribuição dos médicos já existentes; utilização de médicos militares em comissões de serviço Para cobertura médico-sanitária dos meios rurais;

— Aumento substancial do pessoal de enfermagem geral e em particular de enfermeiras-parteiras;

— Melhoria da assistência medicamentosa;

— Existência de uma reforma condigna para os trabalhadores rurais; a idade da reforma deve ter em conta as duras condições do trabalho do campo e pensamos que num futuro tão próximo quanto possível a devem ter aos 60 anos;

— Existência de um seguro contra acidentes de trabalho coberto pela segurança social de valor igual à jorna estabelecida nos Contratos Colectivos de Trabalho;

— Criação de um subsídio de desemprego coberto pela segurança social que logo que possível deve atingir os 70% da jorna estabelecida no Contrato Colectivo de Trabalho;

— Criação de lares para pessoas idosas e deficientes próximos dos locais onde habitam os familiares, bem como de creches e jardins de infância, aproveitando as estruturas existentes funcionando sob gestão democrática;

— Adopção de medidas urgentes para vencer o atraso existente nos meios rurais, tendentes a aproximar a situação de vida nos meios rurais da vida nas cidades;

— Promover o abastecimento de água às povoações e a sua electrificação; alargamento das redes de esgotos;

— Melhoria dos meios e vias de comunicação, como estradas, transportes, rede de telefones e correios, responsáveis pelo grande isolamento dos campos e de inúmeras dificuldades e privações para as populações rurais;

— Fomento de cooperativas de consumo; apoio dos trabalhadores rurais às Comissões de Vigilância de Abastecimento e Preços;

— Democratização do ensino, facilitando e estimulando o acesso às escolas dos filhos dos trabalhadores rurais, nomeadamente no que respeita às escolas ligadas à agricultura; os jovens trabalhadores devem ter direito a duas horas pagas por dia para ir estudar;

— Fomento da prática desportiva e das actividades culturais e recreativas viradas para os interesses do povo português, apoiando as associações verdadeiramente populares e paralelamente a criação das infra-estruturas necessárias à estas actividades;

— Promover o efectivo e completo saneamento em todos os departamentos de Estado e funcionalismo público onde ainda existem elementos fascistas e reaccionários e que procuram entravar o actual processo democrático.

4ª SECÇÃO
REFORMA AGRÁRIA

Trabalhadores agrários e camponeses pobres reunidos na IV Secção, destinada à discussão de problemas relativos à Reforma Agrária, concluem que:

1.º — Ao sul do Tejo existe, no momento actual, uma clara e ostensiva sabotagem económica e social levada a cabo pelos grandes agrários que se traduz:

a) Na recusa em fazer os trabalhos agrícolas nas datas próprias;

b) Na destruição ostensiva da produção agrícola e pecuária;

c) Na redução intencional das laborações;

d) Na realização simulada de culturas;

e) Na realização intencional de culturas impróprias para determinados terrenos (trigo em zonas de aveia e aveia em zonas de trigo);

f) Na realização de culturas pobres em zonas ricas;

g) Na recusa em dar emprego aos milhares de trabalhadores desempregados;

h) Na recusa em cumprir contratos colectivos de trabalho e em pagar salários por trabalhos já realizados;

i) No pagamento dos salários aos trabalhadores, impedindo ao mesmo tempo a realização de trabalhos agrícolas;

j) No lançamento no desemprego de muitos milhares de trabalhadores;

l) No arranque de milhares de árvores de fruto;

m) Na recusa em arrendar terras, mesmo daquelas arrendadas em anos anteriores.

2.º — Tal acção sabotadora, por um lado, revela o profundo antagonismo que existe entre os interesses dos grandes agrários e os do Povo trabalhador, e, por outro lado poderá determinar, se não forem tomadas medidas rápidas e enérgicas, que 1975 seja um ano de fome não só para a população do campo mas também da cidade.

3.º — Esta acção de sabotagem económica e social é criminosa não só pelas razões expostas, mas também porque obrigará o País a gastar milhões de contos (mais de 16 milhões em 1974) na compra, a países estrangeiros, de produtos agrícolas, pecuários e florestais que podiam ser produzidos em Portugal.

Em face de toda esta situação, os trabalhadores agrícolas e os camponeses pobres reunidos na IV Secção afirmam:

1.º — Que a única solução verdadeira para os problemas da agricultura no Sul, região onde domina a grande propriedade, é a Reforma Agrária, que liquidará os latifúndios e dará a terra a quem a trabalha.

2.º — Que, em relação ao Norte, caberá aos pequenos e médios agricultores e assalariados agrícolas encontrar as soluções mais justas para a sua região.

3.º — Que enquanto a Reforma Agrária não for posta em prática devem ser adoptadas medidas imediatas:

  1. Expropriação das terras e dos bens dos grandes agrários que pratiquem actos de sabotagem económica e social;
  2. Expropriação das grandes propriedades que foram valorizadas à custa de dinheiro do Povo (exemplo: obras de rega do Alentejo);
  3. Arrendamento compulsivo dos incultos das propriedades subaproveitadas. Este arrendamento não deverá ser feito de forma que as boas terras fiquem na posse dos agrários e as más terras passem para as mãos do Estado ou dos trabalhadores agrícolas e camponeses pobres;
  4. Rápida publicação sobre arrendamento rural e baldios;
  5. Publicação de leis revolucionárias que permitam a punição de sabotadores.

4.º — As terras obtidas através das medidas atrás indicadas, assim como as herdades da antiga Junta de Colonização Interna, devem ser entregues a Sindicatos de Trabalhadores Agrícolas ou a Ligas de Pequenos Agricultores, que explorarão em regime de cooperativas de produção, ou então deverão ser exploradas directamente pelo Estado (herdades colectivas do Estado, de forma que seja dado emprego a quem não tem trabalho e aumentada a produção agrícola, pecuária e florestal do País).

5.º — Que deverão ser criadas ou desenvolvidas empresas públicas ou mistas, ou cooperativas de comercialização e industrialização de produtos necessários à agricultura e dos produtos da agricultura, de modo a libertar os circuitos comerciais da especulação e do parasitismo, e para permitir também uma melhor compensação para quem trabalha e produz sem encarecer os preços pagos pelos consumidores.

6.º — Finalmente afirmam que a execução das medidas anteriores exigem:

  1. Reforço dos Sindicatos de Trabalhadores Agrícolas e das Ligas de Pequenos e Médios Agricultores, como organismos de defesa daqueles que trabalham no campo e como instrumento de intervenção organizada e eficiente contra a sabotagem económica e social;
  1. Saneamento dos serviços da Secretaria de Estado da Agricultura e reestruturação democrática dos serviços técnicos, de modo a pô-los em contacto directo com a realidade rural e ao serviço dos trabalhadores agrícolas e camponeses pobres;
  2. Apoio financeiro, técnico e de quadros especializados por parte de todos os organismos da Secretaria de Estado da Agricultura e em especial do IRA e de outros departamentos do Estado, preferencialmente às novas estruturas produtivas de trabalhadores agrícolas e camponeses pobres;
  3. Nacionalização da banca, a fim de pô-la ao serviço do Povo Trabalhador.
continua>>>
Inclusão 29/05/2019