A Alternativa Italiana do PCI


Da Herança de Togliatti à Presença de Berlinguer - continuação


Berlinguer: Relatório ao Comité Central
1976
(Publicado em L'Unità, 14-5-1976. Extractos)

Estado democrático

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Estado democrático eficiente, pelo qual nos batemos, é o delineado pela Constituição republicana: um Estado assente nas instituições representativas, nos partidos, na autonomia das, Regiões e das instituições locais, na participação dos cidadãos. A eficiência, para nós, está ligada, em primeiro lugar, ao desenvolvimento e à extensão da democracia e à defesa firme, contra o desvio reaccionário, da ordem democrática, da segurança e da tranquilidade dos cidadãos. A colaboração entre os órgãos de governo e as forças da ordem, os corpos administrativos locais, os sindicatos, os partidos democráticos e as grandes massas populares é uma condição essencial para assegurar a eficiência do Estado democrático e para combater mais eficazmente a desordem, a criminalidade e a corrupção. Mas nós indicamos igualmente no programa as medidas que consideramos necessárias para Uni melhor funcionamento do Parlamento e dos órgãos de governo, para uma reforma da Administração Pública e da Administração da Justiça e para uma reorganização das Forças Armadas e da Polícia.

Em todos estes campos podemos submeter aos eleitores projectos que temos vindo a aprofundar com entusiasmo nestes últimos tempos.

A confiança dos cidadãos no Estado democrático depende actualmente de maneira determinante de uma decidida moralização da vida pública. Não temos intenção de fazer uma campanha eleitoral de escândalos, apesar de não renunciarmos a denunciar os graves factos de corrupção já apurados e os seus responsáveis e de reivindicar que a Magistratura e a Comissão de Inquérito do Parlamento façam plena luz sobre todos os numerosos escândalos que vieram a público e sobre os quais a opinião pública e todos os cidadãos honestos reclamam informação final e precisa.

Chamamos a atenção dos Italianos, porém, para as raízes desta cadeia de escândalos que estão no sistema de poder que foi construído durante tantos anos pela DC e que teve como fundamento a discriminação anti- comunista. É necessário acabar com a actual vergonhosa confusão entre público e privado, entre partido e Estado.

O redimensionamento do poder político da DC é uma das condições fundamentais para cortar as raízes da corrupção pública e para assegurar, através de um correcto e democrático funcionamento do Parlamento e de todas as assembleias eleitorais, um controle eficaz das actividades económicas e públicas e, mais em geral, uma efectiva moralização de todas as actividades do Estado e da Administração Pública.

Quando falamos de ordem social pensamos em tantas outras coisas que actualmente funcionam cada vez pior, como a escola, a universidade, a saúde, as instituições culturais. Para cada um destes grandes problemas apresentamos propostas precisas no programa que propomos; estamos convencidos de que, sobretudo no que toca à escola e principalmente à universidade, estamos à beira do colapso. O nosso apelo dirige-se aos rapazes e raparigas, aos professores, a todos os que, de uma maneira ou de outra, estão ligados aos destinos da escola, para que, nestas semanas de campanha eleitoral, façam ouvir a sua voz e exijam compromissos concretos de enfrentar seriamente, logo depois das eleições, os problemas dia escola e da universidade, os problemas de reformas institucionais, de estruturas materiais e de Implantação de conteúdos didácticos, de democracia.

Período excepcional

Salvar e curar o país é condição essencial para avançar para uma organização da sociedade bastante diferente da actual: uma sociedade onde se vão atenuando progressivamente distorções, desequilíbrios, injustiças, discriminações, a começar pelas discriminações contra as mulheres; uma sociedade em que vão diminuindo não só nas diferenças de rendimento mas também as diferenças de civilização, de modo de vida e de cultura entre a cidade e o campo; uma sociedade em que haja mais justiça social e em que sejam diferentes e mais elevadas a qualidade de vida e as relações entre as pessoas, entre as diversas gerações, entre homens e mulheres; uma sociedade em que haja novos e mais elevados valores morais; uma sociedade em que todos se possam sentir mais serenos. Para essa sociedade nós apontamos ao povo italiano o caminho da luta, do austero esforço de trabalho, de estudo, de empenhamento cultural.

Que tempo levará para realizar um programa que tenha como objectivo salvar a sociedade italiana e garantir uma recuperação económica em bases novas?

Pensamos que são precisos alguns anos, mas anos excepcionais. Pois bem. A nossa proposta é que durante este período excepcional, e até à sua superação, o País seja dirigido por uma vasta coligação unitária aberta a todas as forças democráticas, por uma aliança temporária mas sólida entre os partidos democráticos dispostos a trabalhar em conjunto, no Pais, no Parlamento e no Governo, para uma clara e rigorosa obra de recuperação e de renovação.

Parece-nos que esta é a única proposta política adequada ao carácter excepcional da situação e aos riscos gravíssimos que ela encerra. Que as coisas estão assim todos o reconhecem. O próprio Moro, no seu último discurso na Câmara, utilizou expressões semelhantes às nossas. Referiu-se ele a uma «crise de excepcional gravidade no campo da ordem pública, da economia e das instituições», acrescentou que há um «plano concreto de subversão» e proclamou a necessidade de encontrar um «caminho de salvação para a economia e para o desenvolvimento social». E quer Moro quer outros dirigentes demo-cristãos apelam também para a solidariedade nacional.

Com que coerência, depois de terem reconhecido tais coisas, de terem apresentado juízos tão empenhados e de terem feito apelos tão angustiantes, Moro e os seus amigos continuam imperturbáveis a propor, como se pudessem ser ainda críveis, soluções e fórmulas políticas e governativas já longamente experimentadas, abundantemente falidas ou, em qualquer caso, definitivamente esgotadas como o centro-esquerda? Nem se pode impingir como proposta nova a que se apresenta com o nome de «eixo preferencial» entre a DC e o PSI, fórmula de governo que continuaria absolutamente dentro da lógica própria do centro-esquerda. Não é verdade que, nas suas origens, o centro-esquerda foi apresentado como o «encontro histórico» entre o Partido Democrata-Cristão e o Partido Socialista? Mas Moro comporta-se como se, desse momento até agora, não tivessem passado quinze anos, assinalados não só pela falência dessa política mas também pelo crescimento contínuo de um movimento popular que encontrou a sua expressão politicamente mais evidente e amadurecida no avanço constante desse Partido Comunista que Moro e outros dirigentes políticos se iludiam quando procuravam isolá-lo, congelá-lo, reduzi-lo a um papel marginal. Ora Moro, apesar daquilo que o PCI é como força nacional e apesar da crescente consideração de que goza na Europa e no mundo (a ponto de ser actualmente a particularidade mais conhecida e interessante da Itália), crê ou finge crer que o alargamento das bases populares do governo pode ser resolvido sem a participação essencial do PCI.

Bem longe vão os tempos em que esta posição podia a apresentar-se como inspirada num projecto de alcance «histórico», numa visão «de grandes perspectivas» de desenvolvimento da sociedade italiana.

Uma das nossas primeiras tarefas é, pois, pôr a nu, apelando para a experiência de todos estes anos, a experiência enganadora e ilusória de todas as soluções políticas e governativas que não saiam do âmbito do centro- esquerda e que por isso, duma maneira ou doutra, mantêm a negativa contra o PCI como força constitutiva de um governo de solidariedade e salvação nacional.

O objectivo real, concreto, que está por trás de todos os pretextos apontados para justificar estas discriminações é o desejo de manter o predomínio político da DC É que os dirigentes da DC sabem bem (mas compreende-o também um número crescente de italianos) que só a presença do PCI no Governo da nação pode pôr fim à prepotência e arrogância a que a DC está habituada por anos de cómodas alianças, pode levar esse partido a pôr-se ao nível dos outros partidos e a não colocar em primeiro lugar a conservação da sua máquina de poder.

Sobre o compromisso histórico

A quem se interrogar em que relação está a solução que hoje apresentamos com a perspectiva do compromisso histórico queremos dar imediatamente uma resista muito simples. É evidente que nós não abandonámos a estratégia fundamental que adoptámos e que, nos últimos anos, foi definida e desenvolvida sob a denominação de compromisso histórico. A nossa proposta actual não contradiz a estratégia do compromisso histórico isto é, o acordo entre as três grandes correntes populares italianas, a comunista, a socialista e a católica, para um projecto comum de longo alcance —, mas pretende algo que responda imediatamente às necessidades urgentes do momento. O que nós propomos é substancialmente um governo assente sobre o consenso mais amplo invisível de forças democráticas para actuar dentro de um período limitado de tempo. Cumprida a missão excepcional para que fora formado, cada um dos partidos quo compuserem o governo decidirão que desenvolvimentos deverão dar à sua acção política e que perspectivas propor a um país saído das dificuldades da crise.

Daqui resulta que nós, na campanha eleitoral, devemos empenhar-nos a fundo para que ela venha a ser caracterizada por um debate sobre as várias formas do governo que apareceram no diálogo político destes últimos tempos. Devemos esclarecer os eleitores de que a proposta que apresentamos hoje não é mais uma fórmula a acrescentar a tantas outras, mas uma solução concreta que nasce da força idas coisas tal como são actualmente.

Sustentamos também que esta proposta não corresponde só a um «estado de necessidade» mas recolhe o interpreta uma aspiração, um dinamismo real que cresceu nestes anos de crise económica e política, e exprime a necessidade de que se crie, a todos os níveis, até ao vértice do Estado, uma nova e ampla unidade.

O país viu que sempre que se deram rupturas entre os partidos democráticos a situação piorou, se generalizou a incerteza, as perspectivas se tomaram mais sombrias. Mas o País também verificou que qualquer conquista, qualquer passo em frente, foram frutos de uma unidade construída e alcançada sempre comi uma dura luta contra os fautores da divisão e contra todas as formas de sectarismo. Foi graças a essa luta, que teve incontestavelmente o Partido Comunista como protagonista principal, que em tantas ocasiões a tendência para a unidade acabou por prevalecer.

Só porque aconteceu assim foi possível rechaçar vitoriosamente os movimentos subversivos e as provocações antidemocráticas que se sucedem quase ininterruptamente de há sete anos a esta parte e assegurar a sobrevivência do país num período tão prolongado de crise económica e de tensão política. A afirmação da nossa política unitária fica-se também a dever, em grande parte, os sucessos alcançados, nestes anos, pela classe operária, pelos trabalhadores, pelas forças populares de esquerda: dos económicos e sindicais aos do referendo sobre o divórcio e das eleições de 15 de Junho. Apesar de tudo, o processo unitário avançou, manifestando-se também de maneira notável nas organizações de massa, na vida das assembleias eleitorais locais e regionais, nos partidos e no Parlamento. Imagine-se o que teria acontecido, que é que seria hoje O País, se nós, comunistas, tivéssemos respondido às provocações sectárias das forças conservadoras e obscurantistas com uma linha sectária e aventureira, resignando-nos e favorecendo os propósitos de cisão do País e de divisão das massas trabalhadoras e populares.

Se não tivéssemos combatido tenazmente pela unidade — por todos os possíveis entendimentos e convergências, mesmo contingentes e parciais —, a ruína do País já teria sucedido. Pelo contrário, a Itália e a Democracia italiana prevaleceram, prevalecem ainda e podem ler esperanças de ressurgimento. Entre nós deu-se um facto, talvez desconhecido noutros países capitalistas desenvolvidos e na própria Itália do primeiro pós-guerra: uma crise económica, política, de toda a sociedade, profundíssima e prolongada, não veio a desembocar em soluções autoritárias de direita mas num avanço das forças operárias, populares, de esquerda.

Hoje, porém, estamos num ponto em que já não hasta conservar, aguentar, pensar apenas em conquistas parciais. Hoje o problema central a resolver é o de uma nova direcção política do País. É impensável que a Itália possa continuar a ser mal governada ou não governada, «em que isso leve mais cedo ou mais tarde a convulsões sociais cada vez mais agudas e a tentativas reaccionárias cada vez mais perigosas. É tempo de encontrar uma saída para a crise, a qual, para ser positiva, deve comportar uma solução orgânica, inclusive a nível governativo. E essa solução, na Itália de hoje, não pode ser senão uma solução de ampla unidade, que não exclua o concurso do PCI numa relação de igualdade e de lealdade recíproca com outros partidos. Eis o passo de qualidade nas relações unitárias entre os partidos democráticos que se impõe como uma necessidade nacional e que resulta da exigência da parte mais sã, mais activa e laboriosa da sociedade.

Que objecções têm sido levantadas à nossa proposta de uma direcção nova e unitária do país em que entre também o PCI?

Não falamos das objecções que partem sobretudo dos dirigentes da DC e são apenas pretexto para continuarem arreigados às suas actuais posições de poder, Não se esqueça que aqueles que afirmam que não damos não sei que garantias são os acusados, são eles os responsáveis pela ruína, do país. A eles é que se deve perguntar: que garantias é que dais, obstinando-vos na velha política e nos velhos preconceitos ideológicos, de não levar mais abaixo ainda o país até à sua completa ruína, a um ponto em que já não seja possível voltar atrás?

O regime da Democracia Cristã

Os dirigentes demo-cristãos, de Fanfani e Zaccagnini, a Moro, com as suas primeiras intervenções eleitorais, já deram a entender claramente qual será o seu cavalo de batalha. Afirmaram que em 20 de Junho trata-se de escolher entre manter ou não um regime democrático. Voltam assim ao de cima os mais gastos slogans do conservadorismo demo-cristão, todos bem sintetizados em apresentar a DC como «dique» contra o comunismo: e baluarte da liberdade. Mas é necessário ter claro que, quando um dirigente demo-cristão fala de defesa do regime democrático, realmente ele pensa no regime demo -cristão, que é uma coisa completamente diferente.

O regime político edificado pela DC durante os trinta anos do seu monopólio político não foi nem é garantia de desenvolvimento democrático. Pelo contrário, este regime deu espaço, pelo menos de dois modos, às forças antidemocráticas: não combatendo com vigor e firmeza os centros e os grupos que na sociedade e no próprio aparelho de Estado tramaram contra a Democracia, e favorecendo as práticas de clientelas, corporativas, de casta, as quais, com os seus impulsos particularistas, desagregadores e corruptores, provocaram fenómenos preocupantes de degenerescência do sistema democrático, previsto pela nossa Constituição e pelo próprio Partido Democrata-Cristão. No final, o resultado – e esta é a grande responsabilidade da DC — foi que ela, com a sua conduta orientada para salvaguardar a todo o preço as suas posições de domínio, lançou o descrédito sobre as instituições; democráticas.

Entre as nossas cartas democráticas está a luta que travámos sem desfalecimentos (o que nenhum outro partido pode reivindicar) contra a obra da lima surda que corroeu de dentro a nossa Democracia, combatendo sempre pela defesa das liberdades e dos direitos cívicos e constitucionais e para garantir o pleno e correcto funcionamento e, por consequência, O prestígio de todas as instituições e organismos democráticos. E em mais de trinta anos não é possível imputar ao Partido Comunista um único acto que tenha desmentido a coerência desta nua conduta pela defesa e desenvolvimento da democracia.

Mas nós, comunistas italianos, fizemos algo mais. Empenhámo-nos a fundo, mesmo no plano da análise histórica e da teoria, por elaborar e definir uma concepção nova da função democrática da classe operária, do desenvolvimento e da transformação da sociedade e das linhas gerais e dos valores de democracia e de liberdade que devem caracterizar o caminho para uma sociedade socialista e a sua construção na Itália e nos outros países do Ocidente. Esta nossa posição, sancionada pelos nossos congressos foi reafirmada recentemente mesmo em actos políticos de importância internacional, como, por exemplo, os documentos subscritos com o Partido Comunista Espanhol e Francês e na intervenção no XXV Congresso do Partido Comunista da União Soviética.

A propaganda demo-cristã não deixará decerto de vir a campo com o pretexto calunioso de uma presumível insuficiência da nossa autonomia frente aos outros partidos comunistas. Não é simples estratagema polémico apontar à DC e aos Governos por ela dirigidos a falta de uma efectiva defesa da sua autonomia de partido e, o que é muito mais grave, da independência e dignidade nacionais do nosso país. Uma vez só os Governos dirigidos pela Democracia-Cristã fizeram um protesto contra ingerências estrangeiras: quando o chanceler da Alemanha Federal, Schmidt, manifestou a opinião de que o Partido Democrata-Cristão italiano não sabe governar. Nunca governos e ministros demo-cristãos criticaram sequer, ou pelo menos se afastaram das posições e actos de Ford ou de Kissinger, pelo contrário, procuraram e procuram servir-se deles pensando que podem contribuir para alcançar os seus objectivos sectários. Nem a DC como partido alguma vez tentou distanciar-se de expoentes democrata cristãos de outros países, sobretudo quando eles, como Strauss, estão à cabeça de cruzadas reaccionárias contra as forças de esquerda e contra a política de desanuviamento.

Quanto a nós, todos viram, pelas provas que demos, que a abertura do nosso internacionalismo não nos impediu nada de assumir livremente posições próprias, autónomas e críticas, sempre que nos demos conta de qualquer contradição entre as nossas concepções e certos comportamentos internos e internacionais de outros partidos comunistas, ou de países socialistas.

As relações de amizade que existem entre nós e os outros partidos comunistas e movimentos de libertação não obedecem a qualquer vínculo organizativo. São relações que nós mantemos em plena liberdade e que não limitam de qualquer maneira os nossos juízos e a independência da nossa iniciativa, quer dentro da Itália quer fora dela. É por demais conhecida a apreciação matizada que nós fazemos das resoluções socialistas e das diferentes experiências de construção de novas sociedades que se processaram noutros países, sobre a sua positiva função histórica global, sobre os resultados: conseguidos em muitos sectores e sobre os aspectos que a nós nos parecem negativas, especialmente nas suas estruturas políticas. Não é demais acrescentar, todavia, que é absurdo e incorrecto, como continua a proceder a propaganda democrata-cristã e de direita, atribuir aos comunistas italianos a responsabilidade daquilo que fazem ou dizem outros partidos de outros países.

A nós só nos é possível exprimir juízos e sobretudo agir de modo a tornar evidentes as características peculiares do nosso caminho para o socialismo, e as nossas concepções sobre o futuro da sociedade distinguem-se nitidamente de qualquer outra experiência ou «modelo». Vimo-lo fazendo desde há tempo, com um esforço incessante de procura e de iniciativa, que tem as suas raízes na história e na realidade nacional mas que, nos últimos anos, se tem vindo a ampliar e a irradiar em contacto com outros partidos, especialmente europeus. Nós sobretudo, procuramos atingir um objectivo: afirmar e fazer avançar uma ideia nova de socialismo, que seja diferente quer dás experiências em curso nos países do Leste europeu, quer das práticas de tipo social-democrático de mitras zonas da Europa, nenhuma das quais levou, mesmo quando consentiu em certos progressos nas condições dos trabalhadores, à superação do sistema capitalista.

A este propósito, entretanto, devemos acrescentar que igualmente com os partidos socialistas e com alguns partidos sociais-democráticos da Europa, em que se vai desenvolvendo uma reflexão sobre as experiências próprias e sobre os problemas que a crise cada vez mais dilacerante da sociedade capitalista contemporânea levanta, surgiram novas possibilidades de confronto positivo e até de convergência, não só para objectivos imediatos mas também para transformações que se orientem para o socialismo no nosso continente.

A sociedade socialista que nós queremos construir comporta uma transformação de toda a estrutura da sociedade e a entrada e participação efectiva na direcção da vida económica e política dos trabalhadores, aliados n todas as outras forças produtivas da sociedade. Mas uma transformação pode e deve acontecer com método democrático e salvaguardando e ampliando todas as liberdades individuais e colectivas, quer aquelas que constituem o património histórico, a não renunciar, da burguesia, quer as conquistadas pelo proletariado e pelos trabalhadores com as suas lutas económicas e políticas.

O PCI e a Democracia

Esta é a essência da nossa política, a razão fundamental do nosso crescimento como grande força popular, democrática e nacional. E ela informa com tanta plenitude a nossa conduta e penetrou tão profundamente na consciência dos nossos militantes, simpatizantes, eleitores (milhões e milhões de operários, de trabalhadores, de intelectuais, de jovens), que renunciar a ela, voltar atrás, não seria possível, mesmo que nós, dirigentes, o quiséssemos.

Não se trata de acreditar ou não acreditar na nossa sinceridade mas de compreender —o que deveria ser claro como água — que voltar atrás seria condenar este nosso grande partido a reduzir-se a pouca coisa. Por conseguinte, nem sequer na construção de uma nova sociedade em que o Partido Comunista participasse no poder nós poderíamos descartar-nos das regras da democracia.

Mas o nosso actual objectivo e a tarefa que hoje se põe à nação é diferente.

Como já dissemos, hoje trata-se de superar a crise, que está a sufocar a Itália, e de proceder a uma recuperação e a um renascimento. É absurdo e mistificador tentar fazer crer aos eleitores que em 20 de Junho se trata de decidir se a Itália deve caminhar ou não para o comunismo, se se deve ou não entregar todo o poder ao Partido Comunista. São técnicas de propaganda para desviar os eleitores da verdadeira escolha a fazer.

A escolha indispensável a fazer não é desta ou daquela ideologia ou meta última da sociedade. É entre a salvação ou a ruína da Itália, entre o desenvolvimento ou o afundamento da economia, entre a eficiência ou a desordem, entre a estabilidade política ou as crises repetidas de governo, entre a honestidade ou a corrupção, entre a justiça social ou a extensão de privilégios sem vergonha, entre o crescimento da Democracia ou o seu esgotamento. Pois bem, todo aquele que quiser que a resolução de cada um e de todos estes dilemas se processe em sentido construtivo deve reconhecer que o caminho não pode ser o da divisão, mas o da mais ampla solidariedade e unidade.

É este o nosso objectivo. Propomos, para o governo da nação, que se realize, pelo menos por determinado período de tempo, uma coligação de unidade democrática que, como tal, é ela própria a melhor garantia que cada um dos partidos participantes poderá dar aos outros e que, todos em conjunto, dão ao país de actuar com entrega, com rectidão e com dinamismo para o seu renascimento.

A propaganda da Democracia Cristã e da direita – é muito fácil prevê-lo — tentará semear o medo pelas consequências que uma viragem política em que se veja o PCI entre as forças constitutivas de um novo governo poderia ter para as possibilidades de recuperação da economia nacional e para as relações económicas e políticas da Itália com os outros países do Ocidente.

É preciso inverter esta maneira de apresentar o problema.

Foi o mau governo democrata-cristão que levou à ruína económica e financeira de que já sofre gravemente o país. A queda dos investimentos, a fuga dos capitais, o desenfreado das manobras especulativas, a asfixia do crédito têm a sua explicação e origem principal na falta de orientações claras e de perspectivas seguras na política económica, na instabilidade política crónica, na desordem da Administração Pública e das instituições económicas do Estado, na invasão das práticas de corrupção e de clientelas. Nestas condições, as empresas estão cada vez menos em posição de programar a sua actividade e os operadores económicos de qualquer sector, já limitados pela, crise, vêem-se obrigados a pagar gorjetas chorudas para conseguirem licenças ou serviços que normalmente deveriam ser assegurados pelo correcto funcionamento dos departamentos estatais. As nossas actividades produtivas são assim sangradas; e diminuídas por um conjunto de parasitismos e de esbanjamentos de que sofrem principalmente, até sucumbirem por completo, as pequenas e médias empresas, já que os grandes grupos industriais e financeiros encontram sempre maneira de se arranjarem.

O verdadeiro problema é pois endireitar o que a DC e os seus governos distorceram e, por conseguinte, combater energicamente, até as liquidar, as práticas de corrupção e de clientelas, fazer funcionar correctamente e rapidamente a Administração Pública e sobretudo pôr fim à instabilidade política e dar à Itália governos capazes de indicar objectivos claros e pontos de referência Certos para o desenvolvimento de todas as actividades económicas. Aquilo que é preciso realmente temer é a continuação da confusão e do marasmo actuais.

É preciso também inverter a maneira como a propaganda da Democracia Cristã e da direita põem o problema das relações e da colaboração internacional da Itália. Também neste campo o risco não está na novidade que um governo de unidade democrática viria introduzir, mas na continuidade de uma política que já provocou e está dia a dia a acentuar o descrédito da Itália, o seu endividamento, a sua dependência do estrangeiro, e ao mesmo tempo, o seu afastamento da situação económica dos outros países da Europa ocidental. Só inovando as orientações económicas e, por conseguinte, mudando a direcção política se pode inverter este processo e vencer essa distância. Mas inovar, modernizar, progredir não é possível na Itália sem o PCI.

De resto, esta necessidade é cada vez mais geralmente reconhecida pela opinião pública europeia e internacional. É verdade e compreensível que nem todos os juízos que no exterior se fazem sobre o PCI sejam unívocos. Unívocos são porém os juízos sobre a DC e sobre os seus) governos. Não há ninguém que não afirme que os governos da DC se mostraram incapazes de governar a Itália de hoje e que a sua corrupção atingiu dimensões bastante notáveis.

O que se passa na Itália voltou a ser um dos temas mais debatidos pela opinião pública internacional e pelas forças políticas de muitos países europeus e extra-europeus. Da Itália fala-se muito, mas predominantemente acerca de duas questões: a questão da ruína económica e dos escândalos e a questão do PCI.

As posições do PCI, as razões da sua ascensão, as características da sua política, da sua história, da sua vida interna, da sua elaboração teórica, são objecto de um interesse crescente e até de estudo não só por parte das forças progressistas e revolucionárias mas também por parte de ambientes e personalidades da cultura, de órgãos de informação e de círculos políticos e governativos, pode-se dizer, de todas as partes do mundo.

Os Estados Unidos, a Europa e a Itália

A eventualidade de o PCI vir a ser uma das forças do Governo é largamente tomada em consideração e debatida com posições que, como é óbvio, revelam uma gama bastante variada de orientações e de interesses.

Dos dirigentes americanos têm vindo a multiplicar-se as advertências contra esta eventualidade. Que peso e que valor devem os Italianos atribuir a estas advertências? O primeiro dever de cada italiano que ame a dignidade do seu país, que queira ser patriota autêntico, é repelir toda a tentativa, venha ela donde vier, de atentar contra a independência nacional da Itália e de interferir nas opções soberanas do nosso povo. Ai do povo que abdica destas prerrogativas, da defesa de valores e princípios sem os quais uma nação deixa de ser ela própria.

Considerando as coisas de um outro ponto de vista, é compreensível que os expoentes da maior potência capitalista do mundo não se mostrem muitos satisfeitos com a eventualidade de o maior partido da classe operária italiana aceder às responsabilidades de governo. E o que é interessante e novo é que nos próprios círculos dirigentes americanos nem sequer sobre este ponto há unidade de posições. Enquanto há quem, por evidentes cálculos ligados à iminência das eleições presidenciais, acentue e reforce o anticomunismo, há também quem — e não apenas no mundo universitário, cultural e jornalístico, mas até nos ambientes políticos e entre alguns líderes — considere, pelo contrário, com favor, ou com interesse ou, em todo o caso, com tranquilidade, a perspectiva de relações normais e positivas entre os Estados Unidos e um Governo italiano com participação comunista.

Posições realistas deste último tipo vão-se afirmando ainda mais largamente nos países da Europa ocidental, nas forças políticas e até em alguns dos seus governos (excepção, claro, de homens de direita como Giscard d’Estaing e outros).

Tudo isto tem uma explicação política bem determinada. Se é verdade que a Itália pertence à área da Europa ocidental e tem necessidade de nela continuar – e em especial na Comunidade Económica Europeia — é verdade também que a Europa não pode prescindir da Itália e de uma Itália que não seja avassalada pela instabilidade e precaridade económica e política. Discurso análogo aplica-se às relações entre a Itália e os Estados Unidos, no quadro mais amplo das relações entre os Estados Unidos e a Europa ocidental.

Mas se tudo é verdadeiro, realismo e objectividade impõem, mesmo àqueles a quem possa não agradar, que se tome em consideração que na Itália de hoje existe e existirá um dado, não modificável, de um grande Partido Comunista, cujo contributo para a reconquista da estabilidade política e da recuperação económica não é exclusivo mas não pode ser substituído pelo de qualquer outro partido.

De tudo isto resulta que, enquanto devemos continuar a reivindicar com vigor, contra qualquer ingerência estrangeirai, a independência e a soberania nacionais, devemos também continuar a explicar com tranquilidade que não faz parte da nossa política e dos nossos objectivos alterar as relações de equilíbrio entre os dois blocos, fazer sair unilateralmente a Itália da NATO., perturbar as relações de amizade entre a República italiana e os Estados Unidos, como também é estranho aos nossos desígnios comprometer a participação da Itália no processa de unificação, assente em bases democráticas, da Comunidade Europeia. O nosso único interesse, o nosso principal objectivo é representar e defender, em qualquer circunstância, os interesses e as aspirações dos trabalhadores e de todo o povo italiano.

Berlinguer: Entrevista ao «Corriere Della Sera»
1976


Publicada em 15-6-1976.

Roma. — Já o apodaram de «Dubcek italiano». (O verdadeiro Dubcek, quem sabe onde estará. Berlinguer, esse, está aqui, à minha frente, no seu escritório da Botteghe Oscure(4). Às oito horas da tarde, depois de um dia de trabalho, parece mais velho do que nas fotografias e mostra todos os seus 54 anos. Rugas. Olheiras fundas. Barba comprida e quase branca. Tem uma voz débil e severa. Enfrenta a entrevista como um trabalho a fazer, com grande cuidado e muita atenção. Não é fácil ser o secretário do PCI; fora e até dentro do partido não faltam as armas apontadas. Quase três horas de conversa e, depois, uma avaliação pormenorizada de cada uma das respostas, linha por linha, palavra por palavra. Eis o resultado.

Que resultado eleitoral deseja para a esquerda? Que ultrapasse 50% dos votos?

Não gosto de exprimir desejos em números. Só desejo que a esquerda avance o mais possível: é uma das condições para tomar mais certa a formação do governo de ampla unidade democrática proposto pelo PCI.

O sentido da pergunta não era esse. Para a esquerda é melhor 55% ou 45%? O que é que muda com um resultado e não com o outro?

Percebi... Não creio que seja provável 55%. Repito: é importante que a esquerda, e sobretudo o PCI, avancem mas não me parece justo que se concentre toda a expectativa no facto de vir a existir o famoso 51%. Primeiro, porque é um dos argumentos de que a DC se serve para semear o medo. Em segundo lugar, porque, quaisquer que sejam os votos do PCI, a nossa perspectiva é a de um governo de acordo democrático, o mais amplo possível.

E para a DC, que é que deseja?

Que perca a favor dos partidos de esquerda. O redimensionamento da DC é outra das condições para ser possível um governo de unidade democrática e, mais simplesmente, para sair da ingovernabilidade do País. Mas desejo também que os partidos intermédios, a que a DC procura tirar votos, se aguentem. E espero que o 21 de Junho veja uma constelação de partidos democráticos em que a DC deixe de ser o partido dominante, uma DC que «está na origem dos bons e dos maus tempos». É isto exactamente o que a DC teme e aqui está a raiz do nervosismo dos seus chefes. Vêem o seu regime em discussão e querem prolongá-lo. Mas ele devia terminar. Quanto mais cedo acabar, melhor será. Se o predomínio da DC continuar por alguns anos, fará apodrecer toda a vida italiana.

Mas parece que se está a dar uma certa recuperação da DC

Há esse risco. O medo da mudança pode levar certos estratos do eleitorado a agarrarem-se mais uma vez à DC Seria um grande problema, mesmo para as forças que crêem sinceramente na renovação da DC.

Porquê?

O referendo sobre o divórcio e o 15 de Junho(5) foram uma salutar e forte sacudidela para a DC e deram alento às forças renovadoras daquele partido até ao congresso nacional. Depois, tudo voltou atrás e viu-se na formação das listas da DC e nos velhos tons de cruzada da sua campanha eleitoral. Mas essas forças existem. Se se quiser encorajá-las é preciso provocar um outro abalo na DC, em 20 de Junho. Isso poderia solidificar as tendências para a renovação. Se, pelo contrário, a DC for premiada e aumentar, então não se poderá esperar que mude.

Vós repetis permanentemente: «a DC tem de mudar.» Mas como?

Não pretendemos que se torne de esquerda. Só pedimos que ela seja aquilo que alguns dos seus dirigentes proclamam e que realmente não é: um partido verdadeiramente democrático, popular, antifascista. E também um pouco laico. E também porque se apresenta como um partido de inspiração cristã, com uma conduta mais conforme com as regras da ética cristã, ou mais simplesmente, da moral comum.

Em suma, para tomar possível o compromisso histórico a DC deveria ser como você a apresenta...

A estratégia do compromisso histórico não se pode reduzir a um acordo de governo. É algo de muito mais amplo. É o encontro, na sociedade e nas instituições, das grandes correntes populares, comunista, socialista e católica. Dentro deste processo são possíveis várias formas de governo.

Insiste sempre no encontro, no «estar em conjunto com os outros»...

É verdade. À esquerda há quem diga que a nossa paciência em procurar sempre a unidade é condescendência ou cedência. Mas não vêem que a DC e as forças mais conservadoras se encarniçam contra esta perspectiva de unidade? E encarniçam-se porque esta seria a maior novidade dos últimos trinta anos. Passar da divisão do país à unidade: não há novidade mais «nova» nem mais sólida do que esta! E não é por acaso que é exactamente contra ela que há resistências! É que é uma perspectiva real e não abstracta, como a perspectiva da esquerda unida, que, por si mesma, resolve todos os problemas. Se fôssemos exclusivamente sectários, seria o melhor presente que poderíamos fazer à DC e a quem se opõe à mudança.

Mas há muitos, e muitos daqueles que votaram em vós, em 15 de Junho, que hoje têm medo dessa vossa «proposta de mudar».

Compreendo que o passo a dar agora é muito mais importante do que o de 15 de Junho. Mas penso que o medo maior deveria ser que o mau governo continue e vá piorando progressivamente. De resto, antes ou depois, o PCI deveria vir a participar no governo.

Que significa «antes ou depois»?

Trata-se de saber se este facto se irá dar quando a situação se tiver precipitado de todos os pontos de vista (ruína económica, corrupção, desordem, ineficiência do Estado) ou então, hoje, em que a situação é gravíssima mas não irremediável. De resto, a nossa entrada para o governo é considerado por muitos, na Itália e no estrangeiro, inevitável. Para que serve atrasá-la? Há quem diga que «é prematura». Eu digo que está mais do que madura.

Em que sentido é inevitável?

No sentido de que não é possível pensar em evitar uma viragem reaccionária e endireitar a situação italiana prescindindo de uma força que representa um terço do eleitorado e, sobretudo, a maioria da classe operária ti dos trabalhadores, que são a parte mais vital do país. Já não se pode marginalizar esta força. As raízes que o PCI lançou na sociedade italiana são de tal ordem que ele está lá, firmemente. E não se pode dar ao país uma direcção com autoridade política e moral, de que ele tem necessidade, sem o contributo directo desta força.

Esta vossa força, porém, ainda tem conotações inquietantes. O pluralismo «coxo». Certos vestígios de intolerância. Uma atitude de superioridade em relação nos outros...

Não nego que algumas destas coisas, parcialmente, existam. Mas há também entre nós, e de há muitos anos a esta parte, uma luta constante para superar estes defeitos e para afirmar, nos nossos militantes, a atenção aos outros. E não apenas aos outros partidos mas às outras correntes ideológicas portadoras de valores que a nós Comunistas nos podem escapar e que devemos sempre saber acolher. Por exemplo, o cristão vê aspectos da vida e das relações humanas que podem escapar, em parte, ao marxista. Estamos abertos a reconhecer valores e verdades nos outros.

Não creio que o consigam sempre...

Certamente; não é um processo acabado e não depende apenas de nós. Mas deve compreender que não é fácil. Pense no homem proletário oprimido, explorado, marginalizado. Pense no jovem que não tem perspectivas e na sua carga de raiva. Connosco até eles procuram transformar-se numa força construtiva e tentam perceber que nos outros há também uma parte de verdade, Quero acrescentar, porém, que alguns dos nossos inimigos estão longe de serem campeões da tolerância, não são um bom exemplo certos dirigentes que pensam que o seu partido está à frente de tudo o resto.

Há uma outra coisa que provoca inquietação nesta vossa força: as ligações com a URSS

A nossa autonomia é total. O PCI decide de forma totalmente livre a sua política. E exprime juízos perfeitamente autónomos sobre as experiências socialistas de outros países, fazendo igualmente notar os aspectos gravemente limitativos das liberdades. Se, ao olharmos para o Leste, não vemos tudo negro, trata-se apenas de um «juízo» diferente de outros e não de um juízo «não autónomo».

Mas porque é que, ao notardes estes «aspectos», o fazeis sempre na última página do Unità? As vossas respostas ao Pravda e ao Izvestia sobre o pluralismo são frequentemente invisíveis...

Também fizemos afirmações solenes e publicámos artigos na primeira página, se é isto que lhe interessa, O facto é que são muitos os artigos de jornais e revista soviéticas que põem em questão o nosso pluralismo. E muitas, e repetidas e motivadas são as nossas respostas.

Pensa que na URSS consideram Berlinguer um herege quando fala de pluralismo?

Não sei como é que me consideram. A nós parece-nos que na URSS há quem esteja agarrado a uma concepção do marxismo como se se tratasse de um corpo fechado de princípios, cuja formulação literal poderia dar resposta a tudo...

Se Brezhnev o ouvisse que pensaria de si?

Não sou capaz de imaginar.

Posso escrever que não lhe importa sequer sabê-lo?

Bem, importa sempre saber o que os outros pensam. Mas posso dizer-lhe que, depois da minha intervenção no último Congresso do PCI, em que tinha reafirmado explicitamente a nossa linha, me encontrei com Brezhnev e não se falou sobre o meu discurso. Falámos de outras coisas, isto é, da situação internacional.

Voltemos ao pós-21 de Junho. A DC já revelou que não quer fazer governo com o PCI Vós replicastes: o PCI ou está no Governo ou na oposição, não há solução intermédia. Não estareis deste modo a colocar- vos numa situação irreparável?

O PCI não está certamente privado de flexibilidade. Mas o problema a resolver não é este. O País está em crise, não por falta de uma oposição democrática, mas porque lhe faltou um governo. Queremos pôr ao eleitor o problema na sua verdade nua e crua: hoje é preciso governar o País e governá-lo seriamente. Pertence aos outros demonstrarem se é possível fazê-los sem os comunistas. A experiência diz que não é possível. Tivemos e temos governos incapazes de fazer funcionar o Estado, até nos seus mecanismos mais elementares. Por isso é que insistimos na mudança do Executivo, não apenas na composição política mas também nos homens.

Quantos ministros perderam o contacto com a realidade! E as pessoas deixaram de ter confiança neles.

A vossa resposta, hoje, é por conseguinte uma só: O PCI «deve» participar no Governo...

Sim. Como partido convinha-nos mais esperar por uma Itália mais recuperada. Seria mais cómodo. E se houvesse uma possibilidade mínima de os partidos, que até agora governaram, sanearem um pouco a situação não pediríamos a nossa entrada. Mas não existe essa possibilidade). Sozinhos, esses partidos já não o conseguem. Por isso, e apesar de estarmos conscientes do peso que viria a recair também sobre nós, estamos prontos. Isso mudaria o clima do país. Regressaria a confiança, Existiria um entusiasmo tal que haveria de tornar menos árdua a missão de um governo novo

Não será um pouco ilusório esse quadro?

Não. Mesmo com o PCI no governo nem tudo se resolverá depressa e facilmente. As tarefas, são gigantescas. Mas não tenho dúvidas de que o país iria respirar um ar novo. E não seria uma novidade de somenos, não apenas para as classes trabalhadoras mas também para os empresários. De que é que se lamentam as empresas? Que não há orientações precisas, que não há certeza nas perspectivas.

O governo que propondes será capaz de conseguir do País os sacrifícios que parecem necessários?

Certamente, mas não esqueça que os Italianos já suportam sacrifícios há vários anos. E para que serviram?

Gostaria de saber algo mais. Falemos da proposta do governador do Banco de Itália, Baffi, de rever o mecanismo da escala móvel, que significa de facto uma redução para muitos salários.

Somos contra. São decisões que não podem ser tomadas de cima. Os sindicatos têm o direito de, primeiro, verificarem que sinais concretos, há de que se caminha numa direcção nova, isto é, para uma economia mais sólida e para uma ordem social mais justa. Depois serão os sindicatos a decidir, com toda a autonomia, como graduar as reivindicações e que posição deverão ter os salários nesta nova ordem social.

Por conseguinte nada de «pacto social» entre Governo e sindicatos.

Não, não está nas tradições italianas. A Itália não é a Grã-Bretanha. A nossa ideia é outra. Melhorar a condição operária não só nas fábricas como na sociedade; dispor de melhores escolas, de melhores transportes e hospitais, diminuir o elevado custo das casas, tudo isto é salário real que entra nos bolsos de quem trabalha. E isto pode levar a uma menor necessidade de exigências salariais em dinheiro.

Era todo o caso, corre-se o risco de agravar a inflação. Não lhe parece útil um acordo preventivo para moderar as exigências salariais?

Repito que somos contra esse modo de colocar o problema. Primeiro, deve haver novidades políticas e económicas concretas. Depois, os sindicatos verão como hão de agir. À parte certos rasgos corporativos, o movimento sindical tem uma alta maturidade e é capaz de ver qual é o interesse geral do país. Não percebo porque é que o salário é sempre o primeiro elemento a ser comprimido! Há tantos outros dados que podem variar e são tudo dados que contribuem para a inflação: as despesas públicas inúteis, o custo do dinheiro, o dos grandes intermediários e o da especulação. E você esquece o impulso inflacionário da máquina de clientes da Democracia-Cristã. Sobre estas coisas, porém, nunca se intervém. Recuso as prédicas que se fazem à classe operária, que é aquela que mais aguenta de pé o país; certas pessoas, que vêem só o custo do trabalho, não têm nenhuma autoridade moral para as fazer! Os trabalhadores estão prontos a empenhar-se para fazer sair o país da crise, mas é preciso começar a castigar os parasitas.

Haverá mudanças nas empresas privadas? Dizeis respeitar a existência delas e, ao mesmo tempo, pretendeis avançar no caminho do socialismo. Não é uma contradição ?

Não é uma contradição e vou tentar explicá-lo com um raciocínio esquemático. Primeiro: ao contrário do que previam os clássicos do marxismo, continuou a existir uma malha de pequenas e médias empresas industriais, artesanais, comerciais, rurais que, especialmente na Itália, são importantíssimas para o desenvolvimento e para o emprego. Segundo: nacionalizações totais (como na Checoslováquia dos anos 50, em que se nacionalizou tudo, até os barbeiros) mostraram-se prejudiciais. Terceiro: entre nós, o sector público já é muito vasto. Assim, formas mistas de empresas públicas e privadas podem existir também numa sociedade socialista. Mas ainda, num país industrializado como a Itália, é conveniente, de todos os pontos de vista, e não apenas do ponto de vista económico, manter a empresa privada. O elemento unificador vem da programação que estabelece o quadro de certezas dentro do qual trabalham tanto o sector privado como o sector público. Quero repetir aqui que socialismo, para nós, não significa socialização total dos meios de produção.

Mas o que está a esboçar é a social-democracia.

Não, porque as sociedades sociais-democráticas não avançam no sentido da superação do capitalismo. Não conseguem sequer libertar-se do elemento característico do capitalismo actual, a presença das grandes concentrações monopolísticas. E socialismo quer dizer também novos valores humanos que se afirmam. Nas sociedades sociais-democráticas, apesar dos progressos realizados no bem-estar material, existem todos os efeitos negativos do capitalismo, como a alienação...

Está certo de que não há alienação na URSS?

Nas sociedades socialistas talvez haja também uma forma de alienação. Lá os trabalhadores já não se sentem explorados mas dão-se conta de que ainda não se realizou a sua plena participação naquilo que fazem. De certo que na Rússia há crítica, há intervenção dos trabalhadores e dos cidadãos em diferentes graus da vida económica e social. Penso, porém, que o debate e a participação das massas nas grandes opções são insuficientes.

Muitos receiam que se o PCI entrar no Governo, mais tarde ou mais cedo, a participação nas grandes decisões será «insuficiente», cá como lá. Teme-se que acabeis por transferir para o país o sistema de governo interno do PCI, o centralismo democrático: poucos decidem e os outros obedecem.

Não creio. Uma coisa é o partido, em que o centralismo democrático é o sistema que garante mais eficiência e mais democracia; não creio que seja mais democrático o sistema baseado em tendências ou clientelas... Outra coisa é o pais. O sistema da sociedade italiana deve continuar a ser o definido pela Constituição: liberdade e direitos individuais, democracia representativa com o seu centro próprio no Parlamento, pluralidade de partidos, proporcionalidade, alternância dos partidos no Governo.

Fala como um «Dubcek italiano»...

Tenho muita consideração por Dubcek, mas creio «que não sou semelhante a ele. Ele tem o seu temperamento e eu tenho o meu.

Dubcek será diferente de si, mas também foi esmaltado pelos tanques soviéticos. Considera injusto o seu fim político?

Sim, foi certamente injusto.

Fez tudo para o ajudar?

Sim, mesmo depois. Nunca deixámos de criticar e de intervir. Infelizmente, tinha-se posto em movimento uma lógica imparável.

Não receia que Moscovo prepare para Berlinguer e para o seu eurocomunismo fim igual ao de Dubcek e do seu «socialismo de rosto humano»?

Não. Nós encontramo-nos situados numa outra área do mundo. E mesmo que se admitisse essa intenção, não há a mínima possibilidade de a nossa via para o socialismo poder ser barrada ou condicionada pela URSS Pode-se discutir se há vontade de hegemonia por parte da URSS sobre os países que são seus aliados. Mas não há um só acto que revele a intenção de a URSS ir além das fronteiras fixadas por Ialta.

Por conseguinte sente-se mais tranquilo exactamente porque está na área ocidental.

Eu sinto que, não pertencendo a Itália ao Pacto do Varsóvia, deste ponto de vista, há a certeza absoluta do que podemos avançar na via italiana para o socialismo sem qualquer condicionamento. Isto não quer dizer que no bloco ocidental não existam problemas; é tanto mais verdade quanto nós nos vemos obrigados a reinvindicar dentro do Pacto do Atlântico, pacto que não pomos em questão, o direito de a Itália decidir autonomamente o seu próprio destino.

Em suma, o Pacto do Atlântico pode também ser um escudo útil para construir o socialismo em liberdade...

Quero que a Itália não saia do Pacto do Atlântico «também» por esta razão, e não apenas porque a nossa saída transtornaria o equilíbrio internacional. Sinto-me mais seguro do lado de cá, mas há também tentativas sérias do lado de cá para limitar a nossa autonomia.

Em todo o caso, não crê que o socialismo em liberdade é mais possível de realização no sistema ocidental do que no oriental?

Certamente, o sistema ocidental oferece menos vincos. Mas preste atenção. No Leste gostariam, talvez, que nós construíssemos o socialismo à sua maneira. Do lado de cá, no Ocidente, alguns não quereriam sequer deixar-nos começar a fazê-lo, mesmo em liberdade. Reconheço que pode ser arriscado procurar um caminho que nem sempre agrada aos de cá e aos de lá. Esta é mais uma razão para esperar que, em 20 de Junho, os Italianos nos encorajem. O nosso caminho, que é diferente dos caminhos até agora seguidos, é aquele que melhor responde aos interesses profundos do país. E nós estamos convencidos de que existem condições para percorrê-lo com confiança.

Berlinguer: Conferência de Imprensa na TV
1976


Publicado em L'Unità, 16-6-1976. Extractos

BRUNO («Il Secolo XIX»)

O Governo de emergência assenta, como diz, numa grande convergência de partidos, não exclui a DC, não exclui qualquer partido, creio que nem sequer, pelo menos no papel, o PLI. Esse Governo, quantos anos deveria estar em funções? O senhor diz que durante alguns anos. O senador Chiaromonte referiu exactamente uma legislatura. Entretanto nós perguntamos: durante este tempo quem fará a oposição? E será possível, durante um período tão longo, governarem todos em conjunto, direita e esquerda, DC e PCI?

BERLINGUER

Começo pela última parte da sua pergunta, pela necessidade de existir oposição. Pensamos que em qualquer país democrático devem existir uma maioria e uma oposição com a consequente possibilidade da sua alternância. Mas qual tem sido, qual é o problema que emergiu da vida política italiana destes anos? Pode-se negar que tenha havido oposição? Não, houve oposição : a nossa, uma oposição crítica, uma oposição que denunciou os erros dos governantes demo-cristãos e uma oposição que, ao mesmo tempo, se esforçou -por apresentar propostas cada vez mais construtivas sobre todos os problemas da vida do Pais. Houve portanto oposição e ninguém pode contestá-lo. O que é que faltou? Faltou uma maioria s com um mínimo de homogeneidade e faltou sobretudo um governo com um mínimo de eficiência e operacionalidade. Graças ao contributo da maioria e ida oposição aprovaram-se boas leis durante esta legislatura,,, mas, depois faltou, a aplicação. É este o problema que é necessário resolver na Itália: renovar o Executivo, dar-lhe uma autoridade e uma operacionalidade, que até agora não teve, e fazer apelo à solidariedade nacional. Essa a razão por que nós propomos um governo com a mais larga coligação de todas as forças democráticas. Isto não quer dizer necessariamente que nesse governo devem estar presentes todos os partidos do leque constitucional, do PCI ao PLI. Trata-se de confrontar os, programas, de ver se estamos de acordo em certos métodos de governo. Não faltará oposição, mas não sublinhamos, neste momento, a forte exigência de dar ao país um governo, que ele não tem já há muito tempo. Caro Doutor Bruno, é este o problema central que é preciso resolver na vida política do nosso país: ter finalmente um governo digno deste nome.

PANSA («Il Corriere della Sera»)

Na Checoslováquia queriam um comunismo mais livre e tudo acabou com a intervenção soviética. O PCI pretende também, construir o socialismo em liberdade e há quem defenda que, para vós, será possível levar a bom termo o vosso projecto exactamente porque estais no Ocidente e o Pacto do Atlântico defende também O eurocomunismo de Berlinguer. É verdade que contais também com a NATO para manterdes a vossa autonomia frente a Moscovo, é verdade que vos sentis mais seguros nesta parte do mundo?

BERLINGUER

Parece-me um pouco paradoxal dizer que o Pacto do Atlântico defende aquilo a que se chama o eurocomunismo. Nós declarámos e repetimo-lo, que somos contra o abandono por parte da Itália do Pacto do Atlântico por razões que já explicámos várias vezes, Nós pensamos realmente que, tendo-se dado nos últimos anos um desanuviamento assente no equilíbrio de forças, a perturbação deste equilíbrio —que a saída de um ou outro pais do respectivo bloco provocaria— alteraria o processo geral do desanuviamento. Esta é a razão fundamental que nos leva a pensar que a Itália deve permanecer no Pacto do Atlântico. Nesta área do mundo, em que nós estamos e em que queremos, permanecer, isto é, na área da Europa ocidental, estamos conscientes de que não existem apenas tentativas de intervir na livre escolha do povo italiano ou de outros povos para construírem o seu próprio futuro — entre outras coisas recordo-lhe que este Pacto do Atlântico, que é apresentado como escudo de liberdade, é um pacto que tolerou, durante anos, a Grécia fascista e o Portugal fascista — mas pensamos também que, para construir o socialismo que nós pretendemos, o socialismo em liberdade que é a grande carta de toda a Europa ocidental para salvar-se da decadência — que é a grande esperança de grandes massas de trabalhadores, de mulheres e de jovens — é mais conveniente estar nesta área. Isso garante-nos um socialismo pluralista, mas naturalmente que é necessário lutar concretamente, mobilizando as massas trabalhadoras e todos aqueles que querem este socialismo, para que se venha a cumprir.

PANSA

Muitos receiam uma política hostil de Washington contra nós se se viesse a verificar o ingresso do PCI no Governo, uma política que podia concretizar-se na redução ou na abolição dos empréstimos e dos investimentos americanos no nosso país. Na sua opinião, isto poderia, vir a acontecer?

BERLINGUER

Alguns dirigentes americanos fizeram declarações em que esboçaram ameaças; muitos outros, mesmo autorizados representantes da vida política americana, entro os quais candidatos do Partido Democrático à presidência declararam que, embora não fosse do seu agrado – e é fácil de explicar — se deve considerar com relativa tranquilidade a possibilidade de o PCI se tomar uma força de governo. Quanto aos empréstimos e investimentos, todas as relações económicas do mundo ocidental assentam em vantagens recíprocas. Os empréstimos dão vantagens a quem os recebe e a quem os faz, porque recebe juros. Os investimentos acorrem onde há vantagens e nós pensamos que uma Itália politicamente mais estável e em recuperação económica atrairá investimentos estrangeiros em maior quantidade do que uma Itália economicamente arruinada e politicamente instável, como sucede actualmente. Recordo-lhe que exactamente há dias o New York Times, um dos mais autorizados; jornais americanos, revelou que algumas dessas declarações de dirigentes americanos foram solicitadas pelos dirigentes da DC.

UBOLDI («Epoca»)

Como sabe, em Itália não existe apenas a propriedade com P maiúsculo ou o chamado rendimento parasitário, mas também uma pequena propriedade fraccionada e extremamente espalhada, que é feita de investimentos de poupanças; quero referir-me ao pequeno rendimento imobiliário, inclusive só ao nível mais simples da primeira ou segunda casa, o pequeno rendimento fundiário, a poupança investida em acções, em pequenas empresas, inclusive numa oficina de quinze ou vinte operários. Ora também aqui a perspectiva dos comunistas no governo levanta dúvidas e receios. Que garantia temos de que este sector não será humilhado no quadro de uma visão estatista do poder?

BERLINGUER

Antes de mais, nós não temos uma visão estatista do poder. Nós temos uma visão em que, simultaneamente com o sector público da economia que, temo-lo repetido, em Itália é já suficientemente vasto e por conseguinte não é necessário alargá-lo ulteriormente, deve existir, mais, deve ser encorajado o sector da empresa privada. Quanto às questões que põe, creio que se trata de uma das mais infames mentiras — não lhas atribuo a si, naturalmente, porque o senhor é porta-voz de atitudes, de receios que circulam em determinados estratos da população — espalhadas por dirigentes da DCI para procurar atemorizar e refrear aquela parte dos Italianos que aspiram ao novo mas que também pensam: «que sucederá se se der o facto novo da participação do PCI no Governo?» A terra: e porque é que nós havíamos de atacar a propriedade da terra? Não terá sido talvez a política da DC a levar milhares, milhões de rurais a abandonar a terra? A casa construída com o suor do próprio trabalho, porquê? O problema é, mais do que nunca, dar casa àqueles que ainda não a têm, de reduzir as rendas. A poupança: e quem é que ameaça a poupança senão a política económica dos governos demo-cristãos devido ao processo de inflação galopante que provocou? São tantos os receios, bem o sei, e o senhor tem razão em apontá-los, porque também são tantas as calúnias que se tenta espalhar no espírito dos pobres que, trabalhando, suando, durante toda a vida, acumularam alguma riqueza, para tentar impedir que eles votem para que aconteça algo de novo, de mais vivo, mais limpo, de mais honesto para todos.

UBOLDI

Fala de entrar para o Governo. Se, por acaso, os resultados eleitorais não validarem esta vossa tese tendes soluções de alternativa? Exigis tudo ou nada ou estais dispostos a apoiar outras forças que entrem no Governo, representando-vos também a vós? Estais dispostos a uma oposição dinâmica, construtiva, colaborante?

Nós temos sido e continuamos a ser um partido maleável, capaz de adaptar a sua política às diferentes situações, mas nós hoje pomos aos eleitores — não podemos deixar de pô-lo, porque este é o dado de facto fundamental da vida do nosso país — o problema de fundo que é o de dar um novo governo, não apenas uma nova maioria, ao nosso país. Pensamos que enquanto não for resolvido o problema que nos parece central para a vida política italiana, da participação do conjunto das classes trabalhadoras e dos seus partidos na direcção do país, o nosso país não poderá sair, de modo duradoiro e seguro, da crise que atravessa. Esta é a posição sobre a qual queremos que os eleitores se pronunciem.

GILMOZZI («Il Popolo»)

Gostaria de sublinhar três pontos da sua introdução e de algumas das suas respostas. O primeiro é a afirmação de que a DC atribui a si própria um papel central, primário e de supremacia na política italiana. Isso não é exacto porque esse papel lhe foi atribuído constantemente, a partir de 46, pelo eleitorado. E será mais uma vez o eleitorado a determinar se há-de ser a DC a desempenhar esse papel primário na política italiana ou o PCI Se este último caso vier a acontecer, coerentemente com a sua posição democrática, a DC escolheu, não porque o disse B ou C, mas na sua unidade, passar à oposição, no quadro de uma correcta democracia ocidental. Em segundo lugar, atribui exclusivamente à DC a crise em que nos encontramos. Há dois anos, quando falávamos da crescente crise económica, que se estava a chegar ao limite do sistema, éramos acusados de provocar o terrorismo económico, a chantagem sobre a classe operária. Na realidade somos também vitimas de uma corresponsabilidade do PCI.... Em terceiro lugar, nega a corresponsabilidade do PCI em fazer explodir as denominadas contradições do sistema, que nos levou à situação em que nos encontramos.

BERLINGUER

Note: veremos, depois da votação o papel da DC Nós pensamos que deve ser redimensionado. Há de facto dirigentes da DC que afirmam que não pode haver democracia na Itália se a DC não for a sua arquitrave, o eixo que sustente o sistema político. Nós queremos que isso mude. Queremos que haja uma colaboração entre iguais, entre todos os partidos democráticos, isto é, queremos, em termos mais despojados, atingir a máquina do poder, Governo e governo-sombra, as clientelas da Democracia Cristã, que está a sufocar a vida política e económica do nosso país. Quanto às responsabilidades da crise económica nós autocriticamo-nos por atitudes que podem ter sido erradas. Mas não entramos no jogo habitual de colocar em pé de igualdade responsabilidade da Oposição e responsabilidade do Governo. E se o nosso país chegou a este ponto de ruína económica, financeira e, acrescento, moral, a responsabilidade principal, permita-me que o diga, é da DC. A DC teve um papel primordial na direcção do nosso país e, na nossa opinião, por tempo excessivo. Veja, falei menos tempo do que aquele que me foi atribuído.

GILMOZZI

Tinha uma série infinita de questões a pôr-lhe, mas não é possível pô-las agora. Passo ao terceiro ponto das minhas considerações, porque me interromperam. O senhor diz que há da nossa parte e da parte do País medo da novidade. Realmente parece-me uma intervenção de mau gasto porque o Governo de unidade nacional e de solidariedade democrática, proposto por Berlinguer, não é de modo nenhum novidade. Podia ser uma novidade — e era bastante inédita — a fórmula do compromisso histórico. Não o é o Governo de solidariedade nacional ou de unidade democrática porque, em todos os países do Leste, foi o primeiro passo obrigatório por onde passaram todos os regimes comunistas, na Alemanha do Leste como na Polónia e noutros lados. Governo de solidariedade democrática significa união mais ou menos forçada ou forçosa de partidos ditos homogéneos, com a formação de um núcleo predominante e, depois, com a expulsão dos outros partidos e passagem à ditadura do proletariado. São três passos obrigatórios, aplicados nos sete países e do Leste europeu. Não há nenhum...

BERLINGUER

Os elementos da DC, quando não têm argumentos, refugiam-se no estrangeiro.

GILMOZZI

Espero não ter de me ir refugiar realmente no estrangeiro, depois.

BERLINGUER

Nem pensar. Caro Dr. Gilmozzi, na Itália houve uma experiência de ampla unidade nacional, de 44 a 47, e creio que esses Governos actuaram bem, no sentido de guiar a luta do povo italiano contra o fascismo e contra o nazismo e encaminhar a reconstrução e elaborar os fundamentos do nosso Estado democrático. Hoje dizemos: estamos numa situação excepcional devido à gravidade da crise económica, política, moral, que atinge o nosso país. Unamo-nos, colaboremos. Tendes tão pouca confiança nas vossas forças que temeis que venham a dominar-vos? Um partido, num país como a Itália em colaboração, é fiador do outro e sobretudo, o quo é mais importante, é que todos os partidos garantam que o nosso país não se há-de arruinar, como vós, dirigente da DC, o estais a arruinar, pelo menos é vossa a principal responsabilidade.


Notas de rodapé:

(4) Local da sede do PCI, em Roma. (N. do T.) (retornar ao texto)

(5) Data das últimas eleições para as Regiões, Províncias e Autarquias Locais, quando se deu um notável avanço da esquerda, um ano antes das eleições legislativas que estavam prestes a realizar-se aquando desta entrevista. (N. do T.) (retornar ao texto)

Inclusão 22/05/2015