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No dia 25 de Agosto de 1975 pelas onze da noite telefonam-me de S. Bento pedindo que fosse alguém a Sesimbra explicar aos trabalhadores da impossibilidade do 1.° Ministro em deslocar-se lá. Com mais quatro companheiros aí fui eu. Na circunstância li, aos milhares de presentes, o seguinte:
«Não oferece dúvidas a situação de crise político-militar que está atravessando a nossa revolução. As contradições, as ambiguidades, as mudanças oportunistas de posição sucedem-se, agora, às claras. Todos os dias, quase em cada hora as várias personalidades que ocupam o palco da intriga palaciana surgem com nova roupagem. Assim se vem dando à Nação e ao mundo todo um espectáculo pouco dignificante que ressuscita as politiquices de gabinete, as quais foram e são apanágio da burguesia e do fascismo na sua ávida conquista do Poder e manutenção de privilégios.
Infelizmente, as Forças Armadas e mesmo o seu Movimento das Forças Armadas, não conseguiram, como é agora do domínio público, manter-se alheias a disputas pelo Poder e evitarem deixar-se envolver em golpes e contra-golpes de baixa política.
Mais grave ainda é que, evocando constantemente o povo, o socialismo, as classes mais desprotegidas, o campesinato e as massas trabalhadoras, etc., se continuaram maquinando, nas suas costas, as mais falaciosas manobras e documentos, documentos esses que são mero veículo para semear a confusão, turvar as águas em que pescadores furtivos lançam as suas tenebrosas redes.
O País atónito e confundido interroga-se se os seus destinos são propriedade de um pequeno grupo de personalidades. Se há donos da revolução, se há intérpretes da sua vontade com mandatos em branco para cozinharem as mais inverosímeis alianças e combinações. Não, a verdade é que a Revolução Portuguesa não é propriedade das cúpulas, quer partidárias, quer do MFA. A Revolução Portuguesa pertence ao Povo Português. Não estão os senhores doutores mais capacitados para decidir destinos da Revolução que os simples trabalhadores, bem pelo contrário, ou então nem à democracia ainda chegámos. Não estão os senhores oficiais do quadro permanente mais capacitados para decidir os destinos da Revolução que os camaradas milicianos, que os sargentos ou que as praças.
Uma das originalidades da Revolução Portuguesa, senão a principal, entre tantas e tão decantadas originalidades, é a existência de uma estrutura democrática dentro das Forças Armadas, que tem de se respeitar, onde está representada a opinião dos milicianos, dos sargentos, das praças. Isto é, do povo, do verdadeiro povo fardado. Os oficiais do quadro permanente nem são, em rigor, povo fardado. São a pequena burguesia fardada. Com as suas dilacerantes vacilações, a sua ingenuidade, na vulnerabilidade psicológica que transporta em si, qualquer manhoso politiqueiro, nacional ou multinacional facilmente penetra. E mais as suas ambições, que vão sendo alimentadas até ao descontrolo, até à megalomania e à corrupção do Poder que não é frase para o uso exclusivo de citações enfáticas, mas que é uma pavorosa realidade do Portugal revolucionário de hoje. Entre os militares também, tenhamos a coragem autocrítica de o dizer. Recordemos como Samora Machel denuncia os abismos da ambição e como castiga os corruptos. Mesmo, e até principalmente, os locais donos da revolução. Aprendamos com esse puro revolucionário. Façamos a nossa crítica. Façamos a nossa autocrítica. Depuremos do MFA os ambiciosos, os corrompidos pelo Poder, os intriguistas de corredor, os caluniadores que não hesitam em insultar camaradas como o general Vasco Gonçalves, para abrir caminho para as cadeiras ministeriais, para os salões de embaixadas, para o estrelato.»
«Queremos ainda acreditar que esses militares corrompidos pelo Poder não têm bem perfeita consciência de como são facilmente manipulados por interesses seguramente contrários aos do Povo Português. Interesses estrangeiros que visam restabelecer a exploração, que visam restabelecer a opressão. Que visam, em última instância, o regresso ao fascismo.
Daqui também fazemos um apelo. Não fazemos um apelo à unidade porque já demasiados apelos foram feitos, sem frutos visíveis, mas sim à humildade revolucionária, mas sim, repetimos, à humildade revolucionária. Nem todos podem ser primeiros-ministros, nem todos podem ser generais. Repetimos, nem todos podem ser primeiros-ministros, nem todos podem ser generais.
A nossa Pátria precisa mais de soldados, de modestos obreiros da grande obra da construção de uma sociedade fraternal, de uma sociedade socialista. E de um Portugal mais livre, mais justo.»
Nota: Foi o último acto oficial da 5.ª Divisão/ EMGFA.
Depois da meia-noite um comunicado do Conselho da Revolução suspendia as actividades da 5.ª Divisão.
Inclusão | 24/04/2019 |