Elementos para a Compreensão do 25 de Novembro

Capitão Manuel Duran Clemente


V - No Boletim do MFA


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Da minha colaboração e responsabilidade neste boletim acho hoje oportuno e significativo o artigo que escrevi em 25 de Outubro de 1974:

DISCIPLINA E HIERARQUIA — EM DEFESA DA DEMOCRACIA

Torna-se cada vez mais imperiosa a consolidação no mais curto espaço de tempo de laços de unidade e de íntima cooperação entre todos os estratos (oficiais, sargentos e praças) que constituem as FORÇAS ARMADAS. Bem entendido que essa cooperação tem de se consolidar na base do maior respeito mútuo.

Tal medida constitui a única forma de assegurar a coesão de todos os militares à volta dos objectivos democráticos e patrióticos do Movimento das Forças Armadas e, reforçando a ligação e unidade entre os militares e o Povo Português, representa o mais seguro caminho para defender a Democracia conquistada em 25 de Abril, assegurando que o programa do MFA seja cumprido até às últimas consequências abrindo caminho para a libertação definitiva do nosso Povo.

Só deste modo o MFA estará à altura das responsabilidades históricas que assumiu perante o Povo Português porque só assim, como verdadeiro «Povo em Armas», as Forças Armadas reflectirão a realidade de ser profundamente popular a sua base e a origem social dos seus elementos! Só assim as Forças Armadas estarão identificadas com os verdadeiros interesses do Povo Português e em condições de os defender em qualquer ocasião.

Reencontrada a sua dignidade e patriotismo, as Forças Armadas não podem aplicar as velhas directivas do antigo regime pois têm uma elevada missão política: serem garantes da execução séria e integral do Programa do MFA em consonância com as aspirações populares! Assim, as Forças Armadas preparam-se desde já em todos os escalões e reestruturam-se segundo o espírito do programa do MFA para o papel importante que têm a desempenhar em íntima união com o Povo Português na reconstrução e progresso do País e na defesa da Democracia. É necessário que todos os militares se formem dentro dos objectivos unitários do Programa. É necessário que os militares se convertam numa força activa, participante e consciente para a defesa da Democracia e dos princípios expressos no programa do MFA para a total erradicação do fascismo e consolidação das conquistas alcançadas. É necessário que todos se sintam identificados numa luta comum e sem paternalismo de nenhuma espécie. É preciso vencer de uma vez por todas, as desconfianças e as reservas que possam subsistir da longa e traumatizante submissão anterior. É preciso que todos estes objectivos estejam ao serviço de uma vigilância intransigente contra as manobras da reacção.

A HIERARQUIA militar deve mais do que nunca ser compreendida e reforçada assentando na responsabilidade e na cooperação consciente por objectivos comuns.

Do mesmo modo também a justiça militar deve ser aplicada em moldes de compreensão e responsabilização em que todos devem colaborar.

A competência técnica e a probidade são timbre dumas Forças Armadas que fizeram o 25 de Abril. A competência define natural e espontaneamente o grau hierárquico numa escala de valores.

O Chefe reconhece-se sem se impor e aproveita para seu enriquecimento formativo pessoal a troca de opiniões com os seus subordinados. Transporta consigo, na acção conjunta dum sério trabalho de equipa, o «gérmen» da coesão entre todos os elementos. Assim o exige o verdadeiro processo democrático. Assim acontece quando a hierarquia das competências coincide com a hierarquia formal. Se após o 25 de Abril se impõe consolidarem-se as conquistas alcançadas, o esforço feito com dedicação e dignidade por cada militar e por cada português para que haja coincidência entre a hierarquia da competência e a hierarquia formal faz também parte dessas conquistas e a sua consolidação estará em cada atitude coerente com tal propósito.

O mau uso (ou abuso) da autoridade que advém duma falsa posição hierárquica adquirida acidentalmente e/ou por rotina num deficiente processo de classificação de valores foi possível no regime fascista derrubado. Essa anomalia não pode vingar numa sociedade verdadeiramente democrática. Destrói a autonomia criadora e empreendedora dos cidadãos. Tornando estes submissos e dependentes da vontade dos seus superiores hierárquicos sujeita-se a maioria à vontade de poucos, despojando qualquer colectividade da sua mais livre e autêntica expressão comum.

As Forças Armadas portuguesas conseguiram realizar o 25 de Abril animadas por um objectivo próximo — derrubar o fascismo — sujeitando-se cada militar a uma verdadeira hierarquia de competência técnica e com uma disciplina exemplar.

A ordem democrática a instaurar após o 25 de Abril — objectivo seguinte das Forças Armadas — exige mais do que nunca uma forte disciplina. Negar esta necessidade é favorecer os reaccionários, é irresponsável exposição aos inimigos da democracia. Permite a diversão e até permite a ardilosa exploração dos que nunca entenderam, nem entenderão o Movimento. Atacam-no, saudosistas duma falsa ordem aparente à custa duma disciplina coerciva ou preguiçosos e incapazes para uma colaboração na construção duma ordem real nem sempre visível.

Identificados com os verdadeiros interesses do Povo Português a que pertencem e em condições de o defender em qualquer ocasião os militares precisam de cuidar cada vez mais duma sólida formação pessoal que os conduza ao mútuo respeito pelas actividades e funções de cada um na ordem democrática. Esta consolida-se e tornar-se-á tanto mais irreversível quanto mais uma disciplina consciente, livremente aceite e compreendida entre os militares, reconduza a autoridade e consequentemente as hierarquias ao lugar que devem ter no processo revolucionário em que Forças Armadas e Povo Português estão empenhados.


Inclusão 24/04/2019