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A luta pelo melhor preço da resina mobilizou a atenção e os esforços dos camponeses de Barcouço durante o ano de 1975. As reuniões sucederam-se, e nelas participaram camponeses de outras aldeias vizinhas que se solidarizaram com a luta de Barcouço.
O 11 de Março spinolista abriu o caminho para a nacionalização da banca e dos seguros. A 14 de Março é extinta a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado, ao mesmo tempo que é instituída a Assembleia do Movimento das Forças Armadas constituída por representantes dos três ramos das F. A.
As ocupações de terras no Alentejo desencadeiam-se com um vigor irreversível.
Em 30 de Abril de 1975 o C.R. decreta a unicidade sindical, após grande manifestação realizada em Lisboa com o apoio activo do P.C.P., que agora considera a unicidade sindical uma causa perdida pela qual não está disposto a lutar.
O 1.º de Maio de 1975 ilustra por forma clara a divisão entre os trabalhadores portugueses. A crise está aberta.
As eleições de Abril de 75 para a Constituinte trazem a vitória ao P. S. que em Julho abandona o governo de coligação. Era o IV, que o PPD também abandona dias depois. Vasco Gonçalves fica sozinho, para constituir o V governo de curta memória, após Mário Soares o atacar violentamente no comício. de 19 de Julho, quando o P.C.P. levantou barricadas contra o que apelidou de «marcha silenciosa» sobre Lisboa. Esta manifestação P.S. mereceu um comunicado do COPCON que em 18-7-75 afirmava:
«O Copcon, que, como órgão revolucionário, tem procurado manter-se desde o início da revolução numa posição de intransigente isenção, ao lado das classes mais desfavorecidas ou oprimidas do povo português, deplora que grandes partidos político nacionais não harmonizem as suas soluções políticas para a crise que o País atravessa, arrastando as massas populares trabalhadoras para uma iminência de conflito que pode vir a assumir as mais graves consequências.»
Os casos Renascença e República já tinham ocorrido, e o documento guia do projecto aliança POVO-MFA aprovado, embora não tivesse satisfeito diversas forças políticas mais preocupadas com a força directiva dos seus aparelhos partidários.
Sem pretendermos historiar o ano de 75 não se deixa de sublinhar que nos primeiros dias de Agosto veio a público o «documento dos nove», após Vasco Lourenço ter intervido na Assembleia do MFA criticando Vasco Gonçalves e afirmando nomeadamente que «de uma vez para sempre há que ver se se põe o Partido Comunista Português no seu devido lugar e há também que ver se se transforma o Partido Socialista num partido revolucionário, porque ele ainda não percebeu que nós estamos numa revolução.» Na mesma altura Mário Soares publicava uma carta aberta dirigida ao general Costa Gomes onde atacava ferozmente o partido dirigido por Alvaro Cunhal e acusava certos militares de quererem impôr uma «ditadura militar estalinista». Era o tempo em que os militantes do PC ocupavam as páginas dos jornais, saneando à esquerda, e aceitando o servilismo dos homens de direita, para darem a ideia triunfalista que tudo corria sobre rodas. A informação navegava nas águas da ficção ideológica. Os nove, com Eanes à mistura, e os civis do PS à compita, preparavam o seu golpe de 25 de Novembro. Ao PC também não interessava a esquerda militar do COPCON. O 25 de Novembro serviu, assim, as várias fracções da burguesia que disputando o poder estavam unidas no objectivo comum de impedir uma coisa: a revolução.
Este ambiente febril de Lisboa que afinal se reflectia em todo o país (recordem-se os incêndios lançados a sedes de partidos) parece ter «escapado» aos camponeses de Barcouço que excluindo das suas reuniões aspectos partidários prosseguiram a tentativa conjunta de discutirem e analisarem os seus problemas.
Tudo tinha começado pela resina. Lavradores de Adões, Cavaleiros e Sargento-Mór participavam dos encontros realizados na sede da Filarmónica em Barcouço. Já não era só a campanha da resina que os motivava, mas toda a sua situação social e económica. A luta contra os resineiros-intermediários era uma luta que se estendia contra todos os intermediários que os amarfanhavam. Disso nos dá conta o artigo publicado no jornal popular «Camponeses em Luta», de 7-11-75, com o título que encima este capítulo, e assinado por um correspondente de Barcouço. Vamos ler.
«Tendo há dias feito ligeira análise, do que era a agricultura antes do 25 de Abril, sou a perguntar, o que é a agricultura depois desta data? Tão grandes foram as minhas esperanças que me lancei para a frente no desconhecido, o que aliás não abandonei. Ainda estou metido, na organização duma cooperativa, mas uma coperativa de facto..., sem exploração do homem pelo homem, aonde domine a lei da igualdade, até agora tão mal semeada. Quando acabará o domínio do mais forte sobre o mais desprotegido economicamente? E, não lhe bastando ainda se deixa arrastar mentalmente acabando em lacaios dos grandes senhores.
Quanto à agricultura, queria pedir a quem de direito, sobre o aumento após o 25 de Abril, dos preços dos produtos que os agricultores compram. Vou citar alguns para exemplo: rações, insecticidas, fugicidas, géneros alimentícios, alfaias, etc. Constou-se à dias, não tivesse lido qualquer artigo sobre isso, que a CUF fora nacionalizada; aguardo agora como irá lançar no mercado adubos, rações, e tantos outros dos seus produtos? Será mais uma espe- rança que se não chega a concretizar? Quanto ao que a agricultura vende apenas o azeite mantém à falta dele em algumas zonas, pois a minha casa que vendia azeite há alguns anos, compra-o agora.
Dá-se o mesmo em outras zonas em que a azeitona fica por apanhar por falta de pessoal. Os restantes produtos, milho, feijão, batata etc., como a nossa lavoura está a trabalhar não dão para a despesa. Agora uma pergunta: Tanto se tem nacionalizado, porque não se nacionaliza a agricultura e se dá um salário a cada camponês?
Aonde pensa quem de direito até quando pode aguentar mais a lavoura? Quantas greves se têm feito no país? Pois digo-lhes, a título de ensaio que se vão mentalizando que a lavoura pode fazer uma greve com aquilo que produz e lhe pertence.
(um correspondente de Barcouço)»
Desde a primeira reunião no início do ano até Março de 1975 os camponeses de Barcouço realizaram diversas assembleias com camponeses de aldeias vizinhas que lhes permitiram analisar os problemas agrícolas da região. Quase todos, pequenos proprietários dependentes dos intermediários, entenderam que só unidos poderiam resolver as suas questões Os sucessivos governos provisórios como assinalaram no artigo que acabamos de transcrever tinham-nos abandonado. Só contando com as suas próprias forças poderiam resolvê-los. Mas é evidente que se lhes punham muitas interrogações. Que cooperativa fazer? Como a de Souselas? O exemplo de Souselas ilustrava claramente para muitos a cooperativa que não queriam. Então, bastar-lhes-la uma cooperativa que recolhesse os produtos e os colocasse no mercado evitando a especulação dos intermediários? Pensavam diversos camponeses que isso não seria suficiente, e defenderam a organização de uma cooperativa de produção através da junção de terras. Não se tratava de ocupar grandes propriedades, de resto inexistentes na região, mas de unir camponeses e terrâs para modificar as relações de produção ampliando as áreas cultiváveis, utilizando máquinas e diversificando as culturas. É evidente que este processo levou alguns a afastarem-se do projecto. Duas linhas se desenharam durante as reuniões: a dos que pretendiam uma cooperativa de comercialização, e a dos que se batiam por uma cooperativa de produção. Qual venceria?
Inclusão | 14/06/2019 |