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Primeira publicação: The Red Phoenix, órgão central do Partido do Trabalho Americano, portal online, autoria de Ian Ocx e Red Nesbitt, 10 de julho de 2023.
Tradução: Thales Caramante — Jornal A Verdade.
HTML: Lucas Schweppenstette.
WASHINGTON (ESTADOS UNIDOS) Em seu relatório ao 8º Congresso do Partido do Trabalho da Albânia (PTA), o camarada Enver Hoxha declarou: “Os marxista-leninistas não são conservadores nem fanáticos como a burguesia nos acusa. Pelo contrário, devemos ser os mais progressistas, combatentes resolutos contra tudo que está ultrapassado e atrasado. Nós nos mantemos firmes nas posições do novo e dos que lutam com todas as forças pela sua vitória” — É no espírito do marxismo-leninismo que todo comunista tem o dever de aprender, crescer, mudar e se desenvolver constantemente à medida que o próprio mundo muda e cresce. Nada está verdadeiramente em um estado estático de existência; tudo está sempre em um estado de movimento, um estado de transformação. A justeza do marxismo-leninismo como ciência social não vem de uma natureza dogmática e estática, mas do método materialista dialético, exatamente o que mantém o marxismo-leninismo como uma ciência viva e ativa para o proletariado utilizar para sua própria emancipação.
Sempre foi tarefa dos marxistas lutar contra tudo que é retrógrado, reacionário e revisionista. Isso pode ser visto na luta que os camaradas Karl Marx e Friedrich Engels travaram na 1ª Internacional contra os desvios anarquistas; isso pode ser visto na luta que os camaradas Vladimir Lênin, Josef Stálin e os bolcheviques travaram contra os revisionistas na 2ª Internacional; isso pode ser visto na luta que uma geração inteira de comunistas travou contra o crescimento do fascismo em todo o mundo; isso pode ser visto na luta contra o surgimento do revisionismo khrushchevista, travada pelas verdadeiras forças marxista-leninistas do mundo. A luta revolucionária e marxista-leninista contra o reacionário, o retrógrado e o revisionista continuam até hoje e deve continuar para garantir a liberação completa e total da classe trabalhadora internacional.
Hoje, assim como na época de Lênin e Stálin, os revisionistas se camuflam com linguagem e estética marxistas, mas não são marxistas. Eles são inimigos do marxismo-leninismo genuíno e da classe trabalhadora. Lênin escreveu: “A luta ideológica do marxismo revolucionário contra o revisionismo não é mais que o prelúdio dos grandes combates revolucionários do proletariado”. No caminho dos recentes ataques às comunidades LGBTQIA+, especialmente aos camaradas transgêneros e não-binários, realizados pela burguesia e por elementos reacionários dentro do movimento comunista, tornou-se evidente que os marxista-leninistas devem novamente se engajar na luta ideológica contra uma nova e mais contemporânea forma de revisionismo. É essa tarefa que este artigo pretende iniciar.
Nas últimas décadas, especialmente desde o período turbulento das décadas de 1960 e 1970, os tópicos referentes à sexualidade humana, orientação sexual e gênero passaram a ser o centro das discussões médicas, científicas, psicológicas, sociológicas e até mesmo antropológicas. Muitas pessoas presumem que a luta pelos direitos LGBTQIA+, o estudo e a existência de pessoas queer são um fenômeno recente, que surgiu mais recentemente e que não está presente na humanidade desde seu início como espécie. Nada poderia estar mais longe da verdade. Estudos históricos e antropológicos sobre a sociedade humana, a cultura e até mesmo figuras históricas conhecidas de várias culturas e épocas históricas representam uma rica história da existência LGBTQIA+ que foi propositalmente higienizada e obscurecida pelos historiadores burgueses da era moderna com preconceitos anacrônicos.
Estudos históricos, antropológicos e arqueológicos mostram que a homossexualidade está entrelaçada com a humanidade desde seus primórdios. Na Grécia Antiga, a homossexualidade era considerada um aspecto normal da vida, os gregos construíram, inclusive, seus próprios códigos sobre como os relacionamentos queer poderiam ocorrer em sua sociedade. A homossexualidade também estava presente no Império Romano e era totalmente aceita como comportamento sexual para os cidadãos romanos livres se envolverem. Mais uma vez, os romanos, assim como os gregos, tinham seus próprios termos socialmente aceitáveis para permitir a existência de relacionamentos homossexuais. A prática aberta da homossexualidade não era considerada como um desvio de conduta e era vista como um comportamento sexual normal. Foi somente com a introdução do cristianismo no Império Romano que a homossexualidade passou a ser vista como um desvio.
Os relacionamentos queer e a aceitação queer não se limitavam à esfera de influência greco-romana na Europa, mas também estavam presentes como comportamento sexual normal e aceito em várias outras partes do mundo. A China antiga, por exemplo, especialmente no período da dinastia Han, aceitava muito bem os relacionamentos LGBTQIA+, até mesmo nas cortes oficiais. O Japão, antes da influência dos britânicos, também aceitava relacionamentos homossexuais e eles eram frequentemente representados na arte, no teatro e na literatura de todo o país. A Índia também era um país onde os relacionamentos homossexuais eram aceitos, celebrados e retratados tanto na arte quanto nas histórias religiosas da época. Entretanto, durante todo o processo de colonização pelas potências da Europa Ocidental, que eram consistentemente conservadoras do ponto de vista social, muitos dos aspectos das culturas de todo o mundo que aceitavam os homossexuais foram suprimidos ou totalmente eliminados.
Estudos científicos mais modernos sobre a sexualidade humana e o comportamento sexual vieram de médicos e cientistas europeus cujo trabalho era favorável ao entendimento de que outras orientações sexuais, como a homossexualidade e a bissexualidade, existiam e faziam parte de um espectro do comportamento sexual humano. Por fim, antes da dominação pelo fascismo hitlerista, foi a Alemanha que teve o primeiro instituto do mundo para estudos acadêmicos sobre o comportamento sexual humano, o Institut Für Sexualwissenschaft (Instituto de Sexologia). Seus estudos, pesquisas e descobertas foram queimados pelos nazistas e o próprio Instituto foi fechado em 1933. Essa informação é frequentemente ignorada por aqueles que decretam que os estudos e resoluções sobre sexo e gênero são resultado de políticas identitárias e pós-modernas. À medida que os estudos e as pesquisas psicológicas e sociológicas continuaram no período pós-guerra, a compreensão científica da homossexualidade também continuou e, em 1973, a Associação Americana de Psicologia removeu a homossexualidade de seu manual de diagnóstico de distúrbios psicológicos, e a homossexualidade foi oficialmente aceita como uma variação natural do comportamento sexual humano.
Os marxista-leninistas, como socialistas científicos, são guiados pelo materialismo dialético, que ensina que todos os fenômenos sociais, suas origens, expressões, práticas e conflitos estão enraizados nas relações sociais de qualquer modo de produção de qualquer sociedade. No caso do estágio produtivo mais antigo da sociedade humana, o comunismo primitivo, em que as forças produtivas não eram desenvolvidas, a divisão do trabalho nessa época histórica provavelmente ocorreu com base em características físicas. É essa divisão inicial do trabalho, baseada na capacidade física, que provavelmente levou à concepção inicial de gênero para a humanidade, o que significa que o gênero se originou como uma concepção social relativa à função de trabalho que uma pessoa ou sexo específico deveria desempenhar. O gênero, como todos os conceitos, mudou e evoluiu ao longo do tempo com a mudança das relações sociais humanas, os avanços da ciência e a introdução de novas máquinas e forças produtivas. É claro que as expressões e os papéis de gênero da economia primitiva-comunal eram totalmente diferentes dos da escravidão, do feudalismo, com seu patriarcado crescendo a partir do estágio final da escravidão, e do capitalismo, onde o patriarcado inicialmente predominava.
O antropólogo e marxista francês Maurice Godelier passou anos estudando as tribos indígenas de Papua Nova Guiné, especialmente os Baruya. Grande parte de suas pesquisas e dados foi compilada em sua obra As Metamorfoses do Parentesco. O objetivo principal desse trabalho era abordar a natureza não estática das relações de parentesco humano, que por si só inclui uma dinâmica de gênero, e que as relações econômicas eram o fator determinante no desenvolvimento das relações de parentesco em geral. Embora este texto não se preocupe explicitamente com o gênero como um fenômeno social, a pesquisa de Godelier trouxe à tona muitas informações sobre o assunto por padrão. A tribo Baruya, que Godelier estudou durante décadas, existia em uma variação do sistema primitivo-comunal em que as forças produtivas não haviam se desenvolvido tanto quanto no mundo capitalista. Godelier observa que, nas relações socioeconômicas vivenciadas pelos Baruya, “os grupos de parentesco são, ao mesmo tempo, unidades de produção, de redistribuição e de consumo”. Godelier também observou que nos Baruya e em outras sociedades tribais existia uma “base da divisão social do trabalho entre os sexos e as gerações”. Outra observação muito importante que Godelier fez em seu trabalho é que “todas as transformações que ocorrem em um sistema de parentesco sempre levam ao estabelecimento de outra relação de parentesco”. Todos esses dados sobre o desenvolvimento dos seres humanos em um modo de produção primitivo-comunal são de grande importância para o estudo do gênero e suas origens.
O gênero, como todos os fenômenos sociais, deve ter sua base, suas origens, nas experiências materiais que a humanidade tem com o mundo e consigo mesma. Se, como Godelier sugere em seus estudos sobre a sociedade comunal primitiva em que os Baruya viviam, a divisão do trabalho de fato ocorre com base no “sexo”, então o que está ocorrendo é que o trabalho no modo de produção comunal primitivo é dividido com base em características físicas e “geracionais”, nesse sentido, significando idade. A divisão do trabalho é uma relação social e, como tal, as funções de trabalho que as pessoas inibiam nas relações sociais da sociedade comunal primitiva que consumiam suas vidas tornaram-se a base para a concepção social de gênero. À medida que as sociedades primitivo-comunais avançavam com a criação de novos instrumentos de produção, o mesmo acontecia com suas relações sociais. Inicialmente, essas relações sociais também eram relações de parentesco baseadas no baixo nível de desenvolvimento e no nível populacional da tribo, o que é comprovado pelos dados coletados por Godelier. À medida que as relações de parentesco se transformaram, ficou evidente que as relações socioeconômicas também mudaram. Se as relações sociais estavam mudando, o mesmo acontecia com a divisão do trabalho e, por extensão, o fenômeno social do gênero também estava passando por uma transformação.
Por fim, como muitas relações sociais, o gênero passou por uma alienação de suas raízes na divisão social do trabalho, aparecendo, em vez disso, como uma fusão com a designação sexual humana. Essa alienação ajuda a levar à concepção de gênero como um traço físico estático “natural”, em vez do fenômeno social em constante mudança que ele é. À medida que as forças produtivas se desenvolvem, o mesmo acontece com as relações sociais que as pessoas habitam. À medida que as relações sociais se desenvolvem, o mesmo acontece com o fenômeno social do gênero, de acordo com a cultura, a educação e a expressão, que se intensificam em uma extensão até então imprevista e, portanto, levam ao afrouxamento das restrições materiais à produção com o avanço tecnológico, enquanto as restrições sociais permanecem e ficam para trás em relação às necessidades e desejos materiais da sociedade em geral.
Os relatos históricos, antropológicos e sociológicos sobre o comportamento sexual humano e o desenvolvimento de gênero estão totalmente em desacordo com a conjuntura atual do capitalismo, com suas instituições de controle social e político patriarcal, cisgênero e heteronormativo e, da mesma forma que alguns membros da classe capitalista cooptam e “acomodam” a comunidade queer, também estão em hostilidade direta à plena expressão e liberdade dessa comunidade. A “guerra cultural” que está eclodindo em muitos países atualmente sobre o comportamento sexual humano e o gênero é artificial, criada para neutralizar o progresso da luta de classes. Infelizmente, no decorrer dessa guerra, os líderes da classe explorada do capitalismo, o proletariado, cometeram, às vezes, erros consideráveis em relação à comunidade LGBTQIA+, mas somente em relação às dores do parto de uma nova sociedade socialista que se ergue dos escombros do capitalismo em ruínas. Entretanto, são os elementos conscientes dos partidos e organizações comunistas do século 21 que não podem ser perdoados pelo mesmo erro.
A história registrada dos trabalhadores LGBTQIA+ na luta de classes contra o capitalismo se estende por décadas. Alguns dos registros históricos de trabalhadores queers envolvidos em lutas por sindicalização estão reunidos no ensaio de Michelle O'Brien, O Trabalho Trans: As Trajetórias de Emprego, Disciplina Laboral e Liberdade de Gênero, que pode ser encontrado na antologia Marxismo Transgênero. No ensaio de O'Brien, ela relata a luta dos trabalhadores queers para sindicalizar a força de trabalho dos transatlânticos na década de 1930. Naquela época, grande parte do trabalho realizado nos transatlânticos era considerado trabalho reprodutivo “feminino”. Foi aí que o racismo americano também desempenhou seu papel e muitos desses empregos foram dados ou ocupados por trabalhadores negros e chineses, que eram considerados inferiores e “já considerados femininos” em comparação com os trabalhadores brancos do sexo masculino. O'Brien prossegue observando que “foi aqui que os homens afeminados e não-binários conseguiram se firmar no setor. Durante as lutas no local de trabalho na década de 1930, o Marine Cooks and Stewards Union uniu esses homens negros feminizados, homens chineses e homens brancos queers ao sindicato revolucionário alinhado ao Partido Comunista. Esses trabalhadores militantes se organizaram sob a palavra de ordem Abaixo às provocações por raça, contra queers e anticomunistas!”.
No caso da epidemia de HIV da década de 1980, o abandono da comunidade LGBTQIA+ pelo governo Reagan estava implicitamente vinculado ao plano do Presidente de desregulamentar a previdência social e o setor de saúde para seguir uma política de austeridade. Quanto mais o ônus dos gastos com a saúde recaía sobre as seguradoras privadas com fins lucrativos, menos investimentos eram liberados para pesquisas sobre as causas do vírus e para o desenvolvimento de uma cura, sem falar no suporte paliativo e jurídico básico para todas as vítimas da epidemia. Em 2022, quase 4,2 milhões de jovens enfrentarão a falta de moradia, sendo que 40% desse número se identificam como LGBTQIA+, e as pessoas queer correm um risco 120% maior de enfrentar a falta de moradia. Dessa forma, o esquema estatal capitalista de austeridade e desregulamentação, especialmente nas áreas de saúde e habitação social, certamente afetará negativamente as comunidades marginalizadas que enfrentam discriminação no emprego, crédito, habitação, medicina e assim por diante. As oportunidades práticas de se organizar com uma comunidade explorada tão intensamente são extremamente benéficas para o movimento da classe trabalhadora como um todo, pois em termos tão claros a brutalidade e a negligência da classe capitalista e do Estado são abertamente denunciadas.
Ao longo dos anos, as pessoas LGBTQIA+ têm se encontrado cada vez mais entre as classes trabalhadoras e na luta direta contra políticas e legislações reacionárias antioperárias e antiqueer. Em 2018, o ex-presidente da AFL-CIO, Richard Trumka, observou que “para muitos americanos LGBTQIA+, a carteirinha do sindicato é sua única forma de proteção no emprego”. Nos EUA, não há nenhuma lei federal que proteja os trabalhadores LGBTQIA+ de serem demitidos ou discriminados em seu local de trabalho. A partir de 2019, a taxa de desemprego para trabalhadores transgêneros e não conformes com o gênero nos EUA é estimada em 16%. O Centro Nacional Pela Igualdade Transgênero registrou que um em cada quatro trabalhadores transgêneros perdeu o emprego devido a práticas discriminatórias e cerca de 30% dos trabalhadores transgêneros e não-binários sofrem assédio no local de trabalho. Os trabalhadores transgêneros também enfrentam taxas de desemprego três vezes maiores do que as taxas dos trabalhadores cisgêneros. Os trabalhadores transgêneros negros têm taxas de desemprego quatro vezes mais altas do que os trabalhadores cisgêneros.
Informações e dados coletados pela Campanha dos Direitos Humanos mostram que as pessoas LGBTQIA+ nos Estados Unidos “têm uma probabilidade significativamente maior de viver na pobreza do que suas contrapartes heterossexuais e cisgêneros”. Estima-se que 16% dos adultos nos EUA vivem na pobreza, mas esse número aumenta para 22% para adultos LGBTQIA+. A parcela específica de membros transgêneros da comunidade queer é significativamente maior, com quase 30% das pessoas transgêneros nos EUA vivendo em condições de pobreza. Também foi constatado que, somente nos EUA, os trabalhadores de tempo integral que são LGBTQIA+ ganham apenas 90 centavos para cada dólar que um trabalhador não LGBTQIA+ ganha. Isso pode ser discriminado ainda mais por raça, etnia, gênero e sexo, com trabalhadores de determinadas raças, sexos e gêneros recebendo uma média de 72 centavos por dólar em comparação com seus colegas não LGBTQIA+. Os trabalhadores queer enfrentam discriminação não apenas no campo econômico, mas também na esfera social. Pelo menos 32 pessoas transgêneros foram assassinadas em crimes de ódio cometidos em 2022 — e como muitas dessas mortes não são investigadas, ou os meios de comunicação e os relatórios policiais erram o gênero da vítima, esse número é, sem dúvida, uma subnotificação. De acordo com o mesmo relatório, pelo menos 15 indivíduos transgêneros foram assassinados pela polícia enquanto estavam encarcerados em cadeias, prisões e instalações de detenção do ICE desde 2013, o que, mais uma vez, é provável que seja uma subnotificação. Vale a pena observar aqui que 64% dos americanos apoiam a proteção de pessoas transgênero contra a discriminação no local de trabalho, em espaços públicos e em moradias.
Em sua obra O Que Fazer?, Lênin argumentou que os comunistas revolucionários não devem “ser o secretário do sindicato, mas o tribuno do povo que sabe reagir contra toda manifestação de arbitrariedade e de opressão, onde quer que se produza e qualquer que seja a camada ou a classe social atingida, que sabe sintetizar todos esses fatos para traçar um quadro de conjunto da brutalidade policial e da exploração capitalista, que sabe aproveitar cada detalhe para expor perante todos suas convicções socialistas e suas reivindicações democráticas, para explicar a todos e a cada um o alcance histórico-mundial da luta emancipadora do proletariado”.
Lênin afirmava que a reunião de todas as forças políticas progressistas sob a hegemonia do movimento da classe operária, ele próprio liderado por um destacamento organizado dessa mesma classe, era o meio mais seguro de construir um movimento revolucionário. Proteger os trabalhadores LGBTQIA+ contra a discriminação é, por meio de uma análise marxista-leninista, uma associação ativa com uma comunidade oprimida e marginalizada sob o capitalismo, é uma resistência contra a disparidade econômica e a violência estatal e interpessoal que só serve para fortalecer organizações e movimentos reacionários. Toda vitória na luta contra a discriminação no local de trabalho e pelos direitos humanos é uma vitória da luta da classe trabalhadora e uma vitória contra o domínio reacionário do capital.
A história dos direitos LGBTQIA+ nos estados socialistas anteriores é incrivelmente complexa e exige uma compreensão e um estudo que é, ao mesmo tempo, diferenciado e instrutivo. Em algumas sociedades socialistas anteriores, as relações entre pessoas do mesmo sexo eram inicialmente vistas como exemplos de “decadência burguesa” e consideradas antinaturais. Essa crença se baseava principalmente na visão psicológica predominante na época de que a homossexualidade era um distúrbio psicossexual. Ao mesmo tempo, como será explorado a seguir, muitos desses estados socialistas ainda eram profundamente progressistas em relação ao entendimento científico e social geralmente subdesenvolvido das questões LGBTQIA+ e continuariam a estabelecer direitos para as pessoas queer que antecederam até mesmo as decisões “progressistas” pouco convictas das democracias burguesas atuais, até o ponto em que o revisionismo e a reação prevaleceram.
No momento atual, há uma questão de vital importância a ser estudada: o fenômeno teórico do revisionismo moderno anti-queer. Com isso, estamos nos referindo a duas formas de revisionismo que andam de mãos dadas. A primeira forma é um revisionismo histórico que leva ao isolamento, à invalidação e à rejeição da existência da comunidade LGBTQIA+ ao longo da história, tratando o debate queer como uma pauta contemporânea da política identitária burguesa (que foi abordada na primeira seção deste documento); e a segunda é uma forma de revisionismo antimarxista que ignora ou obscurece os avanços passados feitos pelas sociedades socialistas na direção da inclusão e da liberação queer.
O revisionismo anti-queer como fenômeno surgiu por uma série de razões: às tentativas de alguns comunistas de defender os estados socialistas existentes (o que, por si só, é desnecessário, dadas as vitórias populares detalhadas abaixo); às concepções atrasadas de culturas, nações e povos específicos no momento atual; e à oposição ao parasitismo oportunista do trotskismo, da social-democracia e do liberalismo, que errônea e historicamente foram misturados com a política da comunidade queer como se fossem a mesma coisa. Os marxistas do século passado, em geral, reagiram de forma diferente à crescente visibilidade e atividade dos trabalhadores queers e não estão totalmente cientes ou receptivos aos ganhos dessa comunidade sob o socialismo. Dessa forma, todo tipo de fanatismo e ignorância é camuflado com fraseologia marxista-leninista.
O camarada Stálin escreve em seu Materialismo Histórico e Dialético que “as ideias e teorias sociais não são porém todas iguais. Há ideias e teorias velhas que já cumpriram sua missão e que servem aos interesses de forças sociais caducas. Seu papel consiste em frear o desenvolvimento da sociedade, sua marcha progressiva. E há ideias e teorias novas, avançadas, que servem aos interesses das forças de vanguarda da sociedade. O papel destas consiste em facilitar o desenvolvimento da sociedade, sua marcha progressiva, sendo sua importância tanto maior quanto maior é a exatidão com que correspondam às exigências do desenvolvimento da vida material da sociedade”.
Não é apenas a perseverança das “velhas ideias” que o movimento marxista-leninista anti-revisionista está tendo que enfrentar, mas também é preciso lutar para proteger o progressista do retrógrado, o novo contra o velho. Há manobras mais insidiosas em jogo aqui também que estão prejudicando o crescimento de um movimento unido da classe operária. Há muitos partidos revisionistas, como o Partido Marxista-Leninista (Reconstrução Comunista) da Espanha, que são abertamente hostis às pessoas queers e, em particular, à comunidade transgênero. Esse revisionismo anti-queer também pode ser encontrado em iniciativas e linhas semelhantes dos reacionários do Partido Comunista da Grã-Bretanha (Marxista-Leninista).
Esses partidos e seus semelhantes justificam suas posições por meio de conceitualizações metafísicas de gênero e sexo. O PCGB(ML), por exemplo, mantém uma visão incrivelmente vulgarizada e estática da designação sexual humana e a falsa ideia de que gênero e sexo são a mesma coisa. Em seu artigo O Pesadelo Reacionário da Fluidez de Gênero, o PCGB(ML) defende a ideia superada e anticientífica de que sexo e gênero são sinônimos da mesma coisa. A posição deles aqui é que as questões sobre fluidez de gênero são anti-materialistas por natureza e que os conceitos de sexo e gênero são um só e o mesmo, mas, ao assumir essa posição, o PCGB(ML) se recusa a reconhecer o consenso científico social de que sexo e gênero, embora relacionados, são dois fenômenos distintos; e o entendimento materialista dialético de que o gênero, como um fenômeno social, evoluiu de forma diferente em várias culturas e etnias ao redor do mundo, o que levou à criação de multidões de papéis e identidades de gênero. Em vez disso, eles assumem a posição idealista, submetendo e dobrando a ciência social para atender a seus preconceitos, em vez de ajustar sua compreensão do mundo às evidências científicas, que é o método materialista dialético. Por meio desse idealismo também surge o chauvinismo social. Se, como argumenta o PCGB(ML), gênero é sinônimo de designação sexual humana, então eles eliminaram a multiplicidade de distinções culturais de gênero ao longo das gerações do desenvolvimento humano e universalizaram seu próprio entendimento de gênero típico constituído na Grã-Bretanha como a única dinâmica de gênero possível. Isso é social-chauvinismo e materialismo vulgar em seu exemplo mais flagrante.
No caso do PML(RC), eles são mais descarados ao apoiar o que acreditam ser a “cultura espanhola tradicional” de seu país. Dessa forma, eles se opõem ao que consideram ser a “perversão” da cultura espanhola. Não é preciso dizer que o PML(RC) é um elemento reacionário que se infiltrou no movimento comunista da Espanha. Eles espelham a estratégia da direita fascista de eliminar a luta de classes em favor de uma “luta cultural” e fazem isso com cores comunistas, o que torna suas ações ainda mais maléficas para o desenvolvimento do movimento da classe operária.
As sociedades humanas de hoje são qualitativamente diferentes daquelas sociedades em que o gênero se desenvolveu pela primeira vez. Sem dúvida, as relações sociais avançaram, como fica evidente pela existência de diferentes modos de produção, dando origem a novas dinâmicas de gênero ao longo do tempo. Nossas várias concepções de gênero hoje (que ainda variam muito entre as culturas) podem ser irreconhecíveis daqui a centenas de anos, à medida que as relações sociais continuarem a se desenvolver. Qualquer tentativa de identificar uma única dinâmica de gênero de qualquer ponto da história das sociedades humanas como uma definição universal e imutável de gênero é uma noção metafísica e anti-dialética, a mais velada das negações à visão de mundo marxista-leninista. À medida que as relações sociais continuam a se desenvolver, o mesmo acontecerá com nossa compreensão e concepções de nós mesmos em relação ao nosso envolvimento uns com os outros e com o mundo material. O oportunismo do revisionismo anti-queer é uma traição aberta à classe operária de todas as origens.
Seria material e historicamente incorreto argumentar que o movimento comunista internacional sempre manteve, como um todo, a linha correta sobre a condição social, os direitos e a existência de pessoas queer e comunidades LGBTQIA+. No entanto, também seria revisionismo histórico negar que houve camaradas dentro do movimento comunista, desde seus primórdios, que se aliaram e apoiaram as lutas das pessoas LGBTQIA+ por libertação e igualdade. O primeiro registro de um marxista se opondo à discriminação contra a comunidade queer vem do líder comunista alemão August Bebel, que, em 13 de janeiro de 1898, fez um discurso no plenário do prédio do Reichstag se opondo ao estatuto antissodomia do estado alemão. Bebel baseou sua posição em pesquisas conduzidas pelo Wissenschaftlich-Humanitäre Komitée (Comitê Científico Humanitário), a primeira organização de direitos homossexuais abertamente ativa do mundo. Uma seção do discurso proferido por Bebel é citada:
“Senhores, o Código Penal existe para ser aplicado, ou seja, para que as autoridades, que têm a responsabilidade principal de manter o cumprimento e o respeito à lei, fiquem atentas às violações e ajam de acordo. No entanto, há disposições de nosso Código Penal, algumas delas contidas na moção que temos diante de nós, em que as autoridades, embora plenamente conscientes de que essas disposições são sistematicamente violadas por um grande número de pessoas, homens e mulheres, apenas nos casos mais raros se preocupam em solicitar uma ação por parte do promotor. Aqui, tenho particularmente em mente a seção com as disposições do Parágrafo 175 — que tem a ver com”fornicação não natural“. Será necessário, se a Comissão for eleita rever — e eu insisto que seja, porque, em minha opinião, este Projeto de Lei não pode se tornar lei sem a recomendação da Comissão — que o governo da Prússia seja especificamente solicitado a nos enviar certos materiais que o esquadrão de vícios local de Berlim tem à sua disposição, de modo que, com base em um exame dos mesmos, possamos nos perguntar se podemos e devemos manter a seção com as disposições do Parágrafo 175 e, se devemos, se não precisaríamos expandi-las. Fui informado pelas melhores fontes que a polícia daquela cidade não leva os nomes dos homens que cometem ofensas que o Parágrafo 175 torna puníveis com prisão ao conhecimento do promotor público assim que toma conhecimento do fato, mas acrescenta os nomes das pessoas envolvidas à lista daqueles que, pelas mesmas razões, já estão em seus arquivos. O número dessas pessoas é tão grande e atinge todos os níveis da sociedade que, se a polícia daqui cumprisse escrupulosamente seu dever, o Estado prussiano seria imediatamente obrigado a construir duas novas penitenciárias apenas para cuidar dos delitos contra o Parágrafo 175 cometidos apenas em Berlim.”
Quase duas décadas depois que Bebel proferiu esse discurso, a Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917 na Rússia, liderada pelo camarada Vladimir Lênin, pelo Partido Bolchevique e pela classe operária russa, criou com sucesso a primeira ditadura proletária do mundo e, por extensão, anulou o Código Penal czarista em sua totalidade. Isso incluiu a derrubada das leis anti-homossexualidade czaristas, que descriminalizaram legalmente a homossexualidade em toda a Rússia proletária. À medida que a ditadura proletária se transformava no primeiro Estado socialista do mundo, ela começou a estabelecer seus próprios códigos legais e penais. Muitas vezes, oportunistas e revisionistas hostis às pessoas homossexuais citam o Artigo 121 do Código Penal Soviético para provar que a União Soviética era intolerante com a comunidade homossexual. No entanto, a Grande Enciclopédia Soviética afirma que “a legislação soviética não reconhece os chamados crimes contra a moralidade. Nossas leis partem do princípio de proteção da sociedade e, portanto, permitem a punição apenas nos casos em que jovens e menores são objetos de interesse homossexual [...] ao mesmo tempo em que reconhecem a incorreção do desenvolvimento homossexual [...] nossa sociedade combina medidas profiláticas e outras medidas terapêuticas com todas as condições necessárias para tornar os conflitos que afligem os homossexuais tão indolores quanto possível e para resolver seu típico distanciamento da sociedade dentro do coletivo”.
Embora a associação da homossexualidade com a pedofilia seja, por si só, problemática e reacionária, é importante observar algo que geralmente é negligenciado nessa passagem. Enquanto outros países burgueses, como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, estavam proibindo a homossexualidade e forçando as pessoas condenadas por esse crime a se submeterem à castração química, a União Soviética oficialmente só criminalizava a agressão a menores, não a homossexualidade em geral, e se concentrava em medidas “terapêuticas” para pessoas queers. Embora hoje os psicólogos e profissionais da área médica modernos entendam que a orientação sexual humana é um espectro de padrões comportamentais, na época em que o Código Penal Soviético foi redigido, a homossexualidade e a homossexualidade eram consideradas distúrbios psicossexuais que afligiam as pessoas durante toda a vida e, embora os tratamentos “terapêuticos para eliminar os conflitos” enfrentados pelas pessoas queers fossem considerados retrógrados pelos padrões médicos atuais, na época eles eram menos severos do que muitos dos “tratamentos” burgueses para pessoas queers no mundo capitalista. Aqui cabe observar que a edição de 1979 da Grande Enciclopédia Soviética lista a homossexualidade como “uma perversão sexual que consiste em uma atração não natural pelo mesmo sexo. Ela é encontrada entre indivíduos de ambos os sexos. O direito penal na URSS [...] e em alguns estados burgueses estabeleceu uma pena para a homossexualidade (sodomia)”. Não está claro quando essa mudança na lei soviética foi promulgada, pois não foi possível encontrar evidências concretas no tempo de pesquisa permitido, mas vale a pena observar que essa mudança na abordagem soviética em relação à homossexualidade parece ter ocorrido durante o período revisionista da URSS, quando a transição para o capitalismo já havia começado.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em um esforço para eliminar completamente os elementos da era nazista das estruturas estatais, a Alemanha Oriental descriminalizou a homossexualidade em 1968 com a remoção do Código Penal contra o qual August Bevel havia se pronunciado quase meio século antes. Depois, em 1987, a Suprema Corte da Alemanha Oriental decretou que “a homossexualidade, assim como a heterossexualidade, representa uma variante do comportamento sexual. Portanto, os homossexuais não estão fora da sociedade socialista, e os direitos civis são garantidos a eles exatamente como a todos os outros cidadãos”. Na década de 1980, o governo da Alemanha Oriental estava abrindo discotecas queers patrocinadas pelo Estado e exigindo que a organização oficial da juventude do partido, a Juventude Livre da Alemanha (JLA), participasse de sessões educacionais relacionadas a estudos LGBTQIA+. É importante observar que o movimento socialista e comunista alemão nunca se opôs politicamente às pessoas LGBTQIA+ e tinha uma longa tradição de estar na vanguarda das questões relacionadas ao comportamento sexual e à orientação sexual.
Em 1977, a Albânia socialista descriminalizou o comportamento homossexual com a remoção do Artigo 239 de seu Código Penal, o que deu à Albânia socialista as “leis socialmente mais liberais em relação à homossexualidade em toda a Europa” na época. Foi o regime burguês reacionário que chegou ao poder após a derrubada do socialismo na Albânia que voltou a criminalizar a homossexualidade. Foi essa nova criminalização da homossexualidade que levou à criação de um amplo movimento de massa entre os trabalhadores da Albânia para forçar o governo burguês reacionário albanês a legalizar novamente a homossexualidade em 1995.
A descriminalização da homossexualidade também ocorreu em Cuba em 1979, e hoje são as massas trabalhadoras, heroicas e revolucionárias de Cuba que estão liderando o caminho para os direitos LGBTQIA+ dentro da estrutura do Estado. O artigo 42 da constituição cubana de 2019 consagra os direitos LGBTQIA+. Em 2008, a Resolução 126 foi promulgada, permitindo que os trabalhadores cubanos que buscassem cirurgia de redesignação sexual/afirmação de gênero a recebessem gratuitamente e, mais recentemente, em 2022, as massas cubanas garantiram uma grande vitória não apenas para os povos queers, mas para toda a humanidade, com a aprovação de seu Novo Código da Família, que é amplamente considerado um dos códigos de família mais progressistas do mundo.
Hoje, em todo o mundo, não há nenhum partido marxista-leninista com princípios que não apoie ativamente os direitos LGBTQIA+ e não se empenhe ativamente na organização de pessoas queers para a luta de classes. O Partido Comunista da Espanha (Marxista-Leninista) (PCE-ML) se organiza com o Trans Obrera Sindicalista, um sindicato para a organização e representação de trabalhadores transgêneros. O Partido Comunista Revolucionário (PCR) do Brasil colocou trabalhadores não-binárias nas edições do jornal A Verdade e comemorou abertamente o Dia da Visibilidade Trans. O Partido Comunista do Trabalho (PCT) da República Dominicana afirma programaticamente suas demandas pelos direitos dos povos queers. O Partido Comunista Marxista-Leninista do Equador (PCMLE) publicou edições de seu jornal En Marcha com bandeiras do orgulho LGBTQIA+ na primeira página. Aqui nos Estados Unidos, nós do Partido do Trabalho Americano (PTA) defendemos vigorosamente os direitos dos trabalhadores queers e nos organizamos entre eles, com a Comissão LGBTQIA+ de nosso partido visando ser uma plataforma para a voz dos proletários queers com consciência de classe em todo o país.