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Primeira publicação: Octubre, órgão do Partido Comunista da Espanha (marxista-leninista), portal online, autoria de J. P. Galindo, 6 de junho de 2023.
Tradução: Thales Caramante — Jornal A Verdade.
HTML: Lucas Schweppenstette.
BARCELONA (ESPANHA) Uma das tarefas titânicas que Karl Marx e Friedrich Engels enfrentaram em sua época para a construção de uma nova filosofia materialista foi proclamar o fim da concepção imóvel da natureza. Desde seus primeiros trabalhos filosóficos, ambos criticaram a ideia de um mundo imutável, criado de uma vez, e fadado a ser como é para sempre como o conhecemos. Eles se esforçaram para analisar as maneiras pelas quais a natureza flui, se move e se transforma constantemente. Essa é a base essencial do materialismo dialético, segundo o qual elementos aparentemente contrários e independentes são atravessados por uma infinidade de características compartilhadas ou complementares.
Em outras palavras, mais modernas, diríamos que a natureza e suas relações são não-binárias, já que não podemos jamais reduzi-las a pares contraditórios fixos: dia e noite, verão e inverno etc., uma vez que há múltiplas gradações intermediárias que fluem entre os dois (o momento indefinido do crepúsculo, por exemplo), transformando algumas coisas em seus opostos por meio do acúmulo de pequenas mudanças quantitativas (por exemplo, a luz que diminui ao anoitecer) até chegarmos à mudança qualitativa: do dia para a noite, de uma coisa para seu oposto.
O mesmo processo ocorre na transição entre o indivíduo isolado e a totalidade de indivíduos, ao qual chamamos de sociedade. Essa massa social é composta por uma infinidade de grupos, mais ou menos grandes unidos por certas qualidades compartilhadas pelos indivíduos que a formam, que podem ser mais ou menos óbvias ou abstratas.
Quando essas cadeias de afinidade adquirem um perfil político, voltado principalmente para a defesa ou ampliação dos direitos do grupo, elas adquirem a condição de identitárias e seus membros podem assumir o papel de ativistas de sua identidade (embora elas possam não ser mutuamente exclusivas, mas cumulativas). Assim, o mesmo indivíduo pode pertencer à comunidade LGBT+, à comunidade vegana, a um coletivo antirracista. A política identitária pode encontrar sua justificação através da relação com outras camadas sociais em posições mais vantajosas através de suas identidades específicas (no caso da Espanha, geralmente é resumido através do homem-cis branco e heterossexual) e como essa posição dominante afeta o restante dos grupos e identidades na sociedade. Sob a premissa de que a ideologia dominante em uma sociedade é a de sua classe dominante e, consequentemente, a identidade da classe dominante é imposta ao restante, marginalizando ou perseguindo as demais camadas de maneiras diferentes.
Com essa perspectiva, alguns analistas, filósofos e ideólogos pós-estruturalistas (Foucault, Deleuze, Butler) argumentaram, na segunda metade do século 20, que a luta daquelas identidades marginalizadas contra as identidades normativas (aqueles que se estabelecem como a norma geral para a sociedade) tinha um maior potencial revolucionário do que a antiga luta de classes, uma vez que o conceito de classe social é transversal (ou seja, que engloba uma infinidade de diversas identidades) e, portanto, oculta ou, pelo menos, adia indefinidamente as demandas justas de determinados grupos minoritários.
Entretanto, há diferenças essenciais entre a luta de classes e a luta identitária que não permitem que elas sejam equiparadas. A luta de classes não é a demanda de nenhum grupo minoritário, mas o movimento organizado da maioria capaz de ameaçar a continuidade do atual modelo econômico, político e social, e de se organizar para conseguir isso de forma revolucionária. As lutas identitárias, por outro lado, são, por definição, as demandas de coletivos ou grupos minoritários, excluídos de alguma forma pela ideologia dominante, mas que podem ser resolvidas, ou pelo menos incluídas, dentro do sistema vigente, porque não são, em alguns casos, incompatíveis com a própria existência do capitalismo, como foi demonstrado pelos movimentos das últimas décadas que trabalham para criar um “capitalismo humanizado” (ecologista, inclusivo, feminista e antirracista), mas que é igualmente explorador, opressivo e parasitário.
Portanto, estamos diante de frentes distintas, mas não contraditórias. Ambas podem se complementar através de estratégias e táticas distintas. A estratégia, o avanço organizado em direção a um objetivo final, não pode atender às questões concretas que surgem em cada etapa. Essa é a tarefa das táticas, capazes de aplicar soluções práticas, mas que não representam necessariamente um progresso direto em direção ao objetivo estratégico, embora facilitem o caminho.
O objetivo final dos marxista-leninistas é a revolução social e a ditadura do proletariado, e sua estratégia para atingir esse objetivo envolvem táticas diferentes a cada momento e conjuntura histórica. Isso depende do desenvolvimento das forças produtivas, do nível de consciência política das massas e de sua organização, dos movimentos da burguesia nacional e internacional etc. No momento e nas circunstâncias atuais, com uma dura ofensiva reacionária da burguesia em andamento contra as classes populares e com um proletariado massivamente desorganizado e brutalizado, a luta identitária dos marginalizados contra a burguesia e sua ideologia dominante não é um obstáculo à nossa estratégia, mas representa um imenso apoio tático a ela. Entretanto, é muito importante não confundir um com o outro.
O apoio tático dos comunistas às demandas das minorias faz parte de nosso movimento de acúmulo quantitativo de forças sociais contra o capitalismo, porque quanto mais ampla for a oposição à burguesia e ao seu regime social reacionário, mais poderoso será o avanço revolucionário do proletariado, do humanismo proletário. No entanto, estamos cientes de que suas justas demandas não podem ser resolvidas dentro da atual estrutura capitalista, porque qualquer avanço nessa direção leva a reformas parciais, a um “capitalismo humanizado”, “que ouve seus cidadãos e atende a suas demandas”. A única solução real e permanente é a destruição revolucionária do modo de produção capitalista e de suas relações de produção.
Não se trata, portanto, de considerar os coletivos que reivindicam sua identidade como inimigos da revolução para “dividir as forças do proletariado” (se fosse esse o caso, para isso devemos primeiro ter um movimento revolucionário forte) ou de substituir a estratégia revolucionária da luta de classes pelas pautas identitárias; o que é necessário, por mais complexo que seja, é saber como usar ambas as frentes, estratégica e taticamente, para minar a força do inimigo comum de classe.
Políticas identitárias corretamente orientadas (radicalmente anticapitalistas e marxista-leninistas) são um valioso apoio para a disseminação e a organização do proletariado revolucionário em geral, enquanto a destruição revolucionária do regime capitalista e de suas formas sociais é a única solução estratégica para a destituição da burguesia do poder. As primeiras estão enquadradas no movimento geral das últimas, desenvolvem-se no processo revolucionário e alcançam a resolução de suas contradições somente na transformação social em direção à ditadura do proletariado, assim, a unidade ainda é a força.