A Luta LGBT em Cuba

Mariela Castro

Fevereiro de 2013


Fonte: Entrevista ao site: Opera Mundi.
HTML: Fernando A. S. Araújo.
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Opera Mundi: Qual era a situação das minorias sexuais em 1959, após o triunfo da Revolução em Cuba?

Mariela Castro Espín: No início dos anos 1960, a sociedade cubana era o reflexo de sua herança cultural, principalmente espanhola. Cuba tinha uma cultura “homoerótica”, patriarcal e, portanto, homofóbica. Naquela época, o mundo inteiro era patriarcal e homofóbico, tanto os países desenvolvidos como as nações do Terceiro Mundo. Em todas as culturas ocidentais baseadas na religião católica dominante essas características estavam estabelecidas nos códigos culturais da relação homem/mulher.

No entanto, é curioso que o processo da Revolução Cubana, em cujo programa político se reivindicava a luta contra desigualdades, racismo e diferentes formas de discriminação contra mulheres, além do fim de injustiças e brechas entre a cidade e o campo, não tenha se interessado pelos homossexuais e os considerado vítimas de discriminações de todos os tipos. A homofobia era a regra inclusive depois do triunfo da Revolução.

OM: Então ser homofóbico era algo “natural”?

MCE: A homofobia era a regra. O que se considerava anormal era o respeito a quem havia escolhido uma orientação sexual diferente. Mas, repito, não era algo específico de Cuba. A homofobia institucionalizada dos primeiros anos da Revolução refletia essa realidade e estava em consonância com a cultura da época. Zombar dos homossexuais era algo normal, assim como depreciá-los ou denegri-los. Era normal discriminá-los no mercado de trabalho, em sua vida profissional, e esse era o aspecto mais grave.

A Revolução permitiu ao povo cubano conseguir a soberania nacional e colocou em xeque inúmeros paradigmas, como a virgindade da mulher como condição prévia ao casamento, a ausência do divórcio, o status do homem como chefe da família, a fidelidade natural da mulher frente à infidelidade do homem, a desqualificação da família monoparental e da mulher solteira, mas não se interessou pelo problema da diversidade sexual.

OM: Entre 1965 e 1968, o Estado Cubano elaborou as Unidades Militares de Ajuda à Produção, as Umap, às quais os homossexuais foram integrados à força. Você poderia falar sobre esse obscuro episódio?

MCE: Primeiro, convém precisar que as Umap afetavam todos os homens em idade de entrar no serviço militar, não só os homossexuais. Alguns, inclusive, falaram de campos de concentração para homossexuais. Não creio que seja necessário exagerar, é preciso ser fiel à verdade histórica. As Umap afetaram a todo, menos aos que podiam justificar [a não integração] com um emprego estável. Os estudantes tinham que colocar entre parênteses a carreira universitária para fazer o serviço militar.

É interessante também lembrar o contexto da época. Nosso país se encontrava constantemente sob a agressão dos Estados Unidos: a Baía dos Porcos em abril de 1961, a Crise dos Mísseis em 1962, e os grupos da CIA compostos por exilados cubanos, que multiplicavam os atentados terroristas. As bombas explodiam todos os dias em Cuba, queimavam canaviais, sabotavam as ferrovias, atacavam teatros com bazuca. Não se pode esquecer essa realidade, vivíamos em estado de sítio. Grupos paramilitares agiam nas montanhas do Escambray e assassinavam trabalhadores rurais favoráveis à Revolução, torturavam e executavam jovens professores que tinham se integrado à campanha de alfabetização. No total, 3.478 cubanos perderam a vida por conta do terrorismo naquela época. Foi um período muito difícil, nós nos encontrávamos permanentemente agredidos e a luta de classes estava em seu auge. Os latifundiários tinham reagido com muita violência à reforma agrária e não estavam dispostos a perder sua posição de poder na sociedade. Então havia uma mobilização geral para a defesa da nação, e neste contexto nasceram as Umap.

OM: Então porque as Umap foram associadas ao reino do arbitrário e da discriminação?

MCE: Como todos deveriam participar na defesa do país, grupos marginais, como os hippies, por exemplo, e os filhos da burguesia que haviam se acostumado com uma vida de ócio e não trabalhavam, pois tinham recursos, tiveram que se integrar às Umap. Grupos que não se sentiam comprometidos com o processo de transformação social iniciado em 1959 e preferiam um papel de observador tinham que se integrar e trabalhar nas fábricas ou na agricultura.

O exército criou então as Umap para apoiar os processos de produção. Mas a realidade foi outra. O Ministério do Interior tinha a tarefa de identificar esses grupos e integrá-los à força, pois o serviço era obrigatório.

Essas pessoas não tinham uma boa imagem na sociedade cubana, que os rechaçava por sua falta de comprometimento na construção da nova nação revolucionária, e os considerava parasitas.

Lembro, em minha juventude, de ouvir reflexões desagradáveis devido à minha relação familiar com meu tio e meu pai. Alguns diziam: “É uma menininha”, quer dizer, uma “filhinha de papai”, uma pessoa que gozava de uma posição privilegiada, que não tinha o mesmo padrão de vida que o resto por seus vínculos familiares. Eu sentia uma raiva terrível cada vez que isso acontecia e me esforçava para fazer tudo o que os demais faziam, rechaçando todo tipo de privilégio ou de favoritismo. Nunca suportei esse qualificativo, que era muito depreciativo.

OM: Esse método de integração era muito arbitrário.

MCE: Convém recordar que o procedimento era arbitrário e discriminatório. Houve vozes na sociedade cubana que se opuseram a essas medidas, entre elas a Federação de Mulheres Cubanas, assim como muitas personalidades. As denúncias que algumas mães fizeram desataram esse movimento contra as Umap.

OM: E os homossexuais? Foram vítimas de muitos abusos nas Umap?

MCE: Em uma sociedade homofóbica, nesse contexto de hegemonia masculina e viril, as autoridades consideraram que os homossexuais sem profissão tinham que ser integrados às Umap para serem verdadeiros “homens”. Em algumas delas, essas pessoas foram tratadas como todos os demais e não foram vítimas de discriminação. Em outras, onde reinava a arbitrariedade, eles foram separados injustamente dos demais jovens. Havia então o grupo dos homossexuais e dos travestis, o grupo dos religiosos e dos crentes, o grupo dos hippies, etc. Foi reservado a eles um tratamento especial com chacotas cotidianas e humilhações públicas. Em uma palavra, as discriminações que existiam na sociedade cubana se tornaram mais vivas e mais cruéis nas Umap.

Não resta a menor dúvida de que o processo de criação e de funcionamento das Umap foi arbitrário. Por isso, essas unidades foram fechadas definitivamente três anos depois. Mas, repito, a situação dos homossexuais no resto do mundo era similar, às vezes pior. Isso, evidentemente, não justifica em nada as discriminações das quais os homossexuais foram vítimas em Cuba.

OM: Qual era a situação das minorias sexuais no resto do mundo?

MCE: Há um estudo extremamente interessante de um pesquisador norte-americano chamado David Carter sobre os movimentos LGBT na América Latina e no resto do mundo. Por exemplo, no nosso continente, as ditaduras militares perseguiam impiedosamente os homossexuais. Essa realidade, no entanto, não deve nos impedir de analisar criticamente o que ocorreu em Cuba.

OM: Qual foi a responsabilidade de Fidel na criação das Umap?

MCE: Fidel Castro é como o Quixote. Sempre assumiu suas responsabilidades como líder do processo revolucionário. Em razão de seu cargo, considera que deve assumir a responsabilidade de tudo o que ocorreu em Cuba, tanto os aspectos positivos como os negativos. É uma posição muito honesta de sua parte, ainda que me pareça não ser justo, pois não deve assumir sozinho todos esses excessos, o que não aproxima da verdade histórica. Era uma época na qual emergia uma nova sociedade com a criação de novas instituições, em meio a agressões, traições, ameaças contra sua vida. Fidel foi vítima de mais de 600 tentativas de assassinato. Não podia cuidar de tudo e, portanto, delegava muitas tarefas.

OM: Concretamente, qual é o vínculo entre Fidel e as Umap?

MCE: Fidel Castro não desempenhou um papel nesta criação. Na realidade, o único vínculo dele com as Umap foi quando decidiu fechá-las, após numerosos protestos da sociedade civil, e a investigação levada a cabo a pela polícia das Forças Armadas, que concluiu que muitos abusos foram cometidos. A partir dessa data, decidiu-se não incluir os homossexuais no serviço militar para evitar discriminações em uma força marcada pela homofobia, não apenas em Cuba, mas no resto do mundo. Também se poderá argumentar que se tratava de uma nova discriminação em relação a eles, mas sua incorporação às forças armadas foi tão nefasta por conta dos preconceitos, que resultou nessa decisão.

OM: Qual era o ponto de vista do seu pai?

MCE: Falei muitas vezes sobre esse tema com meu pai e ele me explicou que era extremamente difícil eliminar os preconceitos sem uma política de educação. Por outro lado, o universo militar continua sendo muito machista em Cuba. Lamentavelmente, é notório que, em nossas sociedades, rechaçamos tudo o que se mostra diferente. Imagine então no contexto dos anos 1960. A esse respeito, o Cenesex lançou um programa de pesquisa sobre as Umap e estamos recolhendo os testemunhos das pessoas que sofreram com essa política.

OM: Recordemos agora o obscuro período do “Quinquênio Cinza”, entre 1971 e 1976, quando intelectuais de primeira grandeza foram marginalizados e vítimas de ostracismo por sua homossexualidade.

MCE: O ostracismo do qual foram vítimas os homossexuais neste período foi muito pior que o sofrido nas Umap e teve um impacto terrível na vida pessoal e profissional dos homossexuais. No Congresso Nacional de “Educação e Cultura”, em 1971, foram estabelecidos parâmetros exclusivos contra pessoas com orientação sexual distinta do que se considerava a regra.

Os homossexuais não podiam trabalhar com educação ou cultura porque consideravam, de forma arbitrária, que seriam maus exemplos para crianças e alunos e que era necessário afastá-los da juventude.

Apesar de poderem encontrar emprego em outros setores, não podiam integrar esses dois campos e, por conseguinte, eram discriminados. Foi uma experiência muito dura para eles. Imagine o caso de uma pessoa que desejava ser professor, por vocação, mas seu acesso a esse mundo era proibido por conta do sectarismo, da intolerância de alguns dirigentes e burocratas.

Proibir um estudante de ser médico ou outra coisa em razão de sua orientação sexual é inaceitável para quem acredita nos valores de liberdade e justiça. Isso durou muitos anos. Eles eram lembrados sistematicamente de sua condição de minoria sexual. Alguns vivenciaram essa situação melhor que outros, mas muitos sofreram ostracismo e discriminação.

OM: Até quando durou essa política discriminatória?

MCE: Até 1976, data em que foi criado o Ministério da Cultura. Com a adoção da nova Constituição naquele ano, essa resolução que separava homossexuais dos mundos da educação e da cultura foi declarada inconstitucional e eliminada. Foi então adotada outra política em nível educacional e cultural.

OM: Qual foi a postura do Partido Comunista de Cuba em direção à diversidade sexual?

MCE: O PC cubano era o reflexo da sociedade cubana, isto é, machista e homofóbico. Um homossexual não podia ser militante do partido. Cada vez que descobriam um, expulsavam-no imediatamente. Houve um momento em que, inclusive, se excluíam os homens casados com mulheres adúlteras!

OM: Como?

MCE: Assim era a situação em um dado momento. Imagine a situação terrível para a pessoa em questão, que não apenas descobre a infidelidade da esposa, mas também se encontra excluído do partido precisamente por esse motivo, ao mesmo tempo em que é vítima da situação. Para permanecer como membro, era preciso mostrar caráter viril e se divorciar da mulher. Caso contrário, era excluído das fileiras do partido.

OM: Isso se aplicava às mulheres vítimas das infidelidades do marido?

MCE: É claro que não, pois vivíamos em uma sociedade machista na qual as faltas dos homens eram consideradas normais. A boa esposa devia suportar as infidelidades do marido, mas este não podia aceitar semelhante reciprocidade. O homem recuperava a dignidade deixando sua mulher infiel. Se ele adotava o comportamento que se considerava válido para a mulher, ou seja, perdoar a infidelidade pontual, perdia toda a consideração. Tais eram os critérios da época. Era completamente absurdo!

OM: Até quando durou essa política?

MCE: Essa política foi eliminada no fim dos anos 1970, pois era verdadeiramente injusta. Lembro que ingressei na universidade em 1979, no Instituto Pedagógico, e ouvi falar de um de meus professores, vítima dessa situação. Haviam acabado de excluí-lo do partido porque sua mulher foi infiel.

Naquela época, com 18 anos, eu já tinha responsabilidades como presidenta da Federação Estudantil Universitária e estava envolvida na luta pela igualdade e contra as injustiças. Então ocorreu a última caça às bruxas contra homossexuais na universidade, que chamaram de “aprofundamento da consciência revolucionária” ou alguma coisa assim, algo ridículo. Eram organizadas reuniões intermináveis e inúteis para analisar o caráter exemplar dos militantes da Juventude Comunista (UJC). Que perda de tempo era aquilo! Se escutávamos música norte-americana, nos renegavam. Se usávamos camiseta com a bandeira dos EUA, também. Você não pode imaginar o nível de absurdo a que essas reuniões chegavam.

OM: Como você reagiu?

MCE: Desde cedo me opus a isso, mas imediatamente os extremistas da UJC, que não concebiam o “perdão” como algo construtivo, me taxavam de homossexual. Como se alguém tivesse que ser absolvido por escutar os Beatles! Eu não podia me opor de modo mais virulento porque corria o risco de que esses mesmo sectários me excluíssem da UJC. Imagine então o tratamento reservado aos homossexuais.

Então era preciso observar a situação e avaliar minha margem de manobra. Todos os casos de disciplina passavam pelo Comitê da UJC, à qual eu pertencia. Queriam excluir da UJC vários homossexuais e lésbicas por sua orientação sexual. Durante uma reunião desse Comitê, no fim de 1979, eu me lembro de ter feito uma oposição muito vigorosa a isso. Não podia suportar tais injustiças. Levantei a mão e fui uma das poucas vezes que utilizei a figura do meu pai, Comandante da Revolução, Ministro das Forças Armadas, irmão de Fidel Castro, o líder da Revolução. E, além disso, contei uma mentira!

OM: O que você disse?

MCE: Lembro-me de ter dito o seguinte: “Está sendo cometido um grave erro. Perguntei a meu pai se era justo e me respondeu que não, que havia um problema de má interpretação, que não se podia excluir uma pessoa da UJC por sua orientação sexual e que era preciso deixá-los em paz”. Também acrescentei: “Além disso, durante a luta contra a ditadura de Fulgencio Batista, na Sierra Maestra, havia homossexuais entre os rebeldes do Movimento 26 de Julho”. Na verdade, eu não tinha a menor ideia. Inclusive me atrevi a afirmar, com muita convicção, o seguinte: “Atualmente, há homossexuais na Direção da Revolução”. Também neste caso, eu não sabia absolutamente nada a respeito.

OM: Tudo isso era uma mentira e seu pai nunca havia disso aquilo?

MCE: Meu pai nunca pronunciou essas palavras. Eu as inventei.

OM: Como reagiram os demais membros do Comitê?

MCE: Ninguém se atreveu a se opor ao que se pensava ser a vontade do meu pai. Assim, o único lugar em que os homossexuais puderam escapar das medidas discriminatórias foi o Instituto Pedagógico.

OM: Você contou essa história para o seu pai?

MCE: Disse a ele naquele mesmo dia, ao voltar para casa. Expliquei tudo para meu pai e para minha mãe, Vilma Espín, que naquela época era Presidenta da Federação de Mulheres Cubanas. Pensei que meu pai fosse me repreender fortemente não apenas por usar seu nome e seu cargo, mas também por mentir.

OM: O que o seu pai disse?

MCE: Ele me parabenizou e disse que eu havia feito o que era certo ao me opor ao que ele também considerava arbitrário e injusto. Lembro que ele disse algo como: Que estupidez! Confesso que fiquei atônita, pois realmente pensava que passaria por um momento pouco agradável. Mas não foi o caso. Ao contrário, recebi parabéns.

OM: Então você conseguiu impor seu ponto de vista no Comitê disciplinar da UJC.

MCE: Sim, mas não foi fácil, pois tive que usar a figura do meu pai. O dirigente da UJC do Instituto era um homofóbico obstinado. Era o mais virulento de todos os membros do Comitê, queria sancionar todo mundo. Tentei explicar para ele que a ideologia não tinha nada a ver com a sexualidade, mas ele não queria saber de nada.

Mais tarde, descobri que era bissexual, que havia tido uma aventura com uma pessoa que logo emigrou para o Canadá. Era um homofóbico refoulé [reprimido]. Nessa mesma época, ocorreu o êxodo de Mariel e muitos desses extremistas, que pediam sanções exemplares contra homossexuais e lésbicas, que pretendiam ser mais revolucionários que os revolucionários, que pensavam que eram o anti-imperialismo personificado e abandonaram o país rumo aos EUA. Lênin tinha razão quando afirmava que, por trás de cada extremista, havia um oportunista. Os homossexuais e as lésbicas a quem queriam sancionar, a quem consideravam contrarrevolucionários, ficaram em Cuba, apesar das dificuldades e do sectarismo contra eles. Os dogmáticos e sectários foram os primeiros a abandonar o barco quando lhes foi apresentada a possibilidade. Veja a contradição.

OM: Parece que a discriminação em relação aos homossexuais a marcou muito.

MCE: Não apenas me marcou como me escandalizou e indignou. Estudava filosofia marxista naquela época e isso me permitiu refletir sobre essas questões. Comecei a me interessar pelos temas da sexualidade antes de integrar o Centro Nacional de Educação Sexual, o Cenesex.

OM: Quando o Centro Nacional de Educação Sexual foi fundado?

MCE: A história do Cenesex remonta a 1972, quando a Federação de Mulheres Cubanas (FMC) criou um grupo de trabalho para avaliar as dificuldades e a mensurar as discriminações das quais homossexuais e lésbicas eram vitimas. Desde 1976, este grupo tem o status de assessor do Parlamento cubano, criado naquele mesmo ano. O objetivo era influenciar os legisladores sobre estes assuntos. Era uma ideia da minha mãe, fundadora da FMC.

Era difícil abordar a homossexualidade naquela época. Tratava-se da problemática em alguns cursos, pois a Associação Americana de Psiquiatria, muito adiantada em relação ao seu tempo, deixou de considerar a homossexualidade uma doença em 1974.

Convém lembrar que a OMC (Organização Mundial da Saúde) só deixou de considerar a homossexualidade um transtorno mental em 1990!

OM: Que estratégia o Cenesex elaborou?

MCE: A partir de meados dos anos 1970, o Cenesex começou a publicar obras de autores da Alemanha Oriental, país que também estava adiantado nesta questão, com o objetivo de lutar contra o preconceito e a discriminação.

Um desses livros, intitulado O homem e a mulher na intimidade, de Sigfred Schnabel, publicado em 1979, foi o best seller do ano e afirmava que a homossexualidade não era uma doença. Era a primeira vez que um autor científico demonstrava isso em Cuba.

Mas essa realidade não era conveniente para muita gente. Tanto que, na segunda edição do livro, o capítulo sobre a homossexualidade foi eliminado. Minha mãe foi tomada por uma fúria terrível e garantiu que o editor passasse, sem dúvidas, pelo pior momento de sua vida. Ele suprimiu o capítulo de maneira arbitrária sem consulta prévia. Como homofóbico, não suportava a ideia de que a homossexualidade pudesse ser considerada algo natural no ser humano, e mais, por um pesquisador da Alemanha Oriental, comunista como nós. Minha mãe, que tinha lutado para conseguir o financiamento necessário para a publicação do livro, viu sua obra sabotada pelo sectarismo e pela homofobia de um indivíduo, com um dado poder, incapaz de aceitar a ideia de que os homossexuais pudessem se beneficiar dos mesmos direitos que ele.

O Cenesex continuou com seus esforços para abordar a homossexualidade e debater o assunto sem tabu. Em 1989, seguindo o processo de institucionalização iniciado nos anos 1970, o Cenesex integrou o Ministério da Saúde Pública, com a finalidade de receber sua verba por parte do Estado, pois a FMC é uma organização não governamental.

OM: Havia resistência em nível institucional?

MCE: Fortes. No início dos anos 1980, quando solicitamos ao Ministério da Educação que o assunto fosse debatido nas escolas e universidades, a possibilidade foi negada de maneira categórica. No máximo, aceitaram trabalhar em um programa de educação sexual aprovado em 1996 graças à nossa perseverança. Estabelecemos um programa para todos os níveis, do pré-escolar ao pré-universitário. A partir desse documento, o ministério elaborou seu próprio programa.

OM: Qual é a atual política do Estado Cubano em relação à diversidade sexual?

MCE: Atualmente, graças justamente às iniciativas do Cenesex, as coisas estão mudando de modo positivo. Somos considerados uma instituição terciária de saúde e somos responsáveis pelos assuntos de sexualidade e por assessorar o mundo político. Agora os políticos levam mais em conta os direitos dos homossexuais e das pessoas transexuais.

Partimos do raciocínio de que não fazer nada para os homossexuais era em si um ato político. Era imprescindível colocar um fim nisso. Então, nos propusemos a elaborar uma política explícita de atenção aos homossexuais e uma política de luta contra as discriminações de quais fossem vítimas.

Graças ao permanente diálogo que mantemos com os legisladores e com o Partido Comunista, atualmente, pela primeira vez na história da Revolução, nos documentos debatidos em 2012, a orientação sexual foi incluída como motivo de discriminação geral contra a qual se deve lutar, e sobre o qual a imprensa deve discutir sem censura ou tabu. Os homossexuais devem poder participar da vida pública, como todos os cidadãos, sem qualquer discriminação.

OM: Como a homofobia se expressa atualmente na sociedade cubana, tanto em nível institucional como na vida cotidiana?

MCE: Devemos reconhecer que houve mudanças positivas desde a criação das Jornadas contra a Homofobia, que acontecem no dia 17 de maio desde 2007, com a proposta de um militante francês que se chama Louis-George Tin. Ele também está envolvido na luta contra o racismo e todo tipo de discriminação. Propôs que o dia 17 de maio fosse o Dia Mundial contra a homofobia, pois nesta data, em 1990, a Organização Mundial de Saúde deixou de considerar a homossexualidade um transtorno mental, cerca de 20 anos depois da Associação Americana de Psiquiatria.

OM: Na França, a homossexualidade foi descriminalizada em 1981.

MCE: Em Cuba, o processo de descriminalização aconteceu em 1979. Mas apenas em 1997 as últimas referências discriminatórias foram eliminadas do Código Penal cubano. A decisão da OMS de 1990 teve uma importância simbólica muito forte.

No Cenesex, não estávamos convencidos do impacto das manifestações do Orgulho Gay em Cuba. Pensávamos que as receberiam como algo ostensivo e agressivo. Teria sido contraproducente e provocado mais rejeição. Então, decidimos celebrar a Jornada organizando várias atividades culturais e debates no centro de Havana. Foi um sucesso. No ano seguinte, procuramos alianças com instituições como Ministério da Cultura. O ministro Abel Prieto nos sugeriu realizar uma semana de atividades em vez de apenas um dia para alcançar e sensibilizar mais a população.

OM: Foi uma ideia do Abel Prieto.

MCE: De fato. Ele sempre se mostrou receptivo a este problema. Implementamos essa excelente ideia. Era algo inesperado que um ministro da envergadura de Prieto, muito apreciado entre os intelectuais e artistas, desse uma sugestão assim. Recebemos o apoio da União Nacional de Escritores e Artistas cubanos, a Uneac, e de outros organismos.

Em 2008, realizamos a primeira Jornada Internacional contra a Homofobia, que durou uma semana. Em 2009, realizamos em Santiago de Cuba, com o apoio de todas as autoridades, tanto do PC como do Ministério do Interior. Foi benéfico para a sociedade cubana, há mais debates sobre estes temas entre a população. É nosso objetivo. Aproveitamos isso para investir no campo midiático, na rádio, na televisão, na imprensa escrita. Antes, não se debatia este assunto, tinha muita hostilidade em relação aos homossexuais. Temos notado uma profunda mudança quanto a atitudes e preconceitos. Mas, ainda há muito trabalho a ser feito. É lamentável que a imprensa internacional divulgue mais nossas atividades do que a imprensa nacional.

OM: Agora há inclusive novelas que tratam do assunto.

MCE: Primeiro houve Cara oculta a la luna  (A cara oculta diante da lua), que trouxe o assunto e provocou debate. Agora, há várias telenovelas que abordam a diversidade sexual, de modo muito mais aberto e de excelente qualidade. Dignificam a figura do homossexual e lhe dão a palavra. As primeiras séries que trataram do tema eram de qualidade bastante medíocre. Agora, estão muito bem feitas.

OM: Atualmente, o Cenesex dispõe de um espaço de expressão muito mais amplo.

MCE: Sim, efetivamente, mas não tem sido fácil. Lutamos para ter acesso à mídia nacional. Temos uma revista de sexologia, que sai três vezes por ano e distribuímos para as bibliotecas. Tem uma tiragem de oito mil exemplares. Uns dois mil são para o Ministério da Educação, e nós difundimos seis mil. Enviamos a ministros, dirigentes do partido e deputados da Assembleia Nacional, para sensibilizá-los. Temos tido muito sucesso, os últimos dados estão em nosso site. O Fundo de População das Nações Unidas financia a impressão. Nossos colaboradores são voluntários e não recebem compensação financeira por suas reflexões. Médicos e pesquisadores usam com frequência nossa revista como fonte.

OM: Então o impacto é bem mais positivo.

MCE: Sim, e é um motivo de satisfação, ainda que sejamos conscientes de que há muito trabalho a fazer. Notamos uma mudança desde a celebração da primeira Jornada contra a Homofobia. As críticas e comentários são muito menos virulentos e os preconceitos desaparecem pouco a pouco, mas ainda não conseguimos eliminá-los totalmente. A população inclusive se apropria de uma linguagem científica específica para esta problemática e analisa o assunto sob uma perspectiva diferente.

OM: O Cenesex dispõe também de um Conselho Jurídico.

MCE: De fato, criamos um Conselho Jurídico para defender vítimas de atentados contra direitos fundamentais devido à orientação sexual. Oferecemos nosso apoio e as acompanhamos seus trâmites jurídicos. Como não dispomos de uma sede jurídica em cada província, informamos diretamente os juízes municipais, provinciais e do Tribunal Supremo, para que se encarreguem deste tipo de assunto.

OM: Quais são os casos mais frequentes de expressão homofóbica?

MCE: Os casos mais frequentes que chegam a nossos serviços são discriminação no mundo profissional, com violações do direito trabalhista. Alguns veem sua carreira estancada pelo comportamento homofóbico de seus superiores na hierarquia. Também há famílias rejeitam alguns de seus membros por conta de sua orientação sexual. Também há discriminação em relação aos transexuais por parte da polícia. É um caso interessante, pois temos podido avaliar nossa eficácia a esse respeito. Havia muita perseguição por parte das forças de ordem, com controles sistemáticos.

OM: Houve casos de violência policial?

MCE: Não houve violência física porque a polícia não se atreveria a chegar a esse ponto, mas tinha uma perseguição constante e prisões arbitrárias. De fato, durante uma discussão muitas vezes acalorada, a polícia usava o “desacato” como pretexto e levava a pessoa para a delegacia por algumas horas.

Em 2004, começamos a trabalhar com foco nesse tipo de discriminação depois de uma reunião com um grupo de travestis. Juntos, elaboramos uma estratégia global para melhorar a imagem dessa comunidade. Trabalhamos com prevenção da Aids e os formamos como militantes dos direitos sexuais. Apresentamos o projeto ao PC, que facilitou o diálogo com a polícia, que agora é muito mais respeitosa.

OM: O que acontece quando a conversa é ineficaz?

MCE: Resolvemos nos tribunais. Um caso levado a julgamento é o do Paquito, um jornalista que foi vítima de discriminação pelas forças de ordem e levou o assunto à Justiça. Ele foi multado por se reunir com seu parceiro em um parque e o acusaram de exibicionismo. Finalmente, o tribunal cancelou a multa.

OM: Todos os casos têm o mesmo final feliz?

MCE: Nem sempre. O problema é que somos iguais perante a lei, mas não diante dos juízes. Tivemos um caso em que a vítima teve que enfrentar um juiz cristão, que aplicou sua homofobia religiosa, e foi condenada.

OM: Houve tensões com a Igreja?

MCE: Como a maioria das instituições religiosas, a Igreja é muito conservadora em relação à diversidade sexual. Houve incompreensões, mas devo dizer que neste caso também o partido facilitou o diálogo e apaziguou os ânimos. O Departamento dos Assuntos Religiosos desempenhou um papel extremamente positivo.

OM: E com a imprensa?

MCE: Nessa relação, o Departamento Ideológico do partido também desempenhou um papel na obtenção de um espaço de expressão em nível nacional. O diálogo é muito frutífero e consegue solucionar muitas contradições e incompreensões.

OM: Você encontra resistência nas instituições?

MCE: Às vezes sim, infelizmente. No ministério de Relações Exteriores ainda há homofobia, mas a relação está melhor. Por exemplo, soubemos que Cuba se absteria, em dezembro de 2008, sobre a resolução a favor da descriminalização universal da homossexualidade. Então procuramos com o ministro para dizer que a política externa devia ser um reflexo da política nacional. Um país como Cuba, uma nação socialista, deve defender a igualdade de todos. É essencial. Recebemos um número incalculável de e-mails que diziam: “Como é possível que Cuba não vá aderir a tal resolução?”. E compartilhamos essa indignação. Mas nosso trabalho foi frutífero porque Cuba votou a favor da declaração.

OM: A sociedade cubana ainda é homofóbica?

MCE: Muito menos que antes. Agora, fica difícil assumir sua homofobia porque esta é uma atitude considerada reacionária e, portanto, contrarrevolucionária. A homofobia não é uma questão de geração, mas sim de mentalidade e de cultura. O diálogo e a reflexão são fundamentais para lutar contra a homofobia.

OM: Quais são os motivos de satisfação?

MCE: A homofobia, se não desapareceu completamente, diminuiu bastante em nosso país. Temos recebido testemunhos magníficos de famílias que tinham rejeitado um de seus filhos e finalmente aceitaram sua orientação sexual graças a nosso trabalho de educação. Também recebemos muitos depoimentos de pessoas homofóbicas que se livraram do preconceito e se arrependeram de sua atitude e do dano que causaram aos demais. Inclusive, cubanos que moram nos EUA e no Canadá vieram participar de nossas atividades e voltaram para casa com uma visão de Cuba completamente diferente. Alguns estão tão surpresos que me falaram que, se o casamento homossexual fosse legalizado, voltariam a morar em Cuba. Nosso trabalho é frutífero.

OM: O Cenesex trabalha muito também com a problemática transexual.

MCE: A situação das pessoas transexuais é difícil não apenas em Cuba, mas no resto do mundo. É preciso aceitar como uma realidade a identidade de gênero que não é feminina nem masculina, como é o caso da transexualidade. Convém aceitar a ideia de que existem pessoas que podem mudar de identidade de gênero, que estão em conflito com sua identidade de gênero, e que podem dispor dos mesmos direitos que todos. Não deve ser um motivo para privá-las de seus direitos e discriminá-las.

Também propusemos trabalhar sobre uma linguagem de gênero com o Partido Comunista, pois cabe a ele situar-se na vanguarda da sociedade e apresentar as ideias mais avançadas e mais emancipadoras. É o que esperamos e exigimos como militantes deste. À medida que o partido desenvolver essa política, o Estado terá que seguir e tomar as medidas necessárias, adotando leis.

OM: Quantas pessoas foram beneficiadas pela lei que permite que transexuais mudem de sexo, com um financiamento total da operação pelo seguro social? Como se desenvolve esse processo?

MCE: Se minha memória não falha, foram realizadas 15 operações de mudança de sexo em Cuba. A primeira em 1988, ou seja, há mais de um quarto de século. Logo, a partir de 2007, o Ministério da Saúde voltou a implementar esse procedimento. Existe uma Comissão Nacional de Atenção Integral a transexuais desde 1970. Recebemos cerca de 200 petições desde essa data e a cifra vai aumentar à medida que os meios de comunicação nacionais divulgarem a existência desse serviço.

As pessoas passam por um processo de acompanhamento de dois anos e os especialistas as acompanham e proporcionam tratamento hormonal personalizado, que permite a transição para o gênero com o qual se identificam. Após esse processo, a comissão analisa os diferentes casos e valida quem é apto para a operação e autoriza a mudança legal de identidade.

A operação responde a um procedimento científico aprovado em nível internacional e não a um simples capricho de ordem estética. É fundamental para o bem-estar das pessoas transexuais e permite aliviar a angústia permanente que essas pessoas sofrem desde sua primeira infância, por conta dos preconceitos, da incompreensão e da discriminação das quais são vítimas.

OM: Existe uma verdadeira política de luta contra todo tipo de discriminação em Cuba?

MCE: Hoje em dia, sim. Existe um consenso na sociedade cubana na consideração de que a homofobia e a “transfobia” são formas de discriminação incoerentes com o projeto emancipador da Revolução. Optamos por uma estratégia educativa e comunicacional, pois se trata de um processo de transformação cultural profundo. É imperativo adotar elementos de análise para eliminar os preconceitos que se estabeleceram historicamente para dominar as pessoas, sua sexualidade e seu corpo. A mudança de consciência social é um processo muito grande e complexo, mas imprescindível.

OM: Uma palavra sobre a prostituição em Cuba. O auge do turismo desde os anos 1990 está na origem de um fenômeno que quase havia desaparecido da sociedade cubana. Qual é a situação hoje em dia?

MCE: A prostituição é uma forma de exploração da mulher e também do homem, pois é uma relação que se baseia no poder, neste caso, do dinheiro. Como dizia o poeta espanhol Francisco Quevedo, o poder do dinheiro é imenso. A pessoa que dispõe de recursos tem a possibilidade de adquirir certo número de coisas, incluindo o sexo, e ele é humilhante para a pessoa que é vítima. A compra de um serviço sexual é degradante para a condição humana, pois é uma subordinação do outro, um rebaixamento do próximo. É uma forma de escravidão desprovida de qualquer componente democrático na relação sexual. Transforma o ser humano em mercadoria e, por conseguinte, o priva de seus direitos. A prostituição se baseia no sistema de exploração patriarcal e classista.

Raciocino a partir do princípio de que toda pessoa é livre para usar seu corpo. No entanto, falei com muitas prostitutas em todo o mundo e é possível assegurar que nenhuma delas realiza essa atividade por prazer, mas por necessidade. Não há uma escolha na prostituição, mas uma imposição, seja de uma pessoa ou da sociedade. Por isso, sou contra a prostituição e não desejo que essa atividade seja reconhecida como um trabalho como as demais. Os Estados devem garantir aos cidadãos opções de trabalho que lhes permitam alcançar a dignidade plena e duradoura, como disse nosso herói nacional José Martí.

OM: Você é a favor de políticas que penalizam os clientes?

MCE: Sou muito favorável e acho que as medidas adotadas pela Suécia deveriam ser generalizadas para o mundo todo. É o cliente que está na origem da demanda e faz com que se explorem outros seres humanos e os convertam em mercadorias. É ele que estabelece o abuso de poder com sua capacidade financeira.

OM: E no caso de Cuba?

MCE: Uma perspectiva histórica é necessária. Em 1959, a Federação de Mulheres Cubanas se dedicou ao problema da prostituição, que afetava principalmente mulheres pobres provenientes de minorias étnicas. Havia mais de 100 mil prostitutas naquela época e viviam em condições humilhantes e precárias. A Revolução mudou suas vidas e permitiu que voltassem a encontrar a dignidade, e as libertou da exploração. O esforço do processo revolucionário para erradicar o fenômeno da prostituição é verdadeiramente uma fonte de orgulho nacional, pois foi um grande êxito. As mulheres constituem hoje a principal força técnica do país.

Agora, é verdade que a crise dos anos 1990, o “Período Especial”, ocasionou um ressurgimento desse fenômeno social, com novas características, já que a prostituição é vinculada ao turismo internacional, com a presença de clientes que pagam para obter serviços sexuais. Creio que as políticas atuais destinadas lutar contra esse fenômeno não são suficientes. Seria preciso realizar um trabalho qualitativo muito mais profundo para dispor das ferramentas e das pistas necessárias para fazer frente à problemática da prostituição. É necessário penalizar o cliente, já que essa política demonstrou sua eficiência na Suécia.

OM: Em que fase se encontra o projeto de lei destinado a permitir a união dos casais homossexuais?

MCE: Os especialistas do Ministério da Justiça e da União Nacional de Juristas de Cuba analisaram o projeto de lei destinado a modificar o Código da Família. Ele será logo debatido no Parlamento. Espero que nossos deputados adotem uma política de não discriminação no que se refere à orientação sexual e à identidade de gênero e contribuam de fato para por fim aos preconceitos na sociedade. O Parlamento tem o dever de reconhecer e proteger os direitos de todos os nossos cidadãos.
A sociedade cubana está pronta para aceitar o casamento homossexual. Cabe a nossos políticos colocarem-se à altura do povo. Em Caibarién, no centro da ilha, José Agustín Hernández, apelidado de Adela, é um enfermeiro transexual de 48 anos e foi eleito delegado da Assembleia Municipal. É a primeira vez na história do país e isso demonstra que nosso povo está pronto. Mas você poderia citar muitos países nos quais foram eleitas pessoas transexuais? Por acaso, há pessoas assim na França, Estados Unidos ou Brasil? Não temos certeza disso.

OM: Como você passou a defender o direito à diversidade sexual?

MCE: O papel de minha mãe foi fundamental. Ela sempre rechaçou todas as formas de injustiça. Desde cedo, ela se opôs às Umap e ao Quinquênio Cinza. Era uma mulher do futuro. Quando o Código da Família foi elaborado em meados dos anos 1970, foi proposto que se definisse o casamento como a “união de duas pessoas”. Não se queria especificar o sexo, já que se tinha em mente a problemática do casamento homossexual e que os direitos conquistados com o Triunfo da Revolução Cubana em 1950 deveriam ser os mesmos para todos, sem distinção alguma de raça, gênero, classe ou orientação sexual.

OM: E seu pai?

MCE: Meu pai não compartilhava da homofobia que reinava naquela época, já que minha mãe o sensibilizou sobre essa realidade. Cresceu em uma sociedade patriarcal e homofóbica, mas conseguiu se liberar de seus preconceitos graças à ela. Mas não é isso o que ocorre à sua volta, onde lamentavelmente há muitas pessoas homofóbicas. Mas não perdemos a esperança.

OM: Alguns se espantam pelo fato de uma mulher heterossexual como você, casada, com filhos, defender o direito à diversidade sexual.

MCE: Por acaso é preciso fazer parte de uma minoria ética para combater o racismo? Por acaso é preciso ser uma mulher para defender as mulheres? Por acaso é preciso ser deficiente para defender os direitos dos deficientes? Por acaso é preciso ser um trabalhador para defender os direitos da classe trabalhadora? Por acaso é preciso ser um trabalhador rural para defender os direitos dos sem terra? José Martí era um grande intelectual e sempre defendeu a causa do povo. Marx também. A luta pela igualdade e contra todas as injustiças é um dever universal que deve implicar a todos os cidadãos.


Nota:

Mariela Castro é filha do atual presidente de Cuba, Raul Castro. Licenciada em Psicologia e Pedagogia, com mestrado em sexualidade, Mariela tornou sua a causa dos homossexuais, bissexuais, lésbicas e transexuais e possibilitou que essas comunidades saíssem da marginalidade na qual fora colocada pela sociedade, como diretora do Centro de Educação Sexual (Cenesex), cuja atuação tem sido coroada com êxitos.

Para mais informações sobre a Diversidade Sexual em Cuba acesse o sítio: cubainformación (textos em Espanhol)

Inclusão 28/07/2015