Três Princípios do Povo
San Min Chu I

Sun Yat Sen


Parte III - O Princípio da Subsistência


PRIMEIRA CONFERÊNCIA

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Significado de “Min-Shengou a Subsistência do Povo.Novos problemas de subsistência decorrentes da substituição do trabalho humano pela força motriz. —Como as estradas de ferro estão suplantando, na China, o trabalho dos “coolies”. — Relação entre o Princípio “Min-Sheng”, e o socialismo e o comunismo.Facções dentro dos partidos socialistas do Ocidente e fracasso do socialismo para resolver os problemas de após guerra.A contribuição de Marx para o socialismo.O socialismo utópico e o socialismo científico.A concepção materialista marxista da história.Recentes desenvolvimentos sociais e econômicos, que estão desmentindo a teoria de Marx sobre a luta de classes.A reforma social e econômica, a propriedade pública dos transportes e comunicações, taxação direta e distribuição socializada discutidas e apreciadas.A evolução social através do ajustamento de interesses econômicos.A mais-valia, criada pela comunidade, e não somente pelo trabalho.Marx era uma patologista social.As previsões de Marx sobre o colapso do capitalismo não se concretizaram.Melhoramento gradual das condições de trabalho.O dia de trabalho mais curto e os benefícios concedidos aos trabalhadores aumentaram a produção.As condições de Marx para o aumento da mais-valia contraditadas pela história das fábricas de Ford. As sociedades cooperativas de consumo na Inglaterra.Importância do consumidor.Razões do fracasso da Usina de Aço e Ferro de Hanyang.A subsistência deve ser o centro do sistema solar econômico.

O assunto de minha conferência, hoje, é o Min-Sheng Chu I, o Princípio da Subsistência do Povo. Ming-Sheng é expressão corriqueira na China. Nós nos referimos ao kuo-chi min-sheng, bem-estar e subsistência do povo, porém, temo que não levamos a sério essas palavras, não procurando compreendê-las bem. Não vejo nenhum motivo que me induza a crer que tenham muito sentido para nós. Mas, se, nesta época do conhecimento científico, trouxermos a expressão para a arena da discussão científica e estudarmos seu conteúdo social e econômico, verificaremos sua incomensurável significação. Proponho- me apresentar uma definição para Ming-Sheng. A Subsistência do Povo denota a existência da sociedade, o bem-estar da nação, a vida das massas. Empregarei a expressão Ming-Sheng para descrever um dos maiores problemas que surgiram no Ocidente durante o século passado — o socialismo. O Princípio da Subsistência é o socialismo, é o comunismo, é a utopia. Esse princípio, porém, não poderá ser explicado por algumas definições. Devereis ouvir estas conferências do início ao fim, se quiserdes compreendê-las bem.

O problema da subsistência está, agora, avassalando todos os países. Esse problema, todavia, é relativamente recente, com uma história que não data de mais de um século. Que provocou a emergência súbita dessa questão nos últimos cem anos? Em breves palavras, o rápido progresso da civilização material registado em todo o mundo, o grande desenvolvimento da indústria e o incremento súbito na capacidade produtiva da raça humana. Colocando a questão em seus termos mais simples, o problema surgiu com a invenção da maquinaria e com a substituição gradual do trabalho humano pelo poder da natureza na maioria das nações civilizadas. As forças naturais do vapor, calor, água e eletricidade começaram a ser empregadas em lugar da força humana, e o cobre e 0,1 ferro em lugar dos ossos e músculos humanos. Desde a invenção da máquina, o homem fica capacitado a executar o trabalho de 100 ou 1.000 outros homens.

Surgiu uma grande discrepância entre o poder de produção da máquina e o do homem. O trabalhador mais diligente mal pode executar num dia o trabalho de dois ou três homens e nunca poderá ultrapassar o labor de 10 homens, o que significa que o homem mais diligente, dotado do físico mais poderoso e da maior força e energia não pode, possivelmente, produzir mais do que dez homens normais. Não há muita diferença na capacidade produtiva dos homens normais, porém existe uma vasta diferença entre a produtividade de uma máquina e a produtividade do trabalho humano manual. Quando se emprega apenas o trabalho humano, os trabalhadores mais fortes e industriosos não podem executar mais do que dez vezes o trabalho dos operários manuais, porém, quando se emprega a máquina, o trabalhador normal mais preguiçoso, que maneja a máquina, pode realizar centenas, milhares de vezes o que pode o melhor operário que não a utiliza. A produtividade é, atualmente, uma coisa muito diferente do que era há poucas décadas, antes da introdução da máquina na indústria.

Consideremos alguns dos fatos verificáveis, que estão diante de nossos olhos. Não existe uma classe de trabalhadores mais comuns nas ruas de Cantão do que os coolies ou carregadores. Formam uma grande percentagem dos trabalhadores da cidade. O coolie mais forte não pode transportar uma carga superior a 200 catties a uma distância de algumas centenas de li. Comparai esses carregadores com o transporte por meio da máquina. Vede os trens de carga da estação de Wongsha, na cidade. Uma locomotiva pode puxar vinte ou mais vagões de carga, e cada vagão pode transportar várias centenas de piculs de mercadorias, sendo que um trem pode transportar 10.000 piculs de carga. Com um ou dois homens na locomotiva e alguns outros nos vagões, o trem pode viajar várias centenas de li num só dia. De Cantão a Shiuchow, na Estrada de Ferro Cantão- Hankow, há uma distância de cerca de 500 li. Outrora, quando somente a força humana era empregada para transportar cargas por essa rota, um homem transportava um picul, e, dez mil homens, 10.000 piculs. Um homem podia apenas caminhar 50 lipor dia. Destarte, a distância de 500 li era coberta em 10 dias. Dez mil piculs de mercadorias, que antigamente exigiam a força de 10.000 trabalhadores em dez dias, podem atualmente ser transportados de Cantão a Shiuchow em oito horas, exigindo o trabalho de dez homens, no máximo. Aqui vedes dez homens executando o trabalho de 10.000, e oito horas substituindo os 10 dias.

Que diferença tremenda entre a força da máquina e a força do homem! A estrada de ferro não somente torna possível a um homem tomar o lugar de 10.000, e uma hora o lugar de um, dia, de modo que o transporte não só se torna consideravelmente rápido e conveniente, mas também poupa dinheiro. Um carregador era pago à razão de um dólar por dia; 10.000 trabalhadores, transportando 10.000 piculs em dez dias, receberiam um salário de 10.000 dólares. O transporte ferroviário, todavia, da mesma quantidade de mercadorias não ficaria em mais do que alguns milhares de dólares. Na aração, tecelagem, construção e em todas as outras modalidades de trabalho, a força motriz também é muitas centenas de vezes, em alguns casos um milhar de vezes, mais eficiente do que a força humana.

Desde a invenção da máquina, o mundo sofreu, portanto, uma revolução na produção. A maquinaria usurpou o lugar do trabalho humano, e os homens, que possuem a máquina, tomaram a riqueza dos que não a tinham. Antes da Guerra do Opio, Cantão era o único porto aberto da China. A produção das diversas províncias tinha de ser transportada por terra para Cantão, de onde era baldeada para os países estrangeiros. As mercadorias do exterior eram desembarcadas em Cantão e baldeadas aí para as outras províncias. Assim, todas as exportações da China tinham de passar pelo Hunan e Kiangsi, via Nansiung e Lochang, antes de atingir Cantão; as importações seguiam a mesma rota. Em consequência, as estradas entre Nansiung e Shiukwan e entre Lochang e Shiukwan formigavam de carregadores, enquanto que as casas de chá e de pasto à margem da estrada prosperavam. Mais tarde, porém, quando se inaugurou o comércio livre com o exterior, as mercadorias das províncias começaram a ser expedidas ou em navios costeiros para Cantão ou, diretamente, para os países estrangeiros, via Xangai e Tientsin. Não transitavam mais pelas estradas, de Nansiung e Lochang para Shiukwan, e, assim., o número de carregadores decresceu substancialmente. Essas duas estradas, que eram outrora tão prósperas, estão agora desertas. Quando os trens da Estrada de Ferro Cantão-Hankow começaram a trafegar e a tomar o lugar dos carregadores, estes desapareceram das estradas. As condições em outras partes da China e em outros países têm sido semelhantes. Em seguida à introdução da máquina, grande número de homens perderam subitamente suas ocupações, tornando-se impossibilitados de obter trabalho ou alimento. Os ocidentais chamam essa grande mudança de Revolução Industrial. Os trabalhadores sofreram muito com essa revolução. Eis porque, durante as últimas décadas, surgiu o problema social, resultado de um esforço para aliviar essa espécie de sofrimento.

É esse problema social que abordarei hoje no Princípio da Subsistência. Por que não acompanhar o Ocidente e referir- me diretamente ao socialismo? Por que usar em seu lugar o velho termo chinês Ming-Sheng? Há uma razão muito significativa para isso. Desde seu primitivo desenvolvimento, e, especialmente, desde a Revolução Industrial, a maquinaria tornou-se um sério problema social e estimulou o surto das teorias socialistas. Apesar, porém, do socialismo ser, há várias décadas, uma força crescente, as nações do Ocidente ainda não encontraram solução para as questões que lhe são pertinentes, estando ainda travadas em torno dele intensas lutas. As teorias sociais e as ideias do Ocidente estão penetrando atualmente na China e sendo estudadas por certos grupos de pensadores chineses. Desde que existe uma forma de socialismo chamada ‘‘comunismo”, o termo “comunismo” tem uma grande circulação em toda a China, juntamente com outras teorias. É muito difícil, todavia, para os estudantes chineses do socialismo e do comunismo encontrarem soluções para os problemas suscitados por essas doutrinas, quando os próprios ocidentais, que as apresentaram, ainda não as conseguiram interpretar.

Em nossos estudos, devemos examinar cuidadosamente a natureza dessas doutrinas, conhecer-lhes as origens e considerar suas definições. Os termos “socialismo” e “comunismo” são, atualmente, empregados como sinônimos no Ocidente. Apesar de seus métodos variarem, o socialismo é, frequentemente, empregado para designar ambas as teorias. Há gente, na China, que considera o socialismo e a sociologia como sendo a mesma coisa, e os estrangeiros também são frequentemente culpados da mesma confusão. Uma razão para essa confusão é que a metade anterior dos três vocábulos ingleses “sociedade”, “sociologia” e “socialismo” são idênticos. A palavra “socialismo” provém de um vocábulo grego, que significa “camarada”, parecida com a nossa palavra coloquial huo-chif que quer dizer sócio. A sociologia é o estudo dos fenômenos e do desenvolvimento da sociedade e dos fenômenos dos grupos sociais. O socialismo trata das questões sociais e econômicas e do problema da subsistência humana. Ao usar o termo “Princípio da Subsistência” ao invés de “socialismo”, meu propósito fundamental é atingir a raiz do problema social e revelar sua verdadeira natureza, também tornando possível ao povo a compreensão do termo logo que o vê. Nas últimas décadas, têm aparecido numerosos estudantes de socialismo e um número infindável de livros sobre o socialismo, com tamanha variedade de teorias colidentes sobre a reconstrução social, que um provérbio estrangeiro se refere às “57 variedades de socialismo”, não se podendo determinar qual delas seja o verdadeiro socialismo. Em consequência, a massa do povo sente que não existe nada de definitivo, no socialismo, que justifique sua aplicação.

Depois da Guerra Europeia, o progresso social foi muito acelerado, parecendo como se o mundo tivesse alcançado um novo período, quando se encontrariam soluções para todas as questões sociais. Aqueles que não davam nenhuma atenção ao socialismo começaram a mover-se em sua direção. Num momento tão oportuno, parece-nos que o Partido Socialista deveria ter feito grandes realizações e ter encontrado algumas soluções adequadas para os problemas da sociedade. Irromperam, porém, muitas lulas dentro do movimento socialista. “O vento soprou e as nuvens se acumularam” de súbito nos partidos socialistas de todos os países. O movimento cindiu-se em várias correntes, sendo as mais conhecidas as dos comunistas, socialistas de Estado e sociais-democratas. As diferenças complexas entre os diversos grupos ameaçam aumentar as “57 variedades”. Os observadores, que, no passado, criticavam o Partido Socialista por suas inúmeras facções, agora “infelizmente acertavam”. Antes da Guerra Europeia, havia, em todos os países, grupos pró-socialistas e antissocialistas. Os adversários do socialismo eram, principalmente, os capitalistas e os principais ataques contra o socialismo eram desfechados por estes. Depois da guerra, os inimigos do socialismo pareciam estar prontos para capitular e o socialismo preparado para aproveitar-se da oportunidade que se lhe oferecia para a reconstrução da sociedade. Mas os partidários do socialismo não haviam elaborado um bom método de ação, e, consequentemente, no momento crítico, o Partido Socialista apresentou-se cindido de maneira mais séria do que dantes e a luta internacional revestiu-se de maior encarniçamento do que o conflito entre os partidários e os adversários do socialismo. Assim, a questão social ainda não foi resolvida. Atualmente, porém, devemos proceder a um estudo cuidadoso do socialismo. Outrora, quando os capitalistas, trabalhadores e intelectuais se opunham ao socialismo, os partidários desta doutrina, em toda parte, não importa se fossem nacionais dos mesmos países ou de diferentes países, consideravam-se uns aos outros como camaradas. Mas hoje, não só existe uma cisão internacional entre os socialistas — os socialistas alemães lutando contra os socialistas russos e estes, por sua vez, combatendo os socialistas ingleses e americanos — como também, em todas as nações, o Partido Socialista apresenta-se com diferenças internas. A questão social está se tornando cada vez mais confusa, e, quanto mais se a discute, mais distante se torna uma solução adequada.

É o Princípio da Subsistência, que vos apresento hoje, realmente diferente do socialismo? O socialismo trata, primacialmente, dos problemas econômicos da sociedade, isto é, do problema comum da subsistência. Desde a introdução da maquinaria, grande número de trabalhadores ficaram sem trabalha, e os operários, em geral, incapacitados de manter sua existência. O socialismo surgiu como um esforço para resolver o problema da subsistência, e, sob esse ponto de vista, a questão social é, também, uma questão econômica, e o princípio da subsistência é o tema principal do socialismo. Mas, atualmente, o socialismo de todos os países apresenta teorias e ideias diferentes para a reconstrução social. É o socialismo, realmente, uma fase do Princípio Min-Sheng, ou será o Princípio da Subsistência uma fase do socialismo?

Depois da Revolução Industrial, o número de pessoas que estudam as questões sociais aumentou aos milhares. O homem, que realizou o estudo mais profundo e de maiores resultados, é conhecido de todos vós — Karl Marx. Marx mantém a mesma relação para com o movimento socialista que Rousseau para o movimento democrático. Há um século, quando estudavam os problemas da soberania popular, os ocidentais adoravam Rousseau, considerando-o o mago da democracia, exatamente como os chineses prestavam culto a Confucio. Todos os estudantes do socialismo adoram, hoje, Marx, considerando-o o mago do movimento socialista. Antes de Marx apresentar suas teorias, o socialismo era altamente especulativo e extremamente afastado da realidade. Marx, todavia, partiu dos fatos e da história, fazendo uma exposição completa e radical das mudanças, na fase econômica, da questão social. Em consequência, os pensadores modernos, que o seguiram, dividiram os socialistas em dois grupos: os socialistas utópicos, cujo ideal é semelhante ao sonho de Lieh-Tze (filósofo chinês do V século antes de Cristo) sobre a terra do povo Hwahsu; e os socialistas científicos, que empregam apenas métodos científicos no estudo dos problemas sociais.

Os socialistas utópicos querem reformar a sociedade e construir um Estado pacífico e feliz apenas com o auxílio da imaginação. Essa ideia de um refúgio vão e irreal originou-se da mente de certas pessoas virtuosas e sentimentais, que não podiam tolerar o sofrimento ao redor de si, mas que não tinham o poder de eliminá-lo. Tudo o que podiam oferecer eram ideais vazios. Um provérbio chinês descreve, adequadamente, essa espécie de refugio ideal: “O céu apresenta um verme, a terra apresenta uma folha, o céu apresenta um pássaro e a terra apresenta um verme”, significando que haverá sempre uma folha para alimentar o verme e um verme para alimentar um pássaro. A natureza, porém, não deu ao homem um corpo perfeito; ele não nasce com cabelos, mas necessita de roupa para se proteger contra o frio e de alimento para manter sua vida.

Nos tempos primitivos, quando o homem comia frutos, quando a terra era ampla e seus habitantes poucos, era assunto simples para todos a obtenção de alimentos. Os homens proviam sua subsistência sem grande esforço. Na idade da caça, os homens tinham de pescar e de caçar a fim de obter alimentos e manter sua subsistência. Somente os que trabalhavam podiam encontrar algo para comer. Na idade pastoril, os homens tinham de cuidar dos rebanhos, a fim de prover sua subsistência. Todos viviam nas proximidades de mananciais e de pastagens e mudavam-, constantemente, de um lugar para outro. O trabalho era árduo e exaustivo. Na idade agrícola, os homens tinham de plantar os “cinco grãos” (cânhamo, arroz, trigo, painço, legumes) para viver. As condições de vida tornaram-se cada vez mais complexas e o trabalho passou a exigir um esforço ainda mais exaustivo. Mas, quando a idade industrial e comercial alvoreceu e tudo começou a ser feito pela maquinaria, o homem verificou que, apesar de ter força, não podia utilizá-la. Queria vender seu trabalho, mas não podia encontrar comprador. Foi, então, que grande número de pessoas começou a achar dificuldades para encontrar alimentos, quase perecendo de fome. Seus sofrimentos não podem ser descritos numa única sentença.

Foi quando certos moralistas, vendo que os pássaros e os animais, no mundo da natureza, encontravam os alimentos e o vestuário sem sofrimentos e aborrecimentos, enquanto o homem labutava e sofria, encontrando grandes dificuldades em obter algo para comer e para se vestir, se sentiram tomados de piedade. Na esperança de reduzir os sofrimentos da humanidade e tornar a todos possível os alimentos e o vestuário, apresentaram a doutrina do socialismo como uma panaceia. Os primeiros expoentes do socialismo foram, em sua maioria, moralistas, e seus partidários eram também homens de consciência e caráter puros. As únicas pessoas que combatiam o socialismo ou que mostravam indiferença pelas questões sociais eram os capitalistas, que se haviam tornado profundamente egoístas e não se interessavam pelas condições de vida das massas. Uma vez que a questão social estava relacionada com a subsistência da maioria da humanidade, os profetas e visionários, que apresentavam a doutrina do socialismo, conquistaram, naturalmente, as simpatias e o apoio de grande número de pessoas. Logo que a doutrina apareceu, começaram a organizar-se os partidos socialistas.

O movimento socialista cresceu firmemente em magnitude e unidade e propagou-se para todos os países. Os primeiros socialistas, porém, eram utópicos. Esperavam construir um mundo ideal, pacífico e feliz, em que deixaria de existir o sofrimento humano, mas não pensavam absolutamente em métodos concretos com os quais pudessem eliminar o sofrimento. Foi, então, que surgiu Marx. Ele dedicou sua sabedoria e intelecto, seu conhecimento e sua experiência, a um estudo completo dessas questões. Cuidou de problemas que os homens nunca dantes haviam compreendido claramente ou não puderam medir-lhe a profundidade. Baseou inteiramente suas novas teorias em princípios econômicos. Criticou os socialistas, que o antecederam, por dependerem do sentido moral individual e dos sentimentos das massas, quando as questões econômicas não podiam ser resolvidas pela moralidade e pela emoção. O primeiro elemento essencial, declarou ele, era um exame cuidadoso das condições sociais e do progresso social. O princípio sobre o qual ele se baseou foi o respeito absoluto pelos fatos e não pelos ideais. Suas obras e teorias podem ser consideradas como cristalizando o melhor labor intelectual sobre questões sociais que a humanidade conhece.

Logo depois de Marx ter apresentado suas teorias, o mundo inteiro começou a segui-las, ao mesmo tempo que os pensadores de todos os países manifestavam sua fé nele e se tornavam seus discípulos, exatamente como os estudantes da democracia depositaram sua confiança em Rousseau, quando este apresentou suas teorias democráticas. Depois de Marx, o movimento socialista dividiu-se em dois grupos — os socialistas utópicos e os socialistas científicos. Os socialistas científicos advogavam o emprego de métodos científicos na solução dos problemas sociais.

Nesta época, quando a civilização material está avançando tão rapidamente e a ciência se tornando tão poderosa, todos os estudos devem ser baseados em princípios científicos, a fim de se conseguirem resultados satisfatórios, e não podemos esperar solução da questão social até que empreendamos cuidadosas pesquisas sociais.

Permiti que volte a tratar da minha teoria no sentido. de que a compreensão é difícil e a ação fácil. Qualquer coisa no mundo pode ser feita se for antes compreendida. Por exemplo: está fazendo muito calor nesta sala, e, sem o poder humano, simplesmente com o emprego de ventiladores elétricos, poderemos eliminar o calor. Se o homem antigo ou o camponês contemporâneo vissem tal coisa, certamente pensariam que o ventilador estivesse sendo movido por espíritos, que “os poderes do céu estavam sendo usurpados”, e se ajoelhariam perante ele, fazendo uma oração. Mas, todos vós, conquanto não compreendais os detalhes da construção do ventilador elétrico, estais familiarizados com o princípio do eletromagnetismo que faz o ventilador se mover, e, certamente, não acreditais que seja um objeto sobrenatural. Era a sabedoria dos antigos inferior à nossa? Não. Eles, porém, não conheciam nada sobre ciência e, assim, não podiam inventar um ventilador elétrico. Não eram desprovidos de inteligência natural e de poder para usar um ventilador elétrico. Devido ao conhecimento moderno da ciência e aos inventores científicos do ventilador elétrico é que podemos usá-lo e gozar das delícias do ar fresco. Se o homem antigo, com sua inteligência e habilidade naturais, compreendesse a ciência, poderia ter sido mais engenhoso que o homem moderno.

Antes de Marx, a reconstrução social não passava de uma esperança vaga, de um ideal inatingível. Marx percebeu que, se seguisse em seu estudo os ideais socialistas, ele também criaria apenas um sonho. Mesmo se todo o mundo acreditasse nesses ideais, não poderiam converter-se em realidade. Teve de basear seus estudos em fatos concretos e no emprego dos métodos científicos de cuidadosa pesquisa. Assim, dedicou toda sua vida ao estudo científico do socialismo e exauriu-se na tarefa. Quando esteve exilado na Inglaterra, este país era a nação mais culta do mundo moderno; nenhuma outra nação a sobrepujava. Consequentemente, estava bem abastecida dos meios para promover o avanço da cultura. Contava com uma grande biblioteca com vários milhões de volumes, que abrangiam todos os campos do conhecimento humano. Nessa biblioteca, Marx costumava estudar diariamente. Trabalhou durante vinte ou trinta anos e empregou as melhores energias de sua vida. Reuniu todos os escritos sobre o socialismo, tanto de autores antigos como contemporâneos, comparou-os em detalhe e, depois, tentou deduzir uma conclusão. Tratava-se do método científico do estudo dos problemas sociais, e, assim, a proposta de Marx para a reconstrução social recebeu o nome de socialismo científico.

Com seu estudo trabalhoso e profundo, Marx criou a teoria de que toda a atividade humana no globo, que foi preservada em crônicas escritas pelas gerações, que se sucedem, pode ser denominada de história; e toda a história humana, considerada dessa maneira, gravita em torno de forças materiais. Este último ponto de vista representa a nova ênfase que Marx imprimiu à história. Se a base material da vida se modifica, o mundo também se modifica. Além do mais, a conduta humana é determinada pelo meio material, e, assim, a história da civilização humana é a história da adaptação ao meio material. Essa descoberta de Marx tem sido assemelhada por alguns pensadores à descoberta de Newton da lei astronômica da gravitação.

A concepção materialista da história de Marx foi baseada num estudo tão completo e num raciocínio tão perfeito, que muitos, que se opunham ao socialismo, agora o apoiam. Aqueles que fizeram um estudo cuidadoso das teorias de Marx acreditam ainda mais nele. Depois da Guerra Europeia, não havia muita gente se opondo ao socialismo. Os partidários socialistas tinham um campo livre e poderiam ter resolvido o problema da reconstrução social em todos os países. O grupo mais forte do Partido Socialista era, agora, o grupo marxista de socialistas científicos. Até então, os socialistas utópicos haviam predominado. No período da desorganização social, que se seguiu à guerra, as facções científicas e utópicas nos partidos socialistas dos diferentes países foram levadas inevitavelmente a um conflito e também se verificaram dissenções entre os próprios socialistas científicos. Em consequência, os socialistas ainda não foram capazes de encontrar o caminho para a reconstrução social.

Que dizer sobre a teoria econômica da história enunciada pelo mago do movimento socialista — Karl Marx? Em 1848, os discípulos de Marx reuniram-se num congresso mundial em Bruxelas e decidiram empregar várias normas, que ainda são apoiadas por grande número de marxistas em todos os países. Depois da irrupção da Guerra Europeia, a Rússia começou a pôr em prática as teorias de Marx, porém ultimamente realizou grandes mudanças na interpretação de suas teorias. Qual a razão? Não fizemos uma investigação cuidadosa das condições prevalecentes na Rússia e mal ousamos julgá-las, porém, segundo o que os próprios russos dizem, a política seguida pela Rússia durante a revolução não era marxista, mas uma política de guerra. Essa política de guerra não foi adotada apenas pela Rússia. A Grã-Bretanha, a Alemanha e mesmo os Estados Unidos, durante a guerra, colocaram todas as indústrias da nação — estradas de ferro, companhias de navegação e todas as empresas manufatureiras— sob o controle do Estado, do mesmo modo que a Rússia.

Por que tais atos dos governos eram considerados medidas de guerra na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, ao passo que, na Rússia, eram considerados como aplicação do marxismo? A razão encontra-se na fé depositada pelo Partido Revolucionário russo na filosofia social e política de Marx e em sua ambição de pôr em prática essa filosofia. Mas, segundo o que os russos dizem atualmente, o sistema industrial e econômico do país não está tendo um desenvolvimento suficiente, que permita a aplicação das teorias de Marx. É necessário um padrão econômico como o da Grã-Bretanha ou dos Estados Unidos para que se possa aplicar o marxismo. Assim, depois da Guerra Europeia, os discípulos de Marx começaram a lutar entre si sobre questões teóricas. Os partidos socialistas da Alemanha, França e Rússia haviam sido outrora simples partidários de Marx e mantinham ramos da Internacional, porém, depois que surgiram as diferenças de opinião, começaram a atacar-se e vilipendiar-se mutuamente, acusando-se uns aos outros de deslealdade ao marxismo. Em consequência desses ataques mútuos, começou-se a duvidar seriamente das teorias de Marx.

Têm as forças materiais realmente sido o centro de gravidade da história? Newton constatou que o sol é o centro de gravidade de nosso sistema solar e os astrônomos e outros cientistas corroboram esse princípio. Marx descobriu que a história gravitava em torno de forças materiais. É seu princípio correto ou não? Depois de alguns anos de experimentação, em seguida à Guerra Europeia, muita gente afirma que o princípio não é exato. Qual é, pois, a força central da história? Desde há 20 anos, o nosso Kuomintang está advogando o Princípio da Subsistência. Não esposamos o socialismo, mas o Princípio Min-Sheng. Mantêm as esferas das duas doutrinas qualquer espécie de relação? Recentemente, um discípulo americano de Marx, Maurice Williams (o autor de Interpretação Social da História), depois de realizar um estudo profundo da filosofia de Marx, chegou à conclusão de que o desacordo entre os socialistas é devido aos defeitos existentes na doutrina marxista. Ele apresentou o ponto de vista de que a concepção materialista da história não é correta; que o problema social, e não as forças materiais, é o centro que determina o curso da história, e que a subsistência é o núcleo do problema social. Essa interpretação social da história é, no seu entender, a única acertada. O problema da subsistência é o problema fundamental.

A nova teria desse pensador americano coincide, exatamente, com o terceiro (princípio de nosso partido. A teoria de Williams assinala que a subsistência é a força central do progresso social e que o progresso social é a força central da história. E, daí, a luta pela existência, e não as forças materiais, determinar o curso da história. Sustentamos, durante vinte anos, o Princípio da Subsistência. Quando estudamos e ponderamos, pela primeira vez, essa questão, verificamos que o termo Min- Sheng definia o campo dos problemas sociais melhor do que os termos “Socialismo” ou “comunismo” e, assim, decidimos empregá-lo. Pouco pressentíamos naquela época que a clarificação de princípios e o desenvolvimento do conhecimento em seguida à Guerra Europeia levariam os estudantes da escola marxista a descobrir o mesmo ponto. Isso mostra que o nosso Princípio Min-Sheng não é mera repetição do que os pensadores contemporâneos estão enunciando.

Segundo esse pensador americano, as energias da humanidade, tanto nos tempos antigos como nos modernos, têm sido despendidas principalmente nos esforços para resolver o problema da subsistência. A luta pela existência é uma das leis do progresso social e é a força central da história. A teoria materialística de Marx não apresenta qualquer lei do progresso social e não pode ser um fator determinante na história. Se quisermos entender claramente as posições desses dois filósofos sociais e determinar qual é o que está certo, deveremos fazer um estudo detalhado de suas doutrinas e verificar se essas doutrinas se harmonizam com os fatos do moderno progresso social. Marx, em suas investigações do problema social, acentuou o lado material. Ao tratar das forças materiais, chegareis inevitavelmente, em primeiro lugar, à questão da produção. Onde não existe a superprodução, não chegaria naturalmente a revolução industrial, e, assim, a produção ocupa um lugar de importância primacial na economia moderna. Se quiserdes compreender as modernas condições econômicas, devereis conhecer os fatos da produção. A produção em grande escala tornou-se possível, nos tempos modernos, graças à mão de obra e à maquinaria, pela cooperação do capital e da maquinaria com a mão de obra. Os benefícios dessa produção, em grande escala, foram colhidos principalmente pelos capitalistas; os trabalhadores gozam apenas de uma pequena fração desses benefícios. Consequentemente, os interesses dos capitalistas e dos trabalhadores, colidem, constantemente, e, quando não é encontrada uma solução para o conflito, irrompe a guerra de classes.

Marx sustentou que a guerra de classes não era algo que tivesse apenas surgido com a revolução industrial; toda a história do passado é uma história de luta de classes — entre senhores e escravos, entre proprietários de terras e servos, entre nobres e plebeus. Numa palavra, entre todas as espécies de opressões e de oprimidos. Somente quando a revolução social tivesse alcançado um êxito completo, essas classes em luta desapareceriam. É evidente que Marx considerava a guerra de classes essencial ao progresso social, a força diretora, de fato, do progresso social. Ele sustentou que a guerra de classes era a causa e o progresso social o efeito.

Volvamos nossas vistas para fatos recentes no desenvolvimento da sociedade para vermos se essa relação de causa e efeito é, realmente, uma lei de progresso social. A sociedade realizou um tremendo progresso nas últimas décadas, e os detalhes desse progresso social constituem uma história complicada. Somente, os fatos no campo econômico não podem ser descritos em algumas palavras. Mas, para sermos breves: o recente progresso econômico no Ocidente pode ser considerado como tendo assumido quatro formas — reforma social e industrial, propriedade pública dos transportes e comunicações, tributação direta e distribuição socializada. Essas quatro práticas socioeconômicas evoluíram pelo método da reforma, e, à medida que o tempo transcorre, veremos outras reformas e melhoramentos.

Explicarei essas quatro práticas de forma mais detalhada. A primeira — a reforma socioeconômica — significa o uso do poder governamental para melhorar a educação e proteger a saúde do trabalhador, para melhorar as fábricas e as maquinarias, de modo que as condições de trabalho possam ser perfeitamente seguras e confortáveis. Tais reformas dão ao trabalhador mais força para o exercício de suas atividades, tomando-o mais predisposto ao trabalho e aumentam também grandemente a capacidade de produção. A Alemanha foi o primeiro país a pôr essa reforma socialmente progressista em prática, obtendo os melhores resultados; nos anos recentes, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos imitaram-na com resultados igualmente vantajosos.

A segunda prática significa a colocação integral, sob o controle governamental, dos serviços de utilidade pública, estradas de ferro, linhas de navegação e serviços telegráfico e postal. Quando o grande poder do governo é empregado na direção dessas grandes empresas, ficam assegurados os transportes rápidos e as comunicações adequadas. Assim, os materiais podem ser movimentados facilmente de todos os pontos do país para as fábricas e os artigos manufaturados das fábricas podem ser facilmente canalizados para os mercados, sem perda de tempo e congestões no trânsito, que causam, tantos prejuízos tanto às matérias primas como aos artigos manufaturados. Se essas empresas ficam a cargo de indivíduos ou entidades privadas, e não do governo, ou não possuem recursos financeiros suficientes para explorá-las e desenvolvê-las, ou criam, através do monopólio, uma força bastante obstrutiva, então, é certo que se verifique um decréscimo de eficiência nos serviços de transportes e comunicações. Todas as atividades econômicas do país passam a sofrer perdas intangíveis e sérias A Alemanha foi a primeira nação a discernir as vantagens e desvantagens das empresas privadas explorando os serviços públicos, e, há muito tempo, colocou todos os seus meios de transporte e comunicação sob a direção direta do Estado. Durante a Guerra Europeia, todas as companhias de transportes e comunicações, nos Estados Unidos, foram colocadas sob o controle e direção governamentais.

A terceira característica da moderna reforma econômica, a tributação direta, é também um desenvolvimento bem recente do método socioeconômico. É aplicada por meio de uma tarifa graduada, que grava um elevado imposto de renda e de transmissão sobre os capitalistas, assegurando recursos financeiros para o Estado. Devido à ampla renda dos capitalistas, a tributação direta pelo Estado “obtém muito sem parecer opressivo”. O velho sistema de tributação dependia inteiramente dos impostos em dinheiro c cm cereais e das rendas aduaneiras. Esses métodos colocavam o fardo do orçamento inteiramente sobre os ombros da gente pobre e permitia que os capitalistas gozassem de todos os privilégios do Estado sem assumirem qualquer responsabilidade financeira, o que era excessivamente injusto. A Alemanha e a Grã-Bretanha, há muito tempo, perceberam essa injustiça e puseram em prática um plano de tributação direta. Na Alemanha, as rendas dos impostos de renda e transmissão atingem de 60 a 80% da receita total. Os Estados Unidos adotaram, mais tarde, esse método de tributação. Sua lei de imposto sobre a renda só foi promulgada há dez anos, e, desde então, a renda nacional tem registado, anualmente, aumento considerável. Em 1918, o imposto sobre a renda atingia, aproximadamente, a cifra de quatro biliões de dólares-ouro. Todas as nações do Ocidente, que adotaram recentemente a tributação direta, aumentaram consideravelmente seus recursos financeiros e asseguraram, assim, o poder financeiro necessário para empreender diversas reformas sociais.

A quarta atividade econômica moderna, a distribuição socializada, é o desenvolvimento mais recente na sociedade ocidental Desde a invenção do dinheiro e do desenvolvimento do sistema comercial, todas as mercadorias destinadas ao consumo normal são adquiridas indiretamente, por intermédio de comerciantes. O comerciante compra as mercadorias ao menor preço possível do produtor e as revende ao consumidor. Por essa transação, ele percebe uma comissão substancial. Tal sistema de distribuição pode ser chamado de sistema comercial ou distribuição mercantil. Sob tal sistema de distribuição, o consumidor sofre inconscientemente pesadas perdas. Estudos recentes mostraram que o sistema comercial pode ser melhorado, que as mercadorias não necessitam de ser distribuídas por negociantes, mas através de organizações sociais ou pelo governo. A Inglaterra, por exemplo, introduziu as sociedades cooperativas de consumo, que são organizações sociais para a distribuição de mercadorias.

Os governos municipais mais modernos da Europa e da América exploram os serviços de distribuição de água, eletricidade e gás, de pão, leite, manteiga e outros gêneros alimentícios. Isso poupa ao consumidor o lucro do comerciante, reduzindo-lhe as perdas. O princípio desse sistema é o da distribuição socializada, isto é, o socialismo aplicado à distribuição. Essas quatro formas de desenvolvimento social e econômico — reforma social e econômica, propriedade pública dos transportes e comunicações, tributação direta e distribuição socializada — estão suplantando os velhos sistemas e originando novos. É a constante emergência de novos sistemas que torna possível o progresso constante.

Qual é a causa da evolução social? Por que a sociedade tem de sofrer essas transformações? A julgar pela teoria de Marx, teríamos de concluir que a mudança social é causada pela luta de classes, e a luta de classes e provocada pela opressão capitalista dos trabalhadores. Desde que os interesses dos capitalistas e dos trabalhadores entram, inevitavelmente, em conflito e não podem ser conciliados, a luta se segue, e essa luta, dentro da sociedade, é que promove o progresso. Observai, todavia, os fatos reais do progresso social no Ocidente durante as últimas décadas. A característica mais salutar tem sido o desenvolvimento da distribuição socializada, que destrói o monopólio do comerciante. Impostos mais pesados sobre as rendas e as heranças dos capitalistas aumentam a riqueza do Estado, capacitando-o a colocar sob seu controle os meios de transporte e comunicação, a melhorar a educação e a saúde dos trabalhadores, o equipamento das fábricas, e a aumentar a produtividade da sociedade. Quando a produção é abundante, os capitalistas fazem naturalmente fortunas e os trabalhadores recebem salários elevados. Sob esse ponto de vista, quando os capitalistas melhoram as condições de vida dos trabalhadores e aumentam sua produtividade, os trabalhadores podem produzir mais para os capitalistas. Do lado dos capitalistas, isso significa uma produção maior. Do lado dos trabalhadores, salários mais altos. Eis uma forma de conciliar os interesses dos capitalistas e dos trabalhadores, solucionando o seu conflito.

A sociedade progride, pois, mediante um ajustamento dos seus principais interesses econômicos e não através do choque de interesses. Se a maioria dos interesses econômicos da sociedade pudesse ser harmonizada, a maioria do povo se beneficiaria e a sociedade progrediria. A razão porque queremos promover esses ajustamentos reside simplesmente no problema da subsistência. Desde os tempos imemoriais, o homem aplica suas energias para manter sua existência. E a luta da humanidade pela continuação da existência tem sido a razão do desenvolvimento incessante da sociedade, a lei do progresso social. A guerra de classes não é a causa do progresso social, é uma doença desenvolvida no curso do progresso social. A causa da doença é a incapacidade de subsistir e o resultado da doença é a guerra. O que Marx aproveitou de seus estudos dos problemas sociais foi o conhecimento das doenças que surgem no curso do progresso social. Marx, portanto, pode apenas ser considerado um patologista social; não podemos dizer que ele seja um fisiologista social.

Segundo a teoria da luta de classes de Marx, a “mais valia”, que o capitalista recebe, é tirado inteiramente do trabalho do operário. Marx deu todo o crédito pela produção ao trabalho do operário industrial, não tomando conhecimento de outros fatores sociais úteis. Por exemplo, a indústria mais nova da China, as fiações e tecelagens de Xangai, Nantungchow, Tientsin, Hankow e de outros lugares, realizaram enormes lucros durante a Guerra Europeia. Cada fábrica criou uma mais-valia anual de pelo menos várias centenas de milhares de dólares. Em alguns casos, a mais-valia atingiu a cifra de milhões. A quem se deve essas imensas mais-valia? Simplesmente ao trabalho dos fusos e teares? Quando pensamos nos fios e no tecido, nossas mentes volvem-se para o algodão. Quando pensamos sobre a procedência do algodão, nossas mentes dirigem-se para questões agrícolas. Se quisermos discutir os detalhes do cultivo do algodão, teremos de nos reportar aos agrônomos que estudam a seleção das espécies de algodão e os melhores métodos de plantá-lo e colhê-lo. Muitos instrumentos e máquinas devem ser utilizados para arar o solo antes da plantação de semente e para limpá-lo depois da plantação; devem ser empregados os adubos para alimentar as plantas. Quando consideramos as máquinas e os adubos, temos de dar crédito aos descobridores e fabricantes dessas coisas. Depois do algodão ser apanhado, deve ser transportado para as fiações para ser tecido. Depois de transformado em tecido deve ser transportado para os mercados de consumo. Isso leva nossas mentes, naturalmente, aos navios e trens, e, se apreciarmos a capacidade de transporte destes, daremos crédito aos inventores das máquinas elétricas e a vapor. Se pensarmos nos materiais de que são feitos, teremos de dar crédito aos mineiros e aos fabricantes de metais, aos lenhadores e aos serradores. Se, depois de completada a manufatura, nenhuma outra classe da sociedade, exceto os operários industriais, usar o tecido, essas coisas não terão grande saída. E, então, como podem os capitalistas realizar grandes lucros e criar uma grande mais-valia? Quando apreciais todos esses fatos, a quem pensais que pertença a mais-valia? Como podem os trabalhadores das fábricas afirmar que é inteiramente criada por seus esforços? As circunstâncias sob as quais a mais-valia é criada é a mesma em todas as indústrias: é o fruto não somente do trabalho nas fábricas, mas de muitos fatores úteis e poderosos na sociedade, trabalhando direta ou indiretamente e trazendo uma contribuição grande ou pequena à produção ou consumo dos artigos manufaturados. Esses fatores úteis e poderosos ocupam um lugar destacado na sociedade.

Quanto aos operários industriais, mesmo numa nação tão industrialmente próspera como os Estados Unidos, não vão além de 20 milhões, ou seja, um quinto da população; enquanto em outros países, como a China, representam uma proporção muito pequena do povo. Se encararmos a questão sob esse ponto de vista, e se existir uma falta de ajustamento dos interesses econômicos numa nação altamente industrializada, conduzindo ao conflito e à guerra, não veremos a classe trabalhadora em luta contra a classe capitalista, mas a maioria dos fatores úteis e capazes de toda a sociedade alinhados contra o capitalismo. E porque esses numerosos fatores sociais procuram sua subsistência e querem eliminar a luta econômica é que se está introduzindo a distribuição pública das mercadorias, a tributação pesada contra as rendas e heranças dos capitalistas para o desenvolvimento dos transportes e das comunicações nacionais, a reforma das condições de vida entre a massa trabalhadora e das condições de trabalho nas fábricas, e outras práticas que contribuirão para harmonizar o maior número possível de interesses econômicos na nação. Desde que esses diversos métodos de ajustamento econômico se desenvolveram no Ocidente, a sociedade realizou grande progresso, e a maioria do povo veio a gozar de felicidade. Marx, em seu estudo dos problemas sociais, encontrou apenas uma das doenças da sociedade; ele não descobriu a lei do progresso social e a força central da história. Como afirmou o pensador americano, a luta pela subsistência é a lei do progresso social e é a força central da história. A luta pela existência é a mesma coisa que o problema da subsistência, e, portanto, o problema da subsistência pode ser considerado como a força motora do progresso social. Quando compreendermos plenamente esse princípio, ser-nos-á fácil encontrar outra solução para o problema social.

A assertiva de Marx, de que a luta de classes é a causa do progresso social, coloca o efeito antes da causa. Devido a essa confusão nas ideias fundamentais, a teoria de Marx não se entrosou com a realidade e tem sido frequentemente desmentida pelos fatos na história social. Por exemplo, os discípulos de Marx realizaram, em 1848, um Congresso internacional de comunistas e fizeram várias declarações. A Liga Internacional Comunista organizada nessa ocasião foi dissolvida durante a Guerra Franco-Prussiana. Mais tarde, organizou-se a Segunda Internacional, que diferia da Primeira Internacional em vários aspectos. A Primeira Internacional esposou integralmente a teoria da luta de classes, advogava métodos revolucionários para a reconstrução da sociedade e não tolerava qualquer espécie de compromisso com o capitalismo, preconizando uma absoluta não-cooperação. A atividade política dos membros em assembleias nacionais foi proibida pelo partido considerando-a como uma atitude anticientífica. Mais tarde, os comunistas alemães começaram a agitar-se no Reichstag, Enquanto na Grã-Bretanha, o Partido Trabalhista, sob uma monarquia constitucional, foi capaz, recentemente, de organizar um gabinete. Esses fatos indicam que muitas das mudanças políticas e econômicas, que ocorreram não seguiram a norma delineada pela Primeira Internacional. A grande diferença na política adotada pela Primeira e pela Segunda Internacional veio agravar a discórdia entre os discípulos de Marx, uma coisa que Marx sempre evitou quando vivia.

Segundo a minha teoria, a ação é fácil, porém, a compreensão é difícil. Marx queria empregar a ciência na solução do problema social. Despendeu grandes somas de energia no período que antecedeu a fundação da Primeira Internacional, dedicando grande parte de seu tempo a um estudo descriminando da história e dos fatos correntes. Em consequência de suas investigações, chegou à conclusão de que o sistema capitalista iria, com toda a certeza, entrar em colapso no futuro; à medida que o capitalismo florescesse, a concorrência, dentro do sistema, tornar-se-ia mais severa, os grandes capitalistas tentariam devorar os pequenos capitalistas, e, finalmente, só restariam duas classes na sociedade — os capitalistas extremamente ricos e os trabalhadores extremamente pobres. Quando o capitalismo atingisse seu zênite, desagregar-se-ia rapidamente e seria substituído por um Estado capitalista. Depois, o socialismo, no curso da evolução natural, surgiria e um Estado socialista livre seria implantado. De acordo com as ideias de Marx, os Estados altamente capitalistas tinham já atingido o estádio da dissolução, e, assim, a revolução se seguiria imediatamente. Mas os fatos da história do Ocidente, nos setenta e tantos anos que se seguiram à morte de Marx, vieram contradizer diretamente sua teoria.

Na época de Marx, os trabalhadores, na Inglaterra, estavam exigindo o dia de trabalho de oito horas e empregavam a greve para forçar os capitalistas a atender suas reivindicações. Marx criticou os operários ingleses, dizendo que suas exigências não passavam de um sonho e que não seriam atendidas pelos capitalistas; a fim de obterem o dia de oito horas teriam de empregar armas revolucionárias. Mais tarde, todavia, o dia de oito horas não somente se converteu em realidade, como os trabalhadores haviam pleiteado, mas foi incorporado numa lei de Estado, vigente em todo o país, de modo que todos os trabalhadores de fábricas, bancos e estradas de ferro passaram a trabalhar apenas oito horas por dia. Muitos outros acontecimentos, que Marx não previu, mostraram-se inconsistentes com sua teoria. Marx teve mesmo de reconhecer que algumas coisas ocorreram em contradição às suas expectativas. Tomemos o caso do capitalismo: Marx sustentou que, à medida que o capitalismo gerasse capitalistas, uns tenderiam a devorar os outros, apressando assim sua própria destruição, porém, até agora, os capitalistas não só não foram destruídos em parte alguma, mas estão se multiplicando mais rapidamente do que antes, sem qualquer indício de que esse processo esteja no fim. Isso vem projetar mais luz sobre a teoria de Marx.

Examinemos novamente a situação social na Alemanha. Durante o regime de Bismarck, o poder do Estado era usado para aliviar a situação dos trabalhadores. O dia de trabalho foi limitado por lei a oito horas e várias restrições foram introduzidas quanto à idade e horas de trabalho dos menores. O Estado também promulgou certas medidas quanto às pensões e seguro dos trabalhadores, colocando o encargo da sua execução sob a responsabilidade dos capitalistas do país. Apesar de muitos capitalistas se terem oposto, Bismarck, estadista de “sangue e ferro”, forçou a execução de seu plano mediante o emprego de seu pulso forte. Ao mesmo tempo, muita gente reconhecia que essas reformas para a proteção dos trabalhadores e para a redução das horas de trabalho beneficiariam, naturalmente, os operários, porém trariam, prejuízos para os capitalistas. Teoricamente, 16 horas de trabalho significariam produção maior do que oito horas. Qual foi, porém, o efeito da aplicação do dia de trabalho de oito horas? Na realidade, o dia de oito horas demonstrou ser muito mais produtivo do que o de 16 horas. A razão é que, no sistema de oito horas, os trabalhadores não exaurem suas energias e forças, conservando-se em melhor forma. Consequentemente, ficam sempre alertas e podem cuidar melhor de suas máquinas. Isso significa que às máquinas são raras vezes desarranjadas, e as fábricas não necessitam de paralisar suas atividades para a reparação do maquiná- no. A produção é ininterrupta e maior é sua quantidade. Quando os operários trabalhavam 16 horas por dia, sua força e energias eram seriamente afetadas, não podiam dedicar atenção cuidadosa às diversas partes da máquina, que se desarranjava constantemente, e a fábrica tinha de fechar para reparos, o que acarretava a interrupção de suas atividades, acompanhada da inevitável redução de sua produtividade.

Se não acreditais no que estou dizendo, posso apresentar-vos uma comparação que provará minha assertiva. Sugiro que façais a seguinte experiência: Estudai durante 15 ou 16 horas por dia até fatigardes vosso espírito, e mesmo que vos esforceis para prosseguir, não podereis lembrar-vos claramente o que estudastes. Se estudastes, porém, apenas oito horas diárias, descansardes e vos divertirdes durante o resto do tempo, conservareis vossas energias e acredito que vos lembrareis facilmente e também facilmente compreendereis o que haveis estudado. Marx pensava que o dia de oito horas diminuiria a produtividade. Mas, quando a Alemanha pôs em prática o dia de oito horas, verificou-se um aumento na produtividade, excedendo a de outros países. A Grã-Bretanha e os Estados Unidos ficaram maravilhados, pois imaginavam que a redução das horas de trabalho e o ônus de uma despesa maior para a proteção dos trabalhadores importariam num decréscimo da produção. Como, então, a Alemanha aumentou a produção com essas medidas? Sua estupefacção levou-os a estudar as condições na Alemanha, e, mais tarde, quando compreenderam os novos princípios econômicos, começaram a imitar os métodos alemães. Marx, em seu tempo, não viu esses princípios, de modo que foi ter a uma falsa conclusão.

Segundo as investigações de Marx, se os capitalistas querem obter uma mais-valia maior, devem preencher três condições — redução de salários, aumento das horas de trabalho e elevação do preço do artigo manufaturado. Que essas três condições são ilógicas, podemos prová-lo com a mais formidável indústria lucrativa dos tempos modernos. Todos vós já ouvistes falar das fábricas Ford, nos Estados Unidos. São enormes e sua tremenda produção de automóveis é distribuída por todo o mundo. Seus lucros atingem a centenas de milhões de dólares. Quais são as condições de trabalho dessas fábricas? Toda a maquinaria e instalações, seja nas fábricas ou nos escritórios, são completas e bem ordenadas, admiravelmente desenhadas, com o propósito de proteger a saúde dos trabalhadores. Os trabalhos mais rudes não duram mais de oito horas. Os operários mais comuns ganham um salário diário de cinco dólares em ouro, ou, seja, 10 dólares chineses, enquanto os trabalhadores qualificados percebem salários maiores. Além dos salários elevados, as fábricas contam com parques de recreio para os trabalhadores, clínicas para o tratamento de doenças dos operários e escolas para a educação dos filhos dos operários. Está também em prática o seguro contra a velhice e os acidentes no trabalho. Depois da morte do trabalhador, sua família tem direito ao seguro e a uma pensão. Todos os que compraram automóveis conhecem o preço dos carros manufaturados nessas fábricas. Enquanto outros automóveis ordinários custam 5.000 dólares, um carro Ford não custa mais do que 1.500. Apesar do carro ter um preço tão baixo, seu motor é poderoso, sendo especialmente adaptado ao tráfego em estradas montanhosas e também pode ser usado durante muito tempo sem sofrer desarranjos. Devido ao fato dos carros produzidos pelas fábricas Ford serem baratos e de boa qualidade, propagaram-se por todo o mundo rapidamente, e, devido ao amplo mercado existente para esses carros, as fábricas estão fazendo uma fortuna.

Comparemos, agora, os princípios econômicos e industriais aplicados por essas grandes fábricas de automóveis com a teoria de Marx da mais-valia. As três condições essenciais estipuladas por Marx para o aumento da mais-valia são redondamente contraditadas. Marx declarou que o capitalista teria de aumentar as horas de trabalho; as fábricas Ford reduziram o dia de trabalho. Marx declarou que o capitalista teria de reduzir os salários; as fábricas Ford elevaram os salários. Marx declarou que o capitalista teria de elevar o preço do artigo manufaturado; as fábricas Ford reduziram o preço de seu produto. Marx não previu essas contradições, e, assim, suas conclusões são séria e peculiarmente falsas. Tudo o que Marx aproveitou de seu longo estudo dos problemas sociais foram fatos da história passada. Ele não antecipou o que aconteceria no futuro. Consequentemente, seus discípulos desejam introduzir modificações em suas teorias. O objetivo fundamental da filosofia social de Marx foi a derrubada do sistema capitalista. Mas, se o regime capitalista deve ser destruído ou não, é uma questão importante que devemos estudar, em detalhes, antes que possamos responder claramente. Isso mostra, mais uma vez, que é muito difícil compreender, mas muito fácil agir.

Eis a essência da teoria de Marx sobre a mais-valia ou o valor-excedente. O lucro dos capitalistas é auferido da mais-valia criada pelo trabalho. A produção dos capitalistas depende dos trabalhadores, a produção dos trabalhadores depende dos materiais, e a compra e venda de materiais depende dos comerciantes. Em todas as espécies de produção, os capitalistas e a classe mercantil auferem todos os proveitos, roubando o trabalhador do que ganhou com seu sangue e suor. Os capitalistas e os comerciantes, portanto, são prejudiciais aos trabalhadores e ao mundo e deveriam ser destruídos. A conclusão de Marx, porém, foi que os capitalistas deveriam ser destruídos antes da classe mercantil.

O mundo está realizando atualmente um progresso acentuado e iniciando diariamente novas reformas. Tomemos, por exemplo, a nova prática da distribuição socializada, também conhecida pelo nome de sociedades cooperativas. Essas sociedades são organizadas pela união de muitos trabalhadores. Se os trabalhadores compram alimentos e vestuário que necessitam, através dos varejistas, estes exigem um lucro e ganham muito dinheiro, enquanto os trabalhadores terão de despender muito mais em suas compras. A fim de comprar bons artigos a preços razoáveis, os próprios trabalhadores erigem uma organização para vender o que necessitam. Dessa maneira, podem comprar todas as mercadorias que usam comumente em seus próprios armazéns. As mercadorias são disponíveis a preços baixos, e, no fim do ano, o lucro que o armazém auferiu é dividido entre os fregueses, segundo a proporção de suas compras. Devido a essa partilha de lucros em proporção ao volume das compras é que os armazéns são denominados de sociedades cooperativas de consumidores. Grande número de bancos e de fábricas na Grã-Bretanha são atualmente dirigidos por essas sociedades cooperativas. O surto dessas sociedades eliminou muitos armazéns comerciais. Aqueles que outrora consideravam esses armazéns como empreendimentos sem importância, agora os consideram como organizações poderosas. Devido à propagação rápida de tais organizações, os grandes comerciantes britânicos se tornaram produtores. Por exempla, a Standard Oil Company, apesar de ser uma organização de distribuição na China, é uma empresa produtora nos Estados Unidos. Outras empresas mercantis na Grã-Bretanha estão se convertendo em organizações produtoras. O desenvolvimento dessas sociedades cooperativas, como solução para o problema social, é questão de importância secundária, mas, mesmo assim, veio provar a falsidade das conclusões de Marx de que os capitalistas seriam destruídos antes da classe mercantil. Essa inconsistência das deduções de Marx em relação aos fatos da vida moderna constitui outra evidência de que minha teoria — o conhecimento é difícil, a ação é fácil — não pode ser ignorada.

Segundo a teoria de Marx, também as grandes indústrias do mundo dependem da produção e a produção depende dos capitalistas, o que significa que,, com uma boa produção e grande capital, a indústria pode expandir-se e realizar lucros. Qual a luz que as condições industriais prevalecentes na China projetam sobre essa teoria? O maior estabelecimento industrial da China é a Companhia Han-Yeh-Ping (Usinas de Ferro e Aço de Hanyang), cujas grandes oficinas se especializam na manufatura de aço. Sheng Hsuan Hui detinha a maior parte do capital dessa companhia. A produção anual de aço é usualmente canalizada para Seattle, nos Estados Unidos, 0u para a Austrália. Durante a Guerra Europeia foi também vendida ao Japão.

O aço, todavia, tem sido uma das principais importações da China. Por que a China ainda importa aço do exterior, quando dispõe da produção das Usinas de Ferro de Han-Yeh-Ping? Porque o aço procurado no mercado chinês é de fina qualidade, destinado ao emprego em construções, para a manufatura de fuzis, canhões e máquinas-ferramentas. A Companhia Han-Yeh-Ping produz apenas trilhos e ferro-gusa, que não se adaptam às necessidades do mercado chinês. Assim, nosso mercado compra o aço estrangeiro importado de preferência ao aço de Han-Yeh-Ping. Os Estados Unidos produzem atualmente 40.000.000 de toneladas de aço, cada ano, e entre 40 a 50 milhões de tonela- [lapso no original] zís, canhões e máquinas-ferramentas. A Companhia Han-Yeh-Ping, produz 200.000 toneladas de ferro e um pouco mais de 100 mil toneladas de aço, anualmente. Por que, então, a China, com sua pequena produção, ainda vende aço aos Estados Unidos, e por que os Estados Unidos, com sua grande produção, ainda compram aço chinês? Devido ao fato da Companhia Han-Yeh-Ping não possuir boas refinarias, e o ferro que produz ter de ser submetido a vários processos industriais antes que possa ser usado. Não é adaptado às necessidades do mercado chinês, e, assim, tem de ser vendido aos países estrangeiros.

Os Estados Unidos possuem inúmeras usinas de aço, que podem aproveitar o ferro barato produzido em qualquer parte, derretê-lo e produzir bom aço, auferindo bons lucros. Apesar dos Estados Unidos produzirem grande quantidade de aço, ainda compram o ferro barato da China. Devido ao fato da Companhia Han-Yeh-Ping ter exportado seu aço para outros países, durante a Guerra Europeia, foi capaz de reduzir as horas de trabalho, aumentar os salários, e ainda assim realizar grandes lucros. Mas, atualmente, a companhia está sofrendo prejuízos, tendo dispensado muitos trabalhadores. Marx teria dito que, uma vez que a Companhia Han-Yeh-Ping produz bom artigo, como o aço, e dispõe de grande capital, deveria realizar grandes lucros e expandir-se rapidamente. Por que, então, ela está declinando? Se estudarmos as condições prevalecentes nessa companhia, veremos que o centro de gravidade da indústria é a comunidade de consumidores. A indústria não depende apenas do capital empregado na produção. Apesar da Companhia Han-Yeh-Ping dispôr de grande capital, o aço que produz não encontra consumo na China e, assim, não pode expandir-se nem realizar lucros. Devido ao fato da indústria apoiar-se numa sociedade consumidora, todas as grandes indústrias modernas fabricam seus artigos de acordo com as necessidades do consumidor. Os operários mais inteligentes estão atualmente cooperando também com os consumidores. Que é o consumo senão uma questão de subsistência? Assim, a indústria tem de apoiar-se sobre a subsistência do povo.

A subsistência é o centro do governo, o centro da economia, o centro de todos os movimentos históricos. Exatamente como os homens, outrora, tinham uma concepção errônea do centro do sistema solar, os socialistas de antanho também consideravam erradamente as forças materiais como o centro da história. As confusões que resultaram podem ser comparadas às que se seguiram. às conclusões dos velhos astrônomos no sentido de que a terra era o centro de nosso sistema solar. Nos cálculos cronológicos, verificava-se sempre um erro de um mês em cada três anos. Mais tarde, quando o erro foi corrigido e o sol passou a ser considerado como o centro do sistema solar, houve um erro de um, dia apenas em cada três anos. Se quisermos eliminar as confusões do problema social, deveremos corrigir erro da ciência social. Não podemos mais afirmar que as questões materiais são a força central da história. Devemos permitir que os movimentos políticos, sociais e econômicos gravitem em torno do problema da subsistência. Devemos reconhecer a subsistência como o centro da História social. Quando tivermos realizado uma investigação completa desse problema, poderemos encontrar uma solução do problema social.

3 de Agosto de 1924.

SEGUNDA CONFERÊNCIA

Métodos de aplicação do Princípio “Min-Sheng” na China.Equalização da propriedade das terras e regulamentação do capital. — Métodos revolucionários “versus” métodos evolucionistas de reforma social e econômica.A luta de classes é possível somente em Estados altamente industrializados.Diferença entre o Princípio “Min-Sheng” e o comunismo quanto aos métodos e não quanto aos princípios.Ausência de uma classe extremamente rica na China; graus de pobreza.Efeitos da influência ocidental sobre os valores da terra na China: Xangai, Cantão.O problema do “incremento não ganho” no Ocidente, na China.A presente oposição ao comunismo no Kuomintang comparada com a antiga oposição à democracia.O Princípio “Min-Sheng” e sua relação com o comunismo não foram ainda compreendidos no partido.Igualização da propriedade.Valores da terra a serem declarados pelos proprietários e conformemente tributados; se avaliados a preços baixos, devem ser adquiridos pelo governo.Os futuros incrementos deverão reverter à comunidade.O PrincípioMin-Sheng” não é um comunismo do presente, mas do futuro.A tributação da terra como fonte de receita do governo.Os métodos de Marx não são aplicáveis à atual situação na China.Capital do Estado, indústrias do Estado devem ser desenvolvidos.O capital estrangeiro necessário no início.

Se devêssemos iniciar uma discussão detalhada do problema da subsistência, sob o ponto de vista doutrinário, não a acabaríamos em dez ou vinte dias. Além do mais, como não existe ainda uma doutrina estabelecida sobre essa questão, não somente perderíamos muito tempo, mas, quanto mais nos estendêssemos em considerações, tanto menos a compreenderíamos, provavelmente. Assim, porei de lado as doutrinas por algum tempo e me referirei, hoje, apenas aos métodos de ação.

Há algum tempo, o Kuomintang estabeleceu, em sua plataforma partidária, dois métodos pelos quais o Princípio da Subsistência deverá ser aplicado. O primeiro método é a equalização da propriedade de terras e o segundo a regulamentação do capital. Se adotarmos esses dois métodos., poderemos resolver o problema da subsistência na China. Os diferentes países do mundo, devido às condições diferentes e aos diferentes graus do desenvolvimento capitalista, devem necessariamente seguir métodos diferentes na solução do problema da subsistência. Muitos pensadores chineses, que absorveram todas as formas do conhecimento ocidental, pensam que poderíamos resolver nosso problema imitando o Ocidente, sem compreenderem quão divididos estão os partidos socialistas do Ocidente em torno da questão social e quão distantes ainda se encontram de um curso de ação uniforme. Os marxistas pretendem resolver todas as questões sociais mediante a implantação da ditadura do proletariado e todos os problemas econômicos e políticos pela revolução. São o grupo radical. Outro grupo de socialistas advoga métodos pacíficos e o uso da ação e transação políticas. Essas duas facções empenham-se num conflito severo e constante na Europa e na América e cada uma tem sua própria linha de ação. A Rússia, em sua revolução, empregou o método revolucionário para a solução de seus problemas políticos e econômicos. Mas o que vimos nos seis anos subsequentes à revolução mostra que o método revolucionário se revestiu de completo êxito somente no campo político e não se pode afirmar que tenha resolvido inteiramente o problema econômico. A nova política econômica da Rússia Soviética está ainda em seu estágio experimental e isso facilita-nos a compreensão de que os esquemas revolucionários podem remover inteiramente as dificuldades econômicas. Por essa razão, vários pensadores ocidentais opõem-se ao plano revolucionário da Rússia e estão advogando, em seu lugar, a ação política. Como a ação política não realiza a reforma social e política num único dia, esse grupo é composto de indivíduos que creem no progresso lento, na negociação e no emprego de meios pacíficos. Não acham que os Estados altamente capitalistas do Ocidente devam utilizar-se do método de Marx e tentem precipitar a solução do problema social. Pensam que somente os métodos pacíficos solucionarão completamente o problema.

Esses métodos pacíficos são os quatro que mencionei em minha conferência anterior: — reforma social e econômica, nacionalização dos transportes e das comunicações, tributação direta ou imposto sobre a renda e distribuição socializada ou sociedades cooperativas. São bem diferentes dos métodos apresentados por Marx, e, se os adotarmos para a reconstrução econômica., estaremos em oposição aos métodos revolucionários preconizados por Marx. Várias nações do Ocidente estão pondo em aplicação esses quatro métodos, e, apesar dos resultados até agora não terem correspondido plenamente à sua expectativa, acham que a solução final do problema social está nesses quatro métodos que muitos socialistas apoiam. Ao mesmo tempo em que endossam esses métodos pacíficos, resistem aos métodos revolucionários de Marx.

Quando a Rússia iniciou a revolução, esperava resolver a questão social. A questão política era secundária. A revolução, todavia, trouxe a solução da questão política, mas não da questão social, exatamente o oposto do que esperava. Tais fatos levaram a facção antimarxista a dizer que a experiência da Rússia com os métodos de Marx se transformara num fracasso. Os membros do Partido Marxista, todavia, responderam que a Rússia não fracassara em seu emprego de métodos revolucionários para levar a efeito a reforma social, porém que a indústria e o comércio da Rússia não eram tão altamente desenvolvidos com os de outras nações europeias e que a organização econômica russa não era ainda madura. Consequentemente, ela não podia aplicar com êxito os métodos de Marx. Eles, porém, poderiam certamente ser aplicados, em seu entender, a uma nação altamente industrializada e comercializada, onde a organização econômica tivesse atingido um estágio maduro. Encontrariam êxito seguro em outras nações ocidentais e levariam a efeito uma reconstrução social fundamental. Quando comparamos os dois métodos preconizados, verificamos que Marx “cortaria o nó com uma faca afiada”, enquanto o grupo oposto tentaria empregar meios mais suaves.

Ao tratar de nossos problemas sociais, “cortaremos o nó com uma faca afiada” 011 empregaremos métodos pacíficos, tais como as quatro normas que já descrevi? Tanto o método revolucionário como o método pacífico são advogados pelo Partido Socialista e ambos são combatidos pelo capitalismo. A indústria e o comércio do Ocidente estão progredindo muito rapidamente, o capitalismo está subindo a alturas tremendas, a tirania capitalista atingiu o limite e o povo está achando as condições insuportáveis. Os socialistas, em seus esforços para aliviar a desgraça do povo sob a dominação capitalista e para reconstruir a sociedade incorreram há oposição dos capitalistas, não importa quais os métodos que tivessem escolhido. Qual o método que as nações do Ocidente empregarão, finalmente, na solução de seus problemas sociais não poderá ser previsto ou antecipado. Mas os advogados dos métodos pacíficos estão se defrontando com todas as espécies de oposição e com a crítica implacável dos capitalistas, e acham que, conquanto as medidas pacíficas sejam vantajosas para o povo, sem prejudicar os capitalistas, elas não são, na realidade, praticáveis. Consequentemente, muitos socialistas estão gradualmente mudando sua posição para a advocacia de métodos radicais e do uso de planos revolucionários para a reconstrução social. Os discípulos de Marx dizem que, se os trabalhadores britânicos despertassem, se unissem e avançassem juntos ao longo da rota proposta por Marx, conseguiriam êxito com toda a certeza. Uma vez que o capitalismo americano está tão altamente desenvolvido como o da Grã-Bretanha, se os trabalhadores americanos adotassem o marxismo, também alcançariam seus objetivos. Atualmente, porém, os capitalistas da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos e de outros países são déspotas absolutos. Estão sempre pensando em obstruir o progresso social e em proteger seus próprios interesses, da mesma maneira que os antigos reis despóticos tentavam proteger seus tronos. Os déspotas antigos, que temiam a atividade dos partidos da oposição, empregavam o terrível poder da tirania e as medidas mais cruéis para destruí-la. Os capitalistas modernos, que querem proteger seus ganhos pessoais, também empregam toda a sorte de métodos tirânicos e subvertem todos os princípios do direito em sua oposição aos partidos socialistas. Os partidos socialistas, no Ocidente, poderão, no futuro, ser forçados pelas circunstâncias a adotar os métodos marxistas para a solução dos problemas econômicos? — Quem o poderá dizer?

O sistema comunista já fora praticado nos tempos primitivos. Quando entrou em colapso? Segundo meus estudos de história, penso que começou a declinar com a introdução do dinheiro. Quando todos adquiriam o dinheiro podiam comprar e vender à vontade. Não necessitavam de trocar mercadorias e a compra e venda veio substituir a troca. Foi, então, que o velho comunismo foi sendo gradualmente eliminado. O emprego do dinheiro tornou o comércio livre e fácil, surgindo, então, os grandes comerciantes, que eram os capitalistas antes do aparecimento da era industrial. Quando a indústria se desenvolveu e a produção veio a depender da máquina, os proprietários da maquinaria tornaram-se os capitalistas. Os antigos capitalistas eram os que possuíam o dinheiro; os atuais capitalistas são os que possuem a maquinaria. O período da troca simples, quando, “no mercado do meio dia, trocavam suas mercadorias, e, depois, cada qual se dirigia para seu lar”, quando não havia dinheiro nem sistema comercial, porém cada qual satisfazia as necessidades do outro, foi o período do comunismo. Mais tarde, quando o dinheiro foi introduzido e passou a ser usado como meio de troca, surgiu o sistema comercial. Os comerciantes abastados tornaram-se os capitalistas. Mas, desde a invenção da maquinaria em tempos recentes e a dependência de toda a produção da maquinaria, os homens, que possuem as máquinas, suplantaram os homens que têm o dinheiro. Assim, o aparecimento do dinheiro destruiu o comunismo e o aparecimento da maquinaria quebrou o domínio da classe mercantil. Os capitalistas, agora, dispõem da maquinaria; dependem dos trabalhadores quanto à produção, porém privam os trabalhadores do produto de seu suor e sangue. Assim, criaram-se duas classes radicalmente diferentes na sociedade, que estão em constante conflito, conflito que gera a guerra de classes. Certa classe de moralistas piedosos, que não pode assistir as misérias em que vivem os trabalhadores e que pretendem encontrar solução para evitar a guerra de classes bem como para reduzir os sofrimentos da classe trabalhadora, propõe que revivamos o antigo sistema comunista, pois o período mais feliz da história humana foi o período da sociedade comunista, que se seguiu à vida da luta contra as feras. Nessa época, o homem lutava somente contra a natureza ou contra as feras. Mais tarde, quando a indústria se desenvolveu e inventou- se a maquinaria, o homem começou a lutar contra o homem. Logo depois do homem ter conquistado a natureza e as feras selvagens, verificou-se a introdução do dinheiro.

Agora, nos tempos modernos, verificou-se a invenção da maquinaria e os homens, com os espíritos mais atilados, apoderaram-se dos materiais mais valiosos do mundo e os monopolizaram em seu próprio proveito, tornando outras classes de homens seus escravos. Esse fato transformou nossa era num período de encarniçadas lutas. Quando essa luta poderá ser dirimida? Somente quando iniciarmos um novo período de comunismo. Por que o homem luta? Ele está lutando pelo pão, está lutando pela sua porção de arroz. Na era comunista, quando todos tiverem pão e arroz para comer, não haverá lutas entre os homens. A luta humana será eliminada. Logo, o comunismo é um ideal bem elevado de reconstrução social. O Princípio da Subsistência, que o Kuomintang advoga, não é simplesmente um elevado ideal; é, também, uma força motriz na sociedade, é o centro de todos os movimentos históricos. Somente quando esse princípio for aplicado, poderão nossos problemas sociais ser resolvidos, e somente quando os nossos problemas sociais forem resolvidos, poderá a humanidade usufruir as maiores bênçãos. Assim, distingo o comunismo do Princípio Min Sheng: o comunismo é um ideal de subsistência, enquanto o Princípio Min Sheng é comunismo prático. Não existe verdadeira diferença entre os dois princípios — Comunismo e Min Sheng — a diferença está nos métodos por que são aplicados.

Quais os métodos que o nosso Kuomintang deveria empregar para a solução do problema da subsistência, em face da posição que a China ocupa e dos tempos em que vivemos? Devemos basear nossos métodos não sobre teorias abstrusas ou sobre o conhecimento vazio, mas sobre os fatos, não fatos peculiares a países estrangeiros, mas a fatos observáveis na China. Somente quando estivermos de posse de dados sobre esses fatos é que deveremos estabelecer nossas normas de ação. O método baseado apenas sobre a teoria não merece confiança, pois as teorias podem ser verdadeiras ou falsas, devendo ser verificadas pela experiência. Uma teoria científica recém-proposta deve apresentar fatos; deve operar na prática, antes que possamos dizer que seja verdadeira. Noventa e nove de cada cento demonstraram ser praticáveis. Se basearmos nosso curso de ação apenas na teoria, fracassaremos com toda a certeza. Ao preparar uma solução para nossos problemas sociais, devemos, portanto, basear-nos nos fatos e não confiar em simples terias. Quais são esses fatos básicos na China? Todos nós partilhamos da extrema pobreza do povo chinês. Não existe uma classe especialmente rica, existe apenas uma pobreza geral. As “desigualdades entre ricos e pobres”, a que se referem os chineses, são apenas diferenças existentes numa classe pobre, diferenças em grau de pobreza. Na realidade, os grandes capitalistas da China, comparados com os grandes capitalistas estrangeiros, são realmente pobres; o resto da classe pobre é extremamente miserável. Uma vez que os maiores capitalistas da China são homens pobres, segundo os padrões do resto do mundo, todo o povo chinês deve ser considerado como pobre. Não há grande riqueza entre nós, somente diferenças de grau de pobreza. Como poderemos igualar essas condições de modo a eliminar a extrema pobreza?

O processo da mudança social e do desenvolvimento capitalista começa usualmente com os proprietários de terras, e, destes, prossegue para os comerciantes, e, finalmente, para os capitalistas. Os proprietários de terras saíram do sistema feudal.

A Europa não está ainda completamente livre do sistema feudal, porém a China destruiu seu sistema feudal há muito tempo, durante a dinastia Chin. Quando existia o sistema feudal, os nobres, que possuíam terras, eram os ricos, e o povo sem terra constituía a classe pobre. Apesar da China ter se descartado do sistema feudal há 2.000 anos, mesmo assim, devido à falta de progresso industrial e comercial, as condições sociais prevalecentes são as mesmas daquela época. Apesar da China não ter tido até o presente grandes latifundiários, tem tido muitos proprietários pequenos. Na maior parte da China, nunca houve descontentamento para com esse sistema; nunca houve conflitos entre o povo e os proprietários de terras. Nos anos recentes, todavia, desde que as correntes da vida econômica do Ocidente começaram a fluir para a China, todos os nossos velhos sistemas sofreram um processo de mudança. A questão da terra sentiu os primeiros e mais sérios efeitos produzidos pela influência ocidental. Tomemos, por exemplo, as terras em Cantão, desde a construção, de amplas avenidas: que diferença existe entre os valores dos terrenos no Bund, atualmente, e os de 20 anos atrás! Os terrenos no Bund de Xangai valem 10.000 vezes mais do que há 80 anos. Outrora, um terreno de 300 metros quadrados de superfície custava um dólar; agora, o mesmo terreno vale 10.000 dólares. Os terrenos no Bund de Xangai valem centenas de milhares de dólares por mow; os terrenos no Bund de Cantão valem 100.000 dólares por mow. As terras chinesas somente caíram sob a influência econômica ocidental para transformar seus proprietários em milionários, como os capitalistas do Ocidente. Esse efeito, porém, marcante do desenvolvimento econômico sobre o valor das terras, não se verificou somente na China; todos os outros países experimentaram a mesma coisa. A princípio, não se notava o fato, nem se lhe prestava muita atenção. Não foi senão quando as perturbações da ordem econômica se tornaram agudas que se lhe prestou atenção, e, então, não foi fácil remediar a situação, “voltar com a carga acrescida”. O Kuomintang deve, como uma questão de previsão e de precaução contra futuras dificuldades, encontrar uma solução para esse problema da flutuação dos valores das terras.

As obras do Ocidente sobre o socialismo estão cheias de histórias interessantes sobre o aumento do valor das terras. Há um lugar na Austrália, por exemplo, onde a terra era muito barata antes da construção de um empório mercantil. O governo pretendeu certa vez vender em leilão um lote dessas terras que não tinham nenhum valor. Ninguém se dispunha a pagar um preço elevado por ele. De repente, um ébrio surgiu no local onde se realizava o leilão. O leiloeiro estava então recebendo ofertas pelo lote; havia já ofertas de cem, duzentos e duzentos e cinquenta dólares. Como ninguém quisesse oferecer mais, o leiloeiro perguntou: “Quem oferece 300?'’ Nesse momento, o ébrio, completamente inconsciente, gritou: “Eu darei os 300 dólares!” O leiloeiro tomou, então, o seu nome e transferiu-lhe a propriedade. Depois do leilão, a multidão debandou e o ébrio foi-se embora. No dia seguinte, o leiloeiro enviou-lhe uma nota de cobrança, porém o homem não se lembrava mais do que fizera quando estava embriagado e não reconheceu a validade da nota. Quando, finalmente, se lembrou do que havia feito, sentiu-se muito arrependido; porém, desde que era impossível voltar atrás, tentou toda a sorte de expedientes e esgotou todos os seus recursos para pagar os 300 dólares ao leiloeiro. Durante longo tempo depois da aquisição das terras, não pôde dedicar-lhes qualquer espécie de atenção. Passaram-se mais de dez anos; foram erigidos em torno desse lote grandes mansões e altos edifícios e seu preço atingiu limites inconcebíveis. Ofereciam ao proprietário do lote baldio milhões de dólares, porém ele rejeitava as ofertas. Arrendou simplesmente seu terreno e cobrava o aluguel. Finalmente, quando o terreno ficou valendo dezenas de milhões, o velho ébrio tornou-se o homem mais rico da Austrália. Toda sua fortuna proveio desse investimento de 300 dólares num lote de terras.

O proprietário ficou naturalmente deliciado, quando se tornou milionário, porém que dizer de outras pessoas? Depois de pagar 300 dólares pelo terreno, o homem nada fez para melhorá-lo; na realidade, nunca cuidou dele. Enquanto dormia ou ficava sentado com os braços cruzados, gozando seu sucesso, milhões vinham ter à sua burra.

A quem esses milhões realmente pertencem? Em minha opinião, pertencem realmente a todos, pois foi devido ao povo da comunidade ter escolhido essa secção para centro de atividade industrial e comercial e ter realizado ali melhoramentos, que esse lote de terra aumentou de valor e, gradualmente, atingiu preço tão elevado. Da mesma maneira, foi porque Xangai se tornou o centro comercial e industrial da China central que o valor da terra nessa cidade aumentou de 1.000 vezes; porque fizemos de Cantão um centro industrial e comercial do sul da China é que o valor de suas terras aumentou também de 1.000 vezes. Tanto Xangai como Cantão têm, cada uma, apenas uma população de um pouco mais de um milhão de habitantes; se a população de cada cidade se movimentasse dos seus limites ou qualquer calamidade natural ou artificial destruísse essa população, pensais que as terras teriam os mesmos valores elevados? Isso demonstra que o aumento do valor das terras deve ser atribuído a todo o povo e a seus esforços; o proprietário de terras nada tem a ver com a flutuação de valor. Assim, os pensadores estrangeiros referem-se aos lucros que o proprietário aufere com a elevação do preço da terra como sendo o “incremento não ganho”, uma coisa bem diferente dos lucros que os industriais e comerciantes realizam à força de duro trabalho mental e físico, mediante a compra a preços baratos e a venda a preços altos, por meio de toda a sorte de métodos e estratagemas comerciais.

Já verificamos que os lucros que os líderes industriais e comerciais realizam mediante o monopólio de materiais não são lucros lícitos. Mas, esses homens, pelo menos, trabalham arduamente; o proprietário de terras, todavia, simplesmente detém aquilo que possui, não exercita qualquer sorte de esforço mental e colhe lucros gigantescos. Que causa o aumento de valor de suas terras? Os melhoramentos que são feitos pelos outros em suas proximidades e a concorrência despertada para a posse de suas terras. Quando o preço da terra se eleva, todos os preços de produtos e serviços na comunidade também se elevam. Assim, podemos afirmar que o dinheiro ganho pelo povo da comunidade em suas atividades é indireto e imperceptivelmente roubado pelo proprietário de terras.

Qual é a presente situação da questão social na China? Os que estão estudando os problemas sociais e advogam a reconstrução social estão tirando inteiramente suas ideias e teorias da Europa e da América. Assim, quando se referem aos métodos de reconstrução social, não apresentam novos, além dos métodos pacíficos ou dos métodos radicais de Marx, que são preconizados em diversos países do Ocidente. Atualmente, os oradores socialistas mais em voga são os que apoiam os métodos de Marx. Por isso, logo que os problemas sociais são mencionados, a maioria dos jovens se ergue para esposar o comunismo e querem aplicar as teorias de Marx na China. Foi cuidadosamente elaborado o pensamento desses jovens fanáticos, que esposaram o marxismo? Eles são muito jovens, estão propondo uma solução radical, acham que os problemas sociais e políticos devem ser corrigidos em seus alicerces e esclarecidos em sua fonte, e assim, julgam necessário o emprego de medidas radicais. Dedicam-se, portanto, ativamente, à organização de um partido comunista e estão começando a agitar a China.

Esse fato originou inúmeras reações desfavoráveis entre os camaradas mais velhos do Kuomintang, que pensam ser o comunismo incompatível com os Princípios San Min de nosso partido. Não compreendem que, há 20 anos, nossos camaradas favoreciam a fusão dos Três Princípios num só. Nos espíritos da maioria do povo, antes da Revolução de 1911, havia somente ideia do nacionalismo. Todos os camaradas, que se filiavam ao Tung-Meng Hui tinham como objetivo único a expulsão dos mandchus. Quando se filiaram à sociedade, quis proclamar sua adesão aos Três Princípios do Povo, porém, a maioria deles pensava apenas no nacionalismo e na expulsão dos mandchus. Uma vez conseguida a derrubada da dinastia mandchu, eles ainda estavam dispostos a acolher um imperador chinês! Quando, em seu manifesto, apoiaram a aplicação dos Três Princípios e, ao mesmo tempo, aprovaram a entronização de um imperador chinês, não estavam em contradição com o Princípio da Democracia? Mesmo os mais sensatos de nossos camaradas, que apoiavam os Princípios San Min e compreendiam que se tratava de três coisas diferentes, e que queriam aplicá-los por meio da revolução, ainda supunham que, uma vez que os mandchus fossem expulsos e o Princípio do Nacionalismo tivesse uma realização completa, os Princípios da Democracia e da Subsistência se seguiriam naturalmente, e nenhuma outra contingência surgiria. Não haviam procedido a um estudo completo dos Princípios da Democracia e da Subsistência e, assim, não compreendiam, naturalmente, o significado de Soberania do Povo, e não tinham concepção alguma do que fosse a Subsistência do Povo. Quando a Revolução de 1911 alcançou êxito e a República foi implantada, sob um sistema democrático de governo, ninguém pensava em pedir uma explicação. Mesmo agora, os camaradas que trabalham voluntária e sinceramente pela democracia e apoiam a República, são muito poucos.

Por que apoiaram, todos, no início, uma forma democrática de governo e não se opuseram à revolução? Eis a razão principal: depois da expulsão dos mandchus, os camaradas revolucionários, nas diversas províncias, a nova casta militar, que se originou na revolução, e os velhos militaristas mandchus, que aderiram ao Partido Revolucionário, movimentaram-se na mesma direção — para a formação de um sistema militar. Cada qual queria ser um pequeno rei em seu feudo, utilizando seu pequeno domínio para expandir o poder. Os militaristas, que se apoderaram do Kwantung, queriam estender seus domínios. Os militaristas, que conquistaram o Yunnam e o Hunan, queriam alargar seus territórios. Os militaristas no Shantung e em Ho-pei também queriam estender seus domínios. Quando atingiram seus objetivos, quando conquistaram muitas riquezas, pretenderam empregar seu próprio poder para unificar a China, manifestando aberta e ousadamente a intensão de derrubar a República. A casta militar, que fora criada pela revolução ou que esta herdara do regime mandchu, alimentava tais desígnios e sabia que seu poder transitório não poderia unificar a China, mas, todavia, opunha-se a que outros tentassem a unificação. Cada qual resolveu ser um oportunista, observando as mudanças e esperando. Essa casta militar, não compreendendo a democracia e, mesmo assim, proclamando sua adesão ao governo democrático, pensava, na realidade, somente no poder imperial. Usavam, porém das ideias pró-republicanas como fachada até que pudessem alargar suficientemente seus domínios. Depois, quando o momento oportuno chegasse, se oporiam ao governo democrático e resolveriam todos os problemas nacionais. Isso explica porque a democracia foi implantada no início e porque tantos tentaram derrubá-la nos últimos 13 anos. Mas a força desses homens não foi grande, e, assim, o nome da República tem sido mantido embora de maneira precária até os dias atuais. Isso mostra claramente à atitude que os membros do Tung-Meng Hai mantêm para com a democracia. Muitos deles estavam prontos a aderir a qualquer dos lados e nenhum tinha qualquer noção do que fosse o Princípio da Subsistência.

Analisemos a situação mais detalhadamente. Desde que a Revolução de 1911 atingiu seus objetivos e a República Chinesa substituiu o velho Império Chinês, nosso Kuomintang manteve intacto seu respeito pela democracia. Qual tem sido, porém. a atitude de nossos camaradas para com os Princípios San Min? Depois de 13 anos de mudanças em nosso governo democrático e após 13 de experiências, nossos camaradas vieram a compreender claramente os Princípios do Nacionalismo e da Democracia. Sua reação psicológica, porém, ao Princípio da Subsistência é idêntica à dos militaristas de após-revolução para com a democracia — não o consideram como uma questão vital, não o compreendem. Por que ouso dizer que nossos camaradas revolucionários não têm uma ideia clara do Princípio Min-Sheng? Porque muitos deles, desde a recente reorganização do Kuomintang, em sua oposição ao Partido Comunista, têm afirmado, extemporaneamente, que o comunismo difere dos Três Princípios e os Três Princípios representam tudo o que é necessário na China e o comunismo de modo algum devia ser admitido. Mas, que é, na verdade, o Princípio da Subsistência? Em minha conferência anterior, esclareci o seu significado. Disse que Min-Sheng, ou Subsistência, tem sido a força central no progresso cultural da sociedade, no melhoramento da organização econômica e na evolução moral. A subsistência é a força motriz de todos os movimentos sociais. E, se a subsistência não anda bem, a cultura social não pode progredir, a organização econômica não pode melhorar, a moral declina, e inúmeras injustiças, tais como a guerra de classes, crueldade infligida aos trabalhadores e outras formas de opressão, surgirão — tudo devido ao fracasso em remediar as más condições de subsistência. Todas as mudanças sociais são efeitos; a procura da subsistência é a causa.

Em face dessa conclusão, que é o Princípio da Subsistência? É comunismo e é socialismo. Assim, não somente não devemos afirmar que o comunismo colide com o Princípio Min-Sheng,mas até devemos considerar o comunismo como um bom amigo. Os partidários do Princípio Min-Sheng deveriam estudar o comunismo com cuidado. Se o comunismo é um bom aliado do Princípio Min-Sheng, por que os membros do Kuomintang fazem oposição ao Partido Comunista? Talvez que a razão esteja em que os próprios membros do Partido Comunista não entendam o que seja o comunismo e tenham argumentado contra os Princípios San Min, despertando, assim, uma reação dentro do Kuomintang. Mas a culpa desses comunistas ignorantes e irresponsáveis não deve ser imputada a todo o Partido Comunista. Podemos apenas dizer que aqueles elementos atuam como indivíduos; não podemos considerar o mau procedimento de alguns indivíduos como sendo representativo de todo o Partido Comunista. Urna vez que não podemos considerar as ações de algumas pessoas como escusa para nos opormos a todo o grupo, por que surgiu a questão entre nossos camaradas do Kuomintang? Devido ao fato de não terem compreendido o que seja, na realidade, o Princípio Min-Sheng. Não compreendem que nosso Princípio da Subsistência é uma forma de comunismo. Não é uma forma que se tenha originado com Marx, mas uma forma que foi praticada quando o homem primitivo apareceu sobre a terra. Segundo os evolucionistas biológicos, o homem evoluiu dos animais. Gradualmente, desenvolveu-se o sistema tribal e as condições de vida dos animais. A primeira sociedade constituída pelo homem foi uma sociedade comunista e a idade primitiva foi uma idade comunista. Que espécie de vida levavam esses homens? Podemos ter alguma ideia, estudando a vida dos selvagens de hoje na América ou na Malásia, que não foram atingidos ainda pela civilização. Seu sistema de vida é inteiramente comunista, o que demonstra ter sido comunista a sociedade de nossos primitivos ancestrais.

O primeiro efeito da recente invasão econômica da China pelos ocidentais foi sobre a terra. Muita gente considera a terra como algo para jogar, atirando-se à especulação ou às “querelas sobre terras”, como se diz comumente. Muita terra, que não valia quase nada, há dez ou vinte anos atrás, sofreu valorização prematura através das manipulações feitas por especuladores, o que torna o aumento do valor das terras ainda mais irregular.

As nações ocidentais ainda não descobriram métodos satisfatórios para tratar dessas práticas condenáveis decorrentes da questão da terra. Se quisermos resolver a questão das terras, deveremos fazê-lo agora. Se aguardarmos o completo desenvolvimento da indústria e do comércio, não poderemos resolvê-la. Agora, quando as influências do Ocidente se estão manifestando e nossa indústria e comércio sofrem transformações tão marcantes, não somente estão se acentuando as desigualdades entre pobres e ricos mas também entre os proprietários de terras comuns. Por exemplo, A possui um mow de terra no Bund de Xangai, enquanto B possui um mow de terra na província, nas imediações de Xangai. Se B cultivar seu lote, poderá auferir um lucro de dez ou vinte dólares por ano; se o arrendar a outrem poderá, no máximo, obter de cinco a dez dólares. Mas A pode arrendar seu mow de terra na cidade por dez mil dólares ou mais. A terra em Xangai dá uma renda várias vezes maior de mil; a terra, na província, dá uma renda infinitamente menor. Um mow de terra, em dois lugares diferentes, produz resultados bem desiguais. O objetivo do Princípio Min-Sheng de nosso Partido é igualar os recursos financeiros na sociedade. Assim, consideramos o Princípio da Subsistência a mesma coisa que comunismo e socialismo. Cada um dos sistemas, porém, em questão, tem seus próprios métodos de ação. Nossa primeira ação deve ser a solução do problema da terra.

Os métodos para a solução do problema da terra são diferentes nos diversos países, cada qual com suas dificuldades peculiares. O plano que estamos seguindo é simples e fácil — a igualdade na propriedade de terras. Logo que os proprietários nos ouvem falar sobre a questão da terra e sobre a igualização da propriedade, ficam naturalmente alarmados, exatamente como os capitalistas ficam alarmados quando ouvem falar sobre socialismo, prontos para se levantarem e lutarem contra ele. Se nossos proprietários fossem como os grandes proprietários da Europa e tivessem desenvolvido um tremendo poder, seria consideravelmente difícil para nós resolver a questão da terra. A China, porém, não conhece esses grandes proprietários e o poder dos pequenos proprietários é pequeno ainda. Se atacarmos agora o problema, poderemos resolvê-lo; porém, se perdermos a presente oportunidade, nunca encontraremos uma solução. A discussão do problema da terra provoca naturalmente temores entre os proprietários, mas se a política do Kuomintang for seguida, os atuais proprietários poderão ficar tranquilos.

Qual é a nossa política? Propomos que o governo adquira as terras, se necessário, segundo o montante do imposto sobre a terra e seu preço. Como poderá ser determinado o preço da terra? Proponho que o próprio proprietário fixe o preço. Por exemplo, a terra, no Bund de Cantão, seria avaliada pelo próprio dono em 100.000 dólares ou 10.00 dólares por mow. Em quase todos os países, o imposto sobre a terra é de, aproximadamente, 1% sobre o valor: ou, seja, um dólar sobre a terra no valor de 10 dólares, 1.000 dólares sobre a terra no valor de 100.000 dólares. Essa é a tarifa de imposto usual. Nosso plano atual é também baseado nessa proporção. O proprietário fixa o valor de sua terra e o governo lança conformemente o imposto. Muita gente pensa que, se os proprietários fizerem a avaliação de suas terras, tenderão a subvalorizá-la e o governo será prejudicado. Por exemplo, o proprietário poderá fixar o preço de sua terra em 10.000 dólares, quando, na realidade, vale 100.000. Avaliando-a em 100.000 dólares, o governo receberia em impostos 1.000 dólares, ao passo que, avaliando-a em 10.000 receberia apenas 100. A repartição exatora perderia, naturalmente, novecentos dólares. Mas suponhamos que o governo estabeleça duas medidas: primeiro, arrecadará os impostos segundo o valor declarado das terras; segundo, ficará também aberta a possibilidade de adquirir as terras pelo mesmo preço. O proprietário, que avalia sua terra, do valor de 100.000 dólares, em 10.000, prejudica o governo em 90 mil dólares e, naturalmente, lucra na transação; porém, se o governo desapropriar as terras, perderá 90 mil dólares. Segundo o meu plano, se o proprietário pretender fazer avaliação baixa, ficará também temeroso de que o governo se aproprie da terra, causando-lhe grande prejuízo; se fizer avaliação muito elevada, terá de pagar também impostos elevados, o que lhe causará também prejuízos. Ao meditar sobre essas sérias possibilidades, ele certamente não requererá avaliar sua terra, seja acima, seja abaixo do valor real; computará uma média e fará uma avaliação correta de sua terra. Em consequência, nem o proprietário nem o governo serão prejudicados.

Depois da questão da fixação dos valores ser resolvida, deveríamos estabelecer, em lei, que, de ano a ano, todo o aumento verificado nos valores da terra, que, em outros países, importa no aumento da tributação, reverteria à comunidade. Isso porque o aumento no valor da terra é motivado pelos melhoramentos feitos pela sociedade e pelo progresso da indústria e do comércio. A indústria e o comércio fizeram pouco progresso na China durante milhares de anos, de sorte que os valores da terra sofreram poucas mudanças em todas essas gerações. Mas, logo que se verificam progresso e melhoramento, como acontece nas modernas cidades da China, os valores da terra sofrem mudanças constantes, às vezes aumentando de 1.000 a 10.000 vezes. O crédito por esse progresso e melhoramento deve ser atribuído à energia e à atividade de todo o povo e não a alguns indivíduos. Por exemplo: se um proprietário avalia, agora, suas terras em 10 mil dólares e, daqui a várias décadas, essas terras tiverem seu valor aumentado para um milhão de dólares, esse aumento de 990.000 dólares, de acordo com nosso plano, se tornaria um fundo público destinado a recompensar todos os que tivessem contribuído com melhoramentos para a comunidade e promovido o progresso da indústria e do comércio sediados em torno dessas terras. Essa proposta no sentido de que todo o incremento futuro seja revertido à comunidade, é “a igualização da propriedade da terra”, advogado pelo Kuomintang; é o Princípio Min-Sheng. Essa forma do Princípio Min-Sheng é comunismo, e, uma vez que os membros do Kuomintang apoiam os Princípios San Min não deveriam opôr-se ao comunismo. O grande objetivo do Princípio da Subsistência, incorporado em nossos Três Princípios, é o comunismo — participação de todos na propriedade. O comunismo, porém, que propomos, é um comunismo do futuro, não do presente. Esse comunismo do futuro é uma proposta muito justa e os que tiverem propriedade no passado não sofrerão nada com ele. É uma coisa muito diferente do que se chama, no Ocidente, “nacionalização da propriedade”, confisco para uso do governo da propriedade privada, que o povo já possui. Quando os proprietários compreenderem claramente o princípio contido em nosso plano para a igualização da propriedade, deixarão de ficar apreensivos. Nosso plano estabelece que a terra, cujo valor for fixado agora, continuará a ser de propriedade privada. Se o problema da terra puder ser resolvido, metade do problema da subsistência será resolvida.

Quando as cidades modernas, adiantadas, lançam o imposto de propriedade, o encargo sobre o povo é aliviado, obtendo-se muitas outras vantagens. Se a cidade de Cantão arrecadasse, atualmente, os impostos sobre a propriedade de acordo com o valor, o governo disporia de uma renda substancial e estável e seriam criados fundos sólidos para administração. Toda a administração poderia ser colocada em boa ordem. Todos os demais impostos poderiam ser eliminados. Os sistemas de água e esgotos e de eletricidade poderiam ser operados pelo governo sem qualquer ônus à população. Poderiam, também, ser utilizados os fundos da arrecadação do imposto sobre a propriedade para a reparação de estradas e para a manutenção do serviço policial. Não seria necessário tributar o povo com impostos extraordinários para esses fins. Mas, presentemente, os valores crescentes das terras em Cantão, beneficiam somente os proprietários — elas não pertencem à comunidade. O governo não conta com uma receita regular, tendo necessidade de enfrentar as despesas com toda a sorte de impostos tributados ao povo. O fardo desses impostos é muito pesado. O povo está sempre gravado de impostos e, por isso, é terrivelmente pobre. O número de gente pobre, na China, é enorme. As razões desses pesados encargos sobre os pobres jazem no sistema injusto de tributação posto em prática pelo governo, na distribuição desigual das terras e no fracasso em resolver o problema da terra. Se colocarmos em efeito o imposto sobre a propriedade, o problema da terra será resolvido e o povo não terá mais de suportar tanto sofrimento. Apesar do valor das terras, nos países estrangeiros, ter subido consideravelmente e os proprietários estarem, consequentemente, auferindo grandes rendas, o avanço da ciência e o desenvolvimento da maquinaria, juntamente com a produção, em vasta escala, da parte dos capitalistas proprietários das máquinas, transformaram as imensas rendas de que os capitalistas dispõem, numa questão muito mais séria do que as rendas dos primeiros. Os capitalistas, na China, com as maiores rendas, são ainda os proprietários e não os proprietários das máquinas. Assim, seria muito fácil para nós promover agora a igualização da propriedade, regulamentar o capital e encontrar solução para o problema da terra.

Ao referirmo-nos à tributação ou desapropriação da terra, segundo seu valor, devemos tornar claro um ponto importante. O valor da terra refere-se apenas ao valor da terra sem qualquer benfeitoria, não inclui os melhoramentos feitos pelo trabalho humano ou qualquer construção em sua superfície. Por exemplo, se a terra avaliada em 10.000 dólares tem edifícios avaliados em 1.000.000 de dólares, o imposto sobre a propriedade, na base de 1%, seria somente de cem dólares. Mas, sie a terra fosse desapropriada pelo governo, ter-se-ia de dar compensação ao milhão de dólares, que é o valor dos edifícios construídos sobre ela. Ter-se-ia também de proceder semelhantemente com terras dotadas de melhoramentos artificiais, tais como árvores, terraplenagens, fossas, etc.

Se quisermos resolver o problema da subsistência na China e, “por um esforço supremo, ganharmos a tranquilidade eterna”, não será suficiente dependermos da regulamentação do capital. O imposto sobre a renda, tributado rios países estrangeiros, é um dos métodos para a regulamentação do capital. Mas esses países resolveram o problema da subsistência. A China não pode ser comparada aos países estrangeiros. Não é suficiente que regulamentemos o capital. Os outros países são ricos enquanto a China é pobre; os outros países têm um excedente de produção, enquanto a China não produz suficientemente. Destarte, a China não somente deve regulamentar o capital privado, mas também desenvolver o capital do Estado. Mas nosso Estado está dividido em muitas partes; como poderemos vir a acumular o capital para o Estado? Parece que não poderíamos encontrar ou antecipar uma solução. Nossa presente desunião, porém, é somente um estágio temporário; no futuro, seremos certamente unidos e, então, para resolver o problema da subsistência, teremos de desenvolver o capital e promover a indústria. Primeiro, deveremos começar a construir os meios de comunicação, estradas de ferro e canais, em grande escala. Segundo, abrir minas. A China é rica em minerais, que estão enterrados no seio da terra! Terceiro, devemos apressar-nos em fomentar a indústria. Apesar da China ser rica em mão de obra, não possui maquinaria, não podendo competir com outras nações. As mercadorias consumidas na China são importadas de outros países, e, consequentemente, nossos direitos e interesses econômicos escapam-nos das mãos.

Se quisermos recuperar esses direitos e interesses, deveremos empregar rapidamente o poder do Estado para promover a industrialização, usar a maquinaria na produção e dar emprego aos trabalhadores de toda a nação. Quando todos os trabalhadores /estiverem empregados e puder utilizar-se a maquinaria na produção, a China será uma nova e grande fonte de riqueza. Se não empregarmos o poder do Estado para construir essas empresas, deixando-as nas mãos dos indivíduos chineses ou estrangeiros, o resultado será simplesmente a expansão do capital privado e o aparecimento de uma grande classe rica, com as consequentes desigualdades na sociedade. Assim, ao tratar de nosso Princípio de Subsistência, não podemos empregar ou aplicar na China os métodos de Marx, apesar de alimentarmos o respeito mais profundo por seus ensinamentos. A razão para isso é obvia. A Rússia está tentando aplicar os métodos de Marx desde a revolução, mas ela pretende adotar uma nova política econômica, pois a vida econômica de sua sociedade não atingiu o padrão da vida econômica da Grã-Bretanha ou dos Estados Unidos, não estando ainda amadurecida para a aplicação dos métodos de Marx. Se os padrões econômicos da Rússia estão abaixo dos da Grã-Bretanha ou dos Estados Unidos, como poderão, possivelmente, os padrões econômicos da China permitir a aplicação dos métodos marxistas? Os próprios discípulos de Marx dizem que não podemos aplicar seus métodos para a solução de todos os problemas sociais da China.

Lembro-me, quando era estudante em Cantão, há 30 anos, como os filhos das famílias abastadas do Saikwan (Distrito Ocidental) envergavam seus grossos capotes de peles logo que o inverno chegava. Os invernos em Cantão não são muito duros e as peles não são, na verdade, necessárias. Mas esses jovens ricos tinham de vestir seus capotes de peles todos os invernos para exibir sua riqueza. Quando a primeira vaga de frio chegava, usavam as peles leves, quando se tornava um pouco mais frio, as peles pesadas. No meado do inverno, não importava qual o estado do tempo, envergavam sempre as peles pesadas. Um dia, quando se dirigiam para uma reunião com suas peles pesadas, e o tempo mudou subitamente, eles se queixaram: “A menos que o vento mude de direção para o Norte, a saúde do povo será prejudicada!” Pareciam pensar que todos usavam peles, e, assim, a menos que o vento mudasse de direção, todos se aqueceriam demasiadamente e sua saúde sofreria as consequências. Na realidade, onde vedes todo o povo usar peles? O povo de Cantão, no inverno, usa roupas recheadas de algodão ou vestidos de forro duplo; muita gente usa apenas vestidos de forro simples. Quando os vedes temerosos de que os ventos do Norte deixem de soprar? Os jovens pensadores de hoje, que depositam sua fé no marxismo, e que, logo que o socialismo vem à baila, advogam os métodos de Marx para a solução dos problemas sociais e econômicos da China não se mostram diferentes dos jovens cantoneses de peles, que exclamaram: “A menos que o vento mude de direção para o Norte, a saúde do povo será prejudicada!” Eles não percebem que a China, atualmente, está sofrendo de uma pobreza extrema, e não da distribuição desigual da riqueza. Onde existem desigualdades de riqueza, os métodos de Marx podem, naturalmente, ser aplicados e uma guerra de classes pode ser desencadeada para destruir as desigualdades. Mas, na China, onde a indústria ainda não se desenvolveu, a guerra de classe e a ditadura do proletariado são desnecessárias. Assim, atualmente, podemos tomar as ideias de Marx para nos guiar, porém não podemos empregar seus métodos. Ao procurarmos solução para nosso problema de subsistência, não proporemos nenhum método impraticável e radical para esperar, depois, que a indústria se desenvolva. Necessitamos de um plano, que se antecipará a todos os perigos e nos preparará contra quaisquer emergências, que restringirá o crescimento do capital privado e prevenirá a doença social produzida pela desigualdade extrema entre ricos e pobres. Tal plano resolverá adequadamente nossos problemas sociais imediatos e não se assemelhará ao caso do capote de peles e dos ventos do Norte.

Como disse há pouco, a regulamentação do capital na China, não será hoje suficiente para resolver o problema da subsistência. Será necessário, também, construir o capital do Estado. Que significa isto? Simplesmente o desenvolvimento das indústrias do Estado. Os detalhes deste esquema podem ser encontrados no segundo volume de meu trabalho Planos para a Reconstrução Nacional (obra escrita em 1918, composta de três partes: Reconstrução Psicológica, Reconstrução Material e Reconstrução Social), sob a epigrafe Reconstrução Material ou Medidas Industriais. Nesse volume, apresentei o esboço do plano para a construção do capital do Estado. Como disse antes, o dinheiro era o capital na era comercial, porém, a maquinaria é o capital na era industrial. O Estado deve tomar a dianteira nos empreendimentos comerciais e instalar todas as espécies de maquinaria produtivas, que serão de propriedade do Estado. Durante a Guerra Europeia, todos os países puseram em efeito a política de nacionalização de suas grandes indústrias e fábricas. Essa política, porém, foi logo depois abandonada. A China nunca teve grandes capitalistas; se o Estado pode controlar e desenvolver o capital, beneficiando todo o povo, será fácil evitar os conflitos com os capitalistas. Os Estados Unidos desenvolveram o capital de três maneiras: com as estradas de ferro, com a indústria e com a mineração. Não seremos capazes de promover qualquer dessas três indústrias por nosso próprio conhecimento e experiência, com nosso próprio capital; não poderemos deixar de depender do capital já criado em outros países. Se usarmos o capital estrangeiro existente para construir uma futura sociedade comunista na China, ^metade do labor produzirá resultados dobrados”. Se esperarmos até que nós próprios tenhamos capital suficiente, antes de iniciarmos a promoção da indústria, o processo de desenvolvimento será excessivamente lento. A China não tem, atualmente, qualquer maquinaria digna de menção. Dispomos apenas de onze a treze mil quilômetros de estradas de ferro. Para satisfazer nossas necessidades, deveremos ter um sistema ferroviário dez vezes maior! Pelo menos no a 130 mil quilômetros serão necessários. Destarte, somos forçados a tomar de empréstimo o capital estrangeiro para desenvolver nossas facilidades de transporte e comunicações e dos cérebros e da experiência dos estrangeiros para administrá-las.

Quanto às nossas minas, nem sequer iniciamos sua exploração. A China é maior do que os Estados Unidos em território e população; todavia, os Estados Unidos produzem 600 milhões de toneladas de carvão e 90 milhões de toneladas de aço, anualmente, enquanto a China não produz um milésimo desses volumes. Se quisermos iniciar imediatamente a exploração de nossas minas, teremos também de tomar emprestado o capital estrangeiro. Para construir navios, para desenvolver uma marinha mercante e a construção de todas as espécies de indústrias manufatureiras, será absolutamente necessário para nós tomar de empréstimo o capital estrangeiro. Se essas três grandes indústrias — comunicações, mineração e manufatura — começarem a prosperar na China, nossa renda anual se tornaria muito grande. Se as indústrias forem exploradas pelo Estado, os direitos e privilégios que trouxerem serão gozados por todo o povo. O povo de toda a nação terá, então, parte nos lucros do capital e não será prejudicado pelo capital, como acontece nos países estrangeiros, onde o grande capital é de propriedade privada. Essa concentração de capital nas mãos de alguns indivíduos acarreta sofrimentos à maioria e nesse caso, a guerra de classes irrompe numa tentativa para extinguir esse sofrimento. Na solução do problema social, temos o mesmo objetivo em vista que os outros países estrangeiros: tornar todos contentes e felizes, livres do sofrimento causado pela distribuição desigual da riqueza e da propriedade. Quando nos tentamos descartar desse sofrimento, temos o comunismo.

Não podemos dizer, pois, que a teoria do comunismo seja diferente do nosso Princípio Min-Sheng. Nossos Três Princípios do Povo significam o governo “do povo, pelo povo, para o povo" — isto é, um Estado pertencendo a todo o povo, um governo controlado por todo o povo, e direitos e benefícios para o usufruto de todo o povo. Se isso for verdadeiro, o povo não terá apenas uma partilha comunista na produção do Estado, mas terá uma partilha em tudo. Quando o povo partilhar de tudo no Estado, então teremos atingido o objetivo do Princípio Min-Sheng, que era a esperança de Confúcio numa “grande comunidade”.

10 de Agosto de 1924.

TERCEIRA CONFERÊNCIA

O problema da alimentação na China.A importância vital de alimentos disponíveis, como foi mostrado na Guerra Europeia. — As disponibilidades de gêneros alimentícios.A perda de gêneros necessários pela China através das exportações.Elementos necessários da nutrição: ar, água, carne e vegetais.Abundância dos dois primeiros elementos.A China é uma nação agrícola, mesmo assim seus camponeses sofrem.Libertação dos camponeses.Métodos para incrementar a produção agrícola. — Emprego da maquinaria.Uso dos adubos. — Adubos nativos e importados.Como a China poderia fabricar adubos a preços baixos mediante o emprego da energia hidráulica de seus rios.Rotação das plantações.— Combate às pragas.— Conserva e fabricação de gêneros.Transporte de gêneros e troca de produtos.Perda de gêneros devido à falta de facilidade de transporte.Canais, estradas de ferro, rodovias e o carregador “coolie” como meio de transporte.Prevenção dos desastres naturais, enchentes e secas.Medidas reguladoras: dragagem, irrigação, etc. — Medidas preventivas e radicais: reflorestamento em escala nacional.Desenvolvimento da agricultura nos Estados Unidos: interesse do Estado em problemas rurais.A agricultura ainda está sob o regime capitalista, visando lucros.O Princípio “Min-Sheng” torna a manutenção da existência do povo o objetivo da agriculturaDistribuição de gêneros.Quatro necessidades da vida: alimentação, vestuário, habitação, meios de transporte.Deveres do Estado e do povo.

O assunto que abordarei hoje versa sobre o “problema da alimentação”. Quando ouvis isto, dizeis que comer o alimento é um hábito diário e familiar. O povo diz, frequentemente, nada no mundo é mas fácil do que comer. É verdade que comer é uma atividade muito simples e costumeira. Por que, então, existe qualquer problema em relação a esse hábito? Não compreendemos que a alimentação é o problema mais vital da subsistência e que, se não for resolvido, provocará o fracasso da solução de todo o problema da subsistência. O principal problema no Princípio Min-Sheng é o problema da alimentação. O dito de nossos ancestrais “a nação considera o povo como sua base; o povo considera o alimento como seu paraíso”, revela a importância da questão. Antes da Guerra Europeia, os estadistas das diversas nações não se interessavam pelo problema da alimentação. Mas os observadores da Guerra Europeia, nos últimos dez anos, começaram a estudar as razões da derrota da Alemanha. Quando a Guerra Europeia estava em seu período de maior encarniçamento, a Alemanha era vitoriosa. Onde quer que as forças em embate se encontrassem — a infantaria, cavalaria ou artilharia, em terra, os torpedos, destroyers, submarinos e toda a espécie de unidades de guerra, no mar, ou aerostatos ou aviões, nos céus — a Alemanha sempre triunfava. Do início ao fim, a Alemanha nunca perdeu uma batalha. Mas, mesmo assim, a Guerra Europeia resultou numa severa derrota para a Alemanha. Por que? Devido às dificuldades de abastecimento de gêneros alimentícios. Os portos alemães foram bloqueados pelos Aliados, os abastecimentos de víveres na Alemanha foram gradualmente decrescendo, e, finalmente, tanto os soldados como os civis ficaram privados de gêneros alimentícios e quase pereciam de fome. Não puderam manter-se, assim, indefinidamente e foram derrotados. Isso mostra que o problema da alimentação mantém relação vital com a vida e a existência de um Estado.

Os Estados Unidos são, atualmente, o primeiro país do mundo no que concerne aos seus abastecimentos de gêneros. Todos os anos, enviam grandes carregamentos de víveres para aliviar a situação alimentar da Europa. Depois dos Estados Unidos, vem a Rússia, que, com seu vasto território e relativamente pequena população, é capaz de produzir grande quantidade de víveres. Outros países, como a Austrália, o Canadá e a Argentina, este na América do Sul, têm nos gêneros alimentícios a fonte de sua riqueza nacional, exportando grandes quantidades, todos os anos, para abastecer outros países. Mas, durante a Guerra Europeia, muitos navios, que eram normalmente empregados para o transporte de cereais, foram desapropriados pelos governos e convertidos em transportes militares. Houve grande escassez de navios mercantes; a Australia, o Canadá, a Argentina e outros países não puderam exportar o excedente de sua produção para a Europa, e, consequentemente, as nações europeias sofreram a falta de víveres. A China, felizmente, não sofreu enchentes ou secas sérias durante a Guerra Europeia. Os agricultores tiveram boas colheitas, e, assim, a China não veio a ser assolada pelo flagelo da fome. Se a China tivesse sofrido uma enchente como a deste ano e as colheitas fossem danificadas pela inundação, ela, também, teria experimentado a falta de víveres. Que a China durante a guerra, tivesse escapado a tais desastres e não tivesse, ficado com seus abastecimentos de gêneros esgotados foi um golpe de sorte.

Alguns países produzem gêneros suficientes para seu próprio consumo, porém muitos não os produzem. As Ilhas Britânicas, por exemplo, apenas produzem o necessário para um consumo de três meses: os víveres para o consumo dos restantes nove meses têm de ser importados de outros países. Nos dias mais críticos da Guerra Europeia, quando os submarinos alemães estavam bloqueando os portos britânicos, a população da Grã-Bretanha começou a sentir os efeitos da fome. As Ilhas Japonesas, no Oriente, também não produzem gêneros em quantidades suficientes pára o consumo no ano inteiro; porém, o problema, no Japão, não é tão sério como o da Grã-Bretanha. O Japão pode abastecer sua população com os próprios recursos durante onze meses do ano; faltando-lhe, portanto, abastecimentos para um mês. Os abastecimentos da Alemanha são suficientes para o consumo de dez meses. Entre as nações menores da Europa existem muitas que não produzem quantidades suficientes de gêneros. A produção da Alemanha não é adequada em tempos normais; durante a guerra, quando grande número de agricultores é convocado para servir no Exército, e quando a produção se reduz, os abastecimentos tornam-se ainda mais inadequados. E, assim, a Grande Guerra, que durou quatro anos, resultou na derrota da Alemanha. Podeis ver porque o problema de alimentação de uma nação é de consequências tão sérias.

É fácil resolver a dificuldade, quando se trata do abastecimento de uma pessoa ou de uma família, porém, quando uma nação inteira, como a China, com seus 400 milhões, não conta com abastecimentos adequados, o problema torna-se muito sério e difícil de resolver. Os abastecimentos da China são suficientes para prover a alimentação de toda sua população? Conta o povo chinês com o suficiente para se alimentar? A província do Kwangtung importa anualmente 70 milhões de dólares em gêneros alimentícios, o que demonstra não dispôr o Kwangtung de abastecimentos adequados. Estamo-nos referindo apenas ao Kwangtung; muitas outras províncias defrontam condições semelhantes. A China possui superfície maior do que a dos Estados Unidos e conta com população três ou quatro vezes maior, mas, mesmo assim, nossos abastecimentos não podem, naturalmente, competir com os daquela nação. Façamos uma comparação com as nações europeias. As reservas alimentares da Alemanha são inadequadas e, consequentemente, a fome assolou esse país dois ou três anos depois da irrupção da guerra. A França, como conta com reservas alimentares adequadas, em tempo de paz tinha o suficiente para seu próprio consumo sem depender de importação. Comparai a China com a França: a população da França é de 40 milhões, a da China de 400 milhões: a superfície da França é 12 vezes menor do que a da China. Assim, a população da China é dez vezes maior do que a da França e seu território vinte vezes maior. Mesmo assim, os 40 milhões de franceses, dispondo de um território 12 vezes menor, graças a métodos modernos de agricultura, produz gêneros alimentícios em quantidades suficientes para satisfazer suas necessidades de consumo. Se a China, com um território doze vezes maior do que a França, seguisse seu exemplo, desenvolvendo intensivamente sua agricultura e multiplicando a produção, produziríamos certamente, pelo menos, vinte vezes mais gêneros alimentícios do que a França. A França, agora, provê a subsistência de 40 milhões de pessoas; a China seria capaz de prover a subsistência de, pelo menos, oitocentos milhões. Não somente toda a população do país ficaria liberta do espectro da fome, mas também existiria um excedente que poderia ser exportado para outros países.

Atualmente, a população da China vive em condições de pauperismo e sua riqueza está sendo desperdiçada. Qual é a verdadeira situação do problema alimentar? Em nenhuma parte da China existe alimentos suficientes para o povo. Todos os anos, dezenas de milhares perecem de fome. Trata-se de um dado estatístico de tempos normais; quando se verificam enchentes e fome, um número maior de pessoas morre de inanição. Segundo investigações estrangeiras merecedoras de crédito, a China, atualmente, não conta com mais de 310 milhões de habitantes. Há várias décadas, tínhamos uma população de 400 milhões, o que significa uma perda de 90 milhões. Trata-se de um fato terrível, que levanta sério problema para nossa consideração. A razão porque a população da China decresceu de 90 milhões em poucas décadas reside, para apresentar a questão em seus termos mais simples, na carestia de víveres. Existem muitas razões para que a China não disponha de adequadas reservas alimentares; as principais são a falta de progresso em sua ciência agrícola e a dominação econômica estrangeira.

Quando realizei minhas conferências sobre o nacionalismo, descrevi as forças econômicas com que os países estrangeiros oprimiam a China. Todos os anos, despojam a China de direitos e privilégios no valor de 1.200.000.000 de dólares. Devido à dominação econômica estrangeira, a China perde, anualmente, essa soma. Como é ela paga aos países estrangeiros? Toda a perda é representada em dinheiro? Não, parte do prejuízo é em víveres. Por que, não possuindo reservas alimentares suficientes para seu povo, a China envia gêneros alimentícios para outros países? Como sabemos que isso acontece? Os relatórios sobre o comércio exterior, dados à publicidade há poucos dias, mostram que só o número de ovos exportados anualmente para os Estados Unidos atingem a um bilião. Essa cifra abrange apenas os ovos em casca sem contar os empregados na manufatura de albumina. Também são exportadas para a Grã-Bretanha e o Japão grandes quantidades de ovos. Aqueles, dentre vós, que visitaram Nanquim, notaram uma gigantesca estrutura logo que se aproximaram de Hsiakwan. Essa estrutura pertence a um frigorífico estrangeiro, onde porcos, galinhas, patos, gansos e outros animais e aves domésticas são empregados na manufatura de carne enlatada para exportação. Pensai também na cevada, no centeio e no feijão-soja do Norte da China. Considerável quantidade desses cereais são exportados para o exterior. Há três anos, verificou-se uma seca severa no Norte da China. Ao longo das estradas de ferro Peiping-Hankow e Peiping-Mukden milhares de pessoas morriam de inanição. Na mesma ocasião, gigantescas quantidades de trigo e de feijão-soja saiam dos portos de Newchawang e Dairen com destino ao estrangeiro. Por que? Devido à dominação econômica estrangeira; a China não dispunha de dinheiro para enviar ao estrangeiro, de modo que tinha de padecer fome e enviar para lá seus cereais. Não é de se admirar que o problema da alimentação não tenha ainda sido resolvido na China!

Quando falamos do Principio de Subsistência, queremos dizer que pretendemos proporcionar aos nossos 400 milhões de compatriotas alimentos bem baratos; somente quando houver alimentos baratos em abundância, poderemos considerar resolvido o problema da subsistência. Como deveremos iniciar nossas investigações em torno do problema da alimentação? Comer é um ato muito simples.'Todos vós comeis e dormis e não vedes nesses atos quaisquer dificuldades. O povo pobre da China, todavia, conhece o provérbio “Há sete coisas que aborrecem, quando abris vossas portas todas as manhãs — combustível, arroz, óleo, sal, soja, vinagre, chá”. A alimentação é, pois, um problema sério e devemos estudá-lo detalhadamente se quisermos encontrar uma solução.

Que necessita a humanidade comer para viver? Há vários elementos importantes em nossa alimentação, que estamos constantemente em perigo de esquecer. Na realidade, dependemos diariamente de quatro espécies mais importantes de alimentos para manter nossa vida. O primeiro desses elementos é o ar. Falando em termos simples, devemos “comer vento”. Quando digo isso, pensareis que estou brincando, pois a expressão comum “vá comer vento” é geralmente empregada para aviltar a outrem. Não compreendeis, porém, que a absorção de ar é realmente mais importante do que a de gêneros. A segunda espécie de alimento de que necessitamos é a água. A terceira é o alimento animal, isto é a carne. A quarta é o alimento vegetal, os cinco cereais, as frutas e as verduras. O ar, a água, a carne e os vegetais são os quatro elementos vitais de nossa alimentação. Examinemo-los separadamente.

Primeiro o ar! Não penseis que esteja brincando; se não acreditais que a absorção de ar é importante, deixai de fazê-lo durante um minuto, detendo vossa respiração e vereis como vos sentireis. Podereis resistir à falta de ar? Absorvemos o ar 16 vezes por minuto, isto é, 16 refeições de ar cada minuto. Não ingerimos mais do que três refeições completas num só dia. O povo de Cantão nunca faz mais de quatro refeições diariamente, mesmo incluindo as ceias de meia-noite. Os pobres fazem, usualmente, duas refeições por dia e os mais pobres mantêm-se vivos com uma só refeição diária. Mas, quanto ao ar, nós fazemos 20.040 refeições por dia e se deixarmos de fazer uma só dessas refeições, nos sentiremos mal. Se deixarmos de fazê-las por alguns minutos, morreremos fatalmente. O ar é, pois, o meio de subsistência mais importante para a raça humana.

O segundo é a água. Não poderemos viver apenas com alimentos, sem a água. Um homem pode passar sem comer durante cinco ou seis dias, porém morrerá se passar cinco dias sem água.

O terceiro meio de subsistência, na ordem de importância, é o alimento vegetal. Somente depois do homem ter feito grande progresso na manutenção de sua existência é que aprendeu a comer alimentos vegetais. A China é uma nação antiga, civilizada, de modo que todo o povo chinês se utiliza dos alimentos vegetais. Os povos selvagens comiam os alimentos animais, que é também um meio de subsistência importante para a raça humana. O ar e a água são encontrados em toda parte. Se se mora às margens de cursos d’água, pode-se usar a água corrente, de outra maneira, serve-se de água de poços, de fontes ou da água da chuva. A água é encontrada em toda parte. O ar também se encontra em qualquer lugar, a nossa volta. Assim, apesar da água e do ar serem elementos indispensáveis à subsistência humana, devido ao fato de serem dádivas da natureza e de não ser exigido o esforço humano para captá-los, os chamaremos de “dádivas naturais”. Consequentemente, não constituem nenhum problema para nós. Mas os alimentos animal e vegetal são problemas sérios. O homem primitivo, como os selvagens de hoje, vivia da caça e da pesca; apanhava os animais na água e em terra para prover à sua subsistência. À medida que a civilização avançava, o homem veio ter ao estágio agrícola e aprendeu a cultivar os cinco cereais. Passou, então, a depender da vida vegetal para sua nutrição. A China tem 4.000 anos de civilização, de modo que progredimos muito mais do que as nações ocidentais no emprego civilizado do alimento. Dependemos, principalmente, das plantas para nossa alimentação. Apesar das plantas surgirem do solo, é necessário muito esforço para cultivá-las bem como vários métodos para torná-las úteis à nossa alimentação. Se quisermos resolver o problema dos alimentos vegetais, teremos de estudar, primeiramente, a questão da produção.

Desde os tempos remotos, a China tem sido uma nação agrícola. A agricultura tem sido sua grande indústria para a produção de alimentos. Por que métodos poderemos incrementar a produção vegetal? A agricultura chinesa sempre dependeu inteiramente do trabalho humano. Mesmo assim, a cultivação desenvolveu-se a um ponto bem elevado e todos os produtos são de qualidade superior. Os cientistas estrangeiros foram levados a externar encomios aos métodos agrícolas chineses. Uma vez que a produção de gêneros da China depende dos camponeses e uma vez que estes têm de trabalhar arduamente, devemos pleitear que o governo estabeleça regulamentos para proteção da população rural, se quisermos incrementar a produção de gêneros. Grande maioria do povo chinês é constituída de camponeses, pelo menos nove em dez; todavia, os gêneros que produzem, com labor tão exaustivo, são, em sua maior parte, arrebatados pelos proprietários das terras. O que conseguem guardar mal lhes dá para se manterem vivos. Trata-se de uma situação bastante injusta. Se tivermos de incrementar a produção de gêneros, deveremos promulgar leis de proteção aos direitos e interesses dos agricultores; deveremos dar-lhes encorajamento e proteção e permitir-lhes que conservem soma maior dos frutos de seu labor. A proteção dos direitos dos agricultores e a outorga de uma participação maior nos resultados da produção são questões relacionadas com a igualização da propriedade da terra. Há poucos dias, o Kuomintang convidou os agricultores para uma reunião na Escola Normal Superior a fim de inaugurar um movimento rural destinado a iniciar a solução dos problemas agrários. Mais tarde, quando o Princípio Min-Sheng for completamente realizado e os problemas do agricultor inteiramente resolvidos, cada trabalhador do solo possuirá seu próprio campo — será o fruto final de nossos esforços.

Quais são as verdadeiras condições existentes entre os agricultores chineses? Apesar da China não conhecer os grandes latifundiários, nove em cada dez agricultores não possuem seus próprios campos. A maioria das terras aráveis é de propriedade de indivíduos que não as cultivam. Parece-me que a única norma justa seria que o agricultor cuidasse de suas terras e ficasse com seus produtos; porém, os agricultores, atualmente, cultivam o solo para outros, ficando apenas com a metade da produção; o resto é arrebatado pelos proprietários das terras. Devemos utilizar imediatamente o governo e a lei para remediar essa grave situação. A menos que possamos resolver o problema agrário, não haverá solução para o problema de subsistência. Segundo os últimos estudos sobre a produção rural, 60% dos produtos do campo vão para os proprietários das terras, enquanto o agricultor fica apenas com 40%. Se essa situação injusta continuar, quando os agricultores se tornarem mais esclarecidos, quem quererá ainda trabalhar arduamente e sofrer nos campos? Mas, se a produção dos campos pertencer exclusivamente aos agricultores, estes se devotarão com ardor a seus trabalhos e a produção será incrementada. Atualmente, porém, a produção dos campos, em sua maior parte, pertence aos proprietários de terras. Apenas cabe ao agricultor 4/10 da produção. A maior parte, resultado do trabalho fatigante do ano, cabe ao proprietário. Em consequência, grande número de agricultores estão abandonando os campos, que se estão tornando estéreis e improdutivos.

Ao tratar da questão da produção agrícola, devemos estudar não apenas o problema da libertação dos camponeses, mas também os sete métodos destinados ao incremento da produção. Esses métodos são os seguintes: uso de maquinaria, emprego de adubos, rotação das culturas, combate às pragas, manufatura, transporte e prevenção contra os desastres naturais. O primeiro método é o uso de maquinaria. Durante milênios, a China tem empregado nas fainas agrícolas somente o poder humano; nunca utilizou a máquina. Se introduzíssemos a maquinaria nas atividades agrícolas, poderíamos, pelo menos, duplicar a produção agrícola da China e reduzir o custo da produção para um décimo ou um centésimo do que é atualmente. Se a China, com o trabalho humano, pode prover à subsistência de 400 milhões de pessoas, com a máquina poderia produzir o suficiente para a subsistência de 800 milhões. Se a máquina substituísse o trabalho humano na produção de gêneros, muitas terras, que não podem atualmente ser cultivadas, devido à sua elevação, poderiam ser irrigadas por meio de bombas e encanamentos e dedicadas ao cultivo. As terras boas, que já são cultivadas, poderiam ser irrigadas e libertadas dos precalços da seca, por meio da maquinaria, aumentando assim sua produtividade. Se as terras cansadas, não cultivadas, pudessem ser aproveitadas, a China produziria naturalmente mais gêneros. As máquinas para o cultivo e irrigação, que estão sendo usadas atualmente, são importadas de outros países, porém se todos os agricultores começarem a usar maquinaria e sua procura aumentar, deveremos manufaturar nossas próprias máquinas e recolher os lucros que são atualmente canalizados para o exterior.

O segundo método para o incremento da produção consiste no emprego de adubos. No passado, costumava-se empregar, na China, o esterco e várias espécies de matéria vegetal em decomposição, porém, nunca os adubos químicos. Só recentemente se começou a usar o salitre do Chile para a fertilização da terra. Em muitos lugares do Kwangtung e do Honan, está se empregando esse fertilizante no cultivo da cana de açúcar. Quando a terra em que se plantou a cana de açúcar é fertilizada com o salitre do Chile, o crescimento é duas vezes mais rápidos e os arbustos são várias vezes maiores. Se não se aduba a terra com salitre do Chile, a cana não somente cresce mais vagarosamente, mas os pés são muito mais curtos. O salitre do Chile, todavia, é importado do Chile, na América do Sul. Requer um pesado desembolso de capital e é muito caro. Assim, somente os plantadores de cana podem adquiri-lo e usá-lo. Os agricultores em geral não podem comprá-lo. Além do salitre do Chile, o fósforo de todas as espécies de crustáceos e o potássio dos rochedos e montanhas são também bons fertilizantes. Se se fizer combinações de compostos de nitrogênio, fósforo e potássio, se obterá excelente adubo, que tornará o cultivo de qualquer planta mais fácil, estimulando-se grandemente a produção. Por exemplo, um mow de terra não adubado produzirá cinco cestas de milho, porém, se o mesmo mow for fertilizado, a colheita será duas ou três vezes maior. Assim, para incrementar a produção, deveremos usar os adubos, e, a fim de aplicarmos esses fertilizantes, deveremos estudar a ciência e a fabricação de adubos por métodos científicos. A China dispõe em todo seu território de matérias primas para a fabricação de adubos. O material contido no salitre do Chile foi, há muito tempo, empregado pelos chineses na fábrica de pólvora. Outrora, todos os fertilizantes que o mundo usava eram produzidos no Chile, porém, com o progresso da ciência, os cientistas descobriram novo método de nitratos mediante o uso da eletricidade. Assim, vários países não dependem mais, agora, do nitrato de sódio natural produzido no Chile, mas estão fabricando nitratos artificiais por meio da eletricidade. Os nitratos artificiais são tão efetivos como os naturais e exigem gastos iniciais muito pequenos; consequentemente, em todos os países estão tendo grande aceitação.

Como é gerada a eletricidade? A eletricidade comum, dispendiosa, é gerada pela máquina a vapor, porém, a espécie mais recente e mais barata é gerada pela energia hidráulica. Recentemente, os países estrangeiros começaram a usar quedas d’água e rápidos para mover seus dínamos. Dessa maneira, enorme força elétrica é gerada, que pode ser utilizada para a manufatura de nitratos artificiais. O poder natural das quedas d'água e rápidos não custa nada e, consequentemente, o preço da eletricidade produzida é muito baixo. Com o emprego de energia elétrica barata, em sua fabricação, os nitratos artificiais tornam-se muito mais baratos. Há muitas quedas d'água e rápidos na China. No rio Sikiang, acima de Wuchow, há numerosos rápidos. Nas proximidades de Nanning, há os Rápidos Fu-po, que são muito poderosos e que interferem perigosamente com a navegação, dificultando o tráfego dos navios pelo rio. Se a energia hidráulica desse curso d'água pudesse ser aproveitada para gerar eletricidade, e, se se pudesse construir um canal para os navios e “juncos”, isso não representaria vantagem dupla? Calculou-se que a energia hidráulica desses rápidos poderia gerar eletricidade com um potencial de um milhão de cavalos. Nos rios Fo e Hung, no Kwangsi, há também muitos rápidos, que poderiam ser utilizados na produção de energia elétrica. O rio Weng, no Norte do Kwangtung, poderia produzir, segundo os cálculos dos engenheiros, entre 20 e 100 mil cavalos. Esse potencial poderia abastecer a cidade de Cantão com luz elétrica e todas as fábricas com força e seria mesmo suficiente para eletrificar a estrada de ferro Cantão-Hankow, segundo os métodos estrangeiros mais recentes. Ou considerai o tremendo poder hidráulico das Gargantas Kuei, na parte superior do Yangtzé. Pessoas, que estudaram o trecho do rio situado entre Ichang e Wanshien, calculam que o potencial elétrico aí existente poderia gerar 30 milhões de cavalos. Tal imensa força é muito maior do que a produzida atualmente em qualquer país do mundo. Não somente abasteceria de energia elétrica todas as estradas de ferro, linhas de bondes e fábricas do país, mas também poderia ser empregada na fabricação de adubos. Considerai também as Quedas de Lungmên, no rio Amarelo, que também podem produzir vários milhões de cavalos. Vede quão. imensos são os recursos naturais da China! Se o potencial hidráulico dos rios Yangtzé e Amarelo pudesse ser utilizado pelos métodos mais recentes para a produção de energia elétrica, poder-se-ia obter cerca de 100 milhões de cavalos. Uma vez que um cavalo de força é equivalente à força de oito homens fortes, 100 milhões seriam equivalentes à força de 800 milhões de homens. Um homem trabalha oito horas por dia, segundo a legislação vigente na maioria dos países. Um dia de trabalho mais longo é prejudicial à saúde do trabalhador e diminui a produção. Já apresentei, em minha conferência anterior, as razões disso. O poder humano pode ser empregado apenas oito horas por dia, porém a força mecânica pode ser utilizada nas vinte e quatro horas. Isso significa que um cavalo de força, durante um dia e uma noite, executa tanto trabalho como vinte e quatro homens. Se pudéssemos utilizar a energia hidráulica dos rios Yangtzé e Amarelo para produzir 100 milhões de cavalos de força de energia elétrica, equivaleria a pôr a trabalhar 2 biliões e 400 bilhões de homens! Quando isso acontecer, teremos energia suficiente para abastecer estradas de ferro, veículos de tração, fábricas de adubos e todas as espécies de empreendimentos industriais. Han Yu (ensaísta chinês da dinastia Tang) disse: “Uma casa faz os instrumentos enquanto seis casas os utilizam”. Quantas pessoas de 400 milhões trabalham realmente? As crianças e os velhos não podem, naturalmente, trabalhar. Muitos homens fortes, como os proprietários de terras, que vivem de rendas, também dependem do trabalho de outros para a sua subsistência. Um grande número de chineses não trabalha. Estão partilhando e não criando a riqueza. Em consequência, a China está se tornando pobre. Se nos pudéssemos utilizar da energia hidráulica dos rios Yangtzé e Amarelo para a produção de 100 milhões de cavalos de força, equivalentes à força de 2.400.000.000 de homens, e puséssemos essa energia elétrica a trabalhar para nós, a China produziria muito e certamente transformaria sua pobreza em riqueza. Assim, no que concerne à produção agrícola, se pudermos aperfeiçoar o trabalho humano e nos utilizar da maquinaria, se, além do mais, pudermos empregar a energia elétrica para a fabricação de adubos, poderemos certamente incrementar consideravelmente a produção de nossos campos.

O terceiro método para o incremento da produção é a rotação das culturas. Isso significa o plantio de diferentes plantas ou de diferentes sementes no mesmo trato de terra em anos sucessivos. Por exemplo, a semente do Kwangtung poderia ser plantada no ano corrente; a do Hunan, no ano vindouro; e a do Szechewan, no ano seguinte. Qual a vantagem existente em tal rotação? Importa na mudança e descanso para os diversos solos e aumenta a produção. Quando as sementes são colocadas num solo novo e frutificam numa atmosfera fresca, as plantas são mais fortes e as colheitas mais abundantes. Assim, a rotação das safras aumenta a produção.

O quarto método é o combate às pragas. Nos campos, existem plantas e animais que são danosos às colheitas. Por exemplo, na ocasião em que o arroz é plantado, despontam rapidamente toda a sorte de ervas daninhas, joio e de pés mal formados, que impedem não só o crescimento do arroz como também diminuem a fertilidade do solo. São muito prejudiciais à cultura do arroz. O agricultor deve usar princípios científicos e estudar a maneira de se livrar dessas ervas daninhas de modo a proteger suas plantações; ao mesmo tempo, deve verificar se há maneira de utilizá-las para incrementar a produção. Quais os animais que são daninhos? Há numerosas espécies. Uma das mais comuns é o gafanhoto. Se os gafanhotos ou quaisquer outros insetos daninhos atacam uma planta em estado de maturação, destroem-na, danificando as colheitas. As árvores litchi de Kwangtung, exatamente quando começavam a frutificar este ano, foram atacadas pela lagarta, que comeu as flores. Em consequência, a colheita de litchi este ano será muito reduzida. Há muitas outras espécies de insetos daninhos. O Estado deveria empregar especialistas para proceder a cuidadoso estudo desses insetos e encontrar meios de combatê-los. Os Estados Unidos preocupam-se muito com esses problemas e gastam, anualmente, grandes somas no estudo de métodos para resolvê-los. Consequentemente, o rendimento de sua agricultura acusa um aumento anual de centenas de milhões. Apesar de ter sido estabelecido um departamento entomológico em Nanquim para o estudo do combate às pragas, sua esfera de ação é muito limitada e seu trabalho não é efetivo. Devemos empregar o grande poder do Estado e imitar os métodos americanos para o combate aos insetos daninhos. Só então, as pragas diminuirão em todo o país e a produção será incrementada.

O quinto método para o incremento da produção é a sua industrialização. Se se quiser conservar os alimentos durante longo tempo e enviá-los para lugares distantes, deve-se submetê-los a um processo de conservação. Em nosso país, os métodos mais comuns de conservação consistem na secagem e salgamento: preparamos vegetais secos, peixe seco, carne seca, vegetais salgados, peixe salgado, charque, etc. Recentemente, foi introduzido no Ocidente novo método: o alimento é inteiramente cozinhado, fervido ou assado, e, depois, colocado em latas, que são fechadas no vácuo. Não importa qual o período em que seja aí conservado, o alimento, quando é removido das latas, apresenta sabor fresco. Este é o melhor método de conservar alimentos. Qualquer espécie de peixe, carne, frutas, vegetais ou biscoitos podem ser enlatados e distribuídos em todo o país ou exportados para o exterior.

O sexto método para incrementar a produção são os meios de transporte. Quando há um excedente na produção de gêneros, devemos começar a trocá-los. Temos que abastecer as deficiências de outros lugares com os excedentes de que dispomos. Por exemplo, as Três Províncias Orientais da Mandchúria e do Norte da China produzem feijão e trigo, mas não arroz, enquanto que todas as províncias meridionais produzem arroz, mas não feijão e trigo. Devemos enviar o excedente da produção de arroz do Sul da China para abastecer o Norte da China e a Mandchúria, em troca do seu trigo e feijão. Tal troca de produtos, porém, depende dos meios de transporte. O maior problema atualmente existente na China é o dos transportes. Verificam-se nesse domínio grandes desperdícios em consequência da aplicação de métodos inadequados. Em muitas partes da China, o transporte de mercadorias depende inteiramente dos carregadores coolies. O coolie mais forte não pode transportar mais do que 100 catties ou percorrer diariamente uma distância superior a 100 lis; seu salário por esse trabalho é de, pelo menos, um dólar. Isso representa não somente um desperdício de dinheiro, mas também de tempo, e, assim, grande parte dos recursos da China tem sido usado imperceptivelmente na movimentação da produção.

Se pudermos realizar os cinco melhoramentos que acabo de enumerar e aumentar nossa produção agrícola, porém, deixarmos de obter meios de transporte fáceis e convenientes, qual será a situação? Há poucos anos, encontrei o chefe de uma tribo do Yunnan, que possui grandes extensões de terras aráveis e que recebia, todos os anos, grandes quantidades de cereais como renda. Declarou-me que, todos os anos, tinha de queimar vários milhares de piculs de cereais. Perguntei-lhe: “Sendo os cereais gêneros tão importantes, por que os queima?” Respondeu-me ele: “Todos os anos, recebo uma quantidade demasiado grande de cereais. Não posso consumi-los sozinho e, nas imediações, todos têm o suficiente para comer. Nenhum comprador vem procurar os cereais e, com os meios de transportes existentes, só podem ser transportados a uma distância muito pequena. Não há maneira de transportá-los para a venda em lugares distantes. Todos os anos, os cereais vão se amontoando. Não disponho de celeiros em número suficiente para armazenar a produção nova, o povo prefere os cereais das últimas colheitas, de modo que os das colheitas anteriores se tornam inúteis. Assim, na época da colheita, tenho que queimar a safra anterior para esvaziar os celeiros onde é armazenada a produção da última colheita.” As razões para a queima dos cereais são o excesso de produção e os meios deficientes de transporte. O maior desperdício que se verifica na China está no emprego do coolie como meio de transporte. Aqui, em Cantão, dispúnhamos de grande número de carregadores, porém, desde que foram construídas amplas avenidas e se introduziram os carrinhos de mão, não temos mais de depender somente dos carregadores. Um carrinho de mão pode transportar a carga de vários coolies, dez ou vinte vezes maior, com a consequente economia de frete. O uso dos carros de mão e dos caminhões no transporte não somente reduz as despesas, mas também poupa tempo. No Saikwan (Distrito Ocidental), onde não existem ruas modernas, os coolies ainda são usados para o transporte de mercadorias. No interior, se precisarmos de transportar uma carga de uma centena de catties, numa distância de algumas dezenas de lis, somos obrigados a recorrer aos coolies. Quando as pessoas abastadas viajam, vão sentadas em ricas cadeiras colocadas nos ombros dos coolies. Devido aos meios deficientes de transporte existentes no passado, os gêneros mais necessários e valiosos não podiam circular livremente. O problema de alimentação continua até hoje sem solução.

Os melhores meios de transporte da China têm sido os canais e cursos d'água. O Grande Canal tem curso longo. Começa em Hangchow, passa por Soochow, Chinkiang, Yangchow, Chantung e Tientsin, terminando em Tungchow, não longe de Peiping depois de um percurso total de 3.000 lis. Trata-se do canal mais comprido do mundo. É um curso d'água extremamente útil, e, se se aumentasse o número de navios e lanchas modernos que trafegam no canal, sua utilidade seria ainda maior. Pouca atenção, todavia, tem sido prestada, ultimamente, ao Grande Canal. Se quisermos resolver o problema dos gêneros alimentícios no futuro, possibilitando um transporte fácil, deveremos restaurar o antigo sistema de canais. O atual Grande Canal deve ser consertado e o sistema de canais estendido até onde não existem presentemente cursos d'água. Quanto aos transportes marítimos, necessitamos de grandes navios, pois o meio mais barato de transportar cargas existentes no mundo são os navios.

No que concerne à economia de fretes, vem logo em seguida o transporte ferroviário. Se se pudesse construir estradas de ferro nas 18 províncias da China, no Sinkiang, na Mandchúria, em Xangai (Kokonor), Tibete, Mongólia Interior e Exterior, e as mesmas pudessem ser amalgamadas num só sistema, os abastecimentos de gêneros da China poderiam circular em todas as direções e o povo de todo o país poderia adquirir alimentos baratos. Assim, a estrada de ferro é um bom meio para a solução do problema da alimentação. As estradas de ferro, todavia, só podem ser construídas nas secções prósperas e ativas do país, onde podem ter rendimento. Se são construídas nas partes pobres e obscuras do país, não haverá muita carga ou passageiros para transportar. As estradas de ferro não somente deixariam de auferir lucros, mas perderiam dinheiro. Assim, não se pode construir estradas de ferro em regiões pobres e remotas. Em tais secções, devemos construir somente rodovias, em que automóveis e caminhões possam trafegar. As grandes cidades seriam servidas pelas estradas de ferro e as pequenas cidades e aldeias por estradas de rodagem, que poderiam ser ligadas a um sistema completo de transportes. As grandes cidades poderiam utilizar-se dos grandes trens e as pequenas cidades e aldeias dos automóveis e caminhões para o transporte de seus abastecimentos.

Por exemplo, em ambos os lados da estrada de ferro Cantão-Hankow, desde Wongsha até Shiukwan, existem numerosas aldeias. Se essas aldeias pudessem construir rodovias 'ligadas à estrada de ferro, não somente esta ganharia, mas todas as aldeias lucrariam com um meio de comunicação conveniente. Se se construíssem ramais ferroviários para essas aldeias, usando-se trens ao invés de caminhões para a locomoção de mercadorias, incorrer-se-ia em prejuízos financeiros. Em muitas secções rurais de países estrangeiros, construíram-se ferrovias, porém, devido ao pequeno volume de tráfego, estão sendo usados veículos a motor. O trem consome grande quantidade de carvão ,e as despesas para sua operação são grandes e os lucros limitados. Um veículo a motor, porém, pode ser operado com pequeno capital, trazendo grandes lucros. Esses são fatos com os quais todos os dirigentes de transportes devem estar familiarizados.

A viagem entre Cantão e Macau sempre foi feita em vapores, mas, atualmente, está se sugerindo a construção de uma estrada de ferro ligando Cantão àquela possessão portuguesa. A distância entre Cantão e Macau não é superior a 200 lis. Se se construísse uma estrada de ferro e se se pusesse em tráfego três trens diários em ambas as direções, a estrada de ferro não auferiria lucros, enquanto apenas dois trens determinariam um prejuízo sobre o investimento de capital. Se, para reduzir as despesas, fosse posto em tráfego número menor de trens, a viagem deixaria de ser mais conveniente do que atualmente. Assim, a melhor coisa a fazer seria a construção de uma rodovia entre Cantão e Macau. O investimento de capital em tal estrada de rodagem seria muito menor. Além do mais, um trem tem de compor-se de sete ou oito vagões, em cada viagem, para cobrir as despesas, pois o consumo de carvão e de mão de obra é muito pesado. Se os passageiros são poucos não há possibilidade de se realizar qualquer lucro. Seria muito melhor empregar ônibus numa rodovia. Esses veículos podem transportar, a qualquer tempo, um número maior ou menor de passageiros. Quando houver maior número de passageiros, pode-se usar um ônibus grande e quando houver número excessivo, pode-se lançar mão de dois ou três ônibus grandes, quando for pequeno o número de passageiros, utilizar-se-á um veículo pequeno. O veículo a motor pode partir a qualquer momento; não tem de obedecer a horário regular, como os trens, devido aos perigos de colisão. Assim, verificamos que a construção de uma rodovia entre Cantão e Macau seria muito mais econômica do que a construção de uma estrada de ferro. Quando for construída essa estrada de rodagem, somente as comunidades pobres e remotas, distantes da estrada, terão de continuar a usar o coolie como meio de transporte. Assim, vemos que os quatro seguintes meios são essenciais para a solução dos transportes de gêneros: 1 — os canais; 2 — as estradas de ferro; 3 — as estradas de rodagem; e 4 — o coolie. Se desenvolvermos da melhor maneira esses quatro meios de transporte, nossos 400 milhões de compatriotas terão alimentos mais baratos para o consumo.

O sétimo método para incrementar a produção agrícola consiste na prevenção de desastres naturais. Vede as enchentes que estão assolando o Kwangtung! A primeira safra de arroz devia ser colhida nesta quinzena, porém, pouco antes da colheita, as plantações foram inundadas, arruinando-se. O arroz plantado num mow vale, pelo menos, 10 dólares, de sorte que um mow inundado representa um prejuízo de dez dólares. Em toda a província do Kwangtung, quantos mows foram inundados? Certamente, vários milhões. Uma perda de dezenas de milhões de dólares! Assim, se quisermos encontrar solução completa para o problema da alimentação, deveremos considerar como uma questão muito importante a prevenção dos desastres naturais. Como poderemos controlar uma enchente como a que está assolando atualmente o Kwangtung? Presentemente, usa-se o seguinte método: o estabelecimento de departamentos de conservação incumbidos da construção e manutenção de diques nos pontos mais baixos das barrancas dos rios. Esses diques devem ser muito sólidos de modo a poderem resistir a qualquer pressão das águas, não permitindo que as águas transbordantes inundem os campos de ambos os lados dos rios. No ano passado, quando lutava ao longo do curso do Tung Kiang, vi alguns desses diques. São de construção sólida e auxiliam a prevenir os desastres das enchentes, resistindo à fúria das águas. Esse método de construção de diques é regulador e controla as águas. Além da construção de diques, devemos também aprofundar o leito dos rios e portos, dragando o lodo e a areia. Se não houver lodo nos portos, embaraçando o curso das águas e o leito do rio for profundo, será fácil o escoamento das águas para o mar. Os rios deixarão de transbordar e as calamidades das enchentes serão reduzidas. Assim, o aprofundamento dos rios e a construção de altos diques são duas espécies de empreendimentos técnicos que devem ser executados simultaneamente, se quisermos manter os rios sob controle completo.

Que dizer, porém, sobre os métodos fundamentais para a prevenção de enchentes? Por que as enchentes estão se tornando cada vez mais frequentes? Por que as enchentes eram raras nos velhos tempos? Porque, nos velhos tempos, haviam florestas extensas. Mas uma quantidade demasiado grande de árvores foi cortada pelo povo e a terra não foi reflorestada. Em consequência, existem atualmente muito poucas florestas, enquanto numerosas montanhas e espinhaços foram inteiramente despidos de sua vegetação. Quando caem pesadas chuvas, as encostas das montanhas não têm florestas para absorver a água da chuva ou para deter o seu fluxo, de modo que a água se despenha imediatamente nos rios, que transbordam, originando as enchentes devastadoras. Dai, o reflorestamento manter relação importante com a prevenção das enchentes. Quando as pesadas chuvas caem, os ramos e folhas das árvores absorvem a água do ar, e as raízes absorvem a água no solo. As florestas muito espessas podem absorver quantidade considerável de água. A água assim absorvida pelas árvores flui gradualmente para os rios, e não diretamente, subitamente, deixando de provocar enchentes. O método radical para a prevenção das enchentes é, pois, o reflorestamento. Destarte, se quisermos evitar as enchentes, a fim de resolver o problema da alimentação, deveremos, em primeiro lugar, cuidar do reflorestamento. Assim, poderemos evitar o mal das enchentes em todo o país. O reflorestamento de todo o país, em última analise, deve ser empreendido pelo Estado. Somente sob a direção do Estado poderá tal empreendimento ter êxito fácil. Este ano, todas as províncias da China, tanto do Norte como do Sul, foram assoladas por pesadas enchentes. As perdas ocasionadas por essas inundações devem atingir a centenas de milhões de dólares. O povo já é pobre e a nação está em bancarrota. Continuando a sofrer essas perdas, a solução do problema da alimentação, que está exigindo urgência, será extremamente difícil.

Existe, também, o desastre da seca. Como deveremos tratar do problema da seca? A Rússia, desde sua grande revolução, teve dois ou três anos de seca, que causou a morte por inanição a grande número de pessoas, quase provocando o fracasso da revolução. A seca, como a enchente, é uma séria calamidade. Costumava-se pensar que as secas fossem determinadas pelo destino e não podiam ser evitadas. À medida, porém, que a ciência avança, são encontrados meios para evitar todas as espécies de desastres naturais. A prevenção da seca requer também a força de toda a nação e um plano unificado amplo. O método fundamental desse plano é também o reflorestamento. Onde existem florestas, há uma proporção adequada de umidade no ar, as chuvas são frequentes e as secas são menos comuns. Para as terras altas e os lugares sem poços, pode-se bombear a água por meio de maquinaria, aliviando assim a seca. Esse método de irrigação destinado a prevenir as secas pode ser comparado ao método do dique para a prevenção das enchentes — ambos são somente reguladores. Os métodos reguladores tornam possível salvar a situação, quando as enchentes ou secas assolam subitamente uma região. O método radical de evitar as enchentes ou secas é o reflorestamento, aplicado numa escala nacional. Os métodos reguladores dependem do emprego da maquinaria de bombear, da construção de altos diques e do aprofundamento do leito dos rios. Se pudermos aplicar tanto as medidas reguladoras como as radicais, estaremos em condições de evitar as secas e as enchentes, e, assim, a perda, também, dos produtos de nossas terras.

Se a China puder libertar seus agricultores e aplicar os sete métodos para incrementar a produção agrícola, que já descrevi, será completamente resolvido o nosso problema de alimentação? Mesmo se conseguirmos resolver com êxito essas questões da produção, não resolveríamos completamente nosso problema de alimentação. Todos vós sabeis que as nações da Europa e da América se alicerçam na indústria e no comércio, mas talvez ignoreis que seus governos industrializados e comercializados dedicam também grande parte de seu tempo ao estudo dos problemas agrícolas. Os Estados Unidos, por exemplo, nada omitem, por mais insignificante que seja, no estudo dos problemas rurais visando o progresso da vida rural. O governo não somente empreende investigações detalhadas das condições agrícolas do país, mas também envia especialistas para o interior da China, Mandchúria, Mongólia e outras regiões, a fim de ficarem conhecendo as condições locais. Tomam conhecimento dos métodos chineses de cultivo, levando-os para os Estados Unidos, juntamente com toda a sorte de sementes nativas para experimentarem e usarem. Os Estados Unidos, ultimamente, estão dedicando muita atenção à agricultura. As facilidades ferroviárias para o transporte de gêneros, os meios de prevenção aos desastres naturais, toda a espécie de equipamento científico, são completos e modernos.

Mesmo assim, os Estados Unidos resolveram realmente seu problema alimentar? Não penso que o tenham conseguido. Todos os anos, os Estados Unidos exportam grandes quantidades de gêneros para os países estrangeiros e seus abastecimentos são abundantes — por que, então, digo que seu problema alimentar não está ainda resolvido? Porque a agricultura nos Estados Unidos é ainda controlada pelos capitalistas. Sob o sistema do capital privado, que ainda existe, os métodos de produção são superdesenvolvidos, enquanto não se presta nenhuma atenção aos métodos apropriados de distribuição. Assim, o problema da subsistência não pode ser resolvido. Para alcançar uma solução, devemos não somente tratar das questões da produção, mas também colocar ênfase nas questões de distribuição. É impossível a aplicação de métodos equitativos de distribuição sob o sistema do capital privado, pois, em tal sistema, toda a produção visa um objetivo — o lucro. Uma vez que a produção de gêneros vise o lucro, quando os preços são baixos no país, os gêneros são vendidos a lucros maiores no exterior. Somente porque indivíduos privados querem ganhar mais dinheiro! Mesmo quando há fome num país, quando o povo sofre a falta de gêneros e muitos perecem de inanição, esses capitalistas mostram-se desinteressados. Com tais métodos de distribuição, que visam somente o lucro, o problema da subsistência nunca poderá ser resolvido. Se quisermos executar o Princípio Min-Sheng, deveremos dedicar nossa atenção aos métodos de distribuição — métodos que não visem o lucro, mas sim o abastecimento do povo. Os abastecimentos da China são atualmente insuficientes, mas, mesmo assim, todos os anos, exportamos biliões de ovos bem como arroz e feijão-sóla para o Japão e as nações da Europa e da América. Essa situação é semelhante à da Índia: a Índia não somente dispõe de abastecimentos insuficientes, como também experimente anualmente os horrores da fome, apesar de se colocar em terceiro lugar entre as nações exportadoras de gêneros para a Europa. Como se explica esse fato? Pela dominação econômica europeia da Índia. A Índia ainda está vivendo num período capitalista, onde o objetivo da produção agrícola é o lucro. Daí, apesar da Índia conhecer a fome todos os anos, os capitalistas não ignorarem que proporcionar alimentos aos milhões de famintos não lhes trará lucros, de modo que os exportam para os diversos países da Europa, obtendo opimos lucros. Preferem deixar morrer à fome as multidões de nativos do que deixar de vender os gêneros aos países da Europa. Nosso Princípio Min-Sheng visa a destruição do sistema capitalista. A China já possui uma reserva alimentar inadequada, mas, mesmo assim, exportamos, todos os anos, apreciável quantidade de gêneros para outros países porque um grupo de capitalistas quer ganhar dinheiro.

Se aplicarmos o Princípio Min-Sheng, devemos ter como objetivo da produção de gêneros, não o lucro, mas a provisão da subsistência para todo o povo. Para atingir esse desideratum, devemos armazenar todos os anos os excedentes da produção. Não somente devemos aguardar para ver se os abastecimentos são suficientes para o resto do ano, mas também aguardar até que sejam assegurados os abastecimentos para o ano seguinte, e, mesmo, para o ano ulterior, antes que exportemos para o exterior quaisquer gêneros. Se, depois de três anos, os abastecimentos não forem ainda suficientes, suspenderemos as exportações de gêneros para o estrangeiro. Se pudermos aplicar o Princípio Min-Sheng desta maneira, visando a subsistência do povo e não o lucro, poderemos, então, alimentar a esperança de que passará a haver abundância de suprimentos para todo o povo chinês. A diferença fundamental entre o Princípio da Subsistência e o capitalismo é, pois, a seguinte: o capitalismo tem como único objetivo o lucro, enquanto o Princípio da Subsistência visa a manutenção da existência do povo. Corri um princípio tão nobre, poderemos destruir o velho e danoso sistema capitalista.

Mas, ao aplicarmos o Princípio Min-Sheng na solução dos problemas de alimentação da China, teremos de modificar gradualmente o sistema capitalista. Não deveremos destruí-lo imediatamente, com um só golpe. Nosso primeiro objetivo deverá consistir em dar à China abundante reserva alimentar. Quando realizarmos esse objetivo, ser-nos-á fácil dar o próximo passo, reduzindo consideravelmente o preço dos gêneros. Presentemente, na China, “o arroz é tão precioso como as pérolas e o combustível tão raro como a cássia”, e isso porque outros países estão utilizando parte dos abastecimentos da China. Nossas importações e exportações não se equilibram. Estando sob a dominação econômica estrangeira, não temos outros produtos para dar em pagamento, de modo que somos obrigados a exportar os gêneros que nosso povo necessita tão prementemente. P0r essa razão, milhões de chineses não têm o que comer, nossa geração está em perigo de perecer, nossa geração, que está para nascer, será reduzida em número, a população de todo o país está diminuindo gradualmente e nossa população caiu de 400 milhões para 310 milhões — tudo porque não resolvemos o problema da alimentação e não pusemos em prática o Princípio da Subsistência.

Qual será nosso plano para a distribuição de alimentos? O alimento é a maior necessidade do povo na procura dos meios de prover sua subsistência. Os economistas sempre se referiram às três necessidades da vida — alimentação, vestuário e habitação. Meu estudo levou-me a acrescentar uma quarta necessidade, de importância extrema — os meios de transporte. A fim de resolver o problema da subsistência, devemos não somente reduzir consideravelmente o custo dessas quatro necessidades, mas também tornar acessível a sua satisfação a todo o povo da nação. Se os Princípios San Min tiverem de ser efetivos e tiver de se construir um mundo novo, não se poderá deixar de satisfazer essas quatro necessidades da vida. É essencial que o Estado assuma a responsabilidade para a satisfação dessas necessidades. Qualquer pessoa deve ter o direito de responsabilizar o Estado pela não satisfação dessas necessidades. O Estado deve assumir o encargo de satisfazer as necessidades da vida do povo. E que dizer da responsabilidade do povo para com o Estado? O povo tem obrigações bem definidas. O agricultor derve produzir gêneros, o trabalhador industrial manufaturar os instrumentos, o comerciante cuidar da oferta e da procura dos produtos, o pensador devotar sua inteligência e habilidade à causa pública — todos terão que cumprir seu dever. Então, todos terão as quatro necessidades da vida satisfeitas.

Estamos estudando o Princípio Min-Sheng a fim de resolver os problemas concernentes a essas quatro necessidades. Hoje, iniciamos esse estudo, discutindo o problema da alimentação. O primeiro passo a ser dado ao tratar-se do problema da alimentação é a solução do problema da produção. Depois, virá o problema da distribuição. Para se proceder a uma distribuição justa e equitativa de alimentos, deveremos armazená-los todos os anos. Somente quando tivermos armazenado os excedentes da produção de três anos é que poderemos exportar gêneros para o exterior. Tal plano para o armazenamento de cereais, destinado a formar nossas reservas alimentares, assemelha-se ao velho sistema dos celeiros públicos. (Os celeiros públicos distribuíam cereais aos pobres em tempos de escassez). Nos tempos recentes, o sistema de celeiros públicos deixou de funcionar. Esse fato, juntamente com a dominação econômica estrangeira, provocam uma pobreza geral e a bancarrota nacional. Destarte, estamos num período crítico em que devemos resolver o problema de nossa subsistência. Se não nos aproveitarmos da oportunidade atual e aguardarmos outra ocasião, no futuro, a tarefa ser-nos-á mais árdua. O Kuomintang apresenta os Três Princípios do Povo como ‘base em que se deve construir nossa nova nação. Ao tratar do Princípio da Subsistência, não acentuemos simplesmente as teorias a ele concernentes, mas prestemos também séria atenção à sua aplicação prática. O primeiro problema de ordem prática que temos de resolver é o da alimentação. A solução desse problema depende, em primeiro lugar, de uma produção abundante e, depois, de uma distribuição equitativa. Mas, depois da produção ter sido incrementada e a distribuição regulada, o povo terá ainda que cumprir suas obrigações. Se o povo desempenhar plenamente sua parte, poderá certamente gozar da paz e da abundância e o problema da alimentação será resolvido. Com o problema da alimentação fora da órbita das preocupações, os outros problemas da subsistência poderão ser facilmente resolvidos.

17 de Agosto de 1924.

QUARTA CONFERÊNCIA

O “problema do vestuário”.Um problema que surge com a civilização.Desenvolvimento dos padrões de vida: necessidade, conforto, luxo.0 vestuário necessário à população da China é um de nossos problemas.Fontes do material do vestuário: seda, cânhamo, algodão e lã.A antiga indústria da China foi sobrepujada pela de outros países.Métodos científicos modernos de sericicultura.Contribuição de Pasteur.Melhoramentos sericícolas necessários na China.A seda da China destina-se principalmente à exportação.O cultivo do cânhamo e o desenvolvimento da indústria do linho na China.A maior parte do algodão da China é exportado e volta ao país como tecido.— Efeito da dominação econômica e política estrangeira sobre a indústria do algodão na China.Razões do fracasso das fiações de tecidos de algodão chinesas depois da Guerra Europeia.O fio e o tecido nativos não podem competir com os tecidos estrangeiros devido aos direitos aduaneiros baixos.A necessidade da China de uma tarifa aduaneira que proteja sua indústria de tecelagem.A agitação para o uso de produtos nativos e o boicote dos produtos estrangeiros são inoperantes a menos que se elevem os direitos aduaneiros.A função do vestuário.As fábricas de tecidos dirigidas pelo Estado poderiam abastecer todo o povo do vestuário necessário.A cooperação entre o governo e os cidadãos é essencial.Todos devem partilhar da produção.

O assunto de minha conferência de hoje versará sobre o problema do vestuário. O problema mais importante no Princípio da Subsistência é o da alimentação, vindo, em seguida, o do vestuário, que abordarei hoje. Quando apreciamos a vida, sob o ponto de vista da evolução, observamos que todos os seres vivos — plantas e animais — dependem da alimentação, de qualquer forma de sustento para sua existência. Sem essa forma qualquer de sustento a vida se extingue. Assim, a alimentação é um problema vital, tanto no mundo animal como no vegetal. O homem, porém, é a única forma da vida no universo que se defronta com o problema do vestuário. Somente o homem, na realidade, somente o homem civilizado, usa roupas. Os outros animais e plantas não precisam usar roupas, nem tão-pouco os selvagens. A alimentação é, pois, o problema da subsistência mais importante, vindo em segundo lugar o do vestuário. As raças não civilizadas da África e da Malásia não usam roupas; também nossos ancestrais primitivos andavam nus. O uso do vestuário veio com o progresso da civilização; quanto mais a civilização avança, mais complexo se torna o problema do vestuário. O homem primitivo contava com meios naturais para proteger seu corpo, exatamente como os pássaros e animais possuem peles e penas, que lhes são doadas pela natureza. Seu corpo era recoberto de cabelos. Mais tarde, quando a civilização humana atingiu a idade pastoril, o homem aprendeu a caçar e a pescar. Começou a fazer roupas das peles de animais, e, como continuasse a usá-las, o cabelo de seu corpo perdeu sua função e desapareceu gradualmente. Quanto mais a civilização avançava, mais completo se tornava, o vestuário e menos cabelo nascia. Assim, as raças bastante adiantadas têm muito pouco cabelo no corpo, enquanto, as raças selvagens e as que só recentemente começaram a progredir têm abundantes cabelos. Comparai os chineses e europeus: todos os povos europeus são mais cabeludos do que os chineses e a razão está em que não se desenvolveram tanto, no processo de evolução, como os chineses. Vemos, então, que o vestuário se originou nos cabelos do corpo doados pela natureza. Quando o homem começou a progredir, começou a matar as feras, usando a carne para a alimentação e a pele como vestuário. As peles dos animais eram a indumentária do homem primitivo. Existe um velho adágio, “comer carne e dormir sobre as peles”, que é empregado de maneira abusiva para comparar uma pessoa a um animal, mas que demonstra que o homem primitivo, depois de matar um animal, utilizava a carne como alimento e a pele Como vestuário. Depois, quando o número de homens aumentou e o de animais decresceu, deixou de haver peles suficientes para satisfazer as necessidades, e o homem teve de volver suas vistas para outros materiais, com q:te fazer suas roupas. Onde descobriu esses materiais? Em minha conferência anterior, disse que os materiais comuns da alimentação são a carne dos animais e os frutos e sementes das plantas. Os materiais para a confecção de vestuário, a exemplo dos materiais para a alimentação, dependem dos animais e das plantas. Não há outra1 fonte importante.

Até que ponto chegamos na solução do problema do vestuário? O vestuário é uma das necessidades da vida. No progresso da civilização humana, os padrões de vida evoluem através de três estágios. O primeiro estágio é o das necessidades. Sem a satisfação dessas necessidades, a vida humana não pode naturalmente existir, e sem uma soma suficiente de satisfação a vida é incompleta, o homem seria meio vivo, meio morto. As necessidades do primeiro estágio não podiam deixar de ser satisfeitas. Depois, o homem progrediu para o segundo estágio, o estágio do conforto. Quando o homem atingiu esse padrão de vida, começou a procurar a satisfação não somente das necessidades da vida, mas também a alegria e o conforto. Depois, deu outro passo à frente e procurou o luxo. Tomemos o vestuário, por exemplo. Nos tempos antigos, “a roupa de capim, no verão, e a pele, no inverno” eram consideradas suficientes. Mas, quando o homem atingiu o padrão do conforto, não se contentou mais somente com a roupa que satisfazia simplesmente suas necessidades físicas; quis roupa que se adaptasse bem a seu corpo e que fosse confortável. Mais tarde, o homem avançou mais e começou a procurar a beleza e o refinamento em sua indumentária — sedas ligeiras e delicadas formas em lugar da indumentária de capim, que costumava usar no verão; as peles de marta e de ariranha substituíram as peles dos animais comuns, no inverno.

Assim, o uso do vestuário desenvolveu-se do uso da roupa simples, necessária para o uso da indumentária confortável, e desta para o uso de roupas belas e luxuosas. Desenvolveu-se da mesma maneira que o hábito da alimentação. A princípio, o homem procurava simplesmente encher o estômago com “vegetais verdes e com o arroz em casca.” Depois, começou a cobiçar as guloseimas e os apetitosos sabores dos vinhos e da carne cozinhada. Mais tarde, começou a rebuscar as montanhas e os mares em busca de animais ou plantas para satisfazer seus refinamentos de paladar. Assim, atualmente, nos banquetes celebrados em Cantão, são servidos carnes de todas as espécies, ninhos de pássaros e barbatanas de tubarão, tudo muito estranho e saboroso. Esgotaram-se as sensações novas ao paladar e todos os desejos são satisfeitos. Este é o estágio do luxo na alimentação.

Ao procurarmos, porém, uma solução para o problema da subsistência não trataremos de conforto ou de luxo: estamos simplesmente tentando resolver o problema da satisfação das necessidades. Queremos que os 400 milhões de habitantes da nação tenham o necessário para comer e vestir-se, o suficiente para se alimentar e para se vestir. Como disse antes, a população da China desceu de 400 para 310 milhões. Agora, devemos traçar um plano compreensivo, que abranja tanto a produção como a manufatura a fim de vestir esses 310 milhões. Devemos encontrar uma solução para o problema da indumentária, pois, de outra maneira, dentro de dois ou três anos, a população decrescerá provavelmente de vários milhões. Se o censo deste ano acusa uma população de 310 milhões, dentro de poucos anos esse número será ainda menor; digamos, 300 milhões. Devemos começar a elaborar planos compreensivos, em grande escala, sobre como vestir essa população. O primeiro passo para a solução do problema é o estudo da maneira como são produzidos os materiais para a confecção da indumentária. Os materiais para o vestuário são obtidos das plantas e dos animais — duas espécies de animais e duas espécies de plantas. Esses quatro materiais são a seda, o cânhamo ou linho, o algodão e a lã. O algodão e o cânhamo são obtidos das plantas, a seda e a lã dos animais. A seda é fiada pelo chan ou bicho da seda; a lã cresce no dorso dos dromedários e de outros animais. Esses quatro produtos são os materiais essenciais para a confecção de vestuário para o homem.

Consideremos em primeiro lugar a seda. A seda e um material fino para a confecção de roupas e foi descoberto na China. Os chineses, desde os tempos antigos, usam a seda. Apesar da civilização das potências ocidentais ter ultrapassado a nossa, no tempo em que a China descobriu a seda, seus povos ainda viviam na idade selvagem e estavam ainda “comendo carne crua e bebendo sangue.” Não só não usavam seda, mas também não usavam roupas de espécie alguma e seus corpos eram recobertos de cabelos. Eram homens selvagens, envergando a indumentária da natureza. Não foi senão há dois ou três séculos que sua civilização começou a ultrapassar a nossa, e começaram a usar a seda como material para a confecção de belas roupas. Agora, os ocidentais empregam a seda para a satisfação de algumas necessidades, mas utilizam-na principalmente para a confecção de artigos de luxo.

Apesar da China ter descoberto a seda há vários milhares de anos, a chave para a solução do problema do vestuário para nossos 400 milhões não está na seda. Os artigos necessários à nossa indumentária não são feitos de seda, pois grande proporção do povo não pode adquiri-la. A seda que produzimos é exportada, em sua maior parte, para os países estrangeiros, onde é utilizada na confecção de artigos de luxo. Quando a China iniciou relações comerciais com outros países, o artigo principal de nossa exportação era a seda. A China exportava grandes quantidades de seda enquanto importava apenas pequena quantidade de produtos estrangeiros. As exportações da China excediam as importações. Depois da seda, vinha o chá. A seda e o chá foram os principais produtos de exportação da China, enquanto o Ocidente não os produziu. Antes de usarem o chá, os estrangeiros bebiam o vinho. Mais tarde, quando conheceram o chá chinês, começaram a bebê-lo em lugar do vinho, e o chá tornou-se, primeiro, um hábito e, depois, uma necessidade. Devido ao fato da China ser antigamente o único país que produzia a seda e o chá e os outros países não os produzirem, e porque os chineses não tinham grande necessidade de artigos estrangeiros e os países ocidentais não fabricavam ainda mercadorias em grande escala, nossas exportações de seda e de chá durante várias décadas foram suficientes para pagar as importações, isto é, havia um equilíbrio entre nossas exportações e importações. Mas, nos anos recentes, as importações foram aumentando gradualmente, enquanto nossas exportações de seda e chá foram decrescendo constantemente. Nossas exportações não são mais suficientes para pagar as importações. Os países estrangeiros aprenderam o segredo da fabricação da seda. A França e a Itália produzem, atualmente, grandes quantidades de seda. Procederam, também, a estudo cuidadoso da sericicultura e dos métodos de fiação da seda, realizando muitas descobertas e melhoramentos. A indústria japonesa da seda não somente adotou os métodos chineses, mas também as descobertas europeias mais recentes. A seda japonesa melhorou muito em qualidade; a produção do Japão sobrepuja atualmente a chinesa. Devido a essas razões, a seda e o chá chineses não têm atualmente muitos compradores no mercado internacional; a seda e o chá de outros países deslocaram nossa produção nos mercados. Atualmente, nossas exportações de seda e de chá estão diminuindo e não dispomos de outros produtos para contrabalançar as importações. Assim, todos os anos, estamos pagando no comércio internacional um tributo de 500 milhões de dólares a outros países. Eis o que a dominação estrangeira econômica significa para nós. À medida que essa dominação se torna cada vez mais séria, o problema da subsistência torna-se cada vez mais de difícil solução. A seda chinesa foi inteiramente eliminada do mercado internacional pela seda estrangeira; e os produtos chineses de seda são inferiores em qualidade aos estrangeiros. Mas, devido ao fato de necessitarmos dos tecidos e fios de algodão estrangeiros para a confecção de artigos necessários e não podermos nos utilizar da seda, temos que exportá-la em troca do tecido de algodão mais barato.

Nossa indústria da seda, os métodos de produção e de fabricação, que descobrimos, foram outrora muito bons. Satisfizemo-nos, porém, com nossas realizações, não cuidamos de introduzir melhoramentos, e, mais tarde, quando os estrangeiros copiaram nossa indústria, aplicaram-lhes a ciência moderna e introduziram-lhes melhoramentos, ficando capacitados a produzir uma seda superior à chinesa e a suplantar a indústria de seda chinesa. Investigações mostrarão que o declínio da indústria da seda chinesa é devido aos métodos inadequados de produção. Grande quantidade dos nossos bichos da seda é doente. De fato, metade dos bichos da seda, em cada safra, morrem antes do período da maturidade. Se, por acaso, continuam a viver, a seda dos casulos doentes não produz artigo de qualidade ou cor finas. Nossos métodos de fiação da seda são também imperfeitos. Os fios são quebradiços e inadaptáveis aos fusos estrangeiros. Consequentemente, a seda chinesa foi sendo gradualmente desbancada pela estrangeira. Há várias décadas, os métodos alienígenas de sericicultura eram exatamente como os chineses. Quando o sericicultor cria bichos da seda, os resultados são muitas vezes bons, outras vezes, há uma perda total da safra. O sericicultor não sabe como explicar essas variações, atribuindo-as ao destino. Esse também era o caso dos sericicultores estrangeiros. Mais tarde, os cientistas do exterior começaram a descobrir os princípios da biologia e a estudar detalhadamente todas as formas da vida, não somente das visíveis a olho nu, mas, também, por meio do microscópio, que aumenta o tamanho dos demasiado pequenos a olho nu vários milhares de vezes.

No curso de tais investigações, um cientista francês, chamado Pasteur, descobriu que todas as doenças dos animais, sejam seres humanos ou bichos da seda, eram causadas por organismos microscópicos, ou micróbios. A menos que esses micróbios fossem destruídos, o animal doente pereceria. Depois de gastar muito tempo em longas pesquisas, Pasteur veio a compreender inteiramente a natureza desses micro-organismos, descobrindo os métodos para exterminá-los e, assim, livrar o bicho da seda da doença. Quando esses métodos foram levados ao, conhecimento dos sericicultores da França e da Itália, os bichos da seda doentes decresceram consideravelmente em número e a fiação executada pelo casulo tornou-se normal. Foi, então, que a indústria da seda realizou grande progresso. Mais tarde, o Japão começou a estudar esses métodos e sua indústria da seda principiou a progredir. Os sericicultores da China, todavia, sempre foram conservadores e não se mostravam desejosos de aprender os novos métodos, de modo que nossa indústria da seda entrou em franco declínio. Os mercadores de seda de Xangai estabeleceram agora uma estação para a experimentação da seda bruta e para o estudo de sua qualidade. Esperam aplicar métodos que melhorem a qualidade da seda. A Universidade de Lingham, em Cantão, está empregando métodos científicos para o melhoramento das larvas; o emprego de uma larva cuidada importa no melhoramento da qualidade da seda e de seus produtos. Mas esses métodos científicos para melhorar a sericicultura são hoje conhecidos apenas por poucos; a maioria dos sericicultores não estão familiarizados com eles.

Se a China tiver de reformar sua indústria da seda e aumentar a produção, seus sericicultores terão de apreender os métodos científicos modernos e melhorar a larva bem como a amoreira, onde a mesma vive. Terão, também, de estudar os melhores métodos de dobagem e da classificação e dos melhoramentos dos diversos tipos, qualidades e cores. Só, então, a indústria da seda chinesa começará a progredir e será capaz de concorrer com os produtos de outras procedências nos mercados mundiais. Se os chineses não melhorarem sua amoreira e larvas, bem como a qualidade de sua seda crua, atendo-se a seus velhos métodos, a indústria chinesa da seda não só fracassará, mas, provavelmente, no curso da seleção natural, será inteiramente eliminada. A maioria do povo chinês não usa atualmente a seda. A seda crua é exportada para o exterior cm troca dos fios e tecidos de algodão. Se a seda chinesa for de má qualidade, os outros países não a quererão, e não encontrará mercado. A China perderá, então, não só uma de suas principais fontes de riqueza, mas também não disporá de materiais com que fazer seu vestuário, uma vez que não poderá exportar sua seda em troca do fio e dos tecidos de algodão. Assim, se quisermos que nosso povo tenha os materiais necessários para confeccionar sua indumentária, deveremos preservar sua antiga indústria, melhorar a larva e a amoreira e reformar os métodos de dobagem da seda. Os estofos e cetins chineses eram, outrora, excelentes e não tinham rivais em qualquer país Estrangeiro. Atualmente, porém, os artigos de seda que saem dos teares estrangeiros são muito superiores aos chineses. Os esquisitos artigos de seda, que são atualmente usados pelas abastadas famílias chinesas, são importados do exterior, o que mostra como nossa esplêndida indústria nativa foi arruinada. Para resolver o problema da seda, devemos não somente melhorar as larvas e a amoreira, reformar os métodos da sericicultura e da dobagem da seda a fim de produzir uma qualidade melhor, mas também aprender os métodos estrangeiros de tecer a seda e o cetim mediante o emprego da maquinaria. Então, ficaremos capacitados a produzir magníficos artigos de seda para o uso de nosso povo. Quando satisfizermos a procura doméstica, poderemos exportar o excedente da produção para o exterior em troca de outros produtos.

O segundo material com que são confeccionadas as roupas é o cânhamo. O cânhamo também foi descoberto na China. Nos tempos antigos, os chineses descobriram o método de tecer a roupa do cânhamo, e esse velho método é ainda seguido hoje em dia. Mas á agricultura chinesa nunca progride, e, assim, a indústria do linho foi recentemente arrebatada de nós por outros países. Atualmente, a maquinaria estrangeira fabrica o fio de linho com um lustro quase igual ao da seda e também usa conjuntamente a seda e o linho na fabricação de diversos tecidos. Esses tecidos são muito populares no Ocidente, onde foram introduzidos recentemente. Todas as províncias da China cultivam o cânhamo em grande escala, porém, os artigos fabricados com o cânhamo só servem para o verão e não duram mais do que uma estação. Se quisermos aperfeiçoar a indústria do linho, deveremos proceder a um estudo detalhado e radical de seu aspecto agrícola — como cultivar o cânhamo e o linho e como usar os adubos, e também o lado industrial — como produzir um bom fio de linho. Só, então, a indústria do linho se desenvolverá e os artigos manufaturados de linho serão baratos: No passado, a indústria do linho dependia exclusivamente do trabalho manual. Não se empregavam máquinas na confecção do tecido. A manufatura manual não somente consome mais tempo e produz um tecido de qualidade inferior, mas também requer grande capital. Se quisermos melhorar a indústria do linho e o fabrico de tecidos de linho, deveremos elaborar um plano de amplas proporções. Ao longo de todo o percurso de sua transformação, dos campos, onde o cânhamo ou o linho é cultivado, até às fábricas, onde o tecido é manufaturado, deveremos aplicar os métodos científicos mais modernos. Se pudermos levar a bom termo tal reforma, obteremos bom tecido e material barato para a indumentária.

A seda e o cânhamo, como matérias primas para a confecção de tecidos, foram descobertos na China, Mas as roupas, atualmente, não são feitas somente de seda ou cânhamo ou linho; a maioria do vestuário é feito de algodão, ao mesmo tempo em que a lã está sendo cada vez mais usada. O algodão e a lã são, hoje, materiais necessários para a indumentária de todo o mundo. O algodão não é nativo da China; o algodoeiro de Ceiba (refere-se ao que, comercialmente, é conhecido como o “algodão da Índia”) veio da Índia. Depois da China ter importado sementes de algodão da Índia e ter começado a plantá-las em diversas secções do país, e, depois que aprendeu a fiar e a tecer, é que se construiu a indústria do algodão. Ultimamente, o tecido de algodão estrangeiro, de melhor qualidade que o nativo, e bastante barato, está sendo importado. Os chineses preferem o algodão estrangeiro ao nacional, de modo que nossa indústria está sendo levada à parede. Isso significa que os chineses têm de depender dos países estrangeiros para os suprimentos de um material necessário ao vestuário. As pequenas indústrias nativas ainda em existência usam o fio alienígena na tecelagem. Podeis ver, assim, como a nossa indústria de tecidos foi batida pela de outros países.

Depois da introdução da semente de algodão, procedente da Índia, a China começou a plantar o algodão em todo o seu território, e agora produz anualmente grande safra. Entre os países produtores de algodão, os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar, a Índia o segundo e a China o terceiro. Apesar da China produzir grande quantidade de algodão de boa qualidade, devido ao fato de suas indústrias não serem bem desenvolvidas, não pode utilizar seu algodão em rama na manufatura de bons tecidos e fios. Exporta-o para o exterior, a maior parte para o Japão e os países ocidentais. O Japão e os países ocidentais compram o algodão chinês e o misturam com o produto nativo a fim de obterem bons tecidos. Mais da metade da matéria prima empregada nas fiações e tecelagens de Osaka procede da China. Depois de usarem o algodão em sua manufatura, enviam os produtos acabados para a China, a fim de serem vendidos a bons preços. A China tem abundante mão de obra e os salários aqui são niais baixos do que em outros países. Dispondo de algodão em rama e de mão de obra barata, por que a China exporta a matéria prima para o Japão para ser transformada em tecido? Por que a China não fabrica seus próprios tecidos? O Japão não possui mão de obra abundante e os salários nesse país são elevados. Como, pois, pode adquirir o algodão chinês, tecê-lo, enviando-o à China para vendê-lo a bons preços? A razão está simplesmente no atraso da indústria chinesa. Não podemos fabricar tecidos baratos. A indústria japonesa é altamente desenvolvida e pode fabricar tecidos baratos. A fim de resolver, portanto, o problema do vestuário, devemos, em primeiro lugar resolver os problemas agrícolas e industriais. A menos que esses dois problemas sejam resolvidos, não poderemos incrementar a produção agrícola nem fabricar tecidos baratos. Enquanto a China mão puder fabricar tecidos baratos, terá de depender das importações do exterior. Os países estrangeiros, porém, não estão exportando seus tecidos para a China como um serviço ou em pagamento de tributo! Estão exportando seus artigos a fim de auferir lucros, a fim de trocar dois dólares por mercadorias no valor de um dólar. O dinheiro chinês, é, assim, convertido em lucros para o estrangeiro. Essa é a dominação econômica estrangeira sob a qual estamos sofrendo. E, se quisermos saber porque estamos sob essa dominação, verificaremos que a razão está no nosso fraco desenvolvimento industrial. A China envia seu algodão para o exterior para depois comprar artigos grosseiros de algodão, fabricados no exterior. As roupas que usamos diariamente são feitas com tecidos importados pelos quais temos de pagar preços elevados. O preço elevado que pagamos é representado no nosso dinheiro e nos nossos gêneros que enviamos ao exterior em pagamento. A China é como o cordeiro preto da família decadente, que não podia produzir nada nem conseguia obter roupas e alimentos, tendo lançado mão de raros e preciosos bens da família para trocá-los por algo com que comer e se vestir. Tal é a condição atual da China sob a dominação econômica estrangeira.

Em minhas conferências sobre o nacionalismo, expliquei como a China, devido à dominação econômica estrangeira está perdendo anualmente de 1.200.000.000 a 1.500.000.000 de dólares. A maior parte dessa perda é devida ao desequilíbrio de nossa balança comercial; nossas importações não equivalem, em valor, às exportações. Segundo os relatórios da Alfândega, dos últimos dois ou três anos, o valor de nossas importações é de 300 milhões de taels inferior às exportações. Esses taels são taels de Haikwan ou aduaneiros, equivalentes a 500 milhões de dólares em prata na moeda de Xangai, ou 600 milhões de dólares «na moeda de Cantão. Essa é a situação de nossa balança comercial. Que mercadorias importamos? Nossas importações principais são os artigos e o fio de algodão. Assim, a principal, perda da China, através das importações, é a representada pelo algodão. Segundo os relatórios aduaneiros, o valor das importações de algodão é de 200 milhões de taels de Haikwan, anualmente, ou sejam 300 milhões de dólares de Xangai. Esse é o custo do tecido estrangeiro que usamos. Significa que todo o cidadão chinês, se tomarmos o último recenseamento como base de nossa estimativa, gasta, anualmente, tecido de algodão estrangeiro no valor de um dólar. Assim, a segunda grande necessidade da vida é satisfeita por nós mediante o emprego de material estrangeiro. A China produz algodão e possui abundante mão de obra barata, mas, porque não sabemos como estimular nossas indústrias e defender nossos direitos, temos de usar o tecido estrangeiro e de enviar para o exterior grandes somas de dinheiro. Enquanto mandarmos nosso dinheiro para o estrangeiro, não poderemos remover as dificuldades ocasionadas pela dominação econômica estrangeira, nem poderemos resolver imediatamente o problema do vestuário.

Se quisermos recuperar nossos direitos, deveremos, em primeiro lugar, resolver o problema do vestuário e reduzir o montante das importações de tecidos de algodão estrangeiros. Como resolver o problema? Durante a Guerra Europeia, os países ocidentais não dispunham de tecidos de algodão para exportar para a China; todos os artigos de algodão importados pela China provinham do Japão. Mas o Japão naquela época estava ganhando mais dinheiro com o fornecimento de material bélico aos Aliados do que com a exportação de tecidos de algodão para a China, de modo que as grandes fábricas japonesas estavam trabalhando para abastecer os Aliados; apenas, as pequenas fábricas fabricavam o fio e o tecido de algodão para ser exportado para a China. Houve falta de tecidos de algodão no mercado chinês acompanhada de elevação de preços. Nessa ocasião, alguns homens de negócios chineses, dispostos a entregar-se à especulação, promoveram a organização de várias empresas de fiação e tecelagem, que utilizavam a matéria prima nativa. Mais tarde, dezenas dessas fábricas foram construídas em Xangai, tendo auferido lucros consideráveis. O investimento de capital por dólar trouxe dividendos de 3 a 4 dólares. Lucros de várias centenas por cento foram declarados. Quando os capitalistas viram a lucratividade do negócio, ficaram alvoroçados, aumentando os investimentos de capital nas fiações e tecelagens. Houve uma maré de prosperidade na indústria da tecelagem do algodão e muitos dos novos capitalistas foram cognominados de reis do algodão. Mas, qual é a situação atual? Os antigos milionários perderam grandes somas e tornaram-se pobres. A maioria das fábricas fracassaram e foram fechadas. Se não tivessem sido fechadas, teriam ficado insolventes e iriam à bancarrota.

Qual é a razão da existência de tais condições? Havia pessoas, que pensavam que os países estrangeiros podiam enviar seus tecidos e fios para a China, porque os mesmos eram fiados e tecidos por meio de máquinas. Uma vez que os tecidos e fios manufaturados à máquina eram de melhor qualidade do que os fabricados à mão e requeriam menor investimento de capital, os países estrangeiros podiam comprar o algodão em rama chinês, levá-lo para suas fábricas e reenviá-lo à China sob a forma de fios e tecidos, realizando lucros, apesar das distâncias percorridas pela matéria prima e pelo produto manufaturado. Argumentava-se que a razão pela qual realizavam lucros residia no fato de possuírem a maquinaria. Assim, muitos capitalistas chineses puseram-se a imitar seus colegas estrangeiros. Adquiriram a maquinaria de fiar e tecer e construíram numerosas fiações e tecelagens modernas. Os investimentos de capital variavam entre um milhão e dezenas de milhões de dólares. Durante a Guerra Europeia, as fábricas ganharam muito dinheiro. Mas, atualmente, todas estão tendo prejuízos, a maioria está sendo fechada, e os antigos reis do algodão tornaram-se “pobres diabos”. Mas nossas modernas fiações e tecelagens empregam a mesma maquinaria usada nos países estrangeiros. Por que, então, as fábricas estrangeiras auferem lucros enquanto as nossas fracassam? Como podem os países estrangeiros comprar o algodão em rama chinês, pagar fretes para o transporte para suas fábricas, e custear o transporte do produto acabado para a China? Finalmente, os salários na China são muito mais baixos do que no estrangeiro, e parece-nos razoável esperar que, com a mão de obra barata, com a matéria prima nativa e com máquinas semelhantes às estrangeiras, as fábricas chinesas deveriam realizar lucros enquanto que as fábricas estrangeiras teriam prejuízos na exportação de seus produtos para a China. Mas qual a razão por que os resultados reais são exatamente o oposto?

A razão repousa no seguinte fato: a indústria do algodão na China sofre as consequências da dominação política estrangeira. As nações estrangeiras não oprimem a China apenas com o poder econômico; o poder econômico é uma força natural, é o que denominamos na China Wang-tao, ou a norma real. Quando as nações estrangeiras verificam que sua força econômica é fraca e que não podem atingir seus objetivos de outra maneira, utilizam-se da força política. Essa força política é o que denominamos pa-tao, ou a norma da força. Em certo tempo, o trabalho manual da China competiu com a máquina estrangeira e perdeu. Mas isso foi puramente uma questão econômica. O fracasso ocorrido depois da Guerra Europeia com as fiações e tecelagens chinesas, que estavam concorrendo com as nações estrangeiras, usando as mesmas máquinas, não constitui problema econômico, mas político. Quais os métodos que as nações estrangeiras empregam em sua dominação política sobre a China? Depois do governo mandchu ter lutado contra as nações estrangeiras, sofrendo a derrota, a China foi forçada a assinar muitos tratados injustos. As nações estrangeiras ainda estão usando esses tratados para manietar a China, e, em consequência, o país fracassa em tudo o que tenta. Se a China estivesse colocada numa base de igualdade frente a outras nações, poderia concorrer livremente com elas no campo econômico, capacitando-se a sustentar sua posição sem perigo de fracassar. Mas logo que as nações estrangeiras se utilizam do poder político como um anteparo para seus desígnios econômicos, a China fica impossibilitada de resistir ou de concorrer com êxito.

Qual é a relação existente entre esses tratados injustos e o problema do algodão? Quando os países estrangeiros enviam os tecidos de algodão para nossos portos, as alfândegas cobram um direito de 5% sobre o valor; quando os tecidos circulam no interior da China, são onerados com um imposto de dois e meio por cento. Os fios e tecidos estrangeiros pagam, ao todo, somente impostos no montante de sete e meio por cento e têm um mercado ilimitado na China. Mas que acontece com os fios e tecidos de nossas fábricas? Durante a dinastia mandchu, o povo chinês vivia simplesmente sonhando. Ouvia estupidamente as propostas estrangeiras e lançava um imposto de 5% sobre os tecidos fabricados no país, ou, seja, equivalente aos direitos sobre o produto importado. Quando, porém, os tecidos de fabricação chinesa são enviados para o interior, não pagam, como os tecidos estrangeiros, somente um imposto de dois e meio por cento; pagam muito mais. São gravados com impostos por toda parte. Quando o tecido nacional é gravado com direitos aduaneiros, exatamente como os estrangeiros, além de outros impostos, seu preço, tem, naturalmente, de ser maior. E uma vez que o tecido nacional é demasiado caro, não pode circular pelas províncias, de modo que nosso tecido ainda não pode concorrer com o tecido importado. As nações estrangeiras usam os tratados injustos para manipular os direitos aduaneiros e os impostos chineses em seu proveito. Nem as alfândegas nem as repartições exatoras do interior têm liberdade para elevar as tarifas sobre os produtos estrangeiros, porém podem aumentar a seu bel prazer os impostos sobre os artigos chineses. Por exemplo, a Alfândega de Cantão não se encontra sob o controle dos chineses, mas dos estrangeiros: não temos liberdade para aumentar a tarifa sobre os artigos estrangeiros, porém, os estrangeiros podem tributar à vontade os produtos chineses que passam pela alfândega. Além do mais, depois de passar pela barreira alfandegária, os produtos chineses têm de pagar inúmeros impostos, enquanto os artigos estrangeiros o pagam uma só vez, circulando sem obstáculos em todo o país. Devido às injustiças das tarifas alfandegárias e fiscais, os produtos chineses não podem concorrer com os estrangeiros no próprio país, e, assim, o tecido nacional é colocado em posição de inferioridade.

Os Estados independentes da Europa e da América, colocados numa base de igualdade, tributam livremente as exportações mútuas. Nenhum deles está manietado por tratados injustos. Cada governo pode aumentar à vontade suas tarifas. As mudanças nas tarifas são determinadas pelas condições econômicas existentes no campo das relações com os países estrangeiros. Se um país dispõe de grande quantidade de mercadorias para exportar, que viria deslocar a produção nacional, o governo do país em questão pode elevar imediatamente os direitos para deter o a fluxo da produção estrangeira, protegendo assim os interesses nacionais. Trata-se da aplicação do sistema de tarifas protetoras. Por exemplo, as mercadorias exportadas pela China para o Japão são gravadas com um direito mínimo de 30% enquanto que as mercadorias de procedência nipônica circulam livres de direitos no país. As mercadorias japonesas, que custam 100 yens e não são gravadas com nenhum imposto, são vendidas por 120 yens, realizando assim um lucro de 20 yens;porém, se mercadorias chinesas no valor de 100 yens fossem exportadas para o Japão e vendidas por 120 yens, haveria um prejuízo de dez yens. O Japão pode assim resistir à penetração dos produtos chineses e proteger sua produção. Tal método de proteção ao desenvolvimento das indústrias nativas e de resistência à invasão de produtos estrangeiros é uma política econômica geral das nações.

Se quisermos resolver o nosso problema da subsistência e proteger nossas indústrias nativas, de modo que não possam ser atacadas pelas indústrias estrangeiras, deveremos em primeiro lugar dispôr de força política para protegê-las. Mas a China está hoje algemada por tratados injustos e não somente perdeu seus direitos soberanos e o poder de proteger suas próprias indústrias como também está, na realidade, protegendo as indústrias estrangeiras. Esse fato advêm da expansão capitalista, do progresso mecânico e da superioridade econômica dos países estrangeiros; porém, o poder econômico estrangeiro é apoiado no poder político. Assim, durante a Guerra Europeia, quando não teve de concorrer com os fios e tecidos do Ocidente, a China foi capaz de explorar proveitosamente suas indústrias. Depois da Guerra Europeia, os produtos estrangeiros voltaram a inundar a China, concorrendo com os nossos e causando-nos grandes prejuízos financeiros. O fator mais importante no problema do vestuário é o algodão. Presentemente, não temos à vista nenhuma solução do problema do algodão. A indústria do algodão na China está ainda em sua infância. Nossa maquinaria não é tão adequada e eficiente como a estrangeira, e a disciplina e organização em nossas fábricas não são tão completas como as existentes nas fábricas do exterior. Assim, a indústria do algodão na China, mesmo que não fosse gravada com pesados e injustos impostos, ainda encontraria dificuldade em concorrer com a de outros países.

Para competir com outros países, devemos imitar a política tarifária das nações ocidentais. Qual tem sido sua experiência com essa política? Há várias décadas, as indústrias britânicas eram as mais importantes do mundo. Quaisquer produtos que o mundo necessitava eram abastecidos pela Grã-Bretanha. Os Estados Unidos estavam, nessa época, no estágio agrícola. As pequenas indústrias, que existiam, estavam sendo esmagadas pelas indústrias britânicas e não tinham possibilidades de se desenvolver. Depois, os Estados Unidos adotaram uma política de proteção, pondo em vigor uma tarifa protecionista. Todas as mercadorias britânicas importadas pelos Estados Unidos eram tributadas com direitos que variavam entre 50 e 100% ad valorem. Isso tornou o preço dos produtos britânicos tão elevado, que tornou impossível a concorrência com os produtos americanos. Muitas espécies de produtos britânicos não puderam mais ser exportados para os Estados Unidos, e as indústrias americanas começaram a prosperar até que sobrepujaram as indústrias britânicas. Há várias décadas, a Alemanha era também uma nação agrícola e o povo alemão tinha também de depender da Grã-Bretanha no que se refere à aquisição dos produtos de que necessitava. Estava sob a dominação da indústria britânica. Mais tarde, quando a Alemanha adotou uma política de proteção, suas indústrias também começaram a se desenvolver. Nos anos recentes, as indústrias alemãs ultrapassaram às de outras nações.

De onde se depreende que, se quisermos que as indústrias chinesas floresçam, deveremos adotar a política protetora dos Estados Unidos e da Alemanha, resistir à invasão dos produtos estrangeiros e proteger a produção nativa. Presentemente, as potências ocidentais estão tratando a China como um mercado colonial e detêm em suas mãos os direitos soberanos e as finanças da China. Não podemos encontrar uma solução para o problema da subsistência apenas no campo econômico. Devemos primeiro consolidar nossa posição no campo político, abolir os tratados injustos e retomar o controle das alfândegas atualmente sob o domínio dos estrangeiros. Só depois poderemos aumentar à vontade os direitos alfandegários e pôr em efeito uma política de proteção. Tal política evitaria que a China fosse inundada de mercadorias estrangeiras, capacitando, naturalmente, o desenvolvimento de nossas indústrias nativas.

A China deve favorecer a produção nativa e boicotar os produtos estrangeiros. Não sei quantas vezes já agitamos essa questão, porém, a nação nunca agiu em uníssono e o movimento nunca se revestiu de êxito. Mesmo com uma ação unida, não poderíamos ter êxito, devido ao fraco poder político de nosso Estado. Não podemos controlar nossas alfândegas, que estão nas mãos de estrangeiros; não podemos elevar ou reduzir as tarifas, de modo que não podemos tornar o tecido estrangeiro caro e o nacional barato. Com o tecido estrangeiro mais barato que o nacional, como é o caso presente, não podemos esperar que o povo, por mais patriota que seja, deixe de adquirir o tecido estrangeiro a favor do nativo. Pedir ao povo que deixe de usar o tecido estrangeiro para usar o nacional seria um contrassenso, pois se chocaria contra os princípios de economia do indivíduo. Por exemplo, uma família gasta 30 dólares, todos os anos, na aquisição de tecidos estrangeiros. Se essa família boicotasse o tecido estrangeiro e passasse a usar o nacional, a mesma quantidade de tecido custaria 50 a 60 dólares; assim, essa família teria de gastar mais vinte ou trinta dólares, todos os anos, para comprar roupas. Poderia dispôr-se a esse sacrifício sob o estímulo do sentimento patriótico, porém essa espécie de impulso emocional está em contradição com os princípios econômicos e não pode durar muito tempo. Se quisermos ser consistentes com os princípios econômicos e manter firmemente nossos propósitos, deveremos, em primeiro lugar, denunciar os tratados injustos, assegurar o controle das alfândegas, capacitarmo-nos a elevar ou baixar livremente as tarifas e igualizar o preço dos produtos estrangeiros e chineses. Então, quando uma família gastar 30 dólares na aquisição de roupas por ano e a mesma soma na compra de igual quantidade de tecido nacional, poderemos esperar que a família mantenha sua resolução de usar o tecido nativo. Se pudermos dar outro passo à frente e tornar a aquisição do tecido estrangeiro mais dispendiosa do que a do nacional, de modo que o consumidor do tecido estrangeiro, que gasta anualmente 30 dólares, possa utilizar o tecido nacional ao preço de 20 dólares, sobrepujaremos a indústria estrangeira de tecidos e nossas indústrias nativas ficarão capacitadas para prosperar. Vedes, pois, que, se tivermos de resolver o problema do vestuário contido em nosso Princípio Min-Sheng, de capacitarmos toda a nação a usar o tecido nacional e evitarmos a entrada em nossos portos do tecido estrangeiro, deveremos empregar o poder político do Estado.

As matérias primas mais importantes, que devemos considerar ao tratar do nosso problema do vestuário, são a seda, o cânhamo, o algodão e a lã. O quarto material, a lã, é produzido em quantidades consideráveis na China. A lã chinesa é superior em qualidade à lã estrangeira, porém, a indústria de lã não está ainda desenvolvida na China; não fabricamos casimiras, mas exportamos nossas lãs para o exterior. Outros países importam nossas lãs, fabricam com elas as casimiras e exportam-nas para a China, auferindo lucros em sua venda. Se pudéssemos recuperar nossos direitos e empregar o poder do Estado para desenvolver nossa indústria de lãs, esta floresceria juntamente com a indústria do algodão. Se contássemos com uma próspera indústria de lãs, os chineses não teriam de comprar as casimiras, de que necessitam no inverno, procedentes de países estrangeiros. Se tivermos um excesso de lãs poderemos exportá-lo, do mesmo modo que alvitramos para o caso da seda. Mas, atualmente, a indústria de lãs não está desenvolvida na China, de modo que a lã em bruto e o feltro, que não podem ser industrializados na China, são vendidos a preços baixos no exterior, onde são transformados em casimira e em outros produtos, e enviados à China para serem vendidos com bons lucros. Isso mostra que tanto as nossas indústrias de algodão como as de lãs estão sofrendo as consequências da dominação política e econômica estrangeira. Para resolver o problema do vestuário, devemos utilizar a grande força de toda a nação num plano compreensivo de grande alcance, recuperar em primeiro lugar nossos direitos soberanos, empregar o poder do Estado para desenvolver as indústrias agrícolas e manufatureiras ligadas à seda, ao cânhamo, ao algodão e à lã, retomar o controle de nossas alfândegas para a proteção dessas indústrias, elevando os direitos sobre as matérias primas exportadas e sobre os produtos manufaturados importados. Então, nossas indústrias de fiação e tecelagem começarão imediatamente a se desenvolver e o problema do vestuário terá sua solução.

Agora, que discernimos a solução para o problema dos materiais da indumentária, voltemo-nos para a questão do vestuário. O uso das roupas começou, como já tive ocasião de dizer, como um meio de proteção contra o frio. A primeira função da roupa foi, pois, a proteção do corpo. À medida, porém, que a civilização avançava, as roupas começaram a ser usadas como ornamento e a segunda função do vestuário veio a ser o embelezamento, “apresentando uma boa aparência.” O homem selvagem não se utilizava da indumentária como ornamento. Para esse fim fazia tatuagens no corpo, isto é, marcava e coloria a pele. Nossos ancestrais chamavam a tatuagem de wensheng, ou decoração corporal. Apesar da civilização ter avançado, o ornamento do físico ainda é considerado como a principal função da indumentária, e as funções de defesa contra o frio bem como da proteção corporal foram quase esquecidas. Nestes tempos de padrão de vida alto e de competições extravagantes, não somente estão os materiais de indumentária aparecendo constantemente sob novas formas, mas os estilos das roupas mostram todos os anos diferenças em tamanho e modificações no gosto ditadas pelo costume. Cada vez ,mais, as roupas e os ornamentos são considerados como uma marca de distinção, e a existência de uma alta sociedade e de uma casta de literatié considerada como sinônima de progresso.

Quando a autocracia existia, as roupagens eram empregadas para distinguir as gradações da hierarquia. A terceira função da roupa foi, pois, demarcar as diferenças de classe. Atualmente, a democracia prevalece e nossas classes estão niveladas. Sob o regime republicano, nem mesmo o marinheiro ou soldado deve ser assinalado pelo seu uniforme como uma classe especialmente nobre. A essas três funções do vestuário, que acabo de mencionar — proteção física, ornamento corporal, e distinção de classe — devemos acrescentar uma quarta, a conveniência. Estamos considerando o vestuário como uma necessidade do povo, numa época em que todas as classes estão se tornando iguais e o trabalho está se tornando sagrado. Podemos afirmar, pois, que o vestuário necessário ao povo deve satisfazer as seguintes funções — proteger o corpo, dar boa aparência, ser conveniente e não embaraçar o trabalho. Tal indumentária será, na verdade, excelente.

Para executar o Princípio da Subsistência, tendo em mente essas três funções da roupa, o Estado precisa estabelecer fábricas de tecidos em todo o país. Essas fábricas devem manufaturar o vestuário de que o povo necessita, segundo a população e a temperatura das estações nas várias secções do país. Todos devem ser abastecidos com as roupas necessárias. Este é um dever que o governo do Estado San Min Chu I tem para com o povo no que diz respeito às necessidades do vestuário.

E o povo deve, naturalmente, cumprir as obrigações impostas pela cidadania para com o Estado, ou perder a qualidade de cidadão. Os que perderem a cidadania também deixarão de ser senhores do Estado. Os vagabundos preguiçosos são parasitas do Estado e do povo. O governo deve forçá-los, por lei, a trabalhar, tentando convertê-los em trabalhadores honrados, dignos de partilhar dos direitos e privilégios da nação. Quando os vagabundos forem eliminados e todos os homens partilharem da produção, haverá o suficiente para comer e vestir, os lares serão confortáveis, o povo viverá contente, e o problema da subsistência será resolvido(1).

24 de Agosto de 1924.


Notas de rodapé:

(1) As conferências sobre o Princípio da Subsistência nunca foram completadas pelo Dr. Sun. (retornar ao texto)

Inclusão