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Analisarei quatro questões deste tema:
a) colocação do problema;
b) os camponeses durante a revolução democrático-burguesa;
c) os camponeses durante a revolução proletária;
d) os camponeses depois da consolidação do Poder Soviético.
Alguns pensam que o essencial do leninismo é a questão camponesa, que o ponto de partida do leninismo é a questão dos camponeses, do seu papel, do seu peso específico. Isto e absolutamente falso. A questão essencial do leninismo, o seu ponto de partida, não é a questão camponesa, mas a da ditadura do proletariado, das condições da conquista e da consolidação desta ditadura. A questão camponesa, como questão do aliado do proletariado na sua luta pelo Poder, é uma questão derivada.
Esta circunstância, contudo, não deduz de modo algum a grande importância, a palpitante importância que ela tem, sem dúvida, para a revolução proletária. É sabido que o estudo sério da questão, camponesa nas fileiras dos marxistas russos começou precisamente nas vésperas da primeira revolução (1905), quando o problema da derrubada do tzarismo e da realização da hegemonia do proletariado surgia diante do Partido em toda a sua amplitude, e o problema de estabelecer quem seria o aliado do proletariado na revolução burguesa iminente assumia um caráter de palpitante atualidade. É sabido também que á questão camponesa na Rússia assumiu caráter ainda mais atual durante a revolução proletária, quando, partindo do problema da ditadura do proletariado, da conquista e da manutenção da mesma, se chegou a colocar o problema dos aliados do proletariado na revolução proletária iminente. É compreensível: quem marcha e se prepara para tomar o Poder não pode deixar de se interessar pela questão dos seus verdadeiros aliados.
Neste sentido, a questão camponesa é uma parte da questão geral da ditadura do proletariado e e, como tal, uma das questões mais palpitantes do leninismo.
A atitude de indiferença e até francamente negativa dos partidos da II Internacional em face da questão camponesa não se explica apenas pelas condições especiais do desenvolvimento do Ocidente. Explica-se sobretudo com o fato de que esses partidos não confiam na ditadura do proletariado, temem a revolução e não pensam em levar o proletariado ao Poder. E quem teme a revolução, quem não quer levar o proletariado ao Poder, não pode interessar-se pelo problema dos aliados do proletariado na revolução; para essa gente o problema dos aliados é um problema sem importância, sem atualidade. A atitude irônica dos heróis da II Internacional em face da questão camponesa é por eles considerada como indício de boas maneiras, de marxismo "autêntico". Na realidade, nessa atitude não há nem sombra de marxismo, porque a indiferença, às vésperas da revolução proletária, por uma questão de tanta importância como é a questão camponesa, é corresponder à negação da ditadura do proletariado, é um sintoma inegável de traição aberta ao marxismo.
Assim coloca-se a questão: já estão esgotadas, ou não, as possibilidades revolucionárias que se ocultam no seio da massa camponesa em conseqüência de determinadas condições da sua existência e, se não estão esgotadas, existe uma esperança, uma razão de utilizar essas possibilidades para a revolução proletária, de fazer dos camponeses, da sua maioria explorada, não, mais uma reserva da burguesia, como eram durante as revoluções burguesas do Ocidente e como continuam a ser até hoje, mas uma reserva do proletariado, um dos seus aliados?
O leninismo responde afirmativamente a esta pergunta, isto é, no sentido de reconhecer a existência de capacidade revolucionária na maioria dos camponeses e no sentido de considerar possível a utilização dessa capacidade no interesse da ditadura proletária. A história das três revoluções na Rússia confirma plenamente as conclusões do leninismo a esse respeito.
Daí a conclusão prática sobre a necessidade de apoiar, de apoiar obrigatoriamente as massas trabalhadoras dos camponeses na sua luta contra a escravização e a exploração, na sua luta para redimir-se da opressão e da miséria. Isso não significa, naturalmente, que o proletariado deve apoiar qualquer movimento camponês. Trata-se de apoiar os movimentos e as lutas dos camponeses que, direta ou indiretamente, ajudem o movimento de emancipação do proletariado, que de um modo ou de outro levem água ao moinho da revolução proletária, que contribuam para fazer do camponês uma reserva e um aliado da classe operária.
Este período abrange o intervalo de tempo que vai da primeira revolução russa (1905) à segunda (fevereiro de 1917), inclusive. Traço característico deste período é a libertação dos camponeses da influência da burguesia liberal, o afastamento dos camponeses dos democratas constitucionalistas, a virada dos camponeses para o proletariado, para o Partido bolchevique. A história deste período é a história da luta entre os cadetes (burguesia liberal) e os bolcheviques (proletariado) pela conquista dos camponeses. O período das Dumas decide do êxito desta luta, porque o período das quatro Dumas foi uma lição prática para os camponeses e esta lição lhes mostrou nitidamente que eles não receberiam nada das mãos dos democratas constitucionalistas, nem a terra, nem a liberdade, que o tsar estava por completo ligado aos latifundiários e que os democratas constitucionalistas apoiavam o tsar, que a única força com cujo apoio os camponeses podiam contar eram os operários urbanos, o proletariado. A guerra imperialista não fez senão confirmar os ensinamentos deste período das Dumas, afastando definitivamente os camponeses da burguesia, isolando definitivamente a burguesia liberal, pois os danos de guerra demonstraram o quanto era vã e ilusória a esperança de obter a paz do tsar e dos seus aliados burgueses. Sem as lições práticas do período da Duma, a hegemonia do proletariado seria impossível.
Assim se criou a aliança dos operários e dos camponeses na revolução democrático-burguesa. Assim se realizou a hegemonia (direção) do proletariado na luta comum pela derrubada do tsarísmo, hegemonia que levou à Revolução de Fevereiro de 1917.
As revoluções burguesas do Ocidente (Inglaterra, França, Alemanha, Áustria) seguiram, como se sabe, outro caminho. Nestas revoluções a hegemonia não pertenceu ao proletariado, que pela sua fraqueza não representava e não podia representar uma força política independente, mas à burguesia liberal.
Ali, os camponeses não receberam a libertação do regime feudal das mãos do proletariado, pouco numeroso e desorganizado, mas das mãos da burguesia. Ali, os camponeses marcharam contra o velho regime ao lado da burguesia liberal. Ali, os camponeses constituíam uma reserva da burguesia e a revolução, em virtude disso, conduziu a um enorme aumento do peso político da burguesia.
Na Rússia, ao contrário, a revolução burguesa produziu resultados diametralmente opostos. A revolução, na Rússia, não levou a um fortalecimento, mas a um debilitamento da burguesia como força política, não a um aumento das suas reservas políticas, mas à perda da sua reserva fundamental, à perda dos camponeses. A revolução burguesa na Rússia pôs em primeiro plano não a burguesia liberal, mas o proletariado revolucionário, que agrupava em torno de si milhões e milhões de camponeses.
A esta, entre outras razoes, se deve o fato de que a revolução burguesa na Rússia se transformou em revolução proletária num período de tempo relativamente curto. A hegemonia do proletariado foi o germe da ditadura do proletariado, constituiu a passagem à ditadura proletária.
Como se explica este fenômeno original da revolução russa, que não tem precedentes na história das revoluções burguesas do Ocidente? De onde se origina esta peculiaridade?
Explica-se pelo fato de que a revolução burguesa se desenvolveu na Rússia num momento em que as condições da luta de classes eram mais desenvolvidas do que no Ocidente, pelo fato de que o proletariado russo já havia alcançado, naquele momento, a posição de força política independente, enquanto a burguesia liberal, assustada com o espírito revolucionário do proletariado, havia perdido todos os resquícios de espírito revolucionário (sobretudo depois dos ensinamentos de 1905) e se aliava ao tsarísmo e aos latifundiários contra a revolução, contra os operários e os camponeses.
É necessário levar em consideração as seguintes circunstâncias que determinaram a peculiaridade da revolução burguesa russa;
a) A concentração excepcional da indústria russa às vésperas da revolução. É sabido, por exemplo, que nas empresas de mais de 500 operários trabalhavam, na Rússia, 54 por cento do total dos operários, enquanto, num país desenvolvido como os Estados Unidos, nas empresas de tamanho análogo não trabalhavam mais de 33 por cento do total dos operários. Não é necessário demonstrar que esta circunstância, por si só, dada a existência de um partido revolucionário como o Partido dos bolcheviques, havia feito da classe operária russa a força mais importante da vida política do país.
b) As escandalosas formas de exploração que imperavam nas empresas, unidas ao intolerável regime policial dos esbirros tzaristas, transformavam toda greve de envergadura dos operários num ato político de enorme importância e temperavam a classe operária como uma força revolucionária conseqüente.
c) A fraqueza política da burguesia russa, que depois da revolução de 1905 se transformou em servilismo diante da autocracia tzarista e em contra-revolução aberta, não só porque o espírito revolucionário do proletariado russo fez com que a burguesia se lançasse nos braços do tzarismo, mas também porque esta burguesia dependia diretamente das encomendas do governo.
d) A existência das mais escandalosas e intoleráveis sobrevivências do regime feudal no campo, a que se juntava a onipotência do latifundiário: circunstância que colocava os camponeses nos braços da revolução.
e) O tzarismo, que asfixiava todas as forças vivas e exacerbava, com o seu arbítrio, o jugo do capitalista e do latifundiário: circunstância que fazia confluir num só caudal revolucionário a luta dos operários e dos camponeses.
f) A guerra imperialista, que fundiu todas estas contradições da vida política da Rússia numa profunda crise revolucionária e deu formidável impulso à revolução.
Nestas condições, para onde podiam orientar-se os camponeses? Em quem procurar apoio contra a onipotência do latifundiário, contra o Poder arbitrário do tsar, contra a guerra funesta que os arruinava economicamente? Na burguesia liberal? Mas esta era sua inimiga: a longa experiência de todas as quatro Dumas o demonstrava. Nos socialistas revolucionários? Os socialistas revolucionários eram, naturalmente, "melhores" do que os democratas constitucionalistas e tinham um programa "aceitável", quase camponês, mas que lhes podiam dar os socialistas revolucionários, se só pensavam em apoiar-se nos camponeses e eram débeis nas cidades, onde, sobretudo, o adversário recrutava as suas forças? Onde estava a nova força que não se deteria diante de nenhum obstáculo, nem no campo nem na cidade, que se colocaria valentemente na primeira linha da luta contra o tsar e o latifundiário, que ajudaria os camponeses a se libertarem da escravização, da falta de terra, da opressão, da guerra? Existia, em geral, na Rússia, semelhante força? Sim, existia. Esta força era o proletariado russo, que já em 1905 havia demonstrado a sua potência, a sua capacidade de conduzir a luta de modo conseqüente, a sua coragem, o seu espírito revolucionário.
De qualquer maneira, não existia outra força semelhante e não havia onde encontrá-la.
Por isso, os camponeses, depois de se afastarem dos democratas constitucionalistas e de se aproximarem dos socialistas revolucionários, terminaram por compreender a necessidade de colocar-se sob a direção de um chefe revolucionário tão valoroso quanto o proletariado russo.
Estas são as circunstâncias que determinaram a peculiaridade da revolução burguesa russa.
Este período abrange o intervalo de tempo que vai da Revolução de Fevereiro (1917) à Revolução de Outubro (1917). Este período é relativamente curto, oito meses ao todo, mas estes oito meses, do ponto-de-vista da formação política e da educação revolucionária das massas podem ser comparados a decênios inteiros de desenvolvimento constitucional normal, porque são oito meses de revolução. O traço característico deste período é o aguçamento do espírito revolucionário dos camponeses, o desmoronamento das suas ilusões em face dos socialistas revolucionários, o seu afastamento dos socialistas revolucionários, a nova virada dos camponeses, que tendem a agrupar-se diretamente em torno do proletariado, única força revolucionária conseqüente, capaz de levar o país à paz. A história deste período é a história da luta entre os socialistas revolucionários (democracia pequeno-burguesa) e os bolcheviques (democracia proletária) pela conquista dos camponeses, pela conquista da maioria dos camponeses. A sorte desta luta foi decidida pelo período da coalizão, pelo período do governo de Kerenski, pela recusa dos socialistas revolucionários e dos mencheviques a confiscar as terras dos latifundiários, pela luta dos socialistas revolucionários e dos mencheviques em favor da continuação da guerra, pela ofensiva de junho no "front", pela pena de morte para os soldados, pela revolta de Kornilov.
Se antes, no período anterior, a questão essencial da revolução consistia em derrubar o tsar e o Poder dos latifundiários, agora, rio período seguinte à Revolução de Fevereiro, quando já não havia o tsar, mas a guerra interminável que dava o golpe de graça na economia nacional, depois de ter arruinado inteiramente os camponeses, a questão fundamental da revolução era pôr fim à guerra. O centro de gravidade se havia deslocado de modo claro das questões de caráter exclusivamente interno para uma questão fundamental, a da guerra. "Acabar com a guerra", "sair da guerra", era o clamor geral do país exausto e, sobretudo, dos camponeses.
Mas, para sair da guerra era preciso derrubar o governo provisório, era necessário derrubar o Poder da burguesia, era necessário derrubar o Poder dos socialistas revolucionários e dos mencheviques, porque eles, e somente eles, se esforçavam por prolongar a guerra até a "vitória final". Não existia, na prática, outro meio para sair da guerra, a não ser a derrubada da burguesia.
Era uma nova revolução, uma revolução proletária, porque alijava do Poder a última fração da burguesia imperialista, a fração da extrema esquerda, o partido dos socialistas revolucionários e dos mencheviques, para criar um novo Poder, um Poder proletário, o Poder dos Soviets, para levar ao Poder o partido do proletariado revolucionário, o Partido bolchevique, o partido da luta revolucionária contra a guerra imperialista, por uma paz democrática. A maioria dos camponeses apoiou a luta dos operários pela paz, pelo Poder dos Soviets.
Não havia outra saída para os camponeses. Não podia haver outra saída.
O período do governo de Kerenski foi, portanto, uma grandiosa lição prática para as massas trabalhadoras camponesas, porque demonstrou por completo que, enquanto o Poder estivesse nas mãos dos socialistas revolucionários e dos mencheviques, o país não sairia da guerra e os camponeses não obteriam nem a terra nem a liberdade; demonstrou que os mencheviques e os socialistas revolucionários só se distinguiam dos democratas constitucionalistas pelos seus discursos melífluos e as suas promessas hipócritas, mas na realidade seguiam a mesma política imperialista, a política dos democratas constitucionalistas; demonstrou que o único Poder capaz de tirar o país do atoleiro era o Poder dos Soviets. A prolongação ulterior da guerra não fez senão confirmar a justeza desta lição, estimulou a revolução e impulsionou milhões de camponeses e de soldados a agrupar-se diretamente em torno da revolução proletária. O isolamento dos socialistas revolucionários e dos mencheviques tornou-se um fato irrecorrível, Sem as lições práticas do período da coalizão a ditadura do proletariado teria sido impossível.
Tais foram as circunstâncias que facilitaram o processo de transformação da revolução burguesa em revolução proletária.
Assim se chegou na Rússia à ditadura do proletariado.
Se, antes, no primeiro período da revolução, a questão consistia principalmente em derrubar o tzarismo e, em seguida, depois da Revolução de Fevereiro, tratava-se, em primem lugar, de sair da guerra imperialista mediante a derrubada da burguesia, agora, ao contrário, depois de terminada a guerra civil e consolidado o Poder Soviético, passavam ao primeiro plano os problemas da edificação econômica. Reforçar edesenvolver a indústria nacionalizada; unir, para tal fim, indústria à economia camponesa através do comércio regulado pelo Estado, substituir o sistema de entrega dos produtos excedentes pelo imposto em espécie, com o objetivo de passar, em seguida, diminuindo gradualmente esse imposto, à troca de artigos industriais por produtos agrícolas; reanimar o comércio e desenvolver o cooperativismo, fazendo com que deste participem milhões de camponeses: eis como Lênin traçava as tarefas da edificação econômica para a construção das bases da economia socialista.
Diz-se que essas tarefas podem revelar-se superiores às forças de um país agrário, como a Rússia. Alguns céticos chegam a dizer que essas tarefas são inteiramente utópicas, irrealizáveis, porque os camponeses são camponeses, isto é, pequenos produtores, e por isso não podem ser utilizados para organizar as bases da produção socialista.
Mas os céticos se enganam, porque não levam em conta algumas circunstâncias que têm, no caso em foco, uma importância decisiva. Vejamos as principais:
Primeira: Não se podem confundir os camponeses da União Soviética com os camponeses do Ocidente. Os camponeses que passaram pela escola de três revoluções, que lutaram contra o tsar e o Poder burguês, ao lado do proletariado e sob a direção do proletariado, os camponeses que obtiveram a terra e a paz pela revolução proletária e se tornaram, por isso, uma reserva do proletariado, esses camponeses não podem deixar de se distinguir dos camponeses que combateram durante a revolução burguesa sob a direção da burguesia liberal, que receberam a terra das mãos desta burguesia e se tornaram, por isso, uma reserva da burguesia. É desnecessário demonstrar que os camponeses soviéticos, habituados a apreciar a amizade política e a colaboração política do proletariado, devedores da sua liberdade a esta amizade e a esta colaboração, não podem deixar de estar extraordinariamente predispostos à colaboração econômica com o proletariado.
Engels dizia que "a conquista do Poder político pelo partido socialista tornou-se tarefa de um futuro próximo", que, "com o objetivo de conquistá-lo, o partido deve começar a ir da cidade para o campo e converter-se numa força no campo". (Vide Engels, "A questão camponesa").[N63]
Engels escreveu estas palavras no último decênio do século passado, referindo-se aos camponeses do Ocidente. Será necessário demonstrar que os comunistas russos, que desenvolveram neste sentido um trabalho colossal no curso de três revoluções, conseguiram criar no campo uma influência e um apoio com os quais os nossos camaradas do Ocidente não podem sequer sonhar? Como é possível negar que esta circunstância não pode deixar de facilitar, de modo radical, a colaboração econômica entre a classe operária e os camponeses da Rússia?
Os céticos continuam a falar dos pequenos camponeses como de um elemento incompatível com a edificação socialista. Mas ouvi o que disse Engels a propósito dos pequenos camponeses do Ocidente:
«Nós somos resolutamente pelo pequeno camponês; faremos todo o possível para tornar-lhe a vida mais suportável, para facilitar-lhe a passagem ao regime cooperativista, se ele assim o quiser. Por outro lado, caso ainda não esteja, em condições de tomar esta decisão, esforçar-nos-emos para lhe dar o tempo necessário a fim de que ele reflita sobre o seu palmo de terra. Agiremos assim, não só porque consideramos possível que o pequeno camponês, que cultiva a sua terra, se passe para o nosso lado, mas também no interesse direto do Partido. Quanto maior for o número de camponeses; que não deixarmos descer até o nível dos proletários e. que atrairmos para o nosso lado enquanto forem camponeses, tanto mais rápida e fácil será a transformação social. Para esta transformação não precisamos esperar que a produção capitalista se tenha desenvolvido em toda parte até as suas últimas conseqüências, até que o último pequeno artesão e o último pequeno camponês tenham caído vítimas da grande produção capitalista. Os sacrifícios materiais que se tenha de fazer neste sentido, no interesse dos camponeses, à custa dos fundos públicos, poderão ser considerados, do ponto-de-vista da economia capitalista, como um desperdício, mas-serão, ao invés disso, um excelente emprego de capital, pois pouparão somas talvez decuplicadas nos gastos necessários para a transformação da sociedade, no seu conjunto. Neste sentido, podemos, por conseguinte, ser muito generosos com camponeses». (Vide obra citada).
Assim falava Engels a propósito dos camponeses do Ocidente. Mas, por acaso, não está claro que tudo o que dizia Engels não pode ser realizado em nenhum outro lugar de modo tão fácil e completo como no país da ditadura do proletariado? Não é claro que só na Rússia Soviética pode ocorrer, sem demora e por completo, "a passagem para o nosso lado do pequeno camponês que cultiva a sua terra" e que os "sacrifícios materiais" e a "generosidade para com os camponeses", indispensáveis para esse fim, assim como outras medidas análogas, em benefício dos camponeses, já se aplicam na Rússia? Como é possível negar que esta circunstância, por sua vez, deve facilitar e levar avante a edificação econômica do país dos Soviets?
Segunda: Não se pode confundir a economia agrícola da Rússia com a economia agrícola do Ocidente. No Ocidente o desenvolvimento da economia agrícola segue a linha habitual do capitalismo, que provoca uma profunda diferenciação dos camponeses, com grandes propriedades e latifúndios capitalistas privados, num dos pólos, e, no outro, pauperismo, miséria e escravidão assalariada. Ali são de todo naturais, em conseqüência disso, a desagregação e a decomposição. Não ocorre o mesmo na Rússia. No nosso país, o desenvolvimento da. economia agrícola não pode seguir esse caminho, de vez que a existência do Poder Soviético e a nacionalização dos instrumentos e meios de produção fundamentais não permitem tal desenvolvimento. Na Rússia, o desenvolvimento da economia agrícola deve seguir outro caminho, o caminho do ingresso de milhões de pequenos e médios camponeses nas cooperativas, o caminho do desenvolvimento, no campo, de um movimento cooperativista de massas, apoiado pelo Estado por meio de créditos concedidos em condições favoráveis. Lênin, nos artigos sobre o cooperativismo, indicava justamente que o desenvolvimento da economia agrícola no nosso país devia seguir um caminho novo, o caminho da participação da maioria dos camponeses na edificação socialista por meio da cooperação o caminho da aplicação gradual do princípio do coletivismo na agricultura, primeiro no terreno da venda dos produtos agrícolas e depois no da sua produção.
Nesse sentido são sumamente interessantes alguns fenômenos novos que se apresentam no campo, em relação com a cooperação agrícola. É sabido que, no seio da União das Cooperativas Agrícolas[N64] se criaram novas e fortes organizações, segundo os ramos da economia rural, para a produção do linho, das batatas, da manteiga, etc., e que tais organizações têm um grande futuro. A Cooperativa Central do Linho, por exemplo, compreende toda uma rede de cooperativas de produção de camponeses que cultivam o linho. A Cooperativa se ocupa de fornecer aos camponeses sementes e instrumentos de produção, compra depois aos mesmos toda a sua produção, vende-a em larga escala no mercado, assegura aos camponeses uma participação nos lucros e, desse modo, liga a economia camponesa, através da União das Cooperativas Agrícolas, com a indústria do Estado. Que nome se deve dar a semelhante forma de organização da produção? Trata-se, a meu ver, de um sistema de grande produção socialista de Estado a domicílio, no campo da agricultura. Falo aqui de sistema de produção socialista de Estado a domicílio, por analogia com o sistema capitalista do trabalho a domicílio, no terreno, por exemplo, da produção têxtil, em que os artesãos, que recebiam do capitalista as matérias-primas e os instrumentos de produção e lhe entregavam toda a sua produção, eram, na realidade, operários semi-assalariados a domicílio. Este é um dos muitos indícios que demonstram o caminho pelo qual deve desenvolver-se, no nosso país, a economia agrícola. E não falo de outros indícios do mesmo gênero nos outros ramos da agricultura.
Não é necessário demonstrar que a enorme maioria dos camponeses seguirá de bom grado esse novo caminho de desenvolvimento, rejeitando o dos latifúndios privados capitalistas e da escravidão do salariato, que é a via da miséria e da ruína.
Eis o que disse Lênin das vias do desenvolvimento da nossa economia agrícola:
«Todos os grandes meios de produção em poder do Estado e o Poder do Estado nas mãos do proletariado, a aliança deste proletariado com milhões e milhões de camponeses pobres e paupérrimos, a direção dos camponeses assegurada ao proletariado, etc., não é porventura tudo isso que se torna necessário para edificar a sociedade socialista completa, partindo da cooperação, e somente com a cooperação, que antes tratávamos como mercantilista e que agora, durante a N.E.P., ainda temos o direito, em certo sentido, de considerar do mesmo modo; não é tudo isso, porventura, aquilo de que se precisa para levar a termo a construção de uma sociedade socialista completa? Isto não é ainda a construção da sociedade socialista, mas, sim, tudo o que é necessário e suficiente para levar a termo a construção». (Vide vol. XXVII, pág. 392).[N65]
Falando em seguida da necessidade de dar apoio financeiro e de outra espécie à cooperação, como "novo princípio de organização da população" e um novo "regime social" sob a ditadura do proletariado, prossegue Lênin:
«Todo regime social surge somente com o apoio financeiro de uma classe determinada. É inútil recordar as centenas e centenas de milhões de rublos que custou o nascimento do capitalismo «livre». Agora, devemos compreender e pôr em prática esta verdade: atualmente, o regime social que devemos apoiar mais do que qualquer outro é o regime cooperativo. Mas devemos apoiá-lo no verdadeiro sentido da palavra, isto é, não basta entender por esse apoio a ajuda prestada a uma forma qualquer de cooperação, mas por esse apoio se deve entender a ajuda prestada à cooperação de que participem efetivamente as verdadeiras massas da população». (Vide vol. citado, pág. 393).
Que nos dizem todos estes fatos?
Dizem-nos que os céticos não têm razão.
Dizem-nos que quem tem razão é o leninismo, que vê nas massas trabalhadoras do campo a reserva do proletariado.
Dizem-nos que o proletariado no Poder pode e deve utilizar essa reserva, para ligar a indústria à agricultura, para dar impulso à construção socialista e assegurar à ditadura do proletariado a base indispensável e sem a qual é impossível passar à economia socialista.
Notas de fim de tomo:
[N63] Vide F. Engels, «Die Bauernfrage in Frankreich und Deutschland», in «Neue Zeit», 1894, I, págs. 301-302. (retornar ao texto)
[N64] A União das Cooperativas Agrícolas de toda a Rússia, («Sielskosoiuz»), existente de agosto de 1921 a junho de 1920. (retornar ao texto)
[N65] Vide Lênin, «Sobre o cooperativísmo», Edizioni Rinascita, Roma, 1949, págs. 106-107. (retornar ao texto)
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Inclusão | 16/06/2008 |