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Creio que, para caracterizar a atual situação internacional, não é necessário levar em conta todos os fatos mais ou menos importantes, todas as particularidades, sem exceção, da realidade internacional do momento. Basta levar em conta os elementos decisivos, essenciais, da situação. No presente, esses elementos, a meu ver, são três:
Examinemos esses elementos essenciais.
A Entente se revelou incapaz de tirar partido dos resultados das suas vitórias militares. Conseguiu plenamente derrotar a Alemanha e cercar a União Soviética. Conseguiu também arquitetar o plano de espoliação da Europa. Evidenciam-no as inúmeras conferências e acordos dos Estados da Entente. Mas demonstrou ser incapaz de executar o plano de espoliação. Por quê? Porque são demasiado grandes as contradições entre os países da Entente. Porque esses países não conseguiram nem conseguirão pôr-se de acordo na repartição do botim. Porque a resistência dos países que deveriam ser saqueados se torna cada vez maior. Porque a realização do plano de espoliação leva no seu bojo o perigo de conflitos militares, e as massas não querem a guerra. Agora, está claro para "todos" que o ataque frontal dos imperialistas ao Ruhr, com vistas à destruição da Alemanha, se revelou um perigo para o próprio imperialismo. É claro também que a política abertamente imperialista de ultimatos, com vistas ao isolamento da União Soviética, não produz senão resultados contrários aos esperados. Criou-se uma situação tal, que Poincaré e Curzon, embora servindo fiel e lealmente ao imperialismo, aguçaram, não obstante, com a sua "atividade", a crescente crise na Europa, provocaram nas massas a resistência ao imperialismo, empurraram as massas para a revolução. Daí não ter tido a burguesia outro recurso senão passar da política de ataque frontal à política de compromissos, do imperialismo aberto ao imperialismo mascarado, de Poincaré e Curzon a MacDonald e Herriot. Saquear o mundo sem máscara é hoje perigoso. O Partido Trabalhista da Inglaterra e o bloco de esquerda da França[N122] devem cobrir a nudez do imperialismo. Esta é a origem do "pacifismo" e da "democracia".
Alguns acreditam que a burguesia não chegou ao "pacifismo" e à "democracia" por necessidade, mas de bom grado, por livre e espontânea vontade, digamo-lo assim. Pressupõe-se, neste caso, que a burguesia, depois de ter derrotado a classe operária em combates decisivos (Itália, Alemanha), sente-se vencedora e agora pode dar-se ao luxo da "democracia". Noutras palavras, enquanto se travavam as batalhas decisivas, a burguesia precisava de uma organização de choque, do fascismo, ao passo que agora, quando o proletariado se acha derrotado, a burguesia já não precisa do fascismo e pode substituí-lo pela "democracia", como método melhor para consolidar a sua vitória. Daí se tira a conclusão de que o Poder da burguesia se consolidou, de que é necessário considerar "duradoura" a “era do pacifismo" e de que a revolução na Europa ficou adiada por tempo indefinido.
Tal suposição é inteiramente errônea.
Em primeiro lugar, não é verdade que o fascismo seja apenas a organização de choque da burguesia. O fascismo não é apenas uma categoria técnico-militar. O fascismo é a organização de choque da burguesia, que conta com o apoio ativo da social-democracia. A social-democracia é, objetivamente, a ala moderada do fascismo. Não há razões para supor que a organização de choque da burguesia poderá obter êxitos decisivos nos combates ou no governo do país sem o apoio ativo da social-democracia. Tampouco há razões para supor que a social-democracia possa obter êxitos decisivos nos combates ou no governo do país sem o apoio ativo da organização de choque da burguesia. Estas organizações não se excluem, mas se completam. Não são antípodas, mas gêmeas. O fascismo é o bloco político tácito destas duas organizações fundamentais, que ainda não assumiu forma definitiva, bloco que surgiu na situação criada pela crise do imperialismo no após-guerra para lutar contra a revolução proletária. Sem esse bloco, a burguesia não pode manter-se no Poder. Por isso, seria errôneo crer que o "pacifismo" significa a liquidação do fascismo. O "pacifismo", na situação atual, é uma afirmação do fascismo, que põe em primeiro plano a sua ala moderada, a ala social-democrata.
Em segundo lugar, não é verdade que as batalhas decisivas já tenham sido travadas, que o proletariado tenha sido derrotado nessas batalhas e que o Poder burguês se encontre por isso reforçado. Ainda não foram travadas as batalhas decisivas, mesmo porque ainda não se formaram partidos de massas verdadeiramente bolcheviques, capazes de levar o proletariado à ditadura. Sem esses partidos, são impossíveis, nas condições do imperialismo, as batalhas decisivas pela ditadura. Ainda estão por vir as batalhas decisivas no Ocidente. O que houve foram apenas os primeiros ataques sérios, repelidos pela burguesia, a primeira prova séria de forças, que demonstrou que o proletariado ainda não pode derrubar a burguesia e que a burguesia já não pode deixar de levar em consideração o proletariado. E justamente porque a burguesia não mais pode pôr de joelhos a classe operária, viu-se obrigada a desistir do ataque frontal, a fazer rodeios, a recorrer a compromissos e ao "pacifismo democrático".
Finalmente, é errôneo supor que o "pacifismo" é indício de força, e não de debilidade, da burguesia; que o "pacifismo leva necessariamente à consolidação do Poder da burguesia e ao adiamento da revolução por tempo indefinido. O pacifismo moderno significa o ascenso ao Poder, direta ou indiretamente, dos partidos da II Internacional. Mas que significa o ascenso ao Poder dos partidos da II Internacional? Significa que eles mesmos se desmascararão inevitavelmente como lacaios do imperialismo e traidores do proletariado, pois a prática governamental desses partidos só pode conduzir a um resultado: à sua bancarrota política, à agravação das suas contradições internas, à sua desagregação, à sua decomposição. Mas a desagregação desses partidos leva à desagregação inevitável do Poder da burguesia, porque os partidos da II Internacional são o esteio do imperialismo. Poderia a burguesia, por livre e espontânea vontade, isto é, sem uma necessidade irrecorrível, fazer essa perigosa experiência com o pacifismo? Certamente, não! Após o fim da guerra imperialista a burguesia faz pela segunda vez a experiência do pacifismo: a primeira vez, logo depois da guerra, quando parecia que a revolução batia à porta, e a segunda vez, hoje, depois das arriscadas experiências de Poincaré e Curzon. Quem se atreverá a negar que esse agitado ir e vir da burguesia, do pacifismo ao imperialismo desenfreado, não pode deixar de ter conseqüências para o imperialismo; quem ousará negar que isso retira da monótona marcha cotidiana massas de milhões de operários, que desperta para a vida política as camadas mais atrasadas do proletariado, que isso facilita a formação de seu espírito revolucionário? Certamente, o "pacifismo democrático" ainda não é o kerenskismo, posto que o kerenskismo pressupõe o dualismo do Poder, a desagregação do Poder burguês e o surgimento das bases do Poder proletário. Mas dificilmente se pode pôr em dúvida que o pacifismo sacode fortemente as massas, pois leva-as a participar da vida política, que o pacifismo estremece o Poder burguês e prepara o terreno para comoções revolucionárias. Precisamente por isso o pacifismo deve conduzir, não à consolidação, mas ao enfraquecimento do Poder burguês, não ao adiamento da revolução para data indefinida, mas ao seu aceleramento.
Disso não se depreende, naturalmente, que o pacifismo não represente um grave perigo para a revolução. O pacifismo abala as bases do Poder burguês, prepara as condições favoráveis à revolução. Mas o pacifismo só pode produzir tais resultados contra a vontade dos próprios "pacifistas" e democratas", somente com a condição de que os partidos comunistas desenvolvam enérgica atividade com o objetivo de desmascarar a natureza imperialista e contra-revolucionária do Poder democrático-pacifista de Herriot—MacDonald. Quanto à vontade dos próprios pacifistas e democratas e à política dos próprios imperialistas, é necessário dizer que eles, recorrendo ao pacifismo, perseguem um só objetivo: enganar as massas com frases altissonantes sobre a paz, para preparar uma nova guerra; deslumbrá-las com o brilho da "democracia", para consolidar a ditadura da burguesia; adormecer as massas proclamando os direitos "soberanos" das nações e dos Estados, para preparar mais comodamente a intervenção na China, as matanças no Afeganistão e no Sudão, o desmembramento da Pérsia; confundir as massas com declarações grandiloqüentes sobre relações "amistosas" com a União Soviética, sobre esse ou aquele "acordo" com o Poder Soviético, a fim de estabelecer com os conspiradores contra-revolucionários, expulsos da Rússia, laços cada vez mais estreitos, com vistas à preparação de intervenções de banditismo na Bielo-rússia, na Ucrânia, na Geórgia. O pacifismo serve de máscara à burguesia. Nessa camuflagem reside o maior perigo do pacifismo. A burguesia alcançará, ou não, o objetivo de enganar o povo? Isso depende da energia com que os Partidos Comunistas do Ocidente e do Oriente levarem a efeito o trabalho de desmascaramento, da capacidade que demonstrarem no arrancar a máscara aos imperialistas, travestidos de pacifistas. Não há dúvida de que os acontecimentos e a experiência da vida trabalharão a favor dos comunistas, pondo em evidência a distância que vai entre as palavras pacifistas e os atos imperialistas dos lacaios democratas do capital. O dever dos comunistas consiste em não ficar a reboque dos acontecimentos e em desmascarar implacavelmente cada passo, cada ato de servilismo diante do imperialismo e de traição do proletariado por parte dos partidos da II Internacional.
A Conferência da Entente, em Londres,[N123] é a expressão mais clara do falso e mentiroso pacifismo democrático-burguês. Se o ascenso ao Poder de MacDonald—Herriot e o alvoroço em torno do "estabelecimento de relações normais" com a União Soviética deviam encobrir e mascarar a encarniçada luta de classes na Europa e o ódio mortal que os Estados burgueses alimentam contra a União Soviética, o acordo da Entente em Londres deve encobrir e mascarar a rivalidade encarniçada entre a Inglaterra e a França pela hegemonia na Europa, as contradições crescentes entre a Inglaterra e os Estados Unidos na luta pelo domínio do mercado mundial, a luta sobre-humana do povo alemão contra o jugo da Entente. Já não há luta entre as classes, não mais haverá revoluções, e agora é possível, com a colaboração de classes, levar a termo a obra — vociferam os MacDonald e os Renaudel. Já não existe luta entre a França e a Inglaterra, entre os Estados Unidos e a Inglaterra, entre a Alemanha e a Entente, não haverá mais guerras, e agora, com uma paz geral capitaneada pelos Estados Unidos, é possível levar a termo a obra — fazem eco os seus amigos no acordo de Londres e irmãos na traição da causa da classe operária, os heróis social-democratas do pacifismo.
Que ocorreu, entretanto, na Conferência da Entente em Londres?
Antes da Conferência de Londres, a França resolvia sozinha sobre o problema das reparações, decidia mais ou menos independentemente dos "aliados", porque a França tinha maioria assegurada na Comissão de Reparações. A ocupação do Ruhr era o meio que servia para desorganizar economicamente a Alemanha e para garantir que a França receberia da Alemanha o pagamento das reparações, o carvão e o coque para a siderurgia francesa, os produtos químicos semi-elaborados e as anilinas para a indústria química francesa, bem como a isenção de direitos para a entrada na Alemanha de tecidos alsacianos. O plano tinha como objetivo criar as bases materiais da hegemonia militar e econômica da França na Europa, Mas, como é notório, esse plano fracassou. O método de ocupação só deu resultados opostos. A França não obteve nem o pagamento de reparações, nem o fornecimento em espécie sequer em escala que a satisfizesse mais ou menos. Finalmente, o próprio idealizador da ocupação, Poincaré, foi levado pelo mar contra o rochedo, em virtude da sua política abertamente imperialista, prenhe de uma nova guerra e de revoluções. Quanto à hegemonia da França na Europa, ficou frustrada, não somente porque o método de ocupação e de rapina franca excluía a possibilidade da aliança econômica entre a indústria francesa e a alemã, mas também porque a Inglaterra era decididamente contrária a tal aliança, pois não podia ignorar que a união do carvão germânico com o ferro francês minaria necessariamente a siderurgia inglesa.
Que produziu, em lugar de tudo isso, a Conferência da Entente em Londres.
Em primeiro lugar, a Conferência rejeitou o método de decisões independentes da França sobre as questões de reparações, estabelecendo que as questões controversas deviam ser resolvidas, em última instância, por uma comissão de arbitragem, composta de representantes da Entente, tendo à frente os representantes dos Estados Unidos.
Em segundo lugar, a conferência se pronunciou contra a ocupação do Ruhr e reconheceu a necessidade da evacuação, econômica (imediata) e militar (dentro de um ano ou mesmo antes). Motivos: a ocupação do Ruhr neste momento representa um perigo do ponto-de-vista da situação política européia e inconveniente do ponto-de-vista da espoliação organizada e sistemática da Alemanha. E dificilmente se pode duvidar de que a Entente tinha a intenção de saquear a Alemanha a fundo e de modo sistemático.
Em terceiro lugar, a conferência rejeitou a intervenção militar e aprovou inteiramente a intervenção financeiro-econômica, reconhecendo:
Seria desnecessário demonstrar que isto significa transformar a Alemanha numa colônia da Entente.
Em quarto lugar, a conferência reconheceu à França o direito de obrigar a Alemanha a entregar-lhe por determinado período de tempo carvão e produtos químicos, mas, em seguida, fez a ressalva de que a Alemanha tem o direito de apelar para a comissão de arbitragem para pedir a redução e mesmo a suspensão desses pagamentos obrigatórios em espécie. Desse modo, a conferência reduziu a zero, ou quase a zero, os direitos da França.
Se a tudo isso acrescentarmos o empréstimo de oitocentos milhões de marcos à Alemanha, coberto pelos banqueiros ingleses e sobretudo pelos banqueiros americanos; se levarmos em conta, ademais, que a conferência estava sob o comando dos banqueiros e, em primeiro lugar, dos banqueiros americanos, o quadro estará completo: nada restou da hegemonia francesa. A hegemonia francesa foi substituída pela hegemonia americana.
Tais foram os resultados da conferência londrina da Entente.
Na base de tudo isso, alguns acreditam que, doravante, as contradições no seio da Europa devem atenuar-se em face da hegemonia dos Estados Unidos; que os Estados Unidos, interessados na exportação de capitais para a Europa, saberão colocar sob racionamento os países europeus e mantê-los quietos para maior glória e vantagem dos seus banqueiros; que a paz na Europa — imposta pela força, é verdade — pode ser considerada, por isso, mais ou menos garantida por um período relativamente longo. Esta suposição é de todo errônea.
Em primeiro lugar, a conferência decidiu a questão da Alemanha sem contar com o senhor da situação, o povo germânico. Pode-se, naturalmente, "planejar" a transformação da Alemanha numa verdadeira colônia. Mas tentar transformar efetivamente numa colônia um país como a Alemanha, hoje, quando é necessário grande esforço para manter submissas até as colônias atrasadas, significa colocar uma mina debaixo da Europa.
Em segundo lugar, a conferência empurrou um pouco para trás a França, que se adiantara demais, o que naturalmente trouxe uma preponderância efetiva da Inglaterra na Europa. Mas, pensar que a França vai resignar-se à hegemonia da Inglaterra, significa não levar em conta os fatos, não levar em conta a lógica das coisas, que, em geral, é mais forte do que qualquer outra lógica.
Em terceiro lugar, a conferência reconheceu a hegemonia dos Estados Unidos. O capital americano, porém, está interessado em financiar a indústria franco-alemã, em utilizá-la do modo mais racional, combinando, por exemplo, a siderurgia francesa com a indústria carbonífera alemã. É difícil duvidar de que o capital americano não utilize os seus privilégios justamente em tal sentido, que é para ele o mais vantajoso. Mas, pensar que a Inglaterra vai resignar-se a uma situação dessa natureza, significa não conhecer a Inglaterra, não saber até que ponto lhe são caros os interesses da sua indústria siderúrgica.
Finalmente, a Europa não é um país isolado, está vinculada às suas colônias, vive da seiva destas colônias. Supor que a conferência pode mudar qualquer coisa "para melhor", nas relações entre a Europa e as colônias, que pode deter ou refrear o desenvolvimento das contradições entre uma e outras, significa acreditar em milagres.
Que conclusão tirar de tudo isso?
A única conclusão é que a Conferência de Londres não resolveu nenhuma das velhas contradições na Europa, mas em compensação arranjou novas, as contradições entre os Estados Unidos e a Inglaterra. Não há dúvida de que a Inglaterra procurará aprofundar, como ocorreu no passado, o antagonismo entre a França e a Alemanha para assegurar o seu próprio predomínio político no continente. Não há dúvida de que os Estados Unidos, por sua vez, procurarão aprofundar o antagonismo entre a Inglaterra e a França para assegurar para si a hegemonia no mercado mundial. E já não falamos das profundíssimas contradições entre a Alemanha e a Entente.
Os acontecimentos mundiais serão determinados por esses antagonismos e não pelos discursos "pacifistas" do biltre Hughes e do empolado Herriot. A lei do desenvolvimento desigual dos países imperialistas e da inevitabilidade das guerras imperialistas, hoje, mais do que nunca, continua em vigor. A conferência londrina não fez senão mascarar esses antagonismos, para criar novas premissas de um aguçamento sem precedente dos mesmos.
Um dos indícios mais seguros da instabilidade do "regime democrático pacifista", um dos indícios mais evidentes do fato de que esse "regime" não passa de espuma que aflora na superfície, produto de profundíssimos processos revolucionários que se desenvolvem no seio da classe operária, consiste na vitória decisiva da ala revolucionária dos Partidos Comunistas da Alemanha, da França e da Rússia, no aumento da atividade da ala esquerda no movimento operário inglês, e, finalmente, no aumento da popularidade da União Soviética entre as massas trabalhadoras do Ocidente e do Oriente.
Os Partidos Comunistas do Ocidente desenvolvem-se em Condições peculiares. Em primeiro lugar, a sua composição é heterogênea, pois estão formados de antigos social-democratas, que passaram pela velha escola, e de jovens militantes que ainda não têm tempera revolucionária suficiente. Em segundo lugar, os quadros não são inteiramente bolcheviques, pois em postos de responsabilidade se acham elementos procedentes de outros partidos, que ainda não tiveram tempo de romper em definitivo com as sobrevivências da social-democracia. Em terceiro lugar, têm diante de si um inimigo tão experimentado como a social-democracia, que passou por tudo o que se pode passar e que ainda é uma força política imensa nas fileiras da classe operária. E finalmente, enfrentam um inimigo tão poderoso como a burguesia européia, com o seu experimentado aparelho estatal, com a sua imprensa onipotente. Supor que esses Partidos Comunistas podem derrubar "de hoje para amanhã" o regime burguês europeu, significa incorrer em erro crasso. Por isso, na ordem do dia está a tarefa de transformar os Partidos Comunistas ocidentais em partidos verdadeiramente bolcheviques, de forjar no seu seio verdadeiros quadros revolucionários, capazes de reorganizar toda a atividade prática do Partido no espírito da educação revolucionária das massas, no espírito da preparação da revolução.
Assim estavam as coisas nos Partidos Comunistas do Ocidente em passado ainda recente. Mas nos últimos seis meses as coisas começaram a mudar para melhor. O último semestre se caracterizou por uma reviravolta radical na vida dos Partidos Comunistas do Ocidente, orientada no sentido da liquidação das sobrevivências social-democratas, da bolchevização dos quadros e do isolamento dos elementos oportunistas.
O perigo que podem representar para a revolução as sobrevivências social-democratas nos Partidos Comunistas foi demonstrado de modo claro pela triste experiência do governo operário da Saxônia,[N124] em que os chefes oportunistas tentaram transformar a idéia da frente única, como meio de mobilização e de organização revolucionária das massas, num método de combinações parlamentares social-democratas. Isso assinalou uma reviravolta, pois abriu os olhos às massas do Partido e as levantou contra os chefes oportunistas.
A segunda questão, que minou o prestígio dos líderes direitistas e que fez surgir em cena novos chefes revolucionários, foi a chamada questão "russa", isto é, a discussão no P.C. (b) da Rússia. É sabido que o grupo de Brandler, na Alemanha, e o de Souvarine,[N125] na França, apoiaram decididamente a oposição oportunista no seio do P.C. (b) da Rússia contra os quadros fundamentais do P.C. (b) da Rússia, contra a sua maioria revolucionária. Foi um repto às massas operárias revolucionárias do Ocidente, que simpatizam decididamente com o Poder Soviético e com o seu dirigente, o P. C. (b) da Rússia. Foi um repto às massas do Partido e à ala revolucionária dos Partidos Comunistas do Ocidente. Não causa espanto que esse repto tenha terminado com a completa derrota dos grupos de Brandler e Souvarine. Não causa espanto que esse fato tenha tido repercussão em todos os outros Partidos Comunistas do Ocidente. Se se acrescenta a isso o total isolamento da corrente oportunista no seio do P. C. (b) da Rússia, o quadro estará completo. O V Congresso da Internacional Comunista[N126] não fez senão consolidar a vitória da ala revolucionária nas seções principais da I.C.
É indubitável que os erros dos chefes oportunistas desempenharam papel considerável no aceleramento da bolchevização dos Partidos Comunistas do Ocidente. Mas é também indubitável que ao mesmo tempo agiram aqui outras causas mais profundas: a ofensiva, coroada de êxito, do capital nos últimos anos, o agravamento das condições de vida da classe operária, a existência de um enorme exército de desempregados, a instabilidade econômica geral do capitalismo, a crescente fermentação revolucionária entre as amplas massas operárias. Os operários se voltam para a revolução e querem ter chefes revolucionários.
Balanço. No Ocidente, o processo de formação definitiva de partidos verdadeiramente bolcheviques, que representam o baluarte da futura revolução na Europa, já começou. Esse é o balanço do último semestre.
Ainda mais difíceis e peculiares são as condições de desenvolvimento dos sindicatos no Ocidente.
Em primeiro lugar, têm um caráter, restrito, por causa da sua "provada" experiência corporativa e são hostis ao socialismo, porque, tendo aparecido antes dos partidos socialistas e se desenvolvido sem a sua ajuda, estão habituados a alardear a sua "independência", põem os interesses de categoria profissional acima dos interesses de classe e não querem ver nada além do ganho do "copeque cotidiano".
Em segundo lugar, os sindicatos são, por sua essência, conservadores e hostis a toda iniciativa revolucionária, porque à sua frente se encontra a antiga e venal burocracia sindical, que se deixa corromper pela burguesia e que está sempre disposta a pôr os sindicatos a serviço do imperialismo.
Finalmente, tais sindicatos, estando unidos em torno dos reformistas de Amsterdã, representam justamente aquele exército reformista de muitos milhões no qual se apóia o atual regime capitalista.
É certo que, além dos sindicatos reacionários de Amsterdã, existem também sindicatos revolucionários, que aderiram à Internacional Vermelha.[N127] Mas, em primeiro lugar, uma parte considerável dos sindicatos revolucionários, não querendo provocar a cisão no movimento sindical, permanece na organização de Amsterdã,[N128] submetendo-se à disciplina desta última; em segundo lugar, nos países decisivos da Europa (Inglaterra, França, Alemanha), os sindicalizados de Amsterdã ainda representam a maioria dos operários. Não se pode esquecer de que Amsterdã agrupa nada menos de catorze milhões de operários sindicalmente organizados. Supor que é possível alcançar na Europa a ditadura do proletariado contra a vontade desses milhões de operários, significa incorrer em erro profundo, abandonar o terreno do leninismo, condenar-se a uma derrota inevitável. Por isso, a tarefa reside em conquistar essas massas de milhões de homens para a revolução e o comunismo, em libertá-las da influência da burocracia sindical reacionária, ou, pelo menos, fazer com que assumam em face do comunismo uma atitude de neutralidade benevolente.
Assim estavam as coisas até bem pouco tempo. Nos últimos anos, porém, o quadro começa a modificar-se para melhor. A pátria dos sindicatos fechados e reacionários é a Inglaterra, que teve a seu tempo a hegemonia industrial capitalista no mercado mundial. O fim desse monopólio está ligado ao desenvolvimento do capital financeiro, caracterizado pela luta de uma série de países mais importantes pelo monopólio colonial. A fase imperialista do capitalismo traz consigo, para os sindicatos reacionários restritos, a ampliação do território, porém restringe ao mesmo tempo a sua base material, porque o super-lucro imperialista representa o objeto da luta entre uma série de países, enquanto as colônias ficam cada vez menos propensas a continuar sendo colônias. Não se pode também esquecer de que a guerra abalou de modo considerável as bases da produção européia. É sabido que a soma global da produção européia monta atualmente a não mais de setenta por cento da produção de antes da guerra. Daí a contração da produção e o êxito da ofensiva do capital contra a classe operária. Daí a redução do salário, a abolição efetiva da jornada de trabalho de oito horas e uma série de greves, defensivas mal sucedidas, que mais uma vez demonstraram a traição da burocracia sindical à classe operária. Daí o desemprego colossal e o descontentamento crescente dos operários em face dos sindicatos reacionários. Daí a idéia da frente única no campo da luta econômica da classe operária e o plano de unificação das duas internacionais sindicais numa internacional única, capaz de organizar a resistência contra o capital. Os discursos dos reformistas no Congresso da Internacional de Amsterdã, realizado em Viena (junho de 1924), sobre conversações com os sindicatos "russos", assim como o apelo dos sindicatos ingleses ao Congresso das Trade Unions (começos de setembro de 1924) pela unidade sindical, não passam de um reflexo da pressão crescente das massas sobre a burocracia sindical reacionária. O mais significativo em tudo isso é o fato de que os próprios sindicatos ingleses, foco do conservantismo e núcleo fundamental de Amsterdã, tomaram a iniciativa da unificação dos sindicatos reacionários com os revolucionários. O aparecimento de elementos de esquerda no movimento operário inglês é o indício mais seguro de que nem tudo vai bem "na sua casa", Amsterdã.
Alguns acham que a campanha pela unificação dos sindicatos é necessária, justamente agora, porque surgiram em Amsterdã elementos de esquerda, aos quais, indiscutivelmente, é preciso dar apoio, com todas as forças, por todos os meios. Isto não é certo, ou melhor, só é certo em parte. O fato é que os Partidos Comunistas do Ocidente se tornam organizações de massas, transformam-se em partidos verdadeiramente bolcheviques, crescem na medida em que aumenta o descontentamento das amplas massas operárias e se encaminham para o Poder; por conseguinte, as coisas marcham para a revolução proletária. Mas não se pode derrubar a burguesia antes de privá-la do sustentáculo de que dispõe na reacionária Internacional de Amsterdã; não se pode conquistar a ditadura sem conquistar para a revolução esta cidadela burguesa. Mas é impossível realizar isso mediante um trabalho unilateral, de fora. Na situação atual só se conseguirá alcançar esse objetivo por meio de um trabalho combinado, de dentro e de fora, para assegurar a unidade do movimento sindical. Eis por que a questão da unificação dos sindicatos e da entrada nas associações sindicais internacionais torna-se uma questão palpitante. É necessário, sem dúvida, apoiar e estimular os elementos de esquerda. No entanto, só se conseguirá prestar ajuda efetiva aos elementos de esquerda se não for arriada a bandeira dos sindicatos revolucionários, se os chefes reacionários de Amsterdã forem firmemente atacados por sua traição e sua atividade divisionista, se os chefes de esquerda forem criticados por sua irresolução e indecisão na luta contra os líderes reacionários. Somente uma política desse tipo pode preparar a unificação efetiva dos sindicatos. Em caso contrário, pode surgir um quadro semelhante ao observado em outubro do ano passado, na Alemanha, quando a direita reacionária da social-democracia se serviu, com êxito, do grupo de esquerda de Levy[N129] para cercar os operários revolucionários alemães.
Finalmente, algumas palavras sobre a crescente popularidade da União Soviética entre os povos dos Estados burgueses.
Talvez seja necessário considerar como indício mais seguro da instabilidade do "regime democrático pacifista" o fato incontestável de que a influência e o prestígio da União Soviética entre as massas trabalhadoras do Ocidente e do Oriente não somente não diminuíram, mas, ao contrário, aumentam de ano para ano, de mês para mês. Não se trata, aqui, do fato de que a União Soviética obtém o "reconhecimento" por parte de vários Estados burgueses. Por si, esse "reconhecimento" ainda não representa nada de excepcional, porque é imposto, em primeiro lugar, pelas exigências da competição capitalista entre os países burgueses, que procuram ocupar "seu posto" no mercado da União Soviética, e, em segundo lugar pelo "programa" do pacifismo, que pede estabelecimento de "relações normais" com o país dos Soviets, ou pelo menos a conclusão de algum "tratado" com a União Soviética. Trata-se, ao contrário, do fato de que os atuais "democratas" e "pacifistas" derrotaram os seus adversários burgueses nas eleições parlamentares, graças à plataforma do "reconhecimento" da União Soviética; de que os MacDonald e os Herriot chegaram ao Poder e podem permanecer no Poder graças, entre outros fatores, a que falam hipocritamente de "amizade com a Rússia"; de que o prestígio desses "democratas" e "pacifistas" é a luz reflexa do prestigio do Poder Soviético entre as massas populares. É significativo que até mesmo aquele "democrata" universalmente conhecido, que se chama Mussolini, acha necessário alardear com freqüência, diante dos operários, a sua "amizade" com o Poder Soviético. Não menos significativo é que amigos do alheio universalmente conhecidos, como os atuais governantes do Japão, não queiram prescindir da "amizade" com a União Soviética. Já não falamos do extraordinário prestígio de que desfruta o Poder Soviético entre as massas populares da Turquia, Pérsia, China e Índia.
A que se deve esse prestígio sem precedentes e essa popularidade entre as amplas massas dos outros Estados de um Poder tão "ditatorial" e revolucionário como o Poder Soviético?
Em primeiro lugar, deve-se ao ódio da classe operária ao capitalismo e à sua aspiração de livrar-se do capitalismo. Os operários dos Estados burgueses simpatizam com o Poder Soviético sobretudo porque é o Poder que derrubou o capitalismo. Bromley, conhecido representante dos ferroviários ingleses, disse, recentemente, falando no Congresso das Trade Unions:
"Os capitalistas sabem que os olhares dos operários de todo o mundo se voltam para a Rússia e que, se a revolução russa vencer, os operários conscientes dos outros países perguntarão a si mesmos: por que também nós não podemos destruir o capitalismo?"
Naturalmente, Bromley não é um bolchevique. Mas o que afirmou exprime os pensamentos e esperanças dos operários europeus. Com efeito, por que não se poderia derrubar o capitalismo europeu, se há quase sete anos e com grande proveito os "russos" vivem sem capitalistas? Eis a fonte da enorme popularidade do Poder Soviético entre as amplas massas da classe operária. Por isso, o aumento da popularidade internacional da União Soviética significa que aumenta o ódio da classe operária de todos os países ao capitalismo.
Em segundo lugar, deve-se ao ódio das massas populares à guerra e ao seu desejo de destruir as iniciativas militares da burguesia. Sabem as massas populares que o Poder Soviético foi o primeiro a lançar-se ao ataque contra a guerra imperialista e que, ao iniciar esse ataque, minou as bases da guerra. As massas populares vêem que a União Soviética é o único país que conduz a luta contra uma nova guerra. Simpatizam com o Poder Soviético porque é o porta-estandarte da paz entre os povos e um firme baluarte contra a guerra. Por isso, o aumento da popularidade internacional do Poder Soviética é indício do crescente ódio das massas populares de todo o mundo à guerra imperialista. e aos seus organizadores.
Em terceiro lugar, deve-se ao ódio que as massas oprimidas dos países dependentes e das colônias votam ao jugo do imperialismo e ao desejo de destruí-lo. O Poder Soviético é o único Poder que destruiu as cadeias do "nacional". A União Soviética é o único país que constrói a sua vida segundo o princípio da igualdade e da colaboração entre as nações. O governo soviético é o único governo do mundo que defende de modo conseqüente a unidade e a independência, a liberdade e a soberania da Turquia e da Pérsia, do Afeganistão e da China, dos países coloniais e dependentes do mundo inteiro. As massas oprimidas simpatizam com a União Soviética, porque vêem nela um aliado na obra de libertação do imperialismo.
Por isso, o aumento da popularidade internacional do Poder Soviético significa o aumento do ódio dos povos oprimidos de todo o mundo ao imperialismo.
Esses são os fatos.
É evidente que esses três ódios não contribuem para fortalecer o "regime democrático pacifista" do imperialismo moderno.
Há dias o Ministro das Relações Exteriores dos Estados Unidos, Hughes, "pacifista" e sustentáculo de Koltchak, deu a público uma declaração ultra-reacionária contra a União Soviética. É claro que os lauréis de Poincaré tiram o sono a Hughes. Mas dificilmente se poderá duvidar do fato de que a declaração ultra-reacionária e pacifista de Hughes não servirá senão para fortalecer ulteriormente a influência e o prestígio da União Soviética entre as massas trabalhadoras do mundo inteiro.
São esses os elementos essenciais que caracterizam a presente situação internacional.
Notas:
[N122] Bloco de esquerda: bloco dos radicais e radical-socialistas, sob a chefia de Edouard Herriot, que se manteve no poder entre maio de 1924 e abril de 1925. O governo desse bloco, mascarando-se com uma fraseologia demagógica de esquerda, apoiou, na realidade, tanto na política exterior quanto na interna, os círculos, imperialistas franceses. (retornar ao texto)
[N123] A Conferência da Entente, realizada em Londres, de 16 de julho a 16 de agosto de 1924, foi convocada para examinar e resolver o problema das reparações da Alemanha; dela participaram a Inglaterra, a França, os Estados Unidos e outros países. (retornar ao texto)
[N124] Na Saxônia, durante o movimento revolucionário que se desenvolvia em toda a Alemanha, foi constituído, a 11 de outubro de 1923, um governo operário, de que participavam cinco social-dcmocratas e dois comunistas, sob a chefia de Zeigner, social-democrata de «esquerda*. Os comunistas pertencentes à corrente de Brandler e coadjuvados pelos social-democratas se opuseram à distribuição de armas entre o proletariado e contribuíram para o fracasso do movimento revolucionário. A 30 de outubro de 1923, o governo operário da Saxônia foi dissolvido pelas tropas do governo central. (retornar ao texto)
[N125] Souvarine, fervoroso partidário de Trotski, chefiava a corrente oportunista no seio do Partido Comunista Francês. Apoiando-se diretamente na ação desagregadora que desenvolvia a oposição trotskista no P.C. (b) da Rússia, o grupo de Souvarine desenvolvia uma campanha de calúnias contra o Partido Comunista Francês e a I.C. e violava a disciplina do Partido. Souvarine foi expulso do Partido Comunista Francês e da I.C. (retornar ao texto)
[N126] O V Congresso da Internacional Comunista realizou-se em Moscou, de 7 de junho a 8 de julho de 1924, com a participação de 510 delegados, representando 60 organizações de 49 países. O Congresso examinou os seguintes problemas: a atividade do Comitê Executivo da I.C, a situação econômica internacional e da U.R.S.S., a discussão no P.C. (b) da Rússia, o fascismo, a tática do movimento sindical, as células de empresa, os Partidos Comunistas de diferentes países, as questões programáticas, nacionais, agrária, etc.. Stálin era membro da presidência do Congresso, da Comissão Política, da Comissão de Elaboração do Programa e da Comissão encarregada de elaborar a resolução sobre o leninismo, e presidente da Comissão Polonesa. O Congresso apoiou por unanimidade a ação do Partido bolchevique na luta contra o trotskismo e aprovou a resolução da XIII Conferência e do XIII Congresso do P.C. (b) da U.R.S.S., «O balanço da discussão e o desvio pequeno-burguês no Partido», deliberando publicá-la como resolução da I.C. O Congresso decidiu fortalecer os Partidos Comunistas dos países capitalistas, bolchevizá-los e transformá-los em partidos verdadeiramente de massas, apoiados nos sindicatos. (retornar ao texto)
[N127] A Internacional Sindical Vermelha (Profintern), constituída em 1921 e dissolvida em fins de 1937, agrupava os sindicatos revolucionários dos diversos países e aceitava a política da Internacional Comunista. (retornar ao texto)
[N128] A Associação Internacional de Sindicatos, formada em julho de 1919 no Congresso Internacional de Amsterdã, englobava os sindicatos reformistas de numerosos países da Europa Ocidental e dos Estados Unidos e realizava uma política anti-revolucionária, anticomunista. (retornar ao texto)
[N129] O grupo de esquerda de Levy, formado no seio do Partido Social-Democrata Alemão, para não perder a influência sobre as massas operárias declarou-se disposto, em outubro ds 1923, a colaborar com o governo operário da Saxónía, então constituído. Na realidade, porém, o grupo Levy apoiou a política contra-revolucionária da social-democracia, ajudando, assim, a burguesia a sufocar o movimento revolucionário. (retornar ao texto)
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Inclusão | 15/07/2008 |