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Primeira Edição: ODiario.info - http://www.odiario.info/?p=3063
Fonte: http://resistir.info
Transcriçãoe HTML: Fernando Araújo.
A Delegação de Paz das FARC divulgou em Havana, sede dos Diálogos, um primeiro balanço sobre "o estado das conversações". De 200 propostas mínimas para resolver problemas do campo e da participação politica que apresentaram, somente foi possível chegar a 25 acordos parciais com o governo de Juan Manuel Santos.
Não é de admirar: o governo colombiano participa nos Diálogos porque não teve condições políticas para o recusar. Mas a sua aposta permanece na guerra, não na paz: o orçamento de estado da Colômbia para 2014 inclui para as Forças Armadas (isto é, para o financiamento da guerra contra as Farc) a verba astronómica de 274 biliões de pesos, o equivalente a 14 717 mil milhões de dólares.
Os diálogos para a Paz entre o Governo de Bogotá e as Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia-Exercito do Povo, iniciados em 2012 em Havana, dificilmente conduzirão ao desfecho positivo desejado pela esmagadora maioria do povo colombiano.
Foi possível, por mérito exclusivo da Delegação das FARC, chegar-se a um acordo sobre a necessidade de uma a Reforma Agraria profunda, o primeiro ponto da agenda. Mas, tal como se esperava, o Governo de Juan Manuel Santos manobra para sabotar o processo negocial.
No dia 3 de Outubro, a Delegação de Paz das FARC divulgou em Havana, sede dos Diálogos, um primeiro balanço sobre "o estado das conversações".
Apos "catorze ciclos de reuniões", as FARC informaram que apresentaram 200 propostas mínimas para resolver problemas do campo e da participação politica. O resultado foi modesto: somente foi possível chegar a 25 acordos parciais.
Na mesa de Diálogo chocam-se duas visões da Historia: uma ultraneoliberal, que privilegia os interesses das transnacionais e da oligarquia, e a outra que assume as reivindicações das grandes maiorias. Sob a pressão da contestação das massas, o governo comprometeu-se a atribuir títulos de propriedade a camponeses que cultivam terras que segundo a lei não lhes pertencem (48%).
No segundo ponto da agenda, sobre a participação politica, tem-se avançado pouco porque os representantes do governo recusam um acordo prévio sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte, exigência das FARC.
A delegação do governo evita também um debate sério sobre a reparação às vítimas da guerra que restabeleça a verdade histórica de um conflito que dura há sessenta anos. Insiste na sua proposta de um referendo sobre um eventual acordo final, proposta que as FARC não consideram adequada em consequência do controlo absoluto que o governo tem dos meios de comunicação social.
A guerra, entretanto, prossegue. A luta armada não foi suspensa porque o governo se opôs a um cessar-fogo, cedendo à pressão do exército.
Ano após ano ficou transparente que não há solução militar para o conflito. As Forças Armadas são as mais numerosas e bem equipadas da América Latina (mais de 400 mil militares). Mas a guerrilha é indestrutível. Nos últimos meses, as FARC, realizando em média três operações diárias, infligiram severas perdas ao exército e à polícia. Recentemente colunas suas derrubaram um helicóptero no Putumayo e dois aviões militares, um dos quais do Caquetá.
Nas Forças Armadas o mal-estar é, aliás, inocultável, com as chefias envolvidas em escândalos financeiros e crimes de guerra.
A contestação popular tem aumentado torrencialmente. A Marcha para a Paz e as iniciativas do movimento Colombianos para a Paz mobilizaram centenas de milhares de pessoas
A Igreja católica, o Partido Comunista, os sindicatos e as universidades multiplicam os protestos contra a política dita de segurança democrática que é, na prática, uma política de terrorismo de estado. 87% dos colombianos desejam a paz.
O êxito da greve nacional agrária obrigou o Presidente a recuar e fazer concessões. Mas o seu Pacto Nacional Agrário é um projeto oco, uma manobra concebida para desmobilizar os camponeses em luta.
O bombardeamento do Congresso com tomates expressou o descontentamento do mundo rural.
O nível da corrupção, os escândalos financeiros e os crimes atingiram tal magnitude que não foi possível a Santos proteger altas personalidades que durante anos contaram sempre com a confiança do governo.
Desde 2011 foram demitidos seis embaixadores:
Nesse painel de embaixadores temos a imagem do serviço diplomático colombiano.
Juan Manuel Santos distanciou-se da estratégia neofascista de Uribe. Normalizou as relações com a Venezuela e o Equador e abriu o diálogo com as FARC.
Mas a Colômbia continua a ser uma semi-colónia. Tão transparente é a sua submissão a todas as exigências de Washington que os Estados Unidos instalaram mais seis bases militares no país. Para Obama é o mais firme aliado na América Latina e uma democracia que deveria inspirar outras no Continente. O seu apreço pelo governo de Bogotá é demonstrado pela gigantesca "ajuda financeira" a maior após a concedida a Israel destinada quase exclusivamente a combater as FARC-EP e o ELN.
As bruscas mudanças de tática do governo nas conversações de Paz refletem o temor que o Presidente tem de Uribe, o presidente anterior (ao qual serviu dedicadamente como ministro), da ultra direita das forças armadas e da oligarquia agrária.
Uribe rompeu com ele e agora ataca-o publicamente. Acontece que Juan Manuel Santos pretende reeleger-se e o seu discurso pacifista, sobretudo nas visitas à Europa e a organizações internacionais é inseparável da sua ambição eleitoral.
As possibilidades de reeleição são, porém, escassas. Uma sondagem recente atribuía-lhe uma percentagem de votos pouco superior a 20%.
Numa entrevista recente aos membros da delegação das FARC em Havana, o jornalista colombiano Hernando Ospina residente em Paris chamou a atenção para o facto de na Mesa de conversações elas defenderem sobretudo reformas que modernizem o Estado, o que "pode parecer contraditório numa guerrilha comunista, marxista-leninista".
O comandante Ivan Marquez, o chefe da Delegação, confirmou que não estão exigindo mudanças radicais nas estruturas políticas económicas do Estado.
Ivan Marquez esclareceu que na Mesa de Diálogo as FARC não falam de socialismo nem de comunismo. "O que procuramos afirmou é criar condições para se chegar a um entendimento com o governo. Um espaço onde encontremos as diferentes visões. Sabemos que por isso algumas organizações de esquerda, não somente colombianas, dizem que nos transformamos numa guerrilha reformista."
Cabe recordar que já Lénine dizia que devemos distinguir as reformas cosméticas da burguesia de reformas de conteúdo revolucionário que abalam o poder da classe dominante.
Combatendo a tendência ao pessimismo do entrevistador quanto ao desfecho das Conversações, o comandante Pablo Catatumbo, outro membro da Delegação, lembrou que a Historia segue com frequência rumos inesperados.
"Não esqueça sublinhou que as condições políticas na América Latina mudaram. Quem imaginava o que ocorreu na Venezuela e na Bolívia com a chegada de Chávez e de Evo? Quem podia imaginar que na América Latina surgiriam outros governos para exigir aos EUA respeito pela soberania? E o fim da União Soviética?
O arrastar das conversações de Paz em Havana e a convicção de que um acordo global sobre os seus pontos da Agenda é inaceitável para o sistema de poder colombiano contribui para a multiplicação de análises e previsões pessimistas.
Não creio que esses exercícios especulativos, mesmo quando da iniciativa de amigos das FARC-EP, sejam úteis.
Mas é inegável que a abertura da Mesa de Diálogo proporcionou às FARC a possibilidade de arrancarem a mascara a um governo de matizes neofascistas e de levarem a milhões de pessoas em dezenas de países um conhecimento aprofundado do seu programa, da sua luta revolucionaria em prol de uma Colômbia independente, democrática e progressista.
A verdade sobre uma heroica guerrilha partido comunista atravessou fronteiras, chega hoje aos mais remotos lugares da Terra.
Vila Nova de Gaia, 9 de Outubro de 2013