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Fonte: http://resistir.info
Transcriçãoe HTML: Fernando Araújo.
Festejei no domingo, em Serpa, entre camaradas e amigos os resultados alcançados pela CDU nas eleições autárquicas.
Desde o inicio da contra-revolução, no Outono de 1975, sempre atribuí às eleições locais maior importância do que às legislativas. A história dos últimos trinta anos demonstra que os eleitos comunistas e os seus aliados tiveram à frente de dezenas de câmaras a possibilidade, mesmo em contextos muito desfavoráveis, enfrentando a hostilidade permanente do Poder Central, de levar à pratica programas que, na fidelidade aos ideais de Abril, transformaram a vida das populações, criando os alicerces de uma futura sociedade participativa e autenticamente democrática.
Já o mesmo não acontece com as Legislativas. Elas semearam inicialmente ilusões que ainda persistem. Nunca subestimei a importância de uma forte bancada comunista na Assembleia da Republica. Mas a minha própria experiência como deputado em instituições parlamentares europeias e em Portugal reforçou a convicção de que não é possível hoje a um partido comunista em qualquer pais da Europa chegar ao governo através do funcionamento da democracia dita representativa. Numa época em que o controlo dos sistemas mediáticos é hegemonicamente exercido pelas forças do grande capital, o voto das grandes maiorias é decisivamente condicionado por engrenagens trituradoras que formam a opinião, desinformando através da imposição de uma realidade virtual. A tese segundo a qual um partido comunista, actuando numa coligação como parceiro menor de um partido socialista, tem a possibilidade de contribuir para uma democratização lenta do sistema encontrou também uma resposta negativa. Os partidos social-democratas europeus diferem na sua atitude perante o Welfare state. Mas todos se distanciaram do marxismo e desenvolvem actualmente políticas neoliberais. Todos, portanto, arquivaram projectos teoricamente socialistas para adoptarem o capitalismo.
No caso português a diferenciação das bases sociais não impede que o PS e o PSD, cujas direcções são igualmente reaccionárias, coincidam no fundamental: a opção por políticas neoliberais, traçadas na dócil submissão a estratégias impostas pela União Europeia e o imperialismo norte-americano.
é utópica a ideia de que a eleição de uma forte bancada comunista pode forçar qualquer governo do PS a mudar de rumo e empreender uma política que responda a aspirações mínimas do povo. Admitindo que o PCP conseguisse duplicar a sua representação em São Bento (o que fóra de um contexto revolucionário não parece possível), o Partido Socialista, independentemente do primeiro-ministro de turno, continuaria a aplicar com zelo uma política interna de classe cujas linhas mestras seriam sempre traçadas de acordo com as orientações do FMI e do Banco Mundial, e a desenvolver uma política internacional ditada por Bruxelas e Washington.
Inferir daí que as eleições legislativas carecem de significado para as forças progressistas portuguesas seria um erro. Os textos de Lenine sobre os processos eleitorais continuam a ser uma fonte preciosa de ensinamentos. Tudo depende da forma como os comunistas actuam nos Parlamentos.
O PCP já contou com mais de quarenta deputados na Assembleia da Republica, representando doze distritos. A presença dessa numerosa bancada na vida nacional era, por si só, um pesadelo para os partidos da burguesia e um incentivo poderoso para as lutas sociais e a defesa das conquistas de Abril.
São do conhecimento público as circunstâncias em que essa representação foi minguando, num panorama em que o desaparecimento da URSS e a imposição do neoliberalismo na Europa e na América alteraram profundamente a relação de forças no final do século XX e abalaram, contaminaram e destruíram partidos comunistas.
Não foi o caso do PCP que permanece como partido revolucionário, assumindo-se como marxista-leninista.
Incluo-me entre aqueles que sempre se distanciaram de aproximações com o PS susceptíveis de viabilizar no Parlamento entendimentos paralisantes.
Neste tempo em que uma crise global se aprofunda, com o adensar de ameaças à própria continuidade da vida, as forças responsáveis pela opressão social estão empenhadas em privilegiar a política de copa e cozinha.
Num país periférico e atrasado como Portugal, o enxame de simuladores de cultura instalado na televisão e nas colunas de uma imprensa mercenária difunde esforçadamente a mensagem tranquilizadora que serve os objectivos do sistema imperial.
Enquanto as manchetes se concentrarem na crítica ou na apologia da política de Sócrates e o confronto Soares-Cavaco for apresentado como decisivo para o futuro de 10 milhões de portugueses, a polarização do debate em torno desses figurantes, marginais na historia profunda, será desviada dos grandes problemas da humanidade, impedindo as massas de tomar consciência de que o descalabro interno tem raízes numa ameaça exterior de dimensão planetária.
Sócrates e a sua política reaccionária sofreram agora nas urnas uma derrota inocultável. Mas que não haja duvidas. Assim como o PS sucedeu ao PSD de Santana, amanhã, em próxima eleição, este voltará ao governo, para dar continuidade à política de direita num rodízio deprimente, imposto pelo funcionamento de um sistema falsamente democrático. Somente o povo, como sujeito da historia, romperá um dia a engrenagem.
Não subestimo, obviamente, o significado da eleição presidencial. Mas insiro o acontecimento no grande painel da crise global.
José Saramago foi realista ao lembrar-nos há dias que a humanidade será, por diferente da actual, irreconhecível dentro de um século. Não compartilho, porem, o seu catastrofismo. Não tenho por inelutável o apocalipse, creio que a caminhada para o abismo pode ser detida.
Mas para que isso seja possível é imprescindível que a humanidade lute pela sobrevivência de formas de civilização, de cultura, por ela criadas ao longo de milénios.
O desfecho depende dela. Somente o efeito cumulativo de incontáveis lutas travadas no Planeta ameaçado pela engrenagem trituradora de um sistema monstruoso poderá confirmar que, afinal, o túnel para onde nos empurraram tem saída.
A grande ameaça reúne hoje numa frente de batalha única ecologistas, físicos, botânicos, pensadores, teólogos, revolucionários marxistas e não marxistas.
O filósofo comunista húngaro-britanico Istvan Meszaros terá sido um dos primeiros intelectuais a colocar a humanidade perante a opção Socialismo ou Barbárie, retomando, cem anos transcorridos, num contexto histórico muito mais dramático, a alternativa de Rosa Luxemburgo.
John Bellamy Foster, o editor da prestigiada revista norte-americana Monthly Review, em lúcido artigo publicado por resistir.info (http://resistir.info/mreview/revolucao_ecologica.html), esboça o panorama assustador resultante da devastação dos recursos naturais não renováveis, situação agravada pela estratégia monstruosa de um sistema de poder de contornos neo-nazis que destrói simultaneamente culturas, cidades, florestas e povos, que envenena os rios, os campos e a atmosfera terrestre, que contamina os oceanos e dissemina epidemias.
O petróleo, a manter- se o consumo actual já superior a 84 milhões diários de barris acabará em meados deste século. Para ele não há, como fonte de energia, alternativa no horizonte. As reservas de carvão, de gás natural, de cobre, ouro, estanho e outros minérios não atingirão também o século XXII.
A perspectiva é de tragédia.
é no combate pela humanidade que insiro a luta de partidos revolucionários como o PCP.
é nele que desejo ver empenhado o grupo parlamentar do meu partido, no distanciamento firme de organizações políticas que actuam como marionetas no palco de um teatro de feira.
é no assumir de um desafio em defesa da humanidade, que transcenda a rotina da vida parlamentar, tutelada pela ditadura da burguesia de fachada democrática, que concebo um papel insubstituível para os deputados comunistas na denúncia activa do sistema, no incentivo à mobilização das massas contra um sistema insusceptível de reforma capaz de o colocar ao serviço do progresso.
A grande lição, a mais bela que extraio dos resultados alcançados pela CDU, é a do espírito militante dos comunistas e não comunistas que os tornaram possíveis, desmentindo as previsões dos media.
Acompanhei a campanha no distrito de Beja. Participei nela e festejei em Serpa, entre camaradas, repito, as vitorias dos alentejanos progressistas da Margem Esquerda do Guadiana. Elas, como a reconquista do Barreiro e da Marinha Grande, como a defesa de muitas Câmaras e Freguesias cuja defesa parecia muito difícil, não devem ser encaradas numa perspectiva eleiçoeira, matemática.
O novo discurso do PCP, transmitido com clareza por Jerónimo de Sousa e outros dirigentes nacionais e locais, contribuiu para que estas eleições reforçassem a confiança dos comunistas no seu Partido. Mas o espírito militante, a disponibilidade para a luta dos filhos e netos dos trabalhadores que há 30 anos cumpriram o papel de alavanca das transformações revolucionárias do 25 de Abril, foram nesta campanha, ao lado da firmeza da velha geração, o factor decisivo das vitorias alcançadas.
Compreender e não é fácil que essa tremenda energia e combatividade devem ser utilizadas numa luta tenaz, permanente, dura, contra o sistema capitalista em defesa da humanidade é o maior desafio que se coloca hoje aos comunistas portugueses. Porque nunca como hoje o nacional e o universal se apresentaram tão intimamente interdependentes.
Afinal, no Barreiro, como em Serpa, em Peniche como em Moura, ao derrotarmos os responsáveis pela transformação do Portugal de Abril num país imperializado e parasitário, estamos também lutando pelos povos do Iraque, da Venezuela Bolivariana, da Cuba socialista. Por quantos na Terra enfrentam com heroísmo uma engrenagem medonha que ameaça a continuidade da vida.
Serpa, 10/Outubro/2005