A inaceitável campanha contra os julgamentos de Cuba

Miguel Urbano Rodrigues

11 de abril de 2003


Fonte: http://resistir.info

Transcriçãoe HTML: Fernando Araújo.


Nos primeiros dias de Abril, quando milhões de pessoas protestavam pelo mundo afora em dezenas de cidades contra crimes monstruosos cometidos no Iraque pelas Forças Armadas dos EUA e do Reino Unido, uma estranha campanha ganhou som e volume nas grandes capitais do mundo capitalista.

Governos, meios de comunicaçao social, organizações ligadas à defesa dos direitos humanos formularam contra Cuba graves acusações, a propósito do julgamento de 75 cidadãos, apresentados como «dissidentes».

Resido em Cuba há anos e posso garantir que essa campanha está cimentada sobre uma montanha de mentiras forjadas com transparentes objectivos políticos.

O governo cubano reagiu com serenidade à manobra. Esperou que baixasse a onda de emoção levantada pelos sequestros de dois aviões e da lancha «Baraguá» — acontecimentos debatidos durante largas horas num programa de televisão especial — para responder às calúnias que o atingiam e repor a verdade sobre os julgamentos através da revelação de factos e documentos indesmentiveis.

Essa tarefa coube a Felipe Perez Roque, ministro das Relações Exteriores.

Abrindo uma conferencia de imprensa que ocupou três horas, arrancou a máscara de diplomata ao actual chefe do Escritório de Interesses dos EUA em Cuba, embaixador James Cason.

Desde a sua nomeação, esse senhor instalou na sede da missão estadunidense aquilo que Perez Roque definiu como um estado-maior empenhado em fomentar actividades contra-revolucionárias na Ilha. Numa entrevista em Dezembro de 2002 informou que tudo faria para unificar os grupos contra-revolucionários que lutam contra o regime constitucional cubano. Trataria de os ajudar a elaborar um programa de luta. E assim fez. Nessa mesma entrevista não escondeu que se reúne frequentemente com os dirigentes da Fundação Cubano Americana de Miami, que patrocinou e financiou os actos terroristas contra hotéis da Ilha.

FALSOS JORNALISTAS

Amigos cubanos manifestaram estranheza pela gritaria levantada na Europa em torno dos julgamentos. Como é possível tanta desinformação? — perguntavam. Era difícil para alguns compreender os mecanismos que tinham levado a União Europeia a somar-se a protestos contra decisões da Justiça cubana a partir de grosseiras mentiras difundidas por forças políticas sem qualquer credibilidade.

Esse espanto reflecte mais do que ingenuidade o desconhecimento que muitos cubanos tem do funcionamento das engrenagens de poder na União Europeia.

O que se passou concretamente nos tão falados julgamentos?

Na primeira semana de Abril, em diferentes Províncias de Cuba, foram julgados ao abrigo da lei vigente — similar no tocante ao Processo Penal à de uma centena de países, incluindo os EUA — 75 cidadãos acusados da pratica de crimes graves, alguns definidos como de «traição». Todos foram condenados. As penas oscilaram entre 6 e 28 anos de «privação de liberdade». Contrariamente ao que algumas agencias noticiosas afirmaram, não foi aplicada a pena máxima a nenhum dos réus, sequer a de prisão perpétua.

Todos os acusados tiveram direito a constituir advogado; os que não exerceram esse direito foram defendidos por advogados oficiosos, nomeados pelo Estado. Nenhum cumpriu o período de prisão preventiva em celas de «segredo». Nenhum foi submetido a tratamento humilhante ao contrário do que aconteceu com os cinco patriotas cubanos presos em cárceres dos EUA e ali condenados em farsas judiciais.

Os julgamentos foram todos públicos. Aproximadamente 3000 pessoas, incluindo os familiares, acompanharam as audiências.

Segundo artigos publicados na Europa e nos EUA, 37 dos réus eram jornalistas. Mais uma inverdade. Somente quatro deles exerceram por algum tempo o jornalismo ou realizaram estudos de comunicaçao social.

Nenhum tinha alcançado prestígio profissional mínimo. Apesar disso não faltaram abaixo-assinados de solidariedade aos representantes da «intelectualidade cubana, julgados e condenados à porta fechada».

Perez Roque exibiu perante a televisão documentos comprovativos do envolvimento dos «dissidentes» em actividades contra-revolucionárias. Em Cuba não se comparece perante a Justiça por delitos de opinião. Não existe na Ilha essa "figura jurídica".

Alguns dos réus dispunham de cartões de livre transito que lhes permitiam entrar a qualquer hora na sede da missão diplomática dos EUA. Um deles, quando foi detido, tinha no bolso 13 600 dólares; não soube explicar como os obtivera. Outro escondia num frasco 5 000 dólares.

Como adquiriram esse dinheiro?

A maioria não exerceu nos últimos anos qualquer actividade remunerada.

CUBA AMEAÇADA

Perez Roque deixou muito claro que cabe ao governos dos EUA a responsabilidade pela criação de grupos contra-revolucionários como aqueles cujos membros se apresentam agora mascarados de intelectuais perseguidos por defenderem as liberdades.

Somente em postos-chave da Administração há no momento duas dezenas de cubanos da mafia de Miami. O conselheiro especial para assuntos da América Latina do Presidente é Otto Reich, um homem da CIA, nascido em Havana.

Quatro décadas de bloqueio, de agressões e sabotagens terroristas e 600 tentativas, fracassadas, de atentados para assassinar Fidel Castro, bem como o estímulo permanente à emigração ilegal, comprovam a permanência de uma obsessão patológica. Sucessivos governos dos EUA têm tentado sem êxito, recorrendo aos métodos mais sujos, derrubar o poder revolucionário, destruir a Revoluçao Cubana.

O povo cubano tem consciência dessa realidade, sabe extrair as lições implícitas na escalada neofascista em curso, na teoria das guerras preventivas.

Os julgamentos de gente contra-revolucionária, acarinhada e financiada pelo embaixador Cason, coincidiram com a exibição da barbárie estadunidense no Iraque.

É chocante, indecoros esta campanha anti-cubana quando centenas de cadáveres de civis iraquianos destroçados pela metralha dos EUA se acumulam ainda nas ruas de Bagdad, quando jornalistas, esses sim autênticos, foram deliberadamente alvejados e mortos pelos canhões inteligentes dos tanques da US Army, quando prisioneiros afegãos continuam a ser tratados como animais nos cárceres da Base de Guantanamo, quando há mais de 2000 presos em cárceres norte-americanos dos quais não se sabe sequer o nome. É uma atitude não ética, de cumplicidade com o neofascismo da Administração Bush, encontrar pretextos para atacar a Cuba revolucionaria, levando solidariedade a mercenários que desejariam ver a pátria de Marti recolonizada.

Perez Roque enunciou uma evidencia ao afirmar:

«O Governo e o povo de Cuba compreendem muito claramente que travam, ainda hoje, uma dura batalha pelo seu direito à livre determinação, pelo seu direito à independencia».


Inclusão: 01/08/2021