A praxis da "empatia filosófica" entre Uribe e Bush

Miguel Urbano Rodrigues

9 de dezembro de 2002


Fonte: http://resistir.info

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Em visita de inspecção imperial a Bogotá, o general Colin Powell revelou que o presidente George W. Bush tem aludido à existência de uma «empatia filosófica» entre ele e Uribe Vélez, o seu colega colombiano.

Não foi feliz o secretário de Estado dos EUA. Percebe-se o sentimento do senhor da Casa Branca. Mas é improbabilissimo que Bush esteja sequer em condições de explicar o que significa para ele a palavra filosofia.

Na realidade aquilo que em Uribe fascina o presidente norte-americano é o seu pendor fascista. A empatia brota do pressentimento de que o colega é uma alma gémea.

Colin Powell foi, como se esperava, festivamente recebido pelo mundo oficial colombiano. Mas não ha indícios de que a inspecção o tenha tranquilizado.

O discurso presidencial da guerra total contra a insurreição que, na pratica da vida, implica uma guerra contra o povo da Colombia, não está a atingir os objectivos mínimos. O balanço dos últimos combates entre as FARC-EP e o Exercito é prova disso, evidenciando um aumento da capacidade combativa da guerrilha no âmbito de uma estratégia em que a mobilidade e o factor surpresa desconcertam o alto comando das Forças Armadas.

Não lhe sendo possível apresentar êxitos militares, o Governo optou por uma operação política de grande envergadura, patrocinada por Washington.

Na aparência tudo começou com o anuncio de uma trégua unilateral declarada pelos grupos paramilitares. As Auto Defesas Unidas da Colombia — AUC (nome oficial dos paramilitares) tornaram publico o seu desejo de «reintegração» na sociedade civil.

As regras do jogo haviam sido estabelecidas previamente. O governo reagiu com satisfação. Logo se dispôs a receber de braços abertos esses filhos transviados, dispostos a depor as armas.

A farsa teve antecedentes. O primeiro acto abriu ha meses com a oferta de Carlos Castaño — o fundador e chefe das AUC — de se entregar à Justiça dos EUA para responder ali às acusações de narcotraficante. Esse gesto foi acompanhado, porem, de uma condiçao. Somente se entregaria se Washington exigisse a extradição dos principais comandantes das FARC.

Bush — como se sabe — logo deu instruções ao Procurador de Justiça, Ashrof, para que este sem perda de tempo, reclamasse de Bogotá a extradição dos comandantes Marulanda, Raul Reyes, Jorge Briceño e outros cujas cabeças já haviam sido postas a prémio.

A palhaçada não produziu o impacto esperado.

Castaño achou preferível permanecer no pais e negociar então com o Governo a chamada reintegração dos seus bandos.

O significado da farsa é. entretanto, importante.

Porquê?

Porque a garantia da impunidade a milhares de homens responsáveis por uma longa cadeia de crimes equivale a uma confissão publica da evidencia que sucessivos governos negaram. A «reintegração» força Uribe a reconhecer o obvio, ou seja que o paramilitarismo nasceu como parte da política de Estado que o criou nos quartéis como braço do Exercito para desempenhar as tarefas mais sujas, em que este não queria envolver-se para preservar a imagem.

Monstruosos crimes, comprovados pelas Nações Unidas, foram cometidos nas últimas décadas pelos bandos de Castaño e Salvatore Mancuso e as suas proezas sanguinárias, estimuladas pelo Alto Comando das Forças Armadas, eram justificadas por senadores e deputados liberais e conservadores.

Que significa a reintegração?

Essa escoria humana será, na sua quase totalidade, integrada nas policias, nas milícias de 'soldados camponeses' e na organização dos «sapos» (o corpo de um milhão de bufos criado por Uribe Vélez).
Agora, as comadres vão entender-se uma vez mais. Tudo acabará em abraços, com Castaño saudado como herói em festas publicas e privadas.

O ROSTO DA INTERVENÇÃO

A presença militar dos EUA é cada vez mais ostensiva. O número de assessores estadunidenses no Exército e na Força Aérea atinge já, segundo informações oficiosas, mais de um milhar. Mas algumas centenas de oficiais que desempenham funções de conselheiros especiais, não se apresentam uniformizados, o que dificulta a avaliação do numero de militares norte-americanos. As FARC têm, aliás, denunciado repetidamente a participação de pilotos militares dos EUA em ataques realizados pela Força Aérea Colombiana.

Colin Powell foi categórico: a ajuda militar, no âmbito do Plano Colombia, será ampliada. A financeira também. O governo Bush pretende intensificar a luta contra as FARC e o ELN. Com esse objectivo Uribe receberá mais dinheiro e mais armas. No Pentágono acredita-se que a insurreição armada pode ser esmagada. E não está claro quais serão os limites da intervenção norte-americana.

Os factos desmentem esse optimismo.

As FARC-EP infligiram recentemente pesadas perdas ao Exército num confronto no Casanare e os paramilitares, em vésperas da proclamada trégua, sofreram um duro castigo em Esmeraldas.

Incapaz de derrotar as guerrilhas, o governo desencadeia nas grandes cidades uma repressão brutal contra os moradores de bairros acusados de simpatia pelas FARC. Mas também aí as coisas não lhe saem bem. A tenaz resistência da Comuna 13 em Medellin ficará a recordar que nas megalopolis colombianas sectores cada vez mais amplos da população recusam submeter-se à política de terrorismo de Estado de Uribe.

O assalto à Universidade Nacional da Colombia, em Bogotá, foi outra operação de terror policial inserida na escalada repressiva. A fascizaçao do regime torna-se transparente.

Mas o povo resiste. A gigantesca mobilizaçao dos camponeses no final de Setembro para protestar contra a politica do governo evidenciou a profundidade do descontentamento das massas rurais.

DESTRUIÇÃO DO AMBIENTE NA AMAZÓNIA

Na Amazónia colombiana, sobretudo no Departamento do Putumayo, a agressão contra o ambiente assume proporções alarmantes.

Cedendo às pressões de Washington, o governo de Uribe ampliou as fumigações com glifofosfato (também chamado glifosato), um herbicida cujo uso esta proibido nos EUA. Nos últimos meses foram envenenados mais 43 mil hectares de terras férteis e as águas de numerosos rios da bacia amazónica.

Essa tragédia ecológica é executada por uma frota de 17 avionetas colombianas sob a supervisão de dezenas de helicópteros militares norte-americanos.

Poderia concluir-se que a produção de cocaína e heroina diminuiu no país. Mas seria uma conclusão falsa. A engrenagem mafiosa não tem sido golpeada. O narcotráfico atravessa na Colômbia uma fase de auge.

A PERSEGUIÇÃO ÀS FARC

A inclusão das FARC-EP na lista das organizações terroristas elaborada pelo governo dos EUA criou grandes dificuldades ao trabalho político que a organização revolucionaria vinha desenvolvendo fora do pais. As delegações que mantinha em algumas capitais da Europa e da América Latina foram fechadas e os representantes da guerrilha expulsos. Actualmente são caçados pela Interpol como terroristas.

A solidariedade com a luta dos companheiros de Manuel Marulanda essa, longe de ser afectada pelas perseguições de que são alvo, cresce e manifesta-se calorosamente em conferencias e encontros internacionais, como ocorreu no Fórum Social de Florença, na Conferencia de Paris comemorativa do 85 aniversario da Revoluçao de Outubro de 17, no Encontro Anti-Alca de Havana, no Congresso da Organização Continental dos Estudantes da América Latina em Guadalajara, etc.

Essa solidariedade fraterna brota da consciência de que o combate das FARC-EP não deve ser dissociado da luta que as forças progressistas travam contra a globalização capitalista, contra o projecto de nova ordem mundial que o novo imperialismo planetário estadunidense tenta impor à humanidade.


Inclusão: 01/08/2021