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Fonte: http://resistir.info
Transcriçãoe HTML: Fernando Araújo.
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia FARC-EP demonstram com o seu combate que em determinadas condições históricas, sociais, económicas e num cenário geográfico adequado um movimento revolucionário pode resistir pelas armas a todos os esforços realizados para o destruir. A legendária guerrilha nascida em Marquetalia há quase quatro décadas não somente sobreviveu a todas as ofensivas contra ela lançadas por sucessivos governos como se transformou num autentico exercito do povo que hoje actua em mais de 60 frentes, praticamente em todo o pais.
A Casa Branca e o Pentágono identificam nessa realidade uma ameaça ao funcionamento da estratégia de dominação universal sobre a Terra que o sistema de poder dos EUA vem desenvolvendo. A invencibilidade das FARC-EP afecta a imagem de poder omnipotente do imperialismo como aliado e protector da oligarquia colombiana.
Daí uma campanha de calunias permanente e de dimensão mundial que visa a desacreditar as FARC. O bombardeio desinformativo vulgarizou por todo o planeta o rotulo de «guerrilha do narcotráfico» para designá-las, acusando os companheiros de Manuel Marulanda de criminosos e bandidos ligados ao submundo da droga.
Entretanto, a paz que durante mais de dois anos mudou a vida das populações dos cinco municípios da Zona Desmilitarizada, transformada pelas FARC numa área de tranquilidade social, contribuiu para a desmontagem da calunia, tirando-lhe credibilidade.
De dezenas de países afluíram a San Vicente del Caguan escritores, jornalistas, deputados, juristas, diplomatas, sacerdotes que tiveram a oportunidade em Los Pozos e nos acampamentos de conviver com os combatentes das FARC e os seus dirigentes. Esses visitantes puderam tirar conclusões. Fui um entre muitos.
Enquanto essa precária paz durou numa região maior do que a Bélgica, representantes das Nações Unidas e de outras organizações internacionais, em conversações mantidas com Manuel Marulanda e membros do Estado Maior Central das FARCEP, identificaram neles interlocutores merecedores do seu respeito. Documentários que correram pelo mundo mostraram o próprio presidente Andares Pastraña em dialogo cortês com Marulanda, interessado em conhecer a sua opinião sobre os grandes problemas do pais.
De repente o quadro mudou.
Quando o Governo, que desde o inicio sabotara o andamento da Agenda Comum por ele aprovada, invadiu a Zona Desmilitarizada, um novo discurso político foi o complemento das bombas que caiam do céu, no Caquetá e no Meta, matando não guerrilheiros, mas velhos, mulheres e crianças.
Agora, Pastraña, em vésperas de passar a Presidência a Uribe Velez (7 de Agosto), injuria Marulanda, volta a chamar-lhe traficante e bandoleiro e oferece dois milhões de dólares pela sua cabeça e outro tanto pelas dos demais membros do secretariado das FARC. Washington aprova. E metade dessa quantia é prometida como recompensa a quem matar ou entregar um comandante de Frente ou de Bloco das FARC. É a moral dessa gente...
Não se trata de um guião para fita de Hollywood. O discurso dos governantes colombianos é transmitido para os quatro cantos do mundo, acompanhado dos louvores recebidos de colaboradores íntimos do presidente Bush. No momento em que escrevo, o subsecretário Otto Reich, responsável pelos Assuntos Latino-americanos, anda em viagem por países do Hemisfério em defesa do Plano Colômbia, esforçando-se por ressuscitar o projecto norte-americano de uma Força de Intervenção multinacional cuja tarefa seria dar uma ajuda ao Exercito colombiano.
Segundo Reich, grande e comovedor seria o serviço prestado à democracia e à liberdade se tropas do Brasil, do Peru, do Equador, da Argentina e de outros países do sul do Continente entrassem em som de guerra na Colômbia para combater as FARC e destruir essa guerrilha demoníaca. Mas para desgosto de Bush, a missão do seu representante morreu no berço. No Brasil os generais não querem nem ouvir a conversa; no Peru, na Argentina e no Equador, a prioridade dos presidentes, desprestigiados pelas políticas neoliberais impostas por Washington, é a sua própria sobrevivência política.
Foi neste contexto nevoento que os tambores de uma nova campanha anti-FARC, de âmbito mundial, começaram a ressoar. Contra o habitual, não se fala agora de droga.
O ataque vem de personalidades colombianas que pretendem representar o mundo da cultura. Vinte e dois intelectuais, quase todos professores universitários, resolveram dirigir-se à opinião publica. Nesse documento que teve ampla difusão internacional, sugerem que a intelligentsia se associe à condenação da atitude assumida pelas FARC ao exigirem a renuncia dos alcaides recentemente eleitos.
O texto do apelo tem algo de folhetinesco pelo estilo e conteúdo. Não é sério. Os signatários declaram que «a Colômbia contempla atónita como as FARC, em irresponsável alarde de prepotência tem vindo a declarar objectivos militares alcaides democraticamente eleitos. Nenhuma razão jurídica, política, ética ou militar justifica afirmam a estigmatização, a chantagem e a ameaça aos lideres popularmente eleitos».
Longe da Colômbia o documento lembra uma charada. Porque, sem esclarecerem aquilo que está em causa, os autores da chamada «Carta dos intelectuais» não somente acusam as FARC de «pretender substituir a democracia, com o pretexto das suas imperfeições» como colocam a guerrilha de Marulanda no nível do «fundamentalismo de extrema direita, personificado na guerra total dos paramilitares».
Obviamente, não é possível substituir aquilo que não existe. Na Colômbia a democracia é uma mera fachada institucional. Um Estado cujo Exército criou os grupos paramilitares que promovem as chacinas de aldeias inteiras é incompatível com qualquer forma de democracia. É útil recordar que o general Bedoya, que foi candidato á Presidência da Republica, não hesita em elogiar publicamente o chefe dos paramilitares, Carlos Castaño, um tarado que se vangloria de decepar com uma serra eléctrica os membros dos seus prisioneiros antes de os jogar aos crocodilos do Madalena.
Qual o motivo, afinal, da ultima e ruidosa campanha desencadeada contra as FARC, num momento difícil, quando Bush as define como «organização terrorista», a cabeça dos seus dirigentes é posta a prémio, as sedes que mantinha em diferentes países são fechadas a pedido de Washington, e os agentes da Interpol perseguem os seus representantes na Europa e na América Latina?
O secretariado do Estado Maior Central das FARC-EP não perdeu tempo a responder ao arrazoado da «Carta dos intelectuais». Decidiu que era mais útil sintetizar num documento dirigido ao povo da Colômbia os motivos pelos quais exigira a renuncia aos seus mandatos de todos os alcaides e vereadores eleitos. Publicado pelos grandes jornais do país, esse comunicado abre com um resumo da historia das FARC como organização político-militar que se propõe a destruir a oligarquia liberal-conservadora e conquistar o poder político para o povo por ela oprimido. «Tudo começou recorda o Secretariado quando o Estado colombiano com 16 mil homens desencadeou em 1964 a maior operação militar de extermínio contra 46 homens e mulheres», ou seja, o núcleo guerrilheiro de Marquetalia. Que, afinal, numa saga épica, furou o cerco.
O comunicado evoca a assinatura dos Acordos de La Uribe e o cessar fogo de 84 que geraram em todo o pais uma grande esperança. Foi nessa atmosfera que se formou no pais uma nova força política, a União Patriótica, movimento político pluralista, criado para ser uma alternativa democrática e progressista aos partidos da oligarquia.
A resposta do Estado colombiano é conhecida. Em poucos anos mais de 4500 dirigentes da União Patriótica foram assassinados numa orgia de crimes que configurou o maior genocídio político da historia latino-americana.
As FARC-EP recordam também o esforço por elas desenvolvido durante a Presidência de Pastraña para que a criação da Zona Desmilitarizada contribuísse para o avanço do processo de paz. Tal não aconteceu e a guerrilha de Marulanda atribui ao governo a responsabilidade do fracasso ao determinar unilateralmente a ruptura definitiva das conversações e a invasão (antes do prazo estabelecido ) da área.
O presidente eleito, Uribe Velez, não esconde a sua intenção de aplicar integralmente a componente militar do Plano Colômbia. Já pediu a Washington mais dinheiro para a guerra. Os generais, em Bogotá, afiam espadas e, esquecendo as lições do Vietname e da Argélia, declaram que o Exercito e a Força Aérea estão preparados para destruir as FARC.
Acossadas, bombardeadas, caluniadas, indómitas, as FARC tomaram uma decisão difícil, mas coerente com a sua linha ideológica. Às medidas contra elas dirigidas, que configuram uma fascistização progressiva do aparelho político-militar do Estado, responderam com a exigência da renuncia dos autarcas.
Não aceitam a argumentação da direita. A democracia na Colômbia é ficcional, uma mera fachada. As ultimas eleições locais foram, a todos os níveis, uma gigantesca farsa. Segundo as FARC «foram vergonhosamente fraudulentas e viciadas pela corrupção e a violência; nelas os grandes meios de comunicação, como sempre, manipularam os eleitores. Tudo isso torna ilegítimos os seus resultados». Em Maio repetiu-se a farsa nas Legislativas. Que democraticidade pode existir numas eleições que levaram a Câmara de Deputados uma chusma de conhecidos paramilitares?
A gritaria que a inédita iniciativa das FARC levantou não responde a uma questão essencial. O Governo e as Forças Armadas deixam transparecer um grande embaraço e caem em contradições quando se lhes pede uma explicação para as renuncias em massa de autarcas nas últimas semanas.
Se as FARC se apresentam tão vulneráveis como afirma a propaganda oficial, se o Exercito declara controlar a situação em todo pais como explicar o êxito, no plano dos resultados concretos, da exigência formulada pelo movimento guerrilheiro?
Segundo os últimos levantamentos, 225 alcaides e milhares de vereadores apresentaram pedidos de renuncia aos cargos para que haviam sido eleitos nos 465 municípios dos 24 Departamentos depois de receberem o ultimato das FARC. Claro que a distribuição é desigual, sendo as renúncias muito mais numerosas em Departamentos de forte implantação das FARC, como Meta, Caquetá, Antioquia, Boyacá, os dois Santander, Huila, Arauco, Putumayo, Chocó.
A impotência do Estado colombiano perante uma situação não imaginada torna-se mais transparente porque o balanço das operações militares iniciadas com a reocupação da Zona Desmilitarizada é muito negativo. O Exercito não conseguiu nestes meses obter uma só vitoria significativa contra a guerrilha e acumulou desaires.
O desespero que alastra entre os sectores mais radicais da oligarquia encontra a sua expressão em apelos cada vez mais frequentes a uma revisão da Constituição de 91. Não falta quem sugira uma emenda que reintroduza na Lei Magna a velha figura do estado de sitio, que deu cobertura institucional a matanças inesquecíveis.
Essas vozes deixam, afinal, transparecer um grande medo, nascido da certeza de que Uribe Velez, apesar dos milhões do Plano Colômbia, apesar da intervenção indirecta dos EUA no conflito, vai fracassar, como os seus antecessores na sua luta contra as FARC-EP.
Todas as campanhas caluniosas desencadeadas contra o movimento de libertação liderado por Manuel Marulanda não apagam a realidade.
A Colômbia, no desenvolvimento da historia, em consequência de factores e situações pouco previsíveis há poucos anos, emerge hoje como polo de lutas que não são somente do seu povo envolvem o combate mais amplo e decisivo que centenas de milhões de homens e mulheres travam contra a ameaça à civilização e à cultura configurada pela estratégia de dominação imperial dos EUA.
Nas montanhas e nas selvas da Colômbia, a resistência das FARC-EP transcende o quadro nacional e latino-americano. Os companheiros de Manuel Marulanda combatem por toda a humanidade, o que os torna merecedores de uma solidariedade ampliada.