A inspiradora de Luiz Carlos Prestes

Figueiredo Pimentel


XI. O general da revolução


capa

Depois da retirada dos revolucionários da capital paulista a cidade entrou em nova fase de vida. Durante quase um mês as forças revolucionadas sob a chefia do General Isidoro Dias Lopes resistiam heroicamente.

Apesar dos revolucionários estarem ainda em ótimas condições, os chefes do belo movimento resolveram abandonar a capital paulista por questão de sentimentos de humanidade.

A cidade muito sofria com o bombardeio iniciado pelas forças legalistas e estava em vias de ser arrasada.

O facho da revolução de 1924 continuava, porém, aceso no território brasileiro.

A resistência desses revolucionários surgidos naquele mês frio de Julho de 1924 revelou um punhado de heróis que ficarão imortais na história da Revolução do Brasil.

Poucos meses depois de iniciado o movimento paulista surgiu um nome que assombrava o Brasil inteiro com a sua audácia inacreditável. Era o general de 28 anos de idade — Luiz Carlos Prestes. O seu valor militar impunha grande respeito ao próprio inimigo.

O general Prestes com os seus fieis companheiros de ideal e de armas desafiava o Exército inimigo.

Era o general da revolução.

Taciana acompanhava, ansiosa, todas as fases desse movimento. A entrada de Prestes na revolução fê-la sofrer muito. Vivia sobressaltada, em constantes crises de nervos.

A conselho médico foi passar alguns dias em Icaraí. Necessitava de tomar banhos de mar e de sol. Venâncio quis que fossem para Copacabana, mas a esposa preferiu a linda e poética praia de Icaraí. Ali o mar é calmo, o ambiente mais romântico. O mar de Copacabana é como a vida real: agitada e má. É a ambição. O mar de Icaraí é manso. É o sonho.

Taciana tinha o seu pensamento muito longe. As ondas se espraiavam e apagavam o nome escrito na areia. Mas Taciana escrevia novamente — Luiz — e as águas novamente apagavam o que ela escrevera

Que espetáculo maravilhoso! A areia muito alva, brilhava ao sol como diamante triturado.

Taciana invejava a vida marítima. Se fosse homem seria marinheiro ou pescador. Como seria delicioso conhecer os perigos das ondas; sentir as emoções de uma tempestade em alto-mar; estar longe da terra, do mundo, de tudo!

E lembrava-se das aventuras dos antigos piratas, dos livros que lera quando criança. As sereias que cantavam acompanhando os navios até que lhe atirassem pentes, sabonetes, perfumes... Se não lhe dessem um pente, ao menos, para pentear seus cabelos verdes, ela cantava uma canção tão triste que o navio afundava...

Os gritos de uma menina que estava se afogando despertaram Taciana do seu sonho acordado.

Agrupavam-se os banhistas enquanto outros se atiravam n’água para salvar a criança. Trazida para a praia a menina começou a chorar. Fora um susto apenas.

Taciana entrou no mar. Todos admiravam aquela mulher bonita que passava silenciosa como uma sombra.

★ ★ ★

Venâncio concordou em ficarem morando em Icaraí. Tudo fazia para agradar a esposa. Ela queria olhar sempre para o mar que com as crianças era a sua paixão na linda praia. Quase sempre saía à noite com as suas amiguinhas, crianças dos vizinhos que a procuravam para receberem os presentes. Brinquedos; frutas; doces.

Muitas vezes Taciana não aparecia e ficava trancada em seu quarto, atacada de profunda neurastenia, presa de forte nervosismo, diante de um mapa do Brasil acompanhando a marcha da Coluna Prestes.

O tempo passava. Sucediam-se os meses. Taciana enervada como uma prisioneira que espera o julgamento para a sua liberdade, ansiava pela chegada do outro dia.

Venâncio inventava passeios para poder estar junto de sua esposa, mas Taciana preferia estar sempre só. Ficava horas a fio diante de uma paisagem da natureza. Mas naquela manhã radiosa, de sol causticante, parecia uma criança ao lado de Venâncio, dirigindo o pequeno barco-motor, que voava a flor das águas mansas. Na disparada louca ela sentia a volúpia da velocidade. Quando chegaram a Jurujuba, Taciana estava radiante. Dir-se-ia embriagada daquela beleza selvagem. Corria na areia com indizível contentamento. O lindo recanto de Jurujuba estava completamente deserto. Venâncio, aproveitando-se daquele raro estado de espírito da mulher beijava-a loucamente. O casal se abraçava como dois amantes que se escondessem naquele lugar ermo, longe dos olhos indiscretos.

Venâncio não se cansava de admirar o corpo de sua mulher, cujo “mailot” muito colado, fazia transparecer suas formas esculturais.

A lembrança do banho, a imagem daquele corpo nu que vira pela primeira vez no Rio Grande do Sul, não lhe saía da mente. Agarrava a mulher para lhe beijar a nuca, os braços. Taciana se desvencilhava e corria pela praia. Venâncio conseguia agarrá-la outra vez e desprender as alças dos ombros para beijar-lhe os seios que surgiam como duas fontes maravilhosas à boca de um homem cuja febre o matava de sede...

Taciana estava possuída de uma sensação estranha. A volúpia tomava conta de seu ser. Sentia os braços fortes rodearem seu corpo; as mãos febris que tremiam ao contato da carne em brasa. Aproveitando-se do estado de volúpia da mulher, o pintor beijava-a, correndo a língua pela carne cetinosa... Taciana tinha a impressão de estar sendo invadida por uma avidez sensual, dominadora, que lhe perturbava os sentidos... Seus braços caíram, vencidos. Entregou-se, inevitavelmente. A volúpia... O “frisson” enervante. A cócega era um suplício para Taciana, que sentia uma sensação estranha na sua carne abrasadora...

E os dois ficaram algum tempo presos à mesma corrente que os eletrizava...

Repentinamente, possuída por um choque impulsivo de consciência, Taciana desvencilhou-se do corpo de Venâncio, vestiu apressadamente o “mailot” e saiu correndo, sentindo as pernas trôpegas e a cabeça escaldante.


Inclusão: 30/03/2024