Noite. Luar dolente. No velho casarão da fazenda o silêncio era profundo. Rodeava a casa uma quietude sepulcral.
Sentada numa poltrona de couro, sob o grande abat-jour vermelho do seu quarto de dormir, Taciana contava as horas que passavam. Seus dedos longos enfiavam-se pelos cabelos revoltos e cruzavam-se sustentando a cabeça de ouro que balouçava como um pêndulo de bronze.
Só, naquele quarto amplo e elegante, a moça pensando na vida, sentia que sua mocidade se evaporava como o perfume das rosas.
Tinha ânsia de liberdade. Sentia necessidade de alguém para seu carinho; de uma pessoa que lhe dissesse palavras de consolo, que lhe fizesse rir, chorar, sentir, vibrar, viver, enfim.
Taciana ouvia somente o ofegar de seu peito, o palpitar de seu coração, o tique-taque do relógio.
O casarão da fazenda com seus grandes salões desertos e o seu aspeto soturno e monástico das antigas construções coloniais, era tristíssimo à noite. Sentia-se ali a atmosfera glacial do claustro e o bafio religioso de um convento.
As poucas pessoas de casa dormiam. Seus avós e cinco criados. Taciana vivia isolada do mundo.
De que serviam sua mocidade e sua beleza? A vida era sempre a mesma. A azafama da fazenda pela manhã, os passeios a cavalo, as corridas de automóvel pelo deserto das estradas. Ninguém para trocar ideias. Solidão. Abandono.
Na sua meninice, aquela fazenda fora um encanto. Sua mãe e seu irmão lhe davam vida. Ela acordava muito cedo para beber o leite quente tirado no momento dos peitos das vacas. Era ela quem às vezes dava milho às galinhas e quem abria a porteira para as pastagens. Que belos animais! Que lindos cavalos! Reminiscencia. Saudade.
Um grande suspiro veio desabafar a angústia de Taciana. Ela despertou da longa viagem de seu pensamento. Levantou-se para ver as horas. Três e vinte. Noite interminável. Insônia horrível. Não tardava a nascer o dia. Ia recomeçar a vida. A fazenda em reboliço. A pastagem. O trabalho. A mesma coisa de sempre.
Taciana percorreu os olhos cansados pelo quarto. Tudo bem disposto, bonito, com arte. Começou a andar vagarosamente sobre os tapetes, que abafavam os seus passos. Muitas almofadas de seda pelo chão. Si ao menos pudesse ler! Passou á sala da biblioteca. Estantes novas. Muitos livros pelas mesas. Apanhou um: “Axël” de Villiers de L’Isle-Adam, um dos seus autores preferidos. Folheou esse livro já tantas vezes relido. As ultimas paginas são o maior poema de amor que já lera. A mais perfeita compreensão do verdadeiro amor.
Não conseguiu ler. Começou a pensar nos dois amantes desse maravilhoso livro. Deitou-se no grande divã.
“Axël” é um livro esplêndido. Taciana reviveu as personagens da cena final do grande drama.
Sara oferecendo a vida, o amor, a glória, tudo, a seu amado, um jovem que lhe despertara naquele instante a energia da vida. Axël encontrara, minutos antes, como se despertasse de um longo sonho, a mulher ideal para os seus amores. Estavam ali num subterrâneo entre um tesouro fabuloso, na Floresta Negra da Alemanha. Esperava, talvez, que ela viesse como de um sonho. E ela veio. Para que lhe serviam a riqueza, a gloria, a vida, o mundo.? Pois não chegara a hora da maior felicidade?
Depois da noite de um grande amor não há mais vida para se viver….
Para que o ouro, o mar, o sol, a vida, enfim, se ele já atingira tudo naquele beijo? E os dois resolvem morrer tomando o veneno que Axël trazia no velho anel herdado dos seus antepassados.
Os galos começavam a cantar. Ouvia-se, lá fora, o ruido da vida. Taciana adormecia. O sol despontava atrás da serra. Dia. Trabalho. Luta.