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No momento em que na difícil luta contra o Capital, durante a qual crescem e se desenvolvem os conselhos operários, a classe operária atinge a vitória, inicia a sua tarefa: a organização da produção.
Naturalmente que temos consciência de que a vitória não será um acontecimento único que encerra a luta e inaugura o período seguinte de reconstrução. Sabemos que a luta social e a construção económica não irão estar separadas, mas antes associadas como uma serie de sucessos na luta e na preparação da nova organização, interrompidas talvez por períodos de estagnação ou de reacção social. Os conselhos operários que se desenvolverão como órgãos de combate, serão ao mesmo tempo órgãos de reconstrução. No entanto, para uma maior clareza, distinguiremos estas duas tarefas como se de coisas separadas se tratasse, sobrevindo uma a seguir à outra. A fim de apreendermos a verdadeira natureza da transformação da sociedade, teremos que a encarar de forma esquemática, como um processo uniforme contínuo iniciado "no dia seguinte ao da vitória".
Assim que os trabalhadores se tornam senhores das fábricas e da sociedade, começam a pôr as máquinas em funcionamento. Eles sabem que se trata duma tarefa urgente; a primeira das necessidades é sobreviver, e a própria vida deles - a vida da sociedade - depende do seu trabalho. Originada no caos do capitalismo em ruína, a primeira ordem operária tem que ser criada através dos conselhos. Inúmeras dificuldades se porão; resistências de toda a ordem terão que ser ultrapassadas, nascidas da hostilidade, da incompreensão, da ignorância. Mas novas forças insuspeitadas acabarão por surgir: as do entusiasmo, do devotamento, da clarividência. A hostilidade terá de ser derrotada por meio duma acção resoluta. A incompreensão terá que ser dissipada por uma persuasão paciente, a ignorância, ultrapassada por uma propaganda e um trabalho de ensino constantes. Através de relações cada vez mais estreitas entre as oficinas, por inclusão de sectores de produção cada vez mais vastos, através de estimativas e de contas cada vez mais precisas na planificação, o processo de produção irá sendo dia a dia melhor controlado. É assim, passo a passo, que a economia social se irá transformando numa organização conscientemente controlada, capaz de assegurar a todos o necessário a vida.
O papel dos conselhos operários não se reduz à realização deste programa. Pelo contrário, isso não passa duma introdução ao seu trabalho real, mais importante e mais vasto. É então que se inicia um período de desenvolvimento rápido. Assim que os operários se sintam senhores do seu trabalho, livres para revelarem as suas capacidades, manifestarão a vontade decidida de acabar com toda a miséria e indignidade, de pôr fim às insuficiências e aos abusos, de destruir toda a pobreza e a barbárie que, herdadas do capitalismo, humilham a Terra. Haverá que recuperar dum enorme atraso; aquilo que as massas obtinham era muito pouco relativamente ao que poderiam e deveriam ter conseguido nas condições existentes. Quando elas tiverem possibilidade de satisfazer as suas necessidades, estas elevar-se-ão a um nível superior; o nível de cultura dum povo avalia-se pela extensão e quantidade das suas exigências perante a vida. Utilizando simplesmente os meios e métodos de trabalho existentes, a quantidade e qualidade das habitações, da alimentação, do vestuário, postos à disposição de todos, podem ser elevados a um nível que corresponda à produtividade existente do trabalho. Toda a força produtiva que, na sociedade precedente, era desperdiçada ou utilizada para o luxo dos dirigentes, poderá então servir para satisfazer as necessidades aumentadas das massas. Deste modo, e será a primeira inovação desta sociedade, assistiremos ao aparecimento duma prosperidade geral.
Contudo, os trabalhadores terão igualmente, desde o inicio, que dirigir a sua atenção para o atraso dos métodos de produção. Não aceitarão verem-se esmagados pela fadiga por utilizarem ferramentas primitivas e métodos de trabalho ultrapassados. Se se melhorarem os métodos e as máquinas pela aplicação sistemática de todas as invenções e descobertas conhecidas no campo da técnica e da ciência, a produtividade do trabalho poderá ser consideravelmente aumentada. Estas técnicas mais aperfeiçoadas tornar-se-ão acessíveis a toda a gente; integrando no trabalho produtivo todos aqueles que até ai não faziam mais do que desperdiçar as suas forcas no lamaçal do pequeno comercio, ou como empregados domésticos em casa dos ricos, porque o capitalismo não tinha emprego para eles, poder-se-á determinar o número de horas de trabalho necessárias para cada um. Será pois um período de intensa actividade criadora. Esta provirá da iniciativa dos produtores competentes no seio das empresas; mas só se tornará efectiva através duma deliberação constante, da colaboração, da inspiração mutua e da emulação. Deste modo, os órgãos de colaboração - os conselhos - estarão constantemente em acção. Nesta construção e organização novas dum aparelho de produção sempre melhor, os conselhos operários, fibras nervosas da sociedade, terão a possibilidade de desenvolver plenamente os seus recursos. Enquanto que a abundância, a prosperidade universal, representam o lado passivo da nova vida, o seu lado active - a renovação do próprio trabalho - faz da vida uma mais perfeita experiência criadora.
O aspecto da vida social modifica-se totalmente. Também a aparência mais exterior sofre modificação: o meio que nos cerca e os objectos testemunham pela sua harmonia e beleza do carácter nobre do trabalho que os moldou. Aquilo que afirmava William Morris acerca das profissões do passado, com as suas ferramentas simples - que a beleza dos produtos provinha do facto do trabalho ser uma alegria para o homem - esta a razão porque desapareceu com a fealdade do capitalismo - voltará a verificar-se, mas tratar-se-á então dum maior grau de controle das técnicas mais aperfeiçoadas. William Morris amava a ferramenta do artesão e detestava a máquina do capitalista. Para o trabalhador livre do futuro, o manejo duma máquina perfeitamente construída provocará uma tensão profunda, constituirá uma fonte de exaltação mental, de alegria para o espirito, de beleza intelectual.
A técnica transforma o homem em livre senhor da sua vida e do seu destino. A técnica, que atingiu o seu estado de desenvolvimento actual através dum doloroso processo de crescimento durante milhares de anos de trabalho e de luta, suprimirá a fome e a pobreza, o trabalho pesado e toda a espécie de escravatura. A técnica coloca as forças da natureza ao serviço do homem e das suas necessidades. O desenvolvimento das ciências da natureza abre ao homem novas formas e novas possibilidades de vida, de tal modo ricas e variadas que ultrapassam de longe aquilo que hoje nos é dado imaginar. Mas a técnica por si só não basta. É necessário que seja pertença duma humanidade que se entregou conscientemente, por sólidos laços de fraternidade, à construção duma comunidade de trabalho que controle a sua própria vida. Indissoluvelmente ligadas, a técnica como fundamento material e força visível, e a comunidade como fundamento ético e consciência, ditam a renovação total do trabalho.
E o próprio homem se irá modificando juntamente com o seu trabalho. Apoderar-se-á dele um novo sentimento, um sentimento de segurança. Enfim, a humanidade ver-se-á liberta dessa inquietação que tortura a existência. Nos séculos decorridos desde o estado selvagem das origens até a civilização moderna, jamais a vida foi segura. O homem não era senhor da sua subsistência. Sempre existiu, mesmo nos períodos de maior prosperidade, um receio silencioso em relação ao futuro, escondido no subconsciente, por detrás da ilusão dum bem-estar perpetuo. Esta ansiedade habitava o mais fundo dos corações como uma opressão permanente, pesando seriamente nos espíritos e impedindo um pensamento livre. Para nós, que vivemos sob esta pressão, é impossível imaginar a modificação profunda na perspectiva, na visão do mundo, no carácter, que se operará com o desaparecimento de toda e qualquer ansiedade relacionada com a vida. As velhas ilusões e superstições, que anteriormente se destinavam a manter uma humanidade espiritualmente indefesa, acabarão por desaparecer. Agora que o homem se sente verdadeiramente seguro de ser o senhor da sua vida, serão substituídas por um conhecimento acessível a todos, pela beleza intelectual duma visão total e cientifica do mundo.
Mais ainda que no próprio trabalho, será na preparação do trabalho futuro, na educação e na formação das gerações seguintes, que a transformação e o novo carácter da vida se revelarão. Compreende-se claramente que tendo cada tipo de organização da sociedade o seu sistema específico de educação adaptada às suas necessidades, essa transformação fundamental no sistema de produção terá de ser imediatamente acompanhada duma transformação igualmente fundamental na educação. Na economia domestica, no mundo do caseiro e do artesão, a família, com a sua divisão natural do trabalho, constituía o elemento de base da sociedade e da produção. As crianças iam crescendo e aprendendo os métodos de trabalho, participando gradualmente nesse trabalho. Mais tarde, em regime capitalista, a família perdeu a sua base económica, uma vez que o trabalho produtivo foi sendo progressivamente transferido para as fábricas. O trabalho transformou-se num processo social com uma base teórica mais ampla; como consequência, tornaram-se indispensáveis conhecimentos mais vastos e uma educação mais intelectual. Abriram-se as escolas que conhecemos: massas de crianças educadas em casa, em lares isolados, sem contacto orgânico com o trabalho, afluíram a essas escolas para nelas adquirirem os conhecimentos abstractos necessários à sociedade, mas mais uma vez sem existir uma ligação directa com o trabalho vivo. E, bem entendido, esta educação difere de classe social para classe social. Aos filhos da burguesia, aos futuros administradores e intelectuais, é garantida uma boa formação científica e teórica que Ihes permita dirigir e governar a sociedade. Aos filhos dos camponeses e dos operários, o mínimo indispensável: a leitura, a escrita, o cálculo necessários ao seu trabalho, e também a história e a religião para os manter obedientes e respeitosos para com os seus senhores e dirigentes. Alguns teóricos autores de manuais de pedagogia, ignorando as bases capitalistas deste estado caduco que julgam duradoiro, tentam em vão explicar e aplanar os conflitos originados nesta separação entre o trabalho produtivo e a educação, na contradição entre o isolamento familiar e o carácter social da produção.
No mundo novo da produção em regime de colaboração, estas contradições desaparecem e é restaurada a harmonia entre a vida e o trabalho numa base alargada a toda a sociedade. A juventude aprende os métodos de trabalho e aquilo que constitui a base destes participando gradualmente no processo de produção; não no isolamento da família, já que a tarefa de prover as necessidades da vida é assumida pela comunidade; a família perde, para alem do seu papel de unidade de produção, o de unidade de consumo. A vida comunitária, que corresponde às tendências predominantes das próprias crianças, assume um papel bem mais importante; abandonando os seus lares restritos, as crianças passam a ter acesso ao ar livre da sociedade. A combinação híbrida casa-escola cede o lugar a comunidades de crianças, controlando uma parte importante das suas próprias vidas, sob a direcção atenta de educadores adultos. A educação, em lugar de ser um processo passivo em que se abordam conhecimentos vindos de cima, transforma-se numa actividade essencialmente pessoal, dirigida para o trabalho social e a ele ligada. Os sentimentos sociais ainda vivos em toda a gente como herança dos tempos primitivos, mas especialmente fortes nas crianças, poderão então expandir-se sem serem reprimidos pelo egoísmo necessário a luta pela vida em regime capitalista.
As formas de educação são portanto determinadas pela actividade da comunidade e de cada um, e os seus conteúdos dependem da natureza do sistema de produção para o qual ela fornece uma preparação. Ora, este sistema, sobretudo durante o século passado, tem assentado cada vez mais na aplicação da ciência à técnica. A ciência permitiu ao homem o domínio das forças da natureza; um tal domínio tornou possível a revolução social e determina a base da nova sociedade. Os produtores podem passar a ser senhores do seu trabalho, da produção, na condição de dominarem esta ciência. Daqui que as novas gerações devam ser ensinadas antes de tudo as ciências da natureza e as respectivas aplicações. A ciência não será mais, como era em regime capitalista, monopólio dum pequeno número de intelectuais, e deixará de haver massas sem instrução, reduzidas a actividades subalternas. A ciência na sua totalidade estará ao alcance de toda a gente. Em lugar da divisão entre trabalho unilateralmente manual e trabalho unilateralmente intelectual, cada um especifico duma classe, existirá para cada um uma união harmoniosa do trabalho manual e intelectual, coisa que é igualmente indispensável para o ulterior desenvolvimento da produtividade do trabalho, já que esta depende do progresso da ciência e da técnica que formam a sua base. A criação de conhecimentos e a sua aplicação ao trabalho deixarão de ser tarefa apenas duma minoria de intelectuais, para passarem a estar a cargo das pessoas inteligentes de todo um povo, preparadas através duma educação extremamente atenta. É de esperar que a um tal ritmo de desenvolvimento da ciência e da técnica, o progresso tão louvado em regime: capitalista venha a parecer um pálido começo.
Existe, em regime capitalista, uma diferença característica entre o trabalho dos jovens e o dos adultos. À juventude compete aprender, aos adultos compete trabalhar. É evidente que enquanto os operários continuarem a esforçar-se ao serviço de outrém - com uma finalidade contraria ao seu próprio bem-estar a satisfação - para produzirem um máximo de lucro para o Capital, toda a capacidade terá, logo que adquirida, que ser consumida até aos últimos limites do tempo e da força. O tempo dum operário não pode ser desperdiçado a aprender sempre coisas novas. Muito poucos têm a possibilidade ou a obrigação de se irem instruindo regularmente durante a vida. Na nova sociedade esta diferença desaparece. Por um lado, a educação durante a juventude consiste em ir participando progressivamente, duma forma proporcional à idade, no trabalho produtivo. Por outro, dado o incremento da produtividade e a ausência de exploração, os adultos terão cada vez mais tempo disponível para actividades intelectuais. Isto permitir-lhes-á conservarem-se ao corrente do rápido desenvolvimento dos métodos de trabalho, o que, na realidade, Ihes é necessário. Só Ihes é possível participar nas discussões e nas decisões se estiverem capacitados para estudar os problemas técnicos que continuamente atraem e estimulam a sua atenção. A grande expansão da sociedade através do desenvolvimento técnico e cientifico, da segurança e da abundância, do domínio sobre a natureza e sobre a vida, só poderá ser assegurado pelo aumento das capacidades e dos conhecimentos de todos os associados. Confere à vida um conteúdo novo, de actividade vibrante, eleva a existência transformando-a em alegria consciente, a alegria duma participação ardente no progresso espiritual e prático do novo mundo.
A estas ciências da natureza virão acrescentar-se as novas ciências da sociedade inexistentes em regime capitalista. A característica específica do novo sistema de produção é que o homem passa a dominar as forças sociais que determinam as suas ideias e os seus impulsos. Este domínio de facto terá que buscar a sua expressão num domínio teórico, no conhecimento dos fenómenos e das forças determinantes da actuação e da vida humanas, do pensamento e da sensibilidade. Nas épocas que nos precederam, quando a origem social destas forças era desconhecida, em virtude da ignorância a respeito da sociedade, o seu poder era atribuído ao carácter sobrenatural do espírito, a um misterioso poder do pensamento, e as disciplinas correspondentes, as ditas humanidades, viram atribuir-se-lhes o rótulo de "ciências do espírito" (ciências humanas): psicologia, filosofia, ética, história, estética. Como acontece com todas as ciências, estavam inicialmente cheias de tradições e de místicas primitivas; mas contrariamente às ciências da natureza, a sua ascensão a um nível verdadeiramente cientifico foi impedida pelo capitalismo. Era-lhes impossível encontrar um terreno sólido uma vez que no mundo capitalista elas partiam do ser humano isolado, com o seu espírito individual, e que, nessa época de individualismo, se desconhecia que o homem é essencialmente um ser social, que todas as suas faculdades emanam da sociedade e são por ela determinadas. Mas a partir do momento em que a sociedade se revela aos olhos do homem como um organismo constituído por seres humanos ligados entre si, e em que o espírito humane é considerado como o órgão principal das suas relações, passarão a poder desenvolver-se como autênticas ciências.
E a importância prática destas ciências para a nova comunidade não é menor do que a das ciências da natureza. Elas estudam as forças que residem no homem, que determinam as suas relações com os outros homens e com o mundo, que inspiram as suas acções na vida social, e que se manifestam nos acontecimentos históricos, passados e presentes. Sob a forma de paixões poderosas e de tendências cegas, estas forças tiveram o seu papel nas grandes lutas sociais, levando por vezes o homem a actuações vigorosas, mantendo-o outras vezes numa submissão apática através de tradições igualmente cegas, e permaneceram sempre como espontâneas, incontroladas, desconhecidas. A nova ciência do homem e da sociedade, ao descobrir estas forças, torna o homem capaz de as controlar através dum conhecimento consciente. De forças soberanas dominando a humanidade pelos seus instintos passivos, passam à situação de servidoras submetidas ao controle pessoal e por este dirigidas em função de objectives claramente equacionados.
Instruir a geração vindoura na consciência destas forças sociais e espirituais, prepará-la para a orientação consciente delas, será uma das tarefas principais de educação da nova sociedade. A juventude ficará assim apta a desenvolver todos os dons de paixão e de vontade, de inteligência e de entusiasmo, e a utilizá-los numa actividade eficaz. Trata-se simultaneamente de formação de carácter e de transmissão de conhecimentos. Esta educação atenta, tanto teórica como prática, da nova geração, voltada ao mesmo tempo para as ciências sociais e para a consciência social, constituirá um elemento essencial do novo sistema de produção. Só assim se poderá assegurar um progresso sem entraves da vida social. E será também deste modo que o sistema de produção se irá desenvolvendo e assumindo formas progressivamente melhores. Assim, através do domínio teórico das ciências da natureza e da sociedade e da sua aplicação prática ao trabalho e a vida, os trabalhadores farão da Terra a morada plena de alegria duma humanidade livre.