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O sistema social aqui tratado poderia ser designado por comunismo não fosse o caso de esta palavra ser utilizada na propaganda mundial do "Partido comunista" para denominar o seu sistema de socialismo de Estado, sob uma ditadura do partido. Mas que importa um nome? Sempre se abusou dos nomes para enganar as massas; os sons familiares impedem-nas de pensar duma forma critica e de apreciar a realidade com clareza. Portanto, em vez de procurarmos o nome que mais convém, será sim de maior utilidade examinar mais de perto a característica principal do sistema: a organização dos conselhos.
Os conselhos operários constituem a forma de auto-governação que substituirá, no futuro, as formas de governo do velho mundo. Não para sempre, bem entendido; nenhuma destas formas é eterna. Quando a vida e o trabalho em comunidade constituem uma maneira normal de existir, quando a humanidade controla inteiramente a sua própria vida, a necessidade cede o lugar à liberdade e as regras estritas de justiça estabelecidas anteriormente convertem-se num comportamento espontâneo. Os conselhos operários constituem a forma de organização desse período de transição durante o qual a classe operária luta pelo poder, destrói o capitalismo e organiza a produção social. Para conhecermos o seu verdadeiro caracter, será útil compara-los às formas existentes de organização e de governo, que o habito apresenta ao juízo público como coisas evidentes.
As comunidades, demasiado amplas para se reunirem numa assembleia única, resolvem sempre os seus problemas através de representantes, de delegados. Assim, os cidadãos das cidades livres da Idade Média governavam-se através de conselhos de cidade e as burguesias de todos os países modernos possuem o seu parlamento, a exemplo da Inglaterra. Quando falamos de administração das coisas públicas por delegados eleitos, é sempre nos parlamentos que estamos a pensar; é portanto sobretudo com os parlamentos que teremos de comparar os conselhos operários se quisermos descobrir os seus aspectos essenciais. É evidente que dadas as grandes diferenças existentes tanto entre as classes como entre os objectivos, os corpos representativos correspondentes terão que ser, eles também, essencialmente diferentes.
Esta diferença salta desde logo à vista: os conselhos operários ocupam-se do trabalho e têm que regular a produção, ao passo que os parlamentos são corpos políticos que discutem e decidem as leis e os assuntos do Estado. A política e a economia não são contudo campos inteiramente separados. Em regime capitalista, o Estado e o parlamento tomam as medidas e promulgam as leis necessárias ao bom andamento da produção; garantem a segurança dos negócios, a protecção do comércio, da indústria, das trocas e das deslocações tanto no interior como no estrangeiro; garantem ainda a administração da justiça, a emissão de moeda e a uniformidade dos pesos e medidas. E as suas tarefas políticas que, à primeira vista, não parecem ligadas a actividade económica, estão relacionadas com as condições gerais da sociedade, com as relações entre as diversas classes, que constituem a base do sistema de produção. Assim, a política, a actividade dos parlamentos, pode, num sentido lato, ser considerada como um auxiliar da produção.
Onde reside pois, em regime capitalista, a distinção entre política e economia? As relações entre elas são as mesmas que existem entre a regulamentação geral e a prática concreta. O papel da política consiste em criar as condições sociais e legais nas quais o trabalho produtivo possa realizar-se regularmente, sendo este mesmo trabalho uma tarefa dos cidadãos. Deste modo, existe uma divisão do trabalho. A regulamentação geral, embora constitua uma base necessária, não é mais do que uma parcela ínfima da actividade social, um acessório do trabalho propriamente dito, e pode ser deixada a cargo duma minoria de políticos dirigentes. O próprio trabalho produtivo, base e conteúdo da vida social, é composto pelas actividades separadas de numerosos produtores e absorve inteiramente as suas vidas. A parte essencial da actividade social é a tarefa pessoal. Se cada um se ocupar do seu trabalho pessoal e cumprir a sua tarefa, a sociedade no seu conjunto funcionará bem. De tempos a tempos, a intervalos regulares, na altura das eleições legislativas, os cidadãos terão que voltar a sua atenção para as regulamentações gerais. Somente em épocas de crise social, de decisões importantes e de controvérsia severa, de guerra civil e de revolução, é que a massa dos cidadãos terá que consagrar todo o seu tempo e forças a estas regulamentações gerais. Uma vez resolvidas as questões fundamentais, os cidadãos poderão regressar às suas ocupações específicas, e abandonar uma vez mais essas tarefas gerais a um número reduzido de especialistas, aos juristas e aos políticos, ao parlamento e ao governo.
Completamente diferente é a organização da produção comum pelos conselhos operários. A produção social não se encontra dividida numa série de empresas separadas, cada uma das quais é obra limitada duma pessoa ou dum grupo; constitui antes uma totalidade coerente, objecto de atenção para todos os trabalhadores, ocupando os espíritos destes enquanto tarefa comum a toda a gente. A regulamentação geral deixa de ser uma questão acessória, a cargo dum pequeno grupo de especialistas; passa a constituir o problema principal, exigindo a atenção conjugada de todos. Deixa de haver separação entre política e economia, outrora actividades quotidianas, por um lado, dum corpo de especialistas, por outro, da massa dos trabalhadores. Para a comunidade indivisa dos produtores, política e economia fundiram-se; existe uma unidade entre a regulamentação geral e o trabalho prático de produção. Esta totalidade constitui o objectivo essencial de toda a gente.
Esta característica vai reflectir-se em toda a prática. Os conselhos não governam, transmitem as opiniões, as intenções, a vontade dos grupos de trabalho. Não, evidentemente, como moços de recados indiferentes que entregam passivamente cartas e mensagens cujo conteúdo desconhecem. Eles tomaram parte nas discussões, distinguiram-se como ardentes porta-vozes das opiniões que prevaleceram; de tal modo que, como delegados dum grupo, não são capazes de defender as suas ideias na reunião do conselho, como são ainda suficientemente imparciais para se abrirem a outros argumentos, e para apresentarem ao seu grupo opiniões passíveis duma mais ampla audiência. Os conselhos constituem portanto os órgãos da discussão e comunicação sociais.
A prática parlamentar situa-se exactamente no oposto. Os delegados terão que tomar decisões sem consultar os seus eleitores, sem estarem amarrados a um mandato. O deputado, para conservar a fidelidade dos seus mandantes pode dignar-se falhar-lhes e expor-lhes a sua linha de conduta, mas fá-lo enquanto senhor dos seus próprios actos. Ele vota como a sua consciência e a sua honra Iho impõem, de acordo com as suas próprias opiniões. É perfeitamente natural: é ele o especialista em matéria política, em matéria legislativa, e não pode deixar-se guiar por directivas de pessoas ignorantes. A função destas últimas é a produção, as diversas ocupações especificas; a dele, é a política, as regulamentações gerais. Ele terá que se guiar por grandes princípios políticos, e não deixar-se influenciar pelo egoísmo mesquinho dos interesses privados dos seus mandantes. É assim que, no capitalismo democrático, se torna possível para políticos eleitos por uma maioria de trabalhadores servirem os interesses da classe capitalista.
Os princípios do parlamentarismo criaram também as suas raízes no movimento operário. Nas organizações sindicais de massas ou em organizações políticas gigantes como o partido social-democrata alemão, os dirigentes agiam como uma espécie de governo com poderes sobre os membros, e os seus congressos anuais assumiam as características de parlamentos. Os seus dirigentes, para realçarem a sua importância, designavam-nos com orgulho parlamentos do trabalho; os observadores críticos, por seu lado, chamavam a atenção para o facto da luta de facções, a demagogia dos dirigentes, as intrigas de corredor, serem os sinais dessa degenerescência surgida já nos verdadeiros parlamentos. E na verdade, dado o seu aspecto fundamental, era de parlamentos que se tratava. Não no início, quando os sindicatos eram pequenos e os seus devotados membros faziam eles próprios todo o trabalho, quase sempre gratuitamente; mas com o aumento dos efectivos acabou por se verificar a mesma divisão de trabalho existente na sociedade em geral. As massas trabalhadoras deviam voltar toda a sua atenção para os seus interesse pessoais específicos, para a forma de encontrar e conservar um emprego. Esta a ocupação principal das suas vidas e dos seus espíritos; só duma forma muito geral e que elas tinham, para além disso de decidir, através do voto, dos seus interesses comuns de classe e de grupo. O pormenor da prática era deixado aos especialistas, aos funcionários dos sindicatos e aos dirigentes dos partidos, que sabiam como lidar com os patrões capitalistas e com os ministros. E além disso, apenas uma minoria de dirigentes locais se encontrava suficientemente familiarizada com estes interesses gerais para poder ser enviada na qualidade de delegação aos congressos onde, a despeito dos mandatos muitas vezes imperativos, cada um votava na realidade segundo o seu próprio critério.
Na organização dos conselhos, o domínio dos delegados sobre os seus mandantes desaparece, uma vez que desapareceu também a própria base deste domínio, a divisão de tarefas. Nessa altura, a organização social do trabalho obriga cada operário a dedicar toda a sua atenção à causa comum, à totalidade da produção. Tal como anteriormente, a produção daquilo que é necessário à vida como base da própria vida, ocupa inteiramente o espirito. Mas não se trata já da preocupação de cada um com sua própria empresa, com o seu próprio emprego, em concorrência com os outros, porque a vida e a produção só podem ser asseguradas na colaboração entre companheiros através do trabalho colectivo. Este trabalho colectivo domina assim o pensamento de cada um. A consciência da comunidade constitui o fundo e a base de todo e qualquer sentimento, de todo e qualquer pensamento.
Trata-se duma revolução total na vida espiritual do homem. Ele aprende a olhar para a sociedade, sabe o que é a comunidade na sua essência. Antes, em regime capitalista, a sua visão limitava-se àquilo que dizia respeito aos seus negócios, ao seu trabalho, a sua família e a si próprio. Não podia ser doutra forma, já que disso dependia a sua existência. Para ele a sociedade não passava dum plano de fundo obscuro e desconhecido, por detrás do seu pequeno mundo visível. E, evidentemente, sofria o efeito dessas forças poderosas que determinavam o êxito ou o fracasso do seu trabalho. Mas, guiado pela religião, era levado a ver nessas forças a obra de poderes supremos sobrenaturais. No mundo dos conselhos operários, pelo contraio, a sociedade surge à luz do dia, transparente e conhecível; a estrutura do processo social do trabalho não mais se encontra dissimulada aos olhos do homem, cujo olhar abarca a produção na sua totalidade; é isso que se torna necessário à sua vida, à sua existência. A produção social transforma-se então em finalidade duma organização consciente. A sociedade passa a estar nas mãos do homem; ele age sobre ela, e por isso compreende a sua natureza essencial. É assim que o mundo dos conselhos operários opera a transformação do espírito.
Em regime parlamentar, que é o sistema político correspondente às empresas independentes, o povo é formado por uma multidão de pessoas separadas; na melhor das hipóteses, segundo a teoria democrática, cada um proclama-se investido dos mesmos direitos naturais. Para a eleição dos delegados, as pessoas são agrupadas segundo a sua residência, em circunscrições. Nos primeiros tempos do capitalismo, era possível a existência de uma certa comunidade de interesses entre vizinhos duma mesma cidade ou duma mesma aldeia, coisa que se foi tornando cada vez mais, à medida que o capitalismo se desenvolvia, em ficção desprovida de sentido. Os artesãos, os comerciantes, os capitalistas, os operários que habitam o mesmo bairro têm interesses diferentes e opostos; votam em geral em partidos diferentes, e é uma maioria de acaso que vem a sair vencedora. Se bem que a teoria parlamentar considere o eleito como o representante duma circunscrição, é evidente que estes eleitores não constituem um grupo que o delegou para representar os seus desejos.
A este nível, a organização dos conselhos é absolutamente o oposto do parlamentarismo. São os grupos naturais, os operários que trabalham juntos, o pessoal duma empresa, que agem na qualidade de unidades e designam os seus delegados. Estes grupos podem encontrar no seu próprio seio representantes efectivos e porta-vozes, uma vez que possuem interesses comuns e que fazem parte dum todo na praxis da vida quotidiana. A democracia completa realiza-se na igualdade de direitos de todos aqueles que participam no trabalho. Evidentemente que aqueles que se situam à margem do trabalho não têm a palavra no tocante à organização deste mesmo trabalho. Não se pode considerar como uma falha de democracia que, neste mundo em que os grupos no seio dos quais todos colaboram se governam a si próprios, aqueles que não se interessam pelo trabalho - e o capitalismo legará muitos, exploradores, parasitas, senhorios - não participem nas decisões.
Há setenta anos atrás, Marx assinalava que entre o reinado do capitalismo e a organização final duma humanidade livre, haveria um período de transição durante o qual a classe operária seria senhora da sociedade, mas sem que a burguesia tivesse ainda desaparecido. Designava ele este estado de coisas por ditadura do proletariado. Na sua época, esta palavra não possuía ainda a ressonância sinistra que Ihe conferiram os sistemas modernos de despotismo, e era impossível usá-la abusivamente para significar a ditadura de um partido no poder, como aconteceu mais tarde na Rússia. Significava unicamente a transferência do domínio da sociedade da classe capitalista para a classe operária. Mais tarde, pessoas inteiramente conquistadas pelas ideias do parlamentarismo tentaram materializar esta concepção retirando às classes possuidoras a liberdade de constituírem agrupamentos políticos. É evidente que esta violação do sentimento instintivo da igualdade de direitos era contrária à democracia. Vemos hoje que a organização dos conselhos realiza na prática aquilo que Marx antecipara em teoria, mas cuja forma concreta era impossível de conceber nessa época. Quando a produção se encontra organizada pelos próprios produtores, a classe exploradora de outrora vê-se automaticamente excluída da participação nas decisões, sem quaisquer outras formalidades. A concepção de Marx da ditadura do proletariado surge como idêntica a democracia operária da organização dos conselhos.
Esta democracia operaria não tem nada de comum com a democracia política do sistema social precedente. Aquilo a que se chamou democracia política do capitalismo era um simulacro de democracia, um sistema hábil concebido para ocultar o domínio real exercido sobre o povo por uma minoria dirigente. A organização dos conselhos é uma democracia real, a democracia dos trabalhadores, na qual os operários são senhores do seu trabalho. Na organização dos conselhos, a democracia política desaparece porque desaparece a própria política, cedendo o lugar a economia socializada. A vida e o trabalho dos conselhos, formados e animados pelos operários, órgãos da sua cooperação, consistem na gestão prática da sociedade, orientada pelo conhecimento, pelo estudo permanente e por uma atenção firme.
Todas as medidas são tomadas num processo de trocas constantes, por deliberação no seio dos conselhos e discussão nos grupos e locais de trabalho através de acções nesses mesmos locais de trabalho e de decisões tomadas nos conselhos. Aquilo que é atingido em tais condições jamais poderia sê-lo por encomenda vinda de cima, ou por uma ordem exprimindo a vontade de um governo. A fonte de tais medidas é a vontade comum de todos aqueles em causa, porque a acção é baseada na experiência e no conhecimento do trabalho de todos, e vai influenciar profundamente a vida de Cada um. As decisões só poderão ser executadas se as massas as considerarem como uma emanação da sua própria vontade; não haverá nenhum constrangimento exterior a fazer com que sejam respeitadas, pela simples razão de que uma tal força não existe. Os conselhos não são um governo; mesmo os conselhos mais centralizados não possuem um carácter governamental, pois não detém qualquer instrumento capaz de impôr a sua vontade às massas; não possuem órgãos de poder. Todo o poder social pertence aos próprios trabalhadores. Onde quer que o exercício do poder se venha a impôr - contra perturbações ou ataques a ordem existente - emanará das colectividades operárias nas próprias oficinas e permanecerá sob o seu controle.
No decurso de toda a era civilizada e até aos nossos dias, os governos revelaram-se necessários como instrumentos que permitem à classe dirigente conservar as massas exploradas sob a sua alçada. Foram assumindo igualmente funções administrativas cada vez mais importantes; mas o seu carácter principal, de forma orgânica do poder, era determinado pela necessidade de manter um domínio de classe. Ao desaparecer esta necessidade, desaparece igualmente o seu instrumento. O que se conserva é a administração, que é uma espécie de trabalho como tantas outras, tarefa dum tipo especifico de trabalhadores; aquilo que substitui o governo é o espirito de vida da organização, a discussão constante entre os operários, que pensam em comum na sua causa comum. O que impõe o cumprimento das decisões dos conselhos é a autoridade moral destes. E numa sociedade deste tipo a autoridade moral possui uma força bem mais rigorosa que as ordens ou a coacção dum governo.
Na época dos governos acima do povo, quando o poder político teve de ser concedido aos povos e aos seus parlamentos, existia uma separação do poda legislativo e do poda executivo do governo; às vezes, mesmo, o poder judicial constituía ainda um terceiro poder independente. A função dos parlamentos era legislar, mas a aplicação, a execução das leis, a administração quotidiana estavam reservadas a um pequeno grupo privilegiado de dirigentes.
Na comunidade de trabalho da nova sociedade, esta distinção desaparece. Decisão e execução estão intimamente ligadas; aqueles que executam o trabalho decidem, e aquilo que decidem em comum, põe-no em prática em comum. Quando se trata de grandes massas, serão os conselhos os seus órgãos de decisão. No primeiro caso, quando a função executiva estava confiada a organismos centrais, era a estes que era conferida a capacidade de comando, deviam constituir-se em governos; no segundo caso quando a tarefa executiva cabe às próprias massas, deixará de existir esta necessidade e os conselhos não terão este carácter de governos. Além disso de acordo com os problemas que se põem e com as questões que irão constituir objecto de decisão, serão pessoas diferentes a serem delegadas para dela se ocuparem. No campo da própria produção, cada empresa deverá não só organizar cuidadosamente o seu sector de actividade, como terá também que criar ligações horizontais com as empresas similares, verticais com as que Ihe fornecem as matérias-primas e com as que utilizam os seus produtos. Nesta dependência mútua e nesta ligação entre empresas, no seu elo com outros ramos da produção, os conselhos, que são os órgãos de discussão e de decisão, abrangerão sectores cada vez mais extensos, até à organização central da totalidade da produção. Por outro lado, a organização e o consumo, a distribuição de todos os bens necessários, exigirá os seus próprios conselhos de delegados de todos os interessados e assumirá um carácter predominantemente local ou regional.
A par desta organização da vida material da comunidade humana, depara-se-nos o vasto campo das actividades culturais e daquelas, não directamente produtivas, que constituem para a sociedade uma necessidade primordial, como por exemplo, a educação das crianças e o cuidado com a saúde de todos. Também aqui reina um mesmo principio: o da auto-organização destes sectores de trabalho por aqueles que executam esse trabalho. Parece absolutamente natural que sejam aqueles que participam activamente quer nos cuidados com a saúde da comunidade, quer na organização da educação, isto é, o pessoal sanitário e os professores, a regular e a organizar o conjunto destes serviços, através das suas associações. Em regime capitalista quando se viam obrigados a viver das doenças que afligem os homens ou da educação das crianças, a sua ligação á sociedade em geral assumia a forma, quer duma profissão competitiva, quer duma aplicação das ordens dum governo. Na nova sociedade, devido aos laços muito mais estreitos que unem a saúde e a educação com o trabalho, regularão as suas funções de modo a que os seus conselhos permaneçam em contacto estreito e colaborem constantemente entre si e com os outros conselhos operários.
Há que realçar aqui que ,vida cultural, campo das artes e das ciências, se encontra, pela sua própria natureza, tão intimamente ligada a inclinação e ao esforço individuais, que só a livre iniciativa de pessoas não esmagadas pelo peso de um incessante labor pode assegurar o respectivo florescimento. Esta verdade não poderá ser refutada pelo facto de, no decorrer dos séculos de sociedade de classes, os princípios e os governos terem protegido as artes e a ciência, a fim, evidentemente, delas se servirem para a sua glória e para a manutenção do seu domínio. Duma maneira geral, existe, tanto no tocante as actividades culturais como a qualquer outra actividade não produtiva ou produtiva, uma disparidade fundamental entre uma organização imposta de cima por um corpo dirigente, e uma organização obtida na livre colaboração de colegas e de camaradas. Uma organização dirigida centralmente implica uma regulamentação o mais possível uniforme: sem isso, não poderia ser concebida e dirigida por um organismo central. Na regulamentação autónoma elaborada por todos os interessados, a iniciativa dum grande número de especialistas atentamente debruçados sobre o seu trabalho, o aperfeiçoamento através de estímulos e de relações constantes, a iniciação e as permutas de pontos de vista deverão ter por resultado uma grande diversidade de meios e de possibilidades. A vida espiritual, se depende da autoridade central dum governo, cai forçosamente numa insipidez monótona; se for inspirada ela livre espontaneidade do impulso humano das massas, desenvolver-se-á dentro duma diversidade notável. O princípio dos conselhos permite encontrar formas apropriadas de organização. A organização dos conselhos tece assim, no seio da sociedade, uma rede de corpos diversificados, trabalhando em colaboração e regulando a sua vida e o seu progresso de acordo com a sua livre iniciativa. E tudo o que é discutido e decidido nos conselhos extrai a sua autêntica força da compreensão, da vontade, da acção da humanidade laboriosa.