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Os golpes de Estado são uma forma de luta que visa a tomada do poder político. E, sendo o resultado da acção combinada de determinados membros dum órgão do Estado aparentemente isolado da sociedade, fazem parte integrante da luta de classes e do conflito que opõe capitalismo e revolução socialista. Se não modificam a natureza ou o conteúdo desta luta, modificam-lhe a forma. A situação político-económica e social permanece a mesma, enquanto que as aspirações revolucionárias continuam insatisfeitas. Os golpes de Estado reaccionários contribuem de facto para o avanço revolucionário, na medida em que as condições necessárias a uma transformação revolucionária aumentam.
Os golpes de Estado reaccionários e pró-imperialistas são a prova da derrota do imperialismo e seus aliados, que, não se podendo servir dos métodos tradicionais, recorrem às armas para travar o avanço do socialismo e reprimir as massas. Deixam assim transparecer o desespero e a fraqueza das forças reaccionárias, e não a sua força. Eles são o último recurso das classes exploradoras indígenas e dos neocolonialistas para conseguirem manter o status quo burguês reaccionário.
Os observadores burgueses avançaram com inúmeras teorias no sentido de explicar a sucessão de golpes de Estado decorridos em África no decurso dos últimos anos. Em certos casos, viram neles a consequência do tribalismo e do regionalismo ou ainda o descontentamento de determinados membros do exército e da polícia perante a incompetência, a corrupção e o «caos económico» criado pelos políticos. Mas nenhuma destas teses está de acordo com a realidade. São explicações superficiais e inexactas que dão uma imagem falsa da realidade. Todas parecem ignorar a existência da luta de classes e do papel dos interesses burgueses, assim como das pressões neocolonialistas. Fazem um silêncio bem significativo sobre a natureza repressiva dos golpes de Estado e sobre a não participação das massas. No entanto, uma vez realizado o golpe de Estado, fala-se de multidões que «entusiasmadamente» aplaudem o golpe, e são cuidadosamente preparadas manifestações que visam fazer crer que os autores do golpe de Estado tiveram o apoio das massas. Simultaneamente, as cliques reaccionárias que se apoderaram do Poder — e que apenas representam a mesquinhez do espírito burguês — põem em funcionamento os chamados «conselhos revolucionários» ou «de libertação». O emprego destes termos destina-se a dar ao povo a ilusão de que o novo regime o libertou e que a sua única finalidade é satisfazer as suas aspirações.
Quando se trata de golpes de Estado nacionalistas revolucionários, tendo os membros do novo regime proclamado a sua intenção de pôr fim à dominação político-económica das potências estrangeiras, poder-se-ia então crer que estariam a agir no interesse do povo. De facto, a sua revolução não é socialista: é o resultado da acção conjunta da burguesia nacionalista. A situação do proletariado urbano e rural, após o golpe de Estado, dificilmente se modificou: continua ainda a ser explorado e oprimido, mas desta vez pela burguesia indígena, cujos interesses comerciais — ligados aos das potências estrangeiras — se disfarçam por detrás de uma fachada nacionalista.
A África é actualmente o teatro de lutas que opõem imperialistas e massas africanas. A agressão imperialista não tem apenas assumido a forma de golpes de Estado, manifesta-se também através do assassinato de dirigentes revolucionários e do estabelecimento de centros de informação. Além disso têm sido intensificadas as já existentes redes de informação do capitalismo ocidental, que trabalham em estreita colaboração com os governos neocolonialistas a fim de impedir o avanço do socialismo. Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a Alemanha Federal, a França, Israel, Portugal, a Rodésia e a África do Sul mantêm activamente este tipo de cooperação.
A maior parte destas organizações estão estreitamente relacionadas umas com as outras, no que respeita aos seus interesses vitais. E frequentemente estão por detrás dos golpes de Estado. Verifica-se, de facto, que não ocorrem golpes de Estado nos países onde o exército, a polícia e os serviços de informação são dirigidos pelos oficiais brancos das antigas potências coloniais. Estes velam para impedir qualquer tentativa de golpe de Estado, porque sabem que o regime fantoche e neocolonialista que servem é instrumento do poder neocolonialista de quem defendem os interesses. Por outro lado, a escalada militar e político-económica de colaboração dos países que formam o triângulo branco (Portugal, Rodésia, África do Sul) intensificou-se no decurso dos últimos anos, que viram também um ressurgir das actividades socialistas revolucionárias em África. Demonstra-o a resistência cada vez maior das massas camponesas e operárias aos regimes reaccionários, assim como a multiplicação dos movimentos de resistência clandestinos por todo o continente africano. No espaço de sete anos, de Janeiro de 1963 a Janeiro de 1970, sucederam-se vinte e cinco golpes de Estado em África:
Datas | Países |
13 de Janeiro de 1963 | Togo |
12-15 de Agosto de 1963 | Congo-Brazzaville |
19-28 de Outubro de 1963 | Daomé |
18 de Fevereiro de 1964 | Gabão |
1 de Janeiro de 1965 | República Centro-Africana |
4 de Janeiro de 1965 | Alto Volta |
18 de Junho de 1965 | Argélia |
25 de Novembro de 1965 | Congo-Kinshasa |
22 de Dezembro de 1965 | Daomé |
15 de Janeiro de 1966 | Nigéria |
24 de Fevereiro de 1966 | Ghana |
29 de Julho de 1966 | Nigéria |
29 de Novembro de 1966 | Burundi |
13 de Janeiro de 1967 | Togo |
24 de Março de 1967 | Serra Leoa |
17 de Dezembro de 1967 | Daomé |
18 de Abril de 1968 | Serra Leoa |
3 de Agosto de 1968 | Congo-Brazzaville |
4 de Setembro de 1968 | Congo-Brazzaville |
19 de Novembro de 1968 | Mali |
25 de Maio de 1969 | Sudão |
1 de Setembro de 1969 | Líbia |
15-19 de Outubro de 1969 | Somália |
10 de Dezembro de 1969 | Daomé |
30 de Janeiro de 1970 | Lesotho |
Houve, além destes, numerosas tentativas de golpes de Estado e outras tantas de assassinatos. Em Janeiro de 1964 rebentaram motins no seio dos exércitos da Tanzânia, Uganda e Quénia. As tropas britânicas ajudaram a reprimi-los, enquanto que do mesmo modo eram desmanteladas conspirações e tentativas de golpes de Estado noutros Estados.
A própria natureza das relações político-económicas existentes entre o neocolonialismo e os regimes fantoches duma África balcanizada demonstra bem que, enquanto o continente africano não realizar a sua unificação política, haverá sempre golpes de Estado.
Todos estes golpes de Estado são consequência de uma mesma situação: existem, por um lado, as potências neocolonialistas que manobram os Estados neocolonialistas dando o seu apoio às elites reaccionárias burguesas que lutam pelo Poder; por outro, as massas africanas, cuja crescente tomada de consciência revela o impulso cada vez mais forte da revolução socialista africana. Na altura da independência, as massas não podiam discernir a presença do neocolonialismo cuidadosamente escondido por detrás do novo governo. Mas a sua tomada de consciência, que cresce de ano para ano, revela-se uma ameaça para a burguesia indígena e para os seus senhores neocolonialistas, alarmados perante o aumento das actividades revolucionárias por todo o continente africano.
Não existe em África um só país onde a tomada de consciência das massas operárias e camponesas tenha levado à instauração de um regime socialista. Em todos os Estados independentes existem o governo e o seu partido, a burguesia nacionalista, e as classes trabalhadoras. A burguesia nacionalista está frequentemente ligada — aparentemente ou não — ao partido, logo, ao governo. Logo que o partido da burguesia nacionalista não esteja representado no governo, a burguesia nacionalista organiza a subversão e tenta um golpe de Estado.
Apesar de ter participado nas lutas de libertação, antes da independência, o proletariado africano não assumiu ainda a liderança como classe. Em quase todos os Estados — independentes ou não — existem ou estão-se preparando guerras de guerrilha como única forma de luta contra regimes colonialistas e neocolonialistas. Outros movimentos, sob a direcção de membros da burguesia nacional, com o objectivo de libertar os territórios da dominação estrangeira, e não de instaurar um regime socialista, constituem uma ameaça para a revolução africana; porque apenas o socialismo científico realizará a libertação e a unificação total da África.
Os movimentos de libertação mais conhecidos são os seguintes:
África do Sul
Zimbabwe (Rodésia)
Sudoeste Africano
Angola
Moçambique
Guiné-Bissau
Tchad
Enquanto os meios de produção não forem controlados pelas massas, os movimentos de guerrilha continuarão as suas actividades nos Estados africanos. Enquanto os dirigentes africanos não se entregarem à causa do socialismo científico, estarão a retardar o processo revolucionário. Actualmente o vento da guerrilha sopra sobre o Gabão, a Etiópia, o Malawi, o Sudão, a Eritreia, o Quénia, os Camarões, a Nigéria e todos os Estados que não estão unidos no socialismo.
Governos reaccionários tentam conter o despertar político das massas, seja através de pretensas políticas socialistas, seja através da repressão, seja, por fim, permitindo golpes de Estado militares. Seja qual for o método que empreguem, afirmam sempre servirem os interesses do povo, desembaraçando-se de políticos corruptos e incompetentes e reorganizando a economia. Na realidade, estão a salvaguardar os interesses capitalistas, assim como os seus próprios interesses burgueses e os dos monopólios capitalistas internacionais.
A explosão de golpes de Estado militares na África revela a falta de organização socialista revolucionária, a necessidade premente de um partido do proletariado de toda a África, assim como a necessidade de um exército pan-africano. Seja eia política, económica ou militar, a luta revolucionária socialista não será efectiva se não for organizada e não estiver profundamente enraizada na luta dos operários e camponeses.
Inclusão | 22/03/2014 |