Escritos sobre a Guerra Civil Americana
Artigos do New-York Daily Tribune, Die Presse e outros (1861-1865)

Karl Marx e Friedrich Engels


Seção IV. Desdobramentos do conflito
Sintomas de desintegração na Confederação sulista
(Marx. Die Presse, 14 de novembro de 1862)


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A imprensa inglesa é mais sulista que o próprio Sul. Enquanto vê tudo com maus olhos no Norte, e tudo com bons olhos na terra do nigger, as próprias pessoas dos estados escravistas não se deixam enganar de maneira alguma pela “certeza da vitória” que o Times está celebrando.

A mídia sulista, em uníssono, ergue clamores de consternação ante a derrota em Corinth e acusa os generais Price and Van Dorn de “incompetência e prepotência”. Antes o Mobile Advertiser falara de um regimento — o 42.o regimento do Alabama —, que foi para a batalha da sexta, [03 de outubro], com 530 homens. No sábado, contava com 300 homens, e consistia em meros 10 homens no domingo. O resto foi morto, capturado, ferido ou de alguma outra forma se perdeu nesse ínterim. Os jornais da Virgínia usam um linguajar semelhante.

“É evidente”, diz o Richmond Whig, “que o propósito imediato de nossa campanha do Mississippi não foi atingido”.

“É de se temer”, diz o Richmond Enquirer, “que o resultado dessa batalha terá o efeito mais danoso em nossa campanha no Oeste”.

Tal prognóstico tornou-se verdade, como mostram a evacuação do Kentucky (por Bragg) e a derrota dos confederados em Nashville, Tennessee.

Das mesmas fontes — jornais da Virgínia, Geórgia e Alabama —, estamos recebendo revelações a respeito do conflito entre o governo central em Richmond e os governos de estados escravistas individuais. A ocasião para o conflito advém da última Lei de Recrutamento Compulsório [Conscription Act], segundo a qual o Congresso estendeu o serviço militar para muito além da idade habitual. Um certo Levingood foi alistado na Geórgia sob tal lei e preso por um agente da Confederação, J. P. Bruce, pois recusou-se a servir. Levingood compareceu na mais alta corte do condado de Elbert (Geórgia), a qual ordenou sua soltura imediata. A bastante extensa declaração do julgamento diz, entre outras coisas:

O preâmbulo da constituição da Confederação toma o cuidado de ressaltar explicitamente que os estados individuais são soberanos e independentes. Como isso poderia ser dito da Geórgia se qualquer homem de milícia pudesse ser removido da supervisão de seu comandante coercitivamente? Se o Congresso em Richmond pode passar uma lei de alistamento compulsório com exceções, o que impede que passe uma lei de recrutamento sem exceções e, assim, aliste governador, legisladores, funcionários de cortes, pondo um fim em todo o governo federal? [...] Por esse e outros motivos, fica por meio deste ordenado e decretado que a Lei do Recrutamento do Congresso é nula e não tem qualquer validade legal [...]

Assim, o estado da Geórgia proibiu o recrutamento compulsório dentro de suas fronteiras, e o governo confederado não ousou revogar tal proibição.

Na Virgínia ocorreram conflitos semelhantes entre o “estado individual” e a “liga de estados individuais”. O motivo da disputa é a relutância do governo federal de ceder aos agentes do Sr. Jefferson Davis o direito de alistar os homens da milícia da Virgínia e incorporá-los ao exército da Confederação. O incidente levou a uma troca de correspondências cáusticas entre o secretário de guerra e o general J. B. Floyd, personagem notória que, na condição de secretário de guerra sob o presidente Buchanan, preparou a Secessão e, no processo, deu um jeito de “cindir” porções significantes de fundos do Tesouro nacional para seus cofres privados. Esse cabeça da Secessão, conhecido no Norte como “Floyd, o ladrão”, agora emerge como o paladino dos direitos da Virgínia contra a Confederação. O Richmond Examiner comenta, entre outras coisas, a correspondência entre Floyd e o secretário de guerra:

Toda a correspondência ilustra bem a resistência e hostilidade que nosso estado (a Virgínia) e seu exército tiveram de sofrer nas mãos daqueles que abusaram do poder da Confederação em Richmond. A Virgínia tem sido predada por fardos intermináveis. Mas tudo tem um limite; o estado não tolerará mais a repetição dessa injustiça... a Virgínia proveu quase todos os armamentos, munição e equipagem militar que permitiram a vitória nas batalhas de Bethel e Manassas. Ela deu ao serviço Confederado, de seus próprios depósitos e arsenais, 75.000 rifles e mosquetes, 233 artigos de artilharia e uma fábrica de armamentos magnífica. Seus contingentes de homens capazes de empunhar armas foi diminuído ao extremo a serviço da Confederação; eles tiveram de tocar, desassistidos, o inimigo da fronteira oeste; não é motivo para nos indignarmos se as criaturas do governo confederado agora ousam transformar isso em um jogo?

No Texas, igualmente, a dissipação repetida de sua população masculina adulta para o Leste gerou antagonismo em relação à Confederação. Em 30 de setembro, o Sr. Oldham, representante do Texas, protestou no Congresso em Richmond:

Nas expedições de gansos selvagens de Sibley, uma tropa de 3.500 homens selecionados foi enviada para fora do Texas para morrer nas planícies áridas do Novo México. O resultado foi a vinda do inimigo para nossas fronteiras, as quais ele cruzará no inverno. Vocês moveram as melhores tropas do Texas para leste do Mississippi, arrastaram-nas para a Virgínia, usaram-nas em locais de extremo perigo onde seriam dizimadas. Três quartos de todo o regimento texano estão dormindo em um túmulo ou tiveram de ser dispensados por causa de doença. Se este governo continuar a enviar homens capacitados para fora do Texas desse jeito, a fim de manter o equilíbrio das forças daqueles [outros] regimentos, o Texas estará arruinado, irrevogavelmente arruinado. Isso é injusto e contrário à política. Meus constituintes têm famílias, propriedade e sua terra natal para defender. Protesto em nome deles contra o transporte de homens do oeste do Mississippi para o leste, de forma que seu próprio estado fique aberto para a invasão de inimigos do Norte, Leste, Oeste e Sul.

Observam-se duas coisas emergirem das citações subsequentes de jornais sulistas. As medidas coercitivas do governo confederado para inchar os regimentos do exército foram longe demais. Os recursos militares estão se esgotando. Em segundo lugar, e de forma ainda mais decisiva, a doutrina dos state rights [direitos soberanos dos estados] com que os usurpadores em Richmond dão ares constitucionais à Secessão já está começando a se voltar contra eles próprios. É assim que o Sr. Jefferson Davis obteve êxito em fazer do Sul uma nação, como se gabou seu admirador inglês Gladstone.(1)


Notas:

(1) Referência ao discurso de Gladstone em Newcastle em 07/10/1862, relatado no The Times, número 24372, edição de 09/10/1862. (retornar ao texto)

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Inclusão: 18/08/2022