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Há cerca de cem anos, apareceu, em Leipzig, um livro, que alcançou trinta e uma edições, até o começo do atual século, tendo sido distribuído e difundido nas cidades e aldeias, pelas próprias autoridades, por pregadores e por filantropos de toda a espécie, além de ser colocado em todas as escolas públicas do país, como texto de leitura. O título deste Livro era: O Amigo da Criança, e tinha por autor um tal Rochow. A sua finalidade era doutrinar, aos jovens filhos dos camponeses e dos artesãos, a respeito de sua missão na vida e de seus deveres para com os seus superiores hierárquicos, na sociedade e no Estado, infundindo-lhes contentamento com a sorte benfazeja que o céu lhes tinha reservado na terra, e, ao mesmo tempo, com o pão negro e as batatas, as tributações feudais e os magros salários, as surras recebidas de seu pai, e outras coisas não menos agradáveis, tudo divulgado por meio de raciocínios que eram muito comuns naquela época. Fazia-se ver aos meninos da cidade e da aldeia quanto era sábia a organização da natureza, que fazia com que o homem tivesse de correr ao trabalho para adquirir os meios de sustento e para assim poder desfrutar da vida, e quanto se deviam sentir ditosos o camponês e o artesão, pois que o céu lhes permitia temperar a sua comida com o duro trabalho, em lugar de estar padecendo do estômago, do fígado ou de indigestões, como o rico glutão, que sente repugnância até ao engolir os bocados mais apetitosos. Os mesmos lugares comuns que o velho Rochow julgava excelentes, em seu tempo, para os pequenos camponeses da Saxônia, são os que o Sr. Dühring nos oferece nas páginas 14 e seguintes de seu"Curso", como sendo o "absolutamente fundamental na Novíssima Economia Política".
"As necessidades humanas, como tais, se governam por leis naturais e, no que se refere ao seu aumento, elas se fecham dentro de certos limites que podem ser apenas contrariados durante algum tempo pela desobediência à natureza, mas que, finalmente, trazem asco, cansaço da vida, abatimento, atrofia social, e, por fim. uma salvadora destruição... Um jogo feito de puros prazeres, sem finalidade útil nenhuma, conduziria depressa ao embotamento, ou melhor, ao desgaste de toda a sensibilidade. O trabalho real, sob qualquer forma é, pois, a lei social da natureza dos homens sadios... Se não existisse um .contrapeso para os instintos e as necessidades, eles nos dariam apenas uma existência infantil, mas nunca, de modo algum, um desenvolvimento historicamente progressivo. Satisfeitos sem nenhum esforço, eles se esgotariam depressa, deixando somente como resto uma existência desolada, que se representaria por uma série de interregnos enfermiços, que fluiriam depois e cada repetição dos prazeres... O fato da satisfação dos instintos e das paixões depender da superação de um obstáculo econômico constitui, pois, uma lei saudável, sob todos os aspectos, e que é fundamental para a natureza exterior, para o seu modo de se organizar, e para a estrutura interior do homem", etc., etc. Como se está vendo, as mais banais vulgaridades do livro de Rochow podem celebrar no Sr. Dühring o jubileu de seu centenário, porque se renovaram, convertidas, além disso, na"mais profunda fundamentação" do único"sistema socialitário" verdadeiramente crítico e científico que jamais existiu.
Após ter assentado os alicerces conforme ficou exposto acima, pôde o Sr. Dühring prosseguir na sua construção. De acordo com o método matemático, ligando-se ao precedente do velho Euclides, começa ele por nos oferecer uma série de definições. É um processo muito cômodo, tanto mais que são as definições construídas de tal modo, que nelas entra pelo menos uma Parte daquilo que se trata de provar e definir. Por esse processo, seremos informados, logo no início do estudo, de que o conceito que preside toda a vida econômica até os nossos dias se denomina riqueza. E que a riqueza, tal como vem sendo entendida efetivamente até os nossas dias, na História Universal. e tal como se desenvolveu o seu império, pode ser definida como "o poder econômico sobre homens e coisas". É essa uma afirmação duplamente falsa. Em primeiro lugar. a riqueza das antigas tribos e comunas rurais não era, nem longinquamente, um poder sobre homens, e em segundo lugar, tampouco a riqueza se refere, predominantemente, nas sociedades que se desenvolvem sobre os antagonismos de classe, sobre o avassalamento de homens, mas, pelo contrário, este domínio sobre homens, quando existe. existe e se desenvolve por maio de relações de poder sobre coisas. A partir do instante remoto em que o aprisionamento e a exploração de escravos se converteram em dois negócios distintos, os exploradores do trabalho dos escravos souberam comprar escravos, adquirindo, disse modo, o poder sobre o homem por meio do poder sobre as coisas, isto é, sobre o preço do escravo e sobre os seus meios de vida e instrumentos de trabalho. Durante toda a Idade Média, a grande propriedade da terra é a condição prévia. graças à qual a nobreza feudal arregimenta colonos e vassalos, sujeitos todos à tributação, E, atualmente, até uma criança de seis anos pode saber que a riqueza, afirmando o seu poderio sobre os homens. consegue esse objetivo, pura e exclusivamente. por meio das coisas de que dispõe.
Que obriga o Sr. Dühring à construção dessa falsa definição de riqueza. deixando de lado a relação efetiva que se vem impondo, até hoje, em todas as sociedades de classe? Fez isto simplesmente com a intenção de arrastar a riqueza do terreno econômico para o terreno moral. O poder do homem sobre as coisas é uma instituição muito boa, mas o seu domínio sobre os outros homens é abominável, e, como o Sr. Dühring foi absolutamente incapaz, por si mesmo, de explicar a dominação dos homens como derivada da dominação das coisas, resolveu explicar esse fenômeno por um novo e audacioso salto, pura e simplesmente como sendo um fruto de sua amada violência. E assim chegamos à conclusão de que a riqueza, como poder subjugador de homens, passa a ser a"rapina" e nos encontramos, desse modo. com uma nova edição, nada melhorada, da antiquíssima fórmula proudhoniana:"A propriedade é um roubo".
Felizmente, acabamos de passar em revista a riqueza dos dois pontos de vista essenciais da produção e da distribuição. Em primeiro lugar, a riqueza concebida como um poder sobre as coisas, a chamada riqueza de produção, lado bom; e em segundo, a riqueza concebida como um poder sobre os homens, ou seja, a que tem sido chamada de riqueza de distribuição, lado mau, expulsemo-la! Esta classificação, aplicada às atuais condições, pode ser explicada do seguinte modo: o regime capitalista de produção é excelente e pode continuar existindo, mas o regime capitalista de distribuição não serve e deve ser abolido. Veja-se a que absurdo chegam os que se põem a escrever sobre economia sem ter a menor idéia da relação entre produção e distribuição.
Depois de se definir a riqueza, tem-se a definição do valor:"Valor é a cotização que as coisas e os serviços econômicos alcançam no comércio". Essa cotização corresponde"ao preço ou a um qualquer nome de equivalente, como, por exemplo, ao salário", ou, o que vem a ser a mesma coisa: o valor é o preço. Mas não queremos ser injustos com o Sr. Dühring e por isso vamos reproduzir o absurdo de sua definição, transcrevendo-a com a maior fidelidade pelas suas próprias palavras: o valor são os preços. Pois é o que ele diz na página 19:"O valor e os preços que o exprimem em dinheiro", reconhecendo com isso, sem que ninguém o exija, que um mesmo valor pode corresponder a diferentes preços, e, portanto, segundo o que dissemos atrás, a diferentes valores. Se Hegel não estivesse morto e bem morto, ao ler uma tal coisa ele se enforcaria. Não seria capaz de compreender, apesar de todas as suas teologias, essa espécie de valor que tem tantos valores diferentes como preços. É preciso ter-se, com efeito, a agudeza do Sr. Dühring para expor uma nova e mais profunda fundamentação da economia, pela declaração de que entre o preço e o valor não existe maior diferença que a do fato de que o primeiro se exprime em dinheiro, enquanto que o segundo não.
Continuamos, porém, sem saber o que é valor e a nossa ignorância é ainda maior a respeito dos fatores que o determinam. O Sr. Dühring vê-se obrigado pois a desenvolver novas explicações."Em termos muito gerais, a lei fundamental da comparação e da avaliação, na qual se baseiam o valor e os preços que o exprimem em dinheiro, reside primeiramente na esfera da pura produção, deixando de lado a distribuição, que se limita a introduzir no conceito de valor um segundo elemento. Os obstáculos mais ou menos grandes, que a diversidade de relações naturais opõe às aspirações tendentes à aquisição dos objetos, obrigando-as a um desgaste maior ou menor de força econômica, determinam também..."o valor, maior ou menor", e este se calcula tendo-se em vista a"resistência à aquisição que opõem à natureza e às circunstâncias. À proporção em que depositamos neles. (nos objetos) a nossa própria força é a causa decisiva e imediata da existência do valor em geral, e, em particular, a causa de sua grandeza."
Se estas palavras têm algum sentido, só pode ser o de que o valor de um produto do trabalho se determina pela quantidade do trabalho necessário para a sua elaboração, coisa que já sabíamos há muito tempo, sem necessidade de que o Sr. Dühring no-la viesse dizer. O que acontece é que O Sr. Dühring, incapaz de expor os fatos pura e simplesmente, se vê forçado a revesti-los com a sua roupagem oracular, É totalmente falso que a proporção em que o homem deposita a sua força em um bjeto (conservamos a grandiloqüente expressão) seja"a causa decisiva imediata" do valor e de sua grandeza. Em primeiro lugar é preciso saber em que objetos se concentra a força e, em segundo lugar, como é que esta se concentra. Se um homem cria um objeto que não tem valor de uso para os outros homens, por muita força que concentre nele, não produzirá nem sequer um átomo de valor. E, por mais que se esforce em produzir manualmente um objeto que uma máquina produz vinte vezes mais barato, dezenove vigésimos da força por ele gasta não terá nenhum valor e, portanto, nenhuma quantidade especial de valor. Ademais, procurar converter o trabalho produtivo, criador de produtos positivos, numa simples superação negativa de resistências, é querer inverter completamente os conceitos. De acordo com essa idéia, para chegar a produzir uma camisa teríamos que fazer o seguinte: em primeiro lugar, vencer a resistência da semente da planta do algodão, que se opõe a ser semeada e a crescer; em seguida, a resistência do algodão maduro contra a colheita, contra o enfardamento e a expedição; depois a resistência que apresenta o produto enfardado a ser desamarrado, beneficiado e fiado; mais tarde, a resistência do fio a ser tecido, a do tecido a ser clareado e costurado e, finalmente, a resistência da camisa já confeccionada a ser vestida.
Para que todas essas invenções e complicações pueris? Simplesmente para chegar, por meio da"resistência", do "valor de produção", do verdadeiro valor, que até agora não tem sido senão um valor puramente ideal, mas que é o único que regula os fatos na História, ao valor da distribuição, falseado pela violência:"Além da resistência que a natureza já opõe... há um outro obstáculo, puramente social... Entre o homem e a natureza se levanta um poder entorpecedor que é, novamente, o homem. O homem, concebido individual e isoladamente, é livre frente à natureza... Mas a situação se modifica desde que pensemos num segundo homem que, com a espada na mão; barra o acesso à natureza e aos seus tesouros, exigindo um preço, sob uma ou outra forma, para deixar livre o caminho. É como se esse segundo homem... impusesse um tributo ao primeiro, sendo esta a razão por que o valor dos objetos que se deseja seja superior ao que teria sido se este obstáculo político e social não se levantasse coibindo a aquisição ou a produção... As modalidades especiais desta cotização artificialmente aumentada dos objetos, que levam naturalmente consigo uma baixa proporcional no que se refere à cotização do trabalho, são variadíssimas... Assim, portanto, é uma ilusão querer ver no valor, desde o primeiro instante, um equivalente, no sentido restrito da palavra, isto é, uma igualdade de valor, ou uma relação de troca ajustada ao principio da igualdade da prestação e da contraprestação de serviços... Pelo contrário, a nota característica de uma teoria exata do valor é que a causa mais geral de avaliação que se concebe não coincide com a modalidade de cotização que tem a sua base na coação distributiva. Esta cotização varia quando varia a organização social, enquanto que o verdadeiro valor econômico somente pode ser um valor de produção mensurado em relação à natureza, e, portanto, pode variar só com os simples obstáculos da produção, sejam de caráter natural ou técnico,."
Isto quer dizer que, no modo de ver do Sr. Dühring, o valor de uma coisa que vigora na prática consta de duas Partes: a primeira é o trabalho que esta coisa encerra e a segunda é a sobrecarga tributária ue lhe é imposta pela força do homem da"espada na mão". Ou, por outras palavras o valor que está em vigor na atualidade é um preço de monopólio. Pois bem, se, de acordo com essa teoria, todas as mercadorias circulam sob um preço de monopólio, teremos apenas duas hipóteses. Uma é a de que todo o comprador voltaria a perder, como comprador, tudo o que ganhasse como vendedor, e, neste caso, os preços se teriam modificado apenas nominalmente, pois na realidade se manteriam invariáveis - na mútua proporção - e tudo continuaria a ser como anteriormente, desaparecendo como uma mera aparência o valor de distribuição. A outra hipótese é a de que a pretendida sobrecarga tributária representa em realidade uma soma de valor, a saber: a soma de valor que a classe trabalhadora, criadora de valores, produz e da qual a classe monopolizadora se apropria, caso em que esta soma de valor é formada, simplesmente, pelo trabalho não retribuído; mas por este caminho, chegaremos, necessariamente, apesar do homem de espada na mão, apesar de todos os encargos tributários e do tão falado valor de distribuição, ao ponto a que Marx já havia chegado: à teoria da mais-valia.
Entretanto, paremos um pouco para examinar alguns exemplos do famosíssimo"valor de distribuição". Nas páginas 125 e seguintes, afirma:"A modelação do preço pela concorrência individual deve ser considerada também como uma forma de distribuição econômica e de mútua imposição de tributos... Se partirmos da suposição de que as existências de uma qualquer mercadoria necessária diminuem subitamente de modo considerável, o vendedor ficará, de repente, com um poder de exploração desproporcional... e essas situações anormais, nas quais se impede, por muito tempo, a afluência de artigos necessários, patenteiam com evidência as gigantescas proporções que este poder pôde atingir etc. Além disso, afirma-nos o Sr. Dühring que, no curso normal das coisas, existem também monopólios efetivos que permitem fazer subir arbitrariamente os preços, como acontece, por exemplo, com as estradas de ferro, com as companhias urbanas de distribuição de água, gás de iluminação, etc. Não é coisa nova a existência de casos de exploração monopolista. O que é de fato novo é a afirmação de que os preços engendrados pelo monopólio não constituem exceções de casos específicos, mas que são, pelo contrário, um exemplo clássico do atual regime de fixação de valores. Como se determinam os preços dos gêneros alimentícios? O Sr. Dühring nos responde: Ide a uma cidade sitiada onde estejam secas as fontes do mercado e ficareis sabendo! Como atua a concorrência sobre a fixação dos preços no mercado? Resposta: Perguntai aos monopólios e tereis a explicação!
Por muito que olhemos, não conseguimos descobrir, nesses monopólios, onde está o famoso homem que mantém a vigilância junto a eles, com a espada na mão. Longe disso, nas cidades sitiadas o homem com a espada na mão, comandante da praça, se está cumprindo com o seu dever, o que faz é dar um fim ao monopólio ao mesmo tempo em que requisita os estoques acumulados para distribuir eqüitativamente os gêneros. Sempre que os homens da espada pretenderam fabricar um"valor de distribuição" não conseguiram senão desastres e perdas de dinheiro. Pelo seu monopólio do comércio das Índias Orientais, não conseguiram os holandeses outra coisa mais que a ruina de seu monopólio e de seu comércio. Os dois governos mais fortes que já existiram no mundo, o governo revolucionário norte-americano e a Convenção Nacional, tiveram pretensão de fixar os preços máximos e fracassaram lamentavelmente. Há muitos anos, o governo russo vem trabalhando por fazer elevar, em Londres, à força de comprar naquele mercado letras de câmbio sobre a Rússia, a cotação do papel-moeda russo que, em seu próprio país, está baixando, ininterruptamente, deprimida pelas continuas emissões de bilhetes de banco de curso forçado. Em poucos anos, essa farsa custou ao Erário russo cerca de 60 milhões de rublos e, atualmente, o rublo, que devia valer normalmente mais de 3 marcos, está valendo menos de dois. Se a espada tem esse poder mágico que lhe atribui o Sr. Dühring, por que então, até hoje, nenhum governo foi capaz de infundir, em larga escala, ao dinheiro mau, o"valor de distribuição" do dinheiro bom, ou ao papel-moeda o valor do ouro? E, além disso, onde é que está a espada que governa o mercado mundial?
Existe, entretanto, outra forma de capital na qual o valor de distribuição torna possível a apropriação de prestações de serviços de outrem, sem contraprestações:"a renda possessória", ou seja, a renda da terra mais o lucro do capital. Limitar-nos-emos, por enquanto, a consignar essas definições, para poder acrescentar, a seguir, que elas são tudo o que nos dizem sobre o famoso"valor de distribuição". Tudo? Não, tudo não. Ouçamos o seguinte:"A despeito do segundo ponto de vista que se manifesta no reconhecimento da existência de um valor de produção e de um valor de distribuição, ficará sempre de pé alguma coisa de comum, aquele objeto básico do qual se formam todos os valores e pelo qual, portanto, podem todos ser medidos. A medida imediata e natural para todos é o desgaste de forças, e a unidade de medida mais simples é a força humana, no sentido mais cru da palavra. Esta medida se reduz, em última instância, ao tempo da existência humana, cuja própria conservação implica por sua vez na superação de uma determinada soma de dificuldades de alimentação e de vida. O valor de distribuição ou de apropriação existe somente, pura e exclusivamente, ali onde pode dispor sobre coisas não produzidas, ou, usando a linguagem vulgar, ali onde estas mesmas coisas se trocam por objetos ou serviços que representam verdadeiro valor de produção. O traço comum entre todas as expressões do valor e que, portanto, se evidencia e aparece representado nas Partes integrantes do valor, apropriadas pela contraprestação, consiste no desgaste de força humana que aparece... encarnado em toda a mercadoria."
Que devemos dizer a respeito disto? Se todos os valores das mercadorias são medidos pelo desgaste de força humana que as mercadorias representam, que foi feito do famoso valor de distribuição, da elevação dos preços, da imposição dos tributos? É verdade que o Sr. Dühring nos afirma que também as coisas não produzidas, incapazes portanto de conter um verdadeiro valor, adquirem um valor de distribuição podendo pois ser trocadas por objetos produzidos nos quais existe um valor. Mas, ao mesmo tempo, afirma que todos os valores inclusive os valores pura e simplesmente de distribuição, consistem num desgaste de força que eles representam. Francamente não compreendemos, por infelicidade, que desgaste de força pode representar uma coisa não produzida. De toda essa confusão de valores, o que nos parece claro é que esse pretendido valor de distribuição, essa elevação de preços, imposta sobre as mercadorias por meio da posição social, essa tributação imposta pela espada, tudo isso não tem existência alguma. Que representam os valores das mercadorias, determinados exclusivamente pelo desgaste da força humana, chamada popularmente traba1ho? O Sr. Dühring. deixando de lado a renda da terra além de uns tantos preços isolados de monopólio, diz-nos, então, embora muito mais desconexa e confusamente, a mesma coisa que já afirmara. há muito tempo. com muito maior precisão e clareza, a detestada teoria de Ricardo e de Marx.
Sim ele afirma isso e, ao mesmo tempo e de um só fôlego, afirma o contrário. Marx. partindo das investigações de Ricardo, diz o seguinte: O valor das mercadorias é determinado pelo trabalho geral, humano, socialmente necessário, nelas materializado, o qual, por sua vez, é medido pela sua duração. O trabalho é a medida de todos os valores, mas não possui valor algum. O Sr. Dühring. depois de ter exposto à sua moda, extravagantemente, que o trabalho é a medida do valor, acrescenta: O trabalho "se resume no tempo de existência e a sua própria conservação representa, por seu lado, a superação de uma determinada soma de dificuldades de alimentação e de. vida". Passemos por alto sobre esta confusão - nascida do puro anseio de originalidade - que o Sr. Dühring cria entre o que é tempo de trabalho - a única coisa que nos interessa neste momento - e o que é tempo de existência, que não sabemos o que tenha sido, alguma vez até o dia de hoje, fonte ou medida de valores. Deixemos de lado, também, essa falsa aparência "socialitária" com que pretende nos envolver, ao falar da"própria conservação" desse tempo de existência: enquanto o mundo for mundo, toda pessoa que quiser se sustentar a si mesmo terá que fazê-lo consumindo, também por si mesma, os seus meios de vida. Demos por suposto que o Sr. Dühring se havia expressado em termos econômicos e precisos e que a sua afirmação acima transcrita se resume no seguinte: O valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho que representa e o valor desse tempo de trabalho é representado pelos meios de vida necessários para sustentar, durante esse período. o operário, o que. aplicado à sociedade atual, quer dizer que o valor de uma mercadoria se determina pelo salário que nela está encerrado.
Terminamos desse modo, por descobrir o que, real e verdadeiramente, quer o Sr. Dühring dizer. O valor de uma mercadoria se determina, para dizer em termos de economia vulgar, pelo custo da produção. Carey, opondo-se a esta explicação."fazia ressaltar a verdade, quando afirmava que não era o custo de produção. mas o custo de reprodução, que determinava o valor" ("História Crítica". pág. 401). Veremos mais adiante se este custo de produção ou reprodução tem alguma razão de ser; por enquanto, basta que saibamos que ele se encontra formado, como é claro, por duas parcelas: o salário e o lucro do capital. O salário representa o"desgaste de força" materializado na mercadoria, ou seja, o valor de produção. O lucro representa o tributo ou o aumento de preço imposto à mercadoria pelo capitalista, amparado pelo seu monopólio, pela espada que tem na mão, ou seja, o valor de distribuição. E todo o emaranhado da teoria dühringuiana do valor, prenhe de contradições, acaba por se resolver, finalmente, na mais bela e harmoniosa limpidez.
A determinação do valor das mercadorias pelo salário, que ainda freqüentemente se confunde, em Adam Smith, com a determinação do valor pelo tempo de trabalho, já foi abolida, a partir de Ricardo, do terreno da economia científica, encontrando atualmente divulgação apenas na economia vulgar. Com efeito, só os mais vulgares demagogos da ordem social vigente, do capitalismo, é que pregam a determinação do valor pelo salário, ao mesmo tempo em que pretendem apresentar o lucro do capitalista como uma forma superior de salário, como uma espécie de salário de abstinência (que o capitalista reserva para si, por não ter desperdiçado o seu capital em prazeres), como um prêmio dos riscos que o capital sempre corre, como uma remuneração de seus serviços à frente do negócio, etc. O Sr. Dühring distingue-se apenas desses cavalheiros pelo fato de declarar que o lucro é um ato de rapina. Por outros termos, constrói o Sr. Dühring, diretamente, o seu socialismo com base nos ensinamentos da mais desacreditada economia vulgar. Formam um todo os dois sistemas, a economia vulgar e o socialismo do Sr. Dühring. Ao desaparecer um, desaparece o outro, necessariamente.
É evidente que o que produz um operário e o que ele custa são duas coisas tão diferentes como o são o que produz e o que custa uma máquina. O valor que cria um operário, numa jornada de trabalho de doze horas, não tem nada de comum com o valor dos gêneros que ele consome durante essa jornada de trabalho e nos intervalos e horas de descanso de cada dia. Nestes meios de vida que consome poderá estar encerrado um tempo de trabalho equivalente a três, a quatro ou a sete horas, segundo o grau de desenvolvimento a que tenha chegado o rendimento do trabalho. Suponhamos que para a produção desses gêneros tenham sido necessárias sete horas de trabalho: a teoria do valor, formulada pela economia vulgar e aceita pelo Sr. Dühring, terá que concordar que o produto de doze horas de trabalho tem o valor do produto de sete horas de trabalho, ou seja, que doze horas de trabalho são a mesma coisa que sete horas de trabalho, ou ainda, que 12 = 7. Para que a coisa seja ainda mais clara: Um operário agrícola, quaisquer que sejam as condições sociais em que trabalhe, produz, digamos, uma quantidade de trigo de vinte hectolitros por ano. Durante este tempo, consome uma quantidade de valores que se exprime numa quantidade de trigo de quinze hectolitros. De acordo com essa teoria, os vinte hectolitros terão o mesmo valor que os quinze, e isto num mesmo mercado, e sob condições que não variaram em nada. Isto eqüivale a dizer, noutros termos, que 20 eqüivalem a 15! E chamam a uma tal coisa Economia Política!
Todos os progressos da sociedade humana, a partir do momento em que se ergue do estágio da barbárie animal primitiva, tem o seu começo no dia em que o trabalho da família criou mais produtos que os necessários para o seu sustento, portanto, quando uma Parte do trabalho pode ser invertida, não apenas na produção de simples meios de vida, mas em criar meios de produção. A formação de um excedente do produto do trabalho, depois de ter sido coberto o gasto de subsistência do próprio trabalho, ao mesmo tempo em que a formação e o desenvolvimento por meio deste excedente de um fundo social de produção e de reserva era, desde o princípio e continua senda hoje, a base de todo o progresso social, político e intelectual. Esse fundo vem sendo, historicamente, o patrimônio de uma classe privilegiada que pela sua posse, tem também nas mãos a hegemonia política e a direção espiritual. A revolução social que se aproxima converterá, pela primeira, vez, este fundo coletivo de produção e de reserva, isto é, a massa global de matérias-primas, instrumentos de produção e meios de vida, num verdadeiro fundo social, arrancando-o das mãos dessa classe privilegiada, que atualmente dele dispõe, e colocando-o como patrimônio coletivo a serviço de toda a sociedade.
Só pode ser aceita uma de duas soluções. Ou o valor das mercadorias se determina pelo custo de manutenção do trabalho necessário para produzir estas mercadorias, o que eqüivale a dizer, na atual sociedade, que se determina pelo salário. Neste caso, cada operário recebe, com o seu salário o valor do produto de seu trabalho, e não haverá nenhuma possibilidade de que a classe dos operários assalariados seja explorada pela classe dos capitalistas. Suponhamos que o custo de manutenção de um operário seja expresso numa sociedade determinada, pela soma de três marcos. De acordo com este custo, e baseando-nos na teoria dos economistas vulgares que acabamos de expor, o produto diário do operário terá o valor de três marcos. Admitamos, agora, que o capitalista para o qual trabalha esse operário acrescente a esse produto um lucro, um tributo de um marco, vendendo-o por quatro marcos. A mesma coisa farão todos os capitalistas. Mas, então, o operário não poderá continuar a se manter com três marcos, mas precisará de quatro. E como se supõe que as demais circunstâncias que influem no fenômeno permanecem invariáveis, continuará sendo o mesmo o salário expresso em meios de vida, mas o salário expresso em dinheiro terá, necessariamente, que aumentar, e aumentará concretamente de três para quatro marcos diários, pois que os capitalistas se verão obrigados a devolver à classe trabalhadora sob a forma de salários, aquilo que lhe arrancaram sob a forma de lucro. Continuamos exatamente no mesmo ponto em que estávamos: se o salário determina o valor, é impossível conceber que o operário seja explorado pelo capitalista. Não será também possível formar-se um excedente de produtos, pois os operários, de acordo com o que pressupomos inicialmente, consumirão exatamente a mesma quantidade de valor que eles mesmos produziram. E como os capitalistas não produzem valor algum não se pode calcular nem mesmo do que poderão eles viver. Se existe, apesar de tudo, um excedente da produção sobre o consumo, se existe um excedente de produção e de reserva, e, de fato, existe nas mãos dos capitalistas, não nos resta mais que uma explicação: os operários se limitam a consumir para a sua própria manutenção, o valor das mercadorias, deixando aos capitalistas a tarefa de explorar essas mercadorias.
Mas ainda existe outra solução: Se este fundo de produção e de reserva efetivamente existe nas mãos da classe capitalista e se ele formou, como se observa na realidade mediante a acumulação de lucros (deixando por um momento a renda do solo), estará forçosamente integrado pelo excedente do produto do trabalho da classe operária, acumulada por esta e entregue à classe capitalista, pelo excedente que resta depois de ter sido coberta a soma paga como salário pela classe capitalista à classe trabalhadora. Mas então o valor não será determinado precisamente pelo salário, mas pela quantidade de trabalho; assim a classe operária entregará à classe capitalista, como produto de seu trabalho, uma quantidade maior de valor do que o Parte que recebe dela sob a forma de salário, e o lucro do capital, da mesma forma que as demais formas de apropriação do produto da trabalho alheio não retribuído, terá sua explicação, como Parte integrante dessa mais-valia, nada mais é que uma descoberta de Marx.
Diremos de passagem que, em todo o Curso da Economia, não existe nenhuma referência à grande descoberta com que Ricardo, marcando época, dá início à sua obra capital, que é a seguinte:"O valor de uma mercadoria depende da quantidade de. trabalho necessária para a sua produção, e não da remuneração mais elevada ou mais baixa que é estabelecida para esse trabalho". Na História Crítica abre-se-lhe uma pequena cova, enterrando-o com essas palavras sacramentais:"Não se vê, (isto é, Ricardo) que a menor ou maior proporção em que o salário pode ser (!) um indício das necessidades da vida, tem que se relacionar necessariamente... com uma modalidade diferente no que se refere às relações de valor." Esta frase tem a vantagem de fazer com que o leitor possa pensar o que lhe aprouver ou, então, o que é mais seguro, não pensar nada.
Pelo que dissemos, o leitor pode agora escolher, entre as cinco classes de valor que nos são servidas pelo Sr. Dühring numa bandeja, a que mais lhe agradar: o valor de produção que tem a sua fonte na natureza, ou o valor de distribuição, criado pela maldade dos homens e que se caracteriza pela particularidade de ser medida pelo desgaste de força que ele não representa; ou então, o valor que se mede pelo tempo de trabalho; o valor que se mede pelo custo da reprodução; e, por fim, o valor que se mede pelo salário. Como se vê, há o que escolher; a coleção não pode ser mais completa, assim como o é a confusão, e, como sobremesa, podemos exclamar como o faz o próprio Sr. Dühring:"A teoria do valor é a pedra de toque pela qual se aprecia a solidez dos sistemas econômicos".
Inclusão | 30/10/2002 |