Examinemos agora seriamente os casos principais em que se intenta obter um aumento dos salários, ou se opõe uma resistência à sua redução.
1 - Vimos que o valor da força de trabalho, ou, em termos mais populares, o valor do trabalho, é determinado pelo valor dos artigos de primeira necessidade ou pela quantidade de trabalho necessária à sua produção. Por conseguinte, se num determinado país o valor dos artigos de primeira necessidade, em média diária consumidos por um operário, representa 6 horas de trabalho, expressa em 3 xelins, este trabalhador terá de trabalhar 6 horas por dia a fim de produzir um equivalente do seu sustento diário. Sendo de 12 horas a jornada de trabalho, o capitalista pagar-lhe-ia o valor de seu trabalho entregando-lhe 3 xelins. Metade da jornada de trabalho será trabalho não remunerado e, portanto, a taxa de lucro se elevará a 100 por cento. Mas vamos supor agora que, em conseqüência de uma diminuição da produtividade, se necessite de mais trabalho para produzir, digamos, a mesma quantidade de produtos agrícolas que dantes, com o que o preço médio dos víveres diariamente necessários subirá de 3 para 4 xelins. Neste caso, o valor do trabalho aumentaria de um terço, ou seja, de 33,3 por cento. A fim de produzir o equivalente do sustento diário do trabalhador, dentro do padrão de vida anterior, seriam precisas 8 horas de jornada de trabalho. Logo, o sobretrabalho diminuiria de 6 para 4 horas e a taxa de lucro se reduziria de 100 para 50 por cento. O trabalhador que nestas condições pedisse um aumento de salário limitar-se-ia a exigir que lhe pagassem o valor incrementado de seu trabalho, como qualquer outro vendedor de uma mercadoria que, quando aumenta o custo de produção desta, age de modo a conseguir que o comprador lhe pague esse incremento do valor. E se os salários não sobem, ou não sobem em proporções suficientes para compensar o incremento do valor aos artigos de primeira necessidade, o preço do trabalho descerá abaixo do valor do trabalho e o padrão de vida do trabalhador piorará.
Mas também pode operar-se uma mudança em sentido contrário. Ao elevar-se a produtividade do trabalho, pode acontecer que a mesma quantidade de artigos de primeira necessidade, consumidos em média, diariamente, baixe de 3 para 2 xelins, ou que, em vez de 6 horas de jornada de trabalho, bastem 4 para produzir o equivalente do valor dos artigos de primeira necessidade consumidos num dia. O operário poderia, então, comprar por 2 xelins exatamente os mesmos artigos de primeira necessidade que antes lhes custavam 3. Na realidade teria baixado o valor do trabalho; mas este valor diminuído disporia da mesma quantidade de mercadorias que antes. O lucro subiria de 3 para 4 xelins e a taxa de lucro, de 100 para 200 por cento. Ainda que o padrão de vida absoluto do trabalhador continuasse sendo o mesmo, seu salário relativo e, portanto, a sua posição social relativa, comparada com a do capitalista, teria piorado. Opondo-se a esta redução de seu salário relativo, o trabalhador não faria mais que lutar para obter uma parte das forças produtivas incrementadas do seu próprio trabalho e manter a sua antiga situação relativa na escala social. Assim, após a abolição das Leis Cerealistas e violando, flagrantemente, as promessas soleníssimas que haviam feito, em sua campanha de propaganda contra aquelas leis, os donos das fábricas inglêsas diminuíram em geral os salários de 10 por cento. A princípio, a oposição dos trabalhadores foi frustrada; porém, mais tarde, logrou-se a recuperação dos 10 por cento perdidos, em conseqüência de circunstâncias que não me posso deter a examinar agora.
2. - Os valores dos artigos de primeira necessidade e, por conseguinte, o valor do trabalho podem permanecer invariáveis, mas o preço deles em dinheiro pode sofrer alteração desde que se opere uma prévia modificação no valor do dinheiro.
Com a descoberta de jazidas mais abundantes, etc., 2 onças de ouro, por exemplo, não suporiam mais trabalho do que antes exigia a produção de uma onça. Neste caso, o valor do ouro baixaria à metade, a 50 por cento. E como, em conseqüência disto, os valores das demais mercadorias se expressariam no dobro do seu preço em dinheiro anterior, o mesmo aconteceria com o valor do trabalho. As 12 horas de trabalho, que antes se expressavam em 6 xelins, agora se expressariam em 12. Logo, se o salário do operário continuasse a ser de 3 xelins, em vez de ir a 6, resultaria que o preço em dinheiro do seu trabalho só corresponderia à metade do valor do seu trabalho, e seu padrão de vida pioraria assustadoramente. O mesmo ocorreria, em grau maior ou menor, se o seu salário subisse, mas não proporcionalmente à baixa do valor do ouro. Em tal caso, não se teria operado a menor mudança, nem nas forças produtivas do trabalho, nem na oferta e procura, nem tampouco nos valores. Só teria mudado o nome em dinheiro destes valores. Dizer, neste caso, que o operário deve lutar pelo aumento proporcional do seu salário, equivale a pedir-lhe que se resigne a que se lhe pague o seu trabalho com nomes não com coisas. Toda a história do passado prova que sempre que se produz uma depreciação do dinheiro, os capitalistas se aprestam para tirar proveito da conjuntura e enganar os operários. Uma grande escola de economistas assevera que, em conseqüência das novas descobertas de terras auríferas, da melhor exploração das minas de prata e do barateamento do fornecimento do mercúrio, voltou a se depreciar o valor dos metais preciosos. Isto explicaria as tentativas generalizadas e simultâneas que se fazem no Continente para conseguir um aumento de salários.
3. - Até aqui partimos da suposição de que a jornada de trabalho tem limites dados. Mas, na realidade, essa jornada, em si mesma, não tem limites constantes. O capital tende constantemente a dilatá-la ao máximo de sua possibilidade física, já que na mesma proporção aumenta o sobretrabalho e, portanto, o lucro que dele deriva. Quanto mais êxito tiverem as pretensões do capital para alongar a jornada de trabalho, maior será a quantidade de trabalho alheio de que se apropriará. Durante o século XVII, e até mesmo durante os primeiros dois terços do XVIII, a jornada normal de trabalho, em toda Inglaterra, era de 10 horas. Durante a guerra contra os jacobitas(1), que, foi, na realidade, uma guerra dos barões ingleses contra as massas trabalhadoras inglêsas, o capital viveu dias de orgia e prolongou a jornada de 10 para 12, 14 e 18 horas. Malthus, que não pode precisamente infundir suspeitas de terno sentimentalismo, declarou num folheto, publicado por volta de 1815, que a vida da nação estava ameaçada em suas raízes, caso as coisas continuassem assim. Alguns anos antes da generalização dos novos inventos mecânicos, cerca de 1765, veio à luz na Inglaterra um folheto intitulado An Essay on Trade ["Um Ensaio Sôbre o Comércio"]. O anônimo autor deste folheto, inimigo jurado da classe operária, clama pela necessidade de estender os limites da jornada de trabalho. Entre outras coisas, propõe criar, com este objetivo, casas de trabalho para pobres que, diz ele, deveriam ser "casas de terror". E qual é a duração da jornada de trabalho proposta para estas "casas de terror"? Doze horas, quer dizer, precisamente a jornada que, em 1832, os capitalistas, os economistas e os ministros declaravam não só vigente de fato, mas também o tempo de trabalho necessário para as crianças menores de 12 anos.
Ao vender a sua força de trabalho ,- e o operário é obrigado a fazê-lo, no regime atual -, ele cede ao capitalista o direito de empregar esta força, porém dentro de certos limites racionais. Vende a sua força de trabalho para conservá-la ilesa, salvo o natural desgaste, porém não para destruí-la. E como a vende por seu valor diário, ou semanal, se subentende que num dia ou numa semana não se há de arrancar à sua força de trabalho um uso, ou desgaste de dois dias ou duas semanas. Tomemos uma máquina que valha 1 000 libras. Se ela se usa em dez anos, acrescentará no fim de cada ano 100 libras ao valor das mercadorias que ajuda a produzir. Se se usa em 5 anos, o valor acrescentado por ela será de 200 libras anuais,isto é, o valor de seu desgaste anual está em razão inversa à rapidez com que se esgota. Mas isto distingue o operário da máquina. A maquinaria não se esgota exatamente na mesma proporção em que se usa. Ao contrário, o homem se esgota numa proporção muito superior à que a mera soma numérica do trabalho acusa.
Nas tentativas para reduzir a jornada de trabalho à sua antiga duração racional, ou, onde não podem arrancar uma fixação legal da jornada normal de trabalho, nas tentativas para contrabalançar o trabalho excessivo por meio de um aumento de salário, aumento que não basta esteja em proporção com o sobretrabalho que os exaure, e deve, sim, estar numa proporção maior, os operários não fazem mais que cumprir um dever para com eles mesmos e a sua raça. Limitam-se a refrear as usurpações tirânicas do capital. O tempo é o campo do desenvolvimento humano. O homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja vida, afora as interrupções puramente físicas do sono, das refeições, etc., está toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. É uma simples máquina, fisicamente destroçada e espiritualmente animalizada, para produzir riqueza alheia. E, no entanto, toda a história da moderna indústria demonstra que o capital, se não se lhe põe um freio lutará ,sempre, implacavelmente e sem contemplações, para conduzir toda a classe operária a este nível de extrema degradação.
Pode acontecer que o capital, ao prolongar a jornada de trabalho, pague salários mais altos e que, sem embargo, o valor do trabalho diminua, se o aumento dos salários não corresponde à maior quantidade de trabalho extorquido e ao mais rápido esgotamento da força de trabalho que daí resultará. Isto pode ainda ocorrer de outro modo. Vossos estatísticos burgueses vos dirão, por exemplo, que os salários médios das famílias que trabalham nas fábricas do Lancashire subiram. Mas se esqueceram de que agora, em vez de ser só o homem, o cabeça da família, são também sua mulher e, talvez, três ou quatro filhos que se vêem lançados sob as rodas do carro de Jaguernaut(2) do capital e que a alta dos salários totais não corresponde à do sobretrabalho total arrancado à família.
Mesmo com uma jornada de trabalho de limites determinados, como existe hoje em dia em todas as indústrias sujeitas às leis fabris, pode-se tornar necessário um aumento de salários, ainda que somente seja com o fito de manter o antigo nível do valor do trabalho. Mediante o aumento da intensidade do trabalho, pode-se fazer que um homem gaste numa hora tanta força vital como antes em duas. É o que se tem produzido nas indústrias submetidas às leis fabris, até certo ponto, acelerando a marcha das máquinas e aumentando o número de máquinas de trabalho a que deve atender agora um só indivíduo. Se o aumento da intensidade do trabalho ou da quantidade de trabalho despendida numa hora se mantém abaixo da diminuição da jornada de trabalho, sairá então ganhando o operário. Se se ultrapassa este limite, perderá por um lado o que ganhar por outro, e 10 horas de trabalho o arruinarão tanto como antes 12. Ao contrabalançar esta tendência do capital, por meio da luta pela alta dos salários, na medida correspondente à crescente intensidade do trabalho, o operário não faz mais que opor-se à depreciação do seu trabalho e à degeneração da sua raça.
4. - Sabeis todos que, por motivos que não me cabe aqui explicar, a produção capitalista move-se através de determinados ciclos periódicos. Passa por fases de calma, de animação crescente, de prosperidade, de superprodução, de crise e de estagnação. Os preços das mercadorias no mercado e a taxa de lucro no mercado seguem estas fases; ora descendo abaixo de seu nível médio, ora ultrapassando-o. Se considerardes todo o ciclo, vereis que uns desvios dos preços do mercado são compensados por outros e que, tirando a média do ciclo, os preços das mercadorias do mercado se regulam por seus valores. Pois bem. Durante as fases de baixa dos preços no mercado e durante as fases de crise de estagnação, o operário, se é que não o põem na rua, pode estar certo de ver rebaixado o seu salário. Para que não o enganem, mesmo com essa baixa de preços no mercado, ver-se-á compelido a discutir com o capitalista em que proporção se torna necessário reduzir os salários. E se durante a fase de prosperidade, na qual o capitalista obtém lucros extraordinários, o operário não lutar por uma alta de salários, ao tirar a média de todo o ciclo industrial, veremos que ele nem sequer percebe o salário médio, ou seja, o valor do seu trabalho. Seria o cúmulo da loucura exigir que o operário, cujo salário se vê forçosamente afetado pelas fases adversas do ciclo, renunciasse ao direito de ser compensado durante as fases prósperas. Geralmente, os valores de todas as mercadorias só se realizam por meio da compensação que se opera entre os preços constantemente variáveis do mercado, variação proveniente das flutuações constantes da oferta e da procura. No âmbito do sistema atual, o trabalho é uma mercadoria, como outra qualquer. Tem, portanto, que passar pelas mesmas flutuações, até obter o preço médio que corresponde ao seu valor. Seria um absurdo considerá-lo como mercadoria para certas coisas e, para outras, querer excetuá-lo das leis que regem os preços das mercadorias. O escravo obtém uma quantidade constante e fixa de meios de subsistência; o operário assalariado, não. Ele não tem outro recurso senão tentar impor, em alguns casos, um aumento dos salários, ainda que seja apenas para compensar a baixa em outros casos. Se espontaneamente se resignasse a acatar a vontade, os ditames do capitalista, como uma lei econômica permanente compartilharia de toda a miséria do escravo, sem compartilhar, em troca, da segurança deste.
5. - Em todos os casos que considerei, e que representam 99 em 100, vistes que a luta pelo aumento de salários vai sempre na pista de modificações anteriores e é o resultado necessário das modificações prévias operadas no volume de produção, nas forças produtivas do trabalho, no valor deste, no valor do dinheiro, na maior extensão ou intensidade do trabalho extorquido nas flutuações dos preços do mercado, que dependem das flutuações da oferta e da procura e se verificam em função das diversas fases do ciclo industrial; numa palavra, é a reação dos operários contra a ação anterior do capital. Se focalizássemos a luta pelo aumento de salários fazendo caso omisso de todas estas circunstâncias, apenas considerando as modificações operadas nos salários e passando por cima de modificações outras, das quais elas provêm, partiríamos de uma falsa premissa para chegar a conclusões falsas.