Aprender a Fazer o Trabalho Econômico

Mao Tsetung

10 de Janeiro de 1945


Primeira Edição: Discurso pronunciado pelo camarada Mao Tsetung numa conferência dos heróis do trabalho e trabalhadores-modelo da região fronteiriça Xensi-Cansu-Ninsia.
Tradução: A presente tradução está conforme à nova edição das Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Tomo II (Edições do Povo, Pequim, Agosto de 1952). Nas notas introduziram-se alterações, para atender as necessidades de edição em línguas estrangeiras.
Fonte: Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Pequim, 1975, Tomo III, pág: 289-300.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo

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Heróis do trabalho, trabalhadores-modelo!

Vocês participaram nesta conferência e fizeram o balanço das vossas experiências; nós saudamo-vos e rendemo-vos homenagem. Vocês têm três qualidades e desempenham três papeis. Primeiro, o papel de promotores. Por outras palavras, com os vossos esforços magníficos e as vossas múltiplas inovações, o vosso trabalho converteu-se num exemplo para todos; vocês elevaram as normas do trabalho e inspiraram os demais a aprender convosco. Segundo, o papel de ossatura. Vocês, na maioria, ainda não são quadros, mas constituem já a ossatura, o núcleo das massas; convosco tornou-se mais fácil fazer avançar o nosso trabalho. No futuro poderão chegar a quadros, no momento vocês são apenas uma reserva de quadros. Terceiro, o papel de ponte. Vocês são a ponte que liga os dirigentes às grandes massas. Por vosso intermédio, as opiniões das massas são transmitidas à direção e as opiniões da direção transmitidas às massas.

Vocês têm muitas qualidades, vocês prestaram grandes serviços, mas guardem-se de toda a presunção. É justo que sejam respeitados por toda a gente, mas isso pode conduzir-vos facilmente à presunção. Se se tornarem orgulhosos, se vos faltar modéstia, se não fizerem mais esforços, se não respeitarem os outros nem respeitarem os quadros e as massas, deixarão de ser heróis, deixarão de ser modelo. Houve casos assim no passado, mas espero que não sigam tal exemplo.

Esta conferência fez o balanço da vossa experiência. É um balanço bom, que vale tanto aqui como nas outras regiões, mas sobre isso não vou alargar-me agora. O que pretendo é apenas dizer algumas palavras sobre o nosso trabalho econômico.

Nestes últimos anos nós começamos a aprender a trabalhar no plano econômico e já alcançamos importantes êxitos, mas isso foi apenas um começo; precisamos de fazer com que, em dois ou três anos, a região fronteiriça Xensi-Cansu-Ninsia e as outras regiões libertadas, na retaguarda do inimigo, satisfaçam por si mesmas a totalidade ou a maior parte das suas necessidades em cereais e artigos manufaturados e disponham inclusivamente de excedentes. Temos que obter ainda maiores êxitos na agricultura, indústria e comércio. Só então poderemos considerar-nos como alguém que aprendeu melhor a questão do trabalho econômico e o realiza melhor. Quando numa região as condições de vida do exército e da população não melhoram, a base material para a contraofensiva permanece instável e a agricultura, a indústria e o comércio não se desenvolvem anualmente, mas pelo contrário mantêm-se estacionários ou até acusam um retrocesso, torna-se evidente que os quadros do Partido, do governo e do exército não aprenderam a fazer o trabalho econômico, e esbarra-se de certeza com enormes dificuldades.

Há um problema para o qual tenho mais uma vez de chamar a atenção de todos: é o fato de as nossas ideias precisarem de adaptar-se ao meio em que diretamente vivemos. Esse meio, hoje em dia, é o campo, não há como duvidar disso. Com efeito, quem poderá ignorar que de fato vivemos no campo? Não obstante, é uma evidência que não se impõe a todos. Muitos dos nossos camaradas não compreendem realmente o campo ou, pelo menos, não o conhecem a fundo, embora aí vivam todos os dias e julguem até que o entendem. Eles não partem do fato de que o nosso meio ambiente é o campo baseado em economia individual, dividido pelo inimigo e, por consequência, empenhado numa guerra de guerrilhas. Assim, é geralmente de modo incorreto ou pouco adequado que manejam as questões políticas, militares, econômicas e culturais, os problemas do Partido e os problemas levantados pelos movimentos dos operários, camponeses, jovens e mulheres. Abordam as questões rurais partindo duma perspetiva urbana, elaboram subjetivamente numerosos planos inadequados e impõem arbitrariamente a respetiva execução de tal modo que batem frequentes vezes com a cabeça na parede. É certo que, nos últimos anos, graças ao movimento de retificação e em razão até dos fracassos registados no próprio trabalho, os camaradas fizeram muito progresso. Mas devemos velar por adequar perfeitamente as nossas ideias ao meio; só assim poderemos obter resultados, rapidamente e em todos os domínios do nosso trabalho. Se compreendemos realmente que o meio em que nos encontramos são bases rurais, baseadas na economia individual, separadas umas das outras pelo inimigo e, consequentemente, empenhadas numa guerra de guerrilhas, e se fazemos tudo a partir disso, os resultados poderão parecer lentos e não espetaculares. Mas o que não representarão na prática, quando comparados com os resultados que conseguiríamos partindo doutro ponto de vista, por exemplo do ponto de vista urbano? Longe de lentos, os nossos resultados revelar-se-ão, pelo contrário, bem rápidos. Efetivamente, se partirmos do ponto de vista urbano, se nos desligarmos da realidade presente, a questão não será mais a dos resultados lentos ou rápidos mas sim a duma série de fracassos e um insucesso completo.

Isso é o que prova de modo gritante o enorme êxito alcançado pela forma atual do movimento de produção que, em resposta ao nosso apelo, realizaram o exército e as populações.

Nós pretendemos golpear o agressor japonês e preparar-nos para recuperar as cidades e os territórios perdidos. Mas como poderemos chegar a isso se nos encontramos em regiões rurais baseadas na economia individual, cortadas umas das outras pelo inimigo e empenhadas numa guerra de guerrilhas? Não podemos imitar o Kuomintang, que não mexe sequer um dedo e depende exclusivamente do estrangeiro, até mesmo para artigos de consumo corrente como os tecidos de algodão. Somos pelo apoio nas nossas próprias forças. Esperamos obter uma ajuda exterior, mas não devemos ficar dependentes dela. Contamos com os nossos esforços, com a força criadora de todo o nosso exército e de todo o nosso povo. E que método seguir? O método consiste em lançar entre o exército e a população um movimento de produção de grande escala.

Como estamos no campo e os recursos humanos e materiais existem aí em estado disperso, temos que adoptar para a produção e abastecimento a política de “direção única e gestão descentralizada”.

Como estamos no campo e os camponeses são produtores individuais dispersos que empregam instrumentos de produção atrasados, e como a maior parte das terras continua nas mãos dos senhores de terras, encontrando-se o campesinato submetido, através da renda, a uma exploração feudal, temos que adoptar a política de redução das rendas e das taxas de juro assim como uma política de organizar a entreajuda no trabalho, de maneira que se estimule o entusiasmo dos camponeses pela produção e aumente a produtividade do trabalho agrícola. A redução das rendas faz com que os camponeses se interessem mais pela produção e a entreajuda eleva a produtividade do trabalho agrícola. Os dados recebidos de diversas regiões da China Setentrional e Central atestam todos que, após a redução das rendas, os camponeses manifestam um interesse muito maior pela produção e organizam-se voluntariamente em grupos de ajuda mútua semelhantes às nossas equipas de troca de trabalho aqui, com uma produtividade de trabalho de três pessoas a igualar a produtividade de quatro no passado. Sendo assim, noventa milhões de pessoas podem fazer tanto trabalho como cento e vinte milhões. E acontece também que duas pessoas fornecem tanto trabalho como o que era anteriormente fornecido por três. Se em vez de recorrer à coação e ao dirigismo, que a nada levam por pretenderem ir muito depressa, nós adotamos uma política de persuasão paciente e educação através de bons exemplos, em alguns anos poderemos conseguir que a maioria dos camponeses se organize em grupos de ajuda mútua para a produção agrícola e artesanal. Uma vez convertidos esses grupos de produção em coisa corrente, não somente se registará um aumento considerável da produção e toda uma série de inovações, como ainda se registarão progressos no domínio político, elevar-se-á o nível de instrução, melhorarão as condições de higiene, notar-se-á um êxito na reeducação dos transviados e mudarão os costumes sociais; em pouco tempo, até os instrumentos de produção se aperfeiçoarão. Com tudo isso, a nossa sociedade rural começará a erguer-se progressivamente sobre nova base.

Se os nossos quadros estudam cuidadosamente esse setor de trabalho e ajudam, com a máxima energia, as populações rurais a desenvolver movimentos de produção, os nossos campos disporão em poucos anos de abundância em cereais e artigos de consumo corrente, o que nos permitirá sustentar a guerra, fazer face aos anos de escassez e constituir, inclusivamente, reservas consideráveis para o futuro.

Para a produção, devemos organizar não só os camponeses mas também as unidades do exército e as outras organizações.

Como estamos no campo e este se vê constantemente devastado pelo inimigo e está empenhado numa guerra de longa duração, é imperioso que o nosso exército e os nossos organismos se lancem na atividade de produção, o que lhes é possível dado o caráter disperso da guerra de guerrilhas. Na região fronteiriça Xensi-Cansu-Ninsia, ademais, os efetivos do exército e o pessoal das outras organizações são muito numerosos, relativamente à população, pelo que passariam fome se não produzissem eles próprios; por outro lado, se se pedisse muito à população, esta não poderia suportar o fardo e também passaria fome. Essas são as razões por que decidimos lançar um movimento de produção em grande escala. Tomemos como exemplo a região fronteiriça Xensi-Cansu-Ninsia. As necessidades anuais em cereais (milho miúdo) do nosso exército e demais organizações elevam-se a duzentos e sessenta mil dan (um dan equivale a trezentos jin), dos quais cento e sessenta mil obtêm-se da população, sendo o resto produzido por eles próprios; se não se empenhassem na produção, tanto eles como o povo passariam fatalmente fome. Graças ao nosso movimento de produção encontramo-nos libertados da fome; com efeito, exército e populações, todos estão bem alimentados.

À excepção de cereais, vestuário e material de cama, as organizações da região fronteiriça bastam-se a si próprias quanto à maior parte do que necessitam, há até algumas unidades que são totalmente autossuficientes. Muitas chegam inclusivamente a satisfazer-se quanto a parte das necessidades em cereais, vestuário e material de cama.

Os méritos das unidades do exército na região fronteiriça são ainda maiores. Muitas satisfazem inteiramente as suas necessidades em cereais, vestuário, material de cama e o demais que necessitam; por outras palavras, bastam-se a cem por cento, nada recebem do governo. Esse é o grau superior, o nível primeiro atingido gradualmente num período de alguns anos.

Na frente, lá onde há que pelejar, não é possível atingir tal nível, mas pode estabelecer-se um segundo ou terceiro nível. O segundo nível implica que, à excepção dos cereais, vestuário e material de cama, a fornecer pelo governo, a produção própria abranja todo o resto: óleo de cozinha (meio liam diário por pessoa), sal (meio liam diário por pessoa), vegetais (um a um e meio jin diário por pessoa), carne (um a dois )in mensais por pessoa), combustível, material de escritório e gastos diversos, subvenções para a instrução e saúde públicas, gastos com conservação de armas, tabaco, sapatos, meias, luvas, toalhas, escovas de dentes, etc., ou seja cerca de cinquenta por cento da totalidade do que se gasta. Esse nível pode ser atingido gradualmente em dois ou três anos; em certas zonas já é o que se faz. Isso pode realizar-se nas regiões consolidadas das bases de apoio.

O terceiro nível aplica-se às regiões que rodeiam as nossas bases e às zonas de guerrilhas que não podem satisfazer as necessidades nessa mesma proporção, de cinquenta por cento, mas apenas em quinze a vinte e cinco por cento. Seria já um bom resultado se tal nível fosse atingido.

Em resumo, todas as unidades do exército e todos os organismos — excepto casos particulares — devem consagrar-se à produção nos intervalos entre os combates, fora das horas de treino militar e trabalho. Por outro lado, além do aproveitamento desses intervalos para participação na produção coletiva, há que ligar especialmente à produção um certo número de camaradas, encarregando-os de estabelecer granjas, hortas, centros pecuários, oficinas, pequenas fábricas, equipas de transporte, cooperativas, ou associar-se aos camponeses para o cultivo de cereais e vegetais. Nas circunstâncias presentes, para superar as dificuldades, cada organização e cada unidade do exército deve organizar a sua “economia doméstica”. Seria uma vergonha, seria comportamento de ocioso recusar-se a fazê-lo. A fim de estimular a produção devemos instituir também, para todos os que nela participem diretamente, um sistema de prêmios individuais, em função da qualidade do trabalho fornecido. Além disso, como meio eficaz de fazer avançar a produção, a direção de cada organização deve assumir as suas responsabilidades e intervir pessoalmente, aplicando o método que consiste em ligar o núcleo dirigente às grandes massas e combinar o apelo geral com uma direção concreta.

Alguns dizem que se as tropas participam na produção já não podem combater nem treinar-se, e se os organismos tomam parte na produção já não podem realizar o seu trabalho. Tais afirmações são incorretas. Durante os últimos anos, as nossas tropas da região de fronteira entregaram-se a atividade de produção de grande escala, satisfizeram amplamente as suas necessidades em alimentação e vestuário e, no entanto, consagraram-se paralelamente e com maior sucesso ainda ao treino e ao estudo político, bem como à instrução em geral, reforçando mais a unidade interior do exército e a unidade entre este e o povo. No decorrer do último ano, nas regiões da frente, conseguiram-se grandes êxitos no plano das operações militares e começou-se por toda a parte um movimento de instrução das tropas enquanto se realizava um movimento de produção em grande escala. Graças à sua atividade produtiva, o pessoal nos organismos vive em melhores condições e trabalha com maior dedicação e eficácia. Isso é assim tanto na região de fronteira como nas regiões da frente.

Pode portanto ver-se que, nas circunstâncias da guerra de guerrilhas nas regiões rurais, as unidades do exército e outras organizações que se lançam na produção para satisfazer as suas necessidades dão provas duma energia e dinamismo maiores, tanto nos combates como no treino e no trabalho, e elevam a sua disciplina e unidade tanto internamente como em relação à população civil. A produção para autoabastecimento é um dos frutos da guerra de guerrilhas prolongada que se desenrola na China e constitui a nossa glória. Uma vez que a saibamos dominar, nenhuma dificuldade material poderá subjugar-nos. Haveremos de crescer em vigor e energia de ano para ano e tornar-nos-emos mais fortes em cada batalha. Acabaremos por esmagar o inimigo, e em caso nenhum teremos que recear que ele nos esmague.

Aqui importa chamar a atenção dos camaradas da frente para outro ponto. Algumas das regiões que criamos recentemente são muito ricas em recursos materiais e, baseando-se nisso, os quadros respetivos recusam-se a fazer economias e a lançar-se na produção. Essa atitude é extremamente má e terão de pagá-la seguramente um dia. Seja onde for que nos encontremos, devemos fazer o melhor uso possível dos nossos recursos humanos e materiais. Em nenhum caso devemos considerar apenas o momento presente e tolerar a má utilização e o esbanjamento. Seja onde for, logo a partir do primeiro ano de trabalho devemos estabelecer os nossos cálculos em previsão dos muitos anos que hão de vir, da guerra que teremos de sustentar por muito tempo, e da contraofensiva que vai registar-se, assim como do trabalho de edificação que se seguirá após a expulsão do inimigo. Por um lado, devemos evitar em absoluto a má utilização e o esbanjamento, mas, por outro lado, devemos esforçar-nos por desenvolver a produção. No passado, certas regiões pagaram muito caro o fato de não terem feito previsões a longo prazo nem terem prestado atenção à economia dos recursos humanos e materiais, bem como ao desenvolvimento da produção. Essa é uma lição que deve reter a nossa atenção.

Com relação a artigos industriais, a região fronteiriça Xensi-Cansu-Ninsia decidiu atingir em dois anos a satisfação plena das suas necessidades em algodão, fio e tecidos de algodão, ferro, papel e muitos outros artigos. Tudo o que não produzimos ou produzimos em fracas quantidades, deve ser cultivado, fabricado e fornecido com base nos nossos próprios meios, e não ficar-se de modo algum dependente do exterior. Essa tarefa deve ser cumprida pelos setores de empresas públicas, privadas e cooperativas. Em todos os nossos produtos, exigimos tanto quantidade como qualidade, isto é, durabilidade e resistência. O governo da região fronteiriça, o Quartel General de Defesa Conjunta do VIII Exército e o Birô do Noroeste do Comitê Central do Partido têm absoluta razão em tomar seria- mente as coisas em mãos. Eu espero que o mesmo se faça em todos os pontos da frente de combate. Em muitas localidades já se passou ao trabalho e o meu desejo é que se obtenham êxitos.

Na nossa região fronteiriça e nas outras regiões libertadas, precisamos gastar mais dois ou três anos para aprendermos a trabalhar nos diversos domínios da economia. O dia em que, cultivando nós próprios os cereais e produzindo nós próprios os artigos industriais, chegarmos a satisfazer totalmente ou na maior parte as nossas necessidades, e a dispor até de excedentes, será o dia em que estaremos senhores de cada um dos ramos do trabalho econômico nas regiões rurais. Mais tarde, quando tivermos expulsado o inimigo das cidades, poderemos afrontar novos ramos do trabalho econômico. Devemos esforçar-nos por aprender, a China conta conosco para a sua construção.


Inclusão 03/04/2015