Problemas Estratégicos da Guerra Revolucionária na China

Mao Tsetung


Capítulo V — Secção 6. A Concentração das Forças


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À primeira vista, a concentração das forças parece coisa fácil, mas na prática não o é. Qualquer pessoa compreende que o melhor é vencer forças inferiores com forças numericamente superiores. Não obstante, acontece frequentes vezes que não se procede assim: muitos dos chefes militares, pelo contrário, dividem as suas forças. Isso verifica-se porque a visão estratégica de tais chefes não é suficientemente desenvolvida, eles perdem-se numa situação complexa e, por isso mesmo, tornam-se escravos desta, deixando escapar a iniciativa, e não se preocupando mais do que com o tapar os furos.

Embora na mais complexa, na mais crítica e penosa das situações, um chefe militar deve, sobretudo, saber organizar e utilizar as suas forças de maneira independente. Frequentemente, acontece ser-se forçado pelo adversário à passividade. Em tais casos, o importante é retomar rapidamente a iniciativa. Se não se consegue isso, corre-se inevitavelmente para a derrota.

A iniciativa não é um conceito abstracto, mas sim alguma coisa de concreto, de material. Aqui, o que importa sobretudo é conservar e reunir o máximo de forças activas.

Na realidade, é fácil perder a iniciativa na defensiva, o que está longe de ser o caso nas acções ofensivas, onde se pode desenvolvê-la plenamente.

É contudo possível dar à defensiva, que é passiva na sua forma, um conteúdo activo, passar do estado em que ela é passiva na forma ao estado em que ela se torna activa na forma e no conteúdo. Uma retirada estratégica, absolutamente prevista pelo plano, pode parecer forçada na aparência, mas, do ponto de vista do conteúdo, tem por fim conservar as nossas forças, esperar pelo momento propício para derrotar o adversário, levá-lo a penetrar no nosso território, e preparar a nossa contra-ofensiva. Só quando se rejeita a retirada ou se aceita à pressa o combate (o que ocorreu por exemplo em Siaochi), é que se perde na prática a iniciativa, muito embora se dê, na aparência, a impressão de se lutar por conservá-la. No caso da contra-ofensiva estratégica, a iniciativa não se manifesta apenas no conteúdo, ela manifesta-se também na forma, quer dizer, na recusa em permanecer na passividade que acompanha a retirada. Para o adversário, a nossa contra-ofensiva significa um esforço das nossas tropas no sentido de fazer com que ele perca a iniciativa, no sentido de obrigá-lo à passividade.

As condições indispensáveis para atingir plenamente esse objectivo são as seguintes: concentração das forças, guerra de movimento, guerra de decisão rápida, guerra de aniquilamento; dessas condições; a concentração das forças aparece como a primeira e a mais importante.

A concentração das forcas é necessária na medida em que deve implicar uma inversão da situação das duas partes. Primeiro, ela deve conduzir a uma inversão dos papéis das duas partes no que respeita ao avanço e à retirada. Até então, era o adversário quem avançava e nós, quem retirava; agora, tentamos fazer de modo que sejamos nós quem avança e o adversário, quem retira. Se, depois de termos concentrado as nossas forças, lançamo-las na batalha e conquistamos a vitória, essa batalha por si só já nos terá permitido atingir o nosso objectivo; além disso, ela exercerá uma influência sobre todo o decorrer da campanha.

Segundo, a concentração das forças deve levar a uma inversão dos papéis entre as duas partes relativamente à ofensiva e à defensiva. Na defensiva, a retirada prosseguida até ao seu termo liga-se, no essencial, à fase passiva, isto é, à fase da "defesa". A contra-ofensiva diz respeito à fase activa, à fase do "ataque". Embora a contra-ofensiva mantenha um carácter defensivo durante toda a fase da defensiva estratégica, comparativamente à retirada, ela constitui uma viragem, tanto na forma como no conteúdo. Ela constitui a passagem da defensiva estratégica à ofensiva estratégica; é como que o prelúdio da ofensiva estratégica. É esse o fim que a concentração das forças visa.

Terceiro, a concentração das forças deve conduzir a uma inversão dos papéis das duas partes relativamente à acção no interior e no exterior das linhas. Um exército que, no plano estratégico, se bate no interior das linhas, tem inúmeras desvantagens; esse é o caso particular do Exército Vermelho que tem de lutar contra as campanhas de "cerco e aniquilamento" que se lançam contra ele. Contudo, durante as campanhas e combates, podemos e devemos, em absoluto, modificar essa situação. Devemos transformar a grande campanha de "cerco e aniquilamento" que o exército inimigo nos lança, numa série de pequenas campanhas isoladas de cerco e aniquilamento, realizadas pelas nossas tropas contra o exército do adversário; transformar o ataque convergente que o exército inimigo realiza contra nós em escala estratégica, numa série de ataques convergentes no plano das campanhas e dos combates, lançados pelo nosso exército contra o adversário; transformar a superioridade estratégica do adversário em superioridade da nossa parte sobre ele, no plano das campanhas e dos combates; tornar o adversário, que é mais forte do que nós no plano estratégico, em mais fraco no plano das campanhas e dos combates, e passar ao mesmo tempo da nossa posição de fraqueza estratégica a uma forte posição no plano das campanhas e dos combates. A isso chama-se realizar uma acção no exterior das linhas dentro duma acção no interior das linhas, empreender campanhas de cerco e aniquilamento no interior da campanha de "cerco e aniquilamento", realizar um bloqueio no interior do bloqueio, lançar ataques durante a defensiva, obter a superioridade na inferioridade, manifestar força num estado de fraqueza, criar condições favoráveis em condições desfavoráveis, dar provas de iniciativa durante a passividade. Na defensiva estratégica, a vitória depende essencialmente da concentração das forças.

Na história: militar do Exército Vermelho chinês, esse problema deu várias vezes lugar a importantes controvérsias. Na batalha de Qui-an, a 4 de Outubro de 1930, o nosso avanço e o nosso ataque começaram antes que as nossas forças estivessem completamente concentradas. Felizmente, o adversário (a divisão de Tem Im) fugiu por sua própria iniciativa; na realidade, o nosso ataque não dera qualquer resultado.

A partir de 1932, a palavra de ordem de "atacar em toda a frente" exigia que fossem vibrados golpes a partir do interior da base de apoio e em todas as direcções, sobre o norte, sobre o sul, assim como sobre o leste e o oeste. Isso constitui um erro, tanto no caso da defensiva estratégica como no caso da ofensiva estratégica. Enquanto não sobrevêm uma modificação radical na relação geral entre as nossas forças e as do inimigo, tanto em estratégia como em táctica existirá a defensiva e a ofensiva, a fixação e o assalto; quanto ao "atacar em toda a frente", isso só se vê muito raramente na prática. Uma tal palavra de ordem reflectia o igualitarismo militar que acompanha geralmente a aventura militar.

Os partidários do igualitarismo militar lançaram em 1933 uma outra fórmula: "golpear simultaneamente com os dois punhos e em duas direcções". Com o fim de obterem a vitória simultaneamente em duas direcções estratégicas, eles dividiram as forças principais do Exército Vermelho em duas partes. O resultado foi ter ficado um dos dois punhos inactivo enquanto que o outro se esgotava no combate, e, o que é mais, perdeu-se a ocasião de alcançar na altura a maior das vitórias. Em minha opinião, quando temos de fazer face a um inimigo poderoso, num período determinado, devemos utilizar as nossas forças, seja qual for a sua importância, em uma só direcção principal e não em duas direcções simultaneamente. Nada tenho contra a existência de duas ou mais direcções operacionais, mas num momento dado, não deve haver mais do que uma direcção principal. Se o Exército Vermelho chinês, que apareceu na arena da guerra civil como um exército pouco numeroso e fraco, pôde infligir repetidas derrotas a um inimigo possante e espantar o mundo com as suas vitórias, isso deve-se em grande medida ao emprego que ele fez da concentração das forças. Cada uma das grandes vitórias prova isso. "Um contra dez, dez contra cem", é uma fórmula de estratégia que se aplica ao conjunto da guerra, à relação existente entre o conjunto das nossas forças e as forças do adversário. É bem assim que as coisas se têm passado connosco. Todavia, essa fórmula não é válida no plano das campanhas nem no plano táctico, onde não devemos de todo aplicá-la. Na contra-ofensiva como na ofensiva, nós concentramos sempre grandes forças para golpear uma fracção do exército inimigo. Na acção contra Tan Tao-iuan, na região de Tunchao (distrito de Nintu, Quiansi), em Janeiro de 1931, na acção realizada contra o XIX Exército de Rota na região de Caocinsiu (distrito de Sincuo, Quiansi), em Agosto de 1931, na acção contra Tchen Tsi-tam, na região de Chueicouciu (distrito de Nansium, Cuantum), em Julho de 1932, na acção contra Tchen Tchem, na região de Tuan-tsuen (distrito de Litchuan, Quiansi), em Março de 1934, os nossos fracassos explicam-se pelo facto de não termos concentrado as nossas forças. Acções como as de Chueicouciu e Tuantsuen são consideradas, em geral, como vitórias, mesmo como grandes vitórias (vinte regimentos de Tchen Tsi-tam e doze de Tchen Tchem derrotados na primeira e na segunda, respectivamente), todavia não nos contentamos com tais vitórias e, em certo sentido, podemos até classificá-las como derrotas. Do nosso ponto de vista, tais vitórias têm uma importância mínima quando não nos trazem qualquer presa, ou quando esta não excede as nossas perdas. A nossa estratégia consiste em combater na proporção de "um contra dez", mas a nossa táctica é a de "dez contra um". Essa é uma das leis fundamentais que garantem a nossa vitória sobre o inimigo.

O igualitarismo militar atingiu o seu ponto culminante durante a nossa quinta contra-campanha, em 1934. Pensava-se que "dividir as nossas forças em seis colunas" e "resistir em toda a frente" permitiria vencer o inimigo mas, por fim, foi o inimigo quem levou a melhor, tudo por causa do nosso medo de abandonar algum terreno. Quando as forças principais se concentram em uma dada direcção, e nas demais não ficam senão simples unidades para fixar o inimigo, é evidente que se perdem inevitavelmente alguns territórios. Essas perdas, porém, são temporárias, parciais, e é graças a elas que se pode alcançar a vitória na direcção em que se vibra o golpe de choque. Depois que se alcançou essa vitória, é possível recuperar o terreno perdido nas direcções de fixação do inimigo. Durante a primeira, segunda, terceira e quarta campanhas de "cerco e aniquilamento" do inimigo, sobretudo na terceira, em que a base do Exército Vermelho no Quiansi foi quase inteiramente ocupada, perdemos terreno. Finalmente, porém, acabámos não só por recuperar o terreno perdido, mas ainda por alargar os nossos territórios.

A subestimação da força do povo nas nossas bases de apoio leva muitas vezes a recear, sem qualquer fundamento, a deslocação do Exército Vermelho para pontos muito distantes das suas bases. Foi o que se passou quando o Exército Vermelho, vindo do Quiansi, atacou Tchandjou, no Fuquien, em 1932, ou ainda quando ele fez um movimento envolvente para lançar uma ofensiva contra o Fuquien, após a vitória alcançada na nossa quarta contra-campanha, em 1933. No primeiro caso, receava-se que o adversário se apoderasse de toda a base de apoio, enquanto que, no segundo, receava-se que este se apoderasse duma parte da base, razão por que se preconizava, contra a concentração das forças, a divisão das mesmas para a defesa da base. Os resultados, porém, demonstraram que tais receios não eram fundados. Para o inimigo, é arriscado penetrar no interior da nossa base de apoio, mas o perigo principal, para ele, está no facto de o Exército Vermelho penetrar nas regiões brancas para aí mesmo travar batalha. Assim, ele concentra sempre toda a sua atenção sobre o ponto onde se encontram as forças principais do Exército Vermelho. É raro que descure a presença de tais forças e invista em direcção da nossa base de apoio. Mesmo quando o Exército Vermelho está na defensiva, é ele que retém principalmente a atenção do inimigo. A redução do nosso território entra naturalmente no plano geral do inimigo mas, se o Exército Vermelho concentra as suas forças principais e aniquila uma das colunas adversas, o Alto Comando do exército inimigo fica constrangido a concentrar ainda mais a sua atenção sobre o Exército Vermelho e a enviar contra este forças ainda mais importantes. É por essa razão que se torna possível frustrar os planos do adversário que visem reduzir o território das nossas bases de apoio.

Era igualmente falso afirmar que "no período da quinta campanha de 'cerco e aniquilamento' do inimigo, conduzida segundo o método da guerra de blocausses, era impossível operar com as forças concentradas; tudo o que podíamos fazer era dividir as forças para defender-nos e lançar ataques breves e súbitos". A táctica, praticada pelo inimigo, de construção de blocausses após uma progressão de três, cinco, oito ou dez lis, era inteiramente devida ao facto de o Exército Vermelho resistir, sucessivamente, em cada ponto. Se o nosso exército, que operava no interior das linhas, tivesse renunciado à táctica de resistência nesses pontos sucessivos e tivesse contornado o adversário, no momento em que isso era necessário e possível, para golpeá-lo no interior das suas linhas, a situação ter-se-ia necessariamente apresentado de maneira completamente diferente. O princípio da concentração das forças é justamente o meio de vencer a guerra de blocausses.

A concentração das forças que nós preconizamos não implica, de maneira alguma, o abandono da guerra popular de guerrilhas. Como foi demonstrado há já muito, a linha de Li-san, que rejeitava a "pequena" guerra de guerrilhas e exigia que "tudo, até ao último fuzil, fosse concentrado nas mãos do Exército Vermelho", era errada. Considerada a guerra revolucionária no seu conjunto, a guerra popular de guerrilhas e o Exército Vermelho, como força principal, completam-se entre si como a mão esquerda e a mão direita. Se tivéssemos apenas a força principal que é o Exército Vermelho e não dispuséssemos da guerra popular de guerrilhas, seríamos como um guerreiro que só tivesse um braço. Em termos concretos, e especialmente com relação às operações militares, quando nós falamos das populações das bases de apoio como um factor, queremos dizer que dispomos dum povo armado. Essa é a principal razão por que o inimigo receia aproximar-se das nossas bases de apoio.

É igualmente necessário colocar unidades do Exército Vermelho nas direcções operacionais secundárias; nada de concentrar a totalidade das forças do Exército Vermelho. A concentração das forças que reclamamos baseia-se na necessidade de nos assegurarmos da superioridade absoluta ou relativa no campo de batalha. Contra um adversário poderoso ou num sector-chave, devemos travar a batalha dispondo duma superioridade absoluta de forças. No dia 30 de Dezembro de 1930, por exemplo, para a primeira batalha da primeira contra-campanha, opusemos quarenta mil homens aos nove mil soldados de Tcham Huei-tsan. No caso de acções desenvolvidas contra um adversário fraco, ou num sector pouco importante, basta dispor duma superioridade relativa. Por exemplo, no dia 29 de Maio de 1931, para a última batalha da segunda contra-campanha, o Exército Vermelho que atacava Quienim tinha apenas um pouco mais de dez mil homens face aos sete mil da divisão de Liu Ho-tim.

Isso tão-pouco significa que seja necessário ser superior em forças em todas as circunstâncias. Em alguns casos, pode afrontar-se o inimigo com forças relativa ou absolutamente inferiores. Para darmos uni exemplo duma situação em que o afrontamos com forças relativamente inferiores, suponhamos que, em dado sector, o Exército Vermelho não dispõe senão de forças pouco importantes (não se trata aqui do caso em que dispondo de muitas forças não as tenha, porém, concentrado), situação em que, para romper com maiores possibilidades de vitória o ataque dum adversário mais forte, num caso em que a população, o terreno e o tempo nos são bem favoráveis, se torna evidentemente necessário fixar o adversário no centro da frente e ainda sobre uma das alas, por meio de destacamentos de guerrilhas ou pequenas unidades, e concentrar todas as forças disponíveis do Exército Vermelho de maneira a desencadear um ataque de surpresa contra uma parte da outra ala inimiga.

Quando atacamos de surpresa uma parte qualquer de uma das suas alas, a força que opomos ao inimigo obedece ainda ao princípio da superioridade numérica, ao princípio da vitória do grande número sobre o pequeno número. Como exemplo de caso em que as nossas forças são absolutamente inferiores às do adversário, temos a incursão súbita dum destacamento de guerrilhas contra um forte destacamento de tropas brancas. As guerrilhas não atacam mais do que uma pequena parte das forças do adversário, aplicando exactamente o princípio que formulámos atrás.

A afirmação segundo a qual a concentração dum grande exército, com vista ao combate num lugar determinado, está submetida a limitações impostas pelo terreno, caminhos, reabastecimentos, problemas de acantonamento, etc, convém dar uma resposta diferenciada, segundo as circunstâncias. Tais limitações diferem em grau, segundo se trata do Exército Vermelho ou do exército branco, dado que o nosso suporta melhor as provas do que o exército branco.

Nós vencemos efectivos superiores com efectivos inferiores — eis o que declaramos a todas as forças dominantes da China. Ao mesmo tempo, porém, vencemos efectivos inferiores com efectivos superiores — eis o que declaramos a essa parte das forças inimigas com quem nos medimos no campo de batalha. Isso já não constitui segredo e, em geral, o adversário está familiarizado com os nossos hábitos. Todavia, ele não pode impedir-nos de conquistar vitórias nem pode evitar as suas perdas, uma vez que ignora quando e onde golpearemos segundo esse método. Isso, nós manteremos secreto. Em geral, as acções empreendidas pelo Exército Vermelho são ataques de surpresa.


Inclusão 26/05/2010