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Em 18 de Março de 1871, estava Paris cercada havia seis meses, corriam mulheres e mães de madrugada a tomar o seu lugar nas bichas para as poucas padarias onde ainda se podia comprar pão, ouviram-se tiros em Montmartre. Correram para lá, apenas para verem soldados franceses cumprindo as ordens dos seus oficiais, ordenando-lhes que levantassem da colina de Montmartre os canhões pagos com fundos recolhidos entre os operários de Paris e guardados por trabalhadores armados, membros da Guarda Nacional, armas que tinham defendido a cidade dos invasores prussianos.
As mulheres ajudaram a levantar os homens e reuniram o povo da cidade. O povo de Paris estava amargamente indignado. Tentar desarmar a Guarda Nacional quando Paris estava cercada pelos Prussianos e tirar aos defensores da cidade os seus canhões era um acto declarado de traição nacional.
Destacamentos da Guarda Nacional e do povo de Paris pegaram então em armas contra as tropas governamentais. Alguns dos soldados recusaram-se a disparar sobre os seu irmãos e passaram para o lado do povo, enquanto os restantes foram obrigados a retirar-se. A revolta popular alastrou imediatamente, envolvendo bairro após bairro. Por volta do meio-dia era evidente que o povo ganhara. Louis Adolphe Thiers, então chefe do governo, fugiu da cidade revoltosa numa carruagem com as cortinas descidas e escoltado por polícias montados. Uma bandeira vermelha foi hasteada na Câmara.
No dia seguinte, Domingo, dezenas de milhares de parisienses dos bairros operários encheram as avenidas, praças e ruas da cidade. Gargalhadas, canções e gritos de alegria encheram o ar nesse dia quente e soalheiro de Primavera. O povo tinha boas razões para se regozijar — pela primeira vez tinha-se tornado senhor do seu próprio destino.
Entretanto, os bairros ocidental e do sul da cidade que estavam mais próximos de Versalhes apresentavam um quadro muito diferente. Fervilhavam pessoas, cavalos e carruagens. Pilhas de bagagens estavam a ser atadas com cordas e içadas para carruagens cheias de malas, trouxas e sacos, pois os ricos, a aristocracia, os oficiais a cavalo e os seus relutantes homens empurravam-se uns aos outros cheios de pânico fugindo da capital.
Os soldados da Guarda Nacional e as mulheres e filhos dos pobres riram com gosto ao ver estes senhores, que ainda na véspera eram tão dignos e arrogantes como de costume, apressando-se a emalar os seus belos fatos antes de fugirem da cidade. Os operários e as suas famílias brindaram, contentes, por vê-los pelas costas. Sem eles, Paris era um lugar mais alegre e saudável — um novo capítulo da história da cidade tinha começado e era o povo que ia vivê-lo. Pela primeira vez na história a classe operária tomara o Poder nas suas mãos.
Esta vitória do proletariado de Paris em 1871 não foi um acontecimento fortuito. Acontecimentos políticos anteriores e a experiência da luta de classes dos operários desde a Revolução de 1789 tinham preparado o caminho para esta vitória.
O proletariado industrial tinha surgido com a introdução da maquinaria na indústria e aumentara com o desenvolvimento da produção capitalista. Foram as condições de vida, na prática intoleráveis, que levaram os operários a travar a luta de classes. Recebiam uma pequena quantia para a alimentação por trabalharem 14-16 horas por dia, o que significava que eles e as suas famílias estavam condenados a uma vida de fome e constantes privações. A luta que os operários vinham travando desde o início do século XIX era uma luta a que não podiam deixar de aderir — não se podiam reconciliar com a monstruosa existência que os seus senhores capitalistas os obrigavam a levar. No entanto, os operários, naquela fase, ainda tinham pouca experiência de luta de classes, não sabiam bem que métodos utilizar para transformar o injusto sistema social que lhes trouxe tanto sofrimento. Esta falta de consciencialização levou-os a cometer muitos erros e a sofrer frequentes derrotas.
Entretanto, esta experiência de reveses e derrotas trouxe consigo uma maior maturidade da consciência de classe. Um grande progresso fora já feito desde as primeiras e espontâneas expressões de ódio de classe no início do século XIX, quando os trabalhadores manifestaram a sua fúria destruindo máquinas, até à inauguração da primeira organização internacional de trabalhadores — a Primeira Internacional — em 1864. As revoltas dos tecelões de Lião em 1831 e em 1834, o primeiro movimento político de massas dos operários, o Cartismo, primeiro partido proletário internacional — a Liga Comunista —, a revolta de Junho de 1848, a participação do proletariado nas revoluções burgueso-democráticas de 1848- 1849, no movimento de greves dos anos 50 e 60 do século XIX, o apoio dado pelos operários aos movimentos democráticos progressistas da época — todos estes factos representavam estádios importantes no desenvolvimento da consciência de classe do proletariado. Tudo isto tinha ajudado a preparar o movimento internacional operário a pôr em prática a sua mais importante tarefa — alcançar o poder político.
Logo em meados do século XIX os grandes líderes da classe operária, Karl Marx e Frederich Engels, depois de estabelecerem as leis do desenvolvimento social, chegaram nas suas obras à conclusão de que entre o capitalismo e o socialismo tem que haver uma fase de transição — a ditadura do proletariado! Esta descoberta teórica teve grande importância, mas nem Marx nem Engels nem ninguém daquele tempo teve clara consciência que forma esta ditadura tomaria na prática.
Nem sequer os operários franceses, que estavam destinados a estabelecer tal ditadura pela primeira vez na história. Em 1871, os operários franceses não pegaram em armas com a intenção clara de estabelecerem o poder da classe operária: a grande maioria deles ainda não conhecia os escritos de Karl Marx, e a sua luta foi em grande medida espontânea. Depois de o exército de Napoleão III ter capitulado em Sédan, o Segundo Império caiu. A Revolução — de 4 de Setembro de 1870 foi realizada pelos operários, mas as suas realizações foram utilizadas pelos líderes políticos burgueses para os seus próprios fins. A burguesia apoderou-se do Poder e enquanto os Alemães continuaram a avançar sobre a capital francesa, o governo burguês autodenominou-se de «Governo de Defesa Nacional».
A situação era extremamente grave. Mesmo depois de a Terceira República ter sido proclamada, a Prússia continuou a sua agressiva guerra de pilhagem. Tropas prussianas ocuparam as partes Norte e Nordeste da França, cercaram Paris e submeteram Versalhes. Em 18 de Janeiro, o rei da Prússia foi proclamado imperador da Alemanha, na Sala dos Espelhos.
O povo francês, determinado a dar luta aos conquistadores alemães, estava de início preparado para aceitar os políticos burgueses, que chefiavam o «Governo de Defesa Nacional», tais como o general Trochu e o advogado Jules Favre. Contudo, tornou-se desde logo evidente que o novo regime chefiado pelo «Governo de Defesa Nacional» estava na prática não a organizar a resistência mas a preparar o caminho de reconciliação e das negociações com os invasores, visto que a burguesia francesa detestava e temia mais os operários que os Alemães. O «Governo de Defesa Nacional» ia revelar-se na realidade um governo de traição nacional. Em 28 de Janeiro de 1871, desafiando o povo, o governo concluiu um armistício com os Alemães em que concordavam com a rendição de Paris e outras condições humilhantes.
Os operários de Paris já tinham aguentado um cerco de seis meses e passavam fome e necessidades. Pombos, corvos, gatos e cães tinham-se tornado alimentos comuns. As pessoas gelavam nas suas casas sem aquecimento e sem luz. Mas apesar deste sofrimento e privações, o povo não estava disposto a render-se.
Compreendendo que o governo se preparava para o trair aos Alemães, o povo de Paris ergueu-se contra o seu governo em 31 de Outubro de 1870 e, em 22 de Janeiro de 1871, tentou derrubar o governo. Ambas estas revoltas foram esmagadas, mas o governo burguês reaccionário já não se encontrava, desta vez, em posição de controlar os parisienses armados. Assim, voltou a pedir apoio às baionetas alemãs e em 1 de Marco as tropas alemãs entraram em Paris; contudo, a Guarda Nacional e o seu executivo eleito, o Comité Central, conseguiram antecipar-se a este ataque. Apelaram para o povo de Paris para que evitasse todo o contacto com os invasores e as ruas em breve ficariam vazias, apresentando todas as casas da cidade ao mundo exterior uma fachada de portas fechadas e cortinas corridas. As tropas alemãs ficaram na cidade durante três dias nesta atmosfera de ódio silencioso e depois retiraram-se.
Depois desta criminosa traição se ter revelado infrutífera, a burguesia reaccionária fez planos para um ataque-surpresa de noite para desarmar as forças revolucionárias de Paris e capturar os seus canhões. Adolphe Thiers, inimigo inveterado da classe operária, que fora eleito para chefiar o governo em Fevereiro, fez preparativos para pôr este plano em prática. Na noite de 17 de Março, as tropas governamentais foram mandadas não contra os Alemães mas contra o povo e Paris. Já contámos quais os resultados desta acção.
A revolta de 18 de Março não tinha sido preparada com antecedência e foi em grande medida espontânea. Contudo, a chefia da revolta, e mais tarde do poder político, seria tomada pelo Comité Central da Guarda Nacional, que ia tornar-se o primeiro governo da classe operária.
Os azedos políticos burgueses protestaram em altos brados contra o facto de o Poder em Paris estar agora nas mãos de desconhecidos. Os nomes dos membros do Comité da Guarda Nacional eram de facto pouco familiares nos salões aristocráticos e nos salões burgueses; andavam, porém, na boca de todos os habitantes dos bairros suburbanos dos operários e dos bairros pobres da cidade.
Um dos mais notáveis membros do novo governo era o encadernador Louis Eugène Varlin (1839-1871), autodidacta de enorme energia e desinteressada dedicação à causa operária, que se tornou um dos organizadores do sector de Paris da Primeira Internacional. Em 18 de Março, Varlin tomou parte na batalha do povo contra os soldados que Thiers mandara contra ele. E ia gozar de grande autoridade no governo revolucionário. Um fundidor de nome Duval (1841-1871), que tomara parte nas revoltas de 22 de Janeiro e de 18 de Março, foi primeiro enviado a organizar a Prefeitura da Polícia, e alguns dias mais tarde foi feito general e um dos comandantes das forças armadas da cidade. O estudante de Medicina, Emile Endesi, de 27 anos, que anteriormente fora condenado à morte por ter tomado parte no movimento revolucionário contra o Segundo Império, foi também feito general pelo Comité Central. Apesar da sua juventude, o chapeleiro Charles Anour, de 28 anos, já tinha adquirido uma experiência considerável na luta revolucionária e na perseguição legalista, e o Comité Central mandou-o como seu representante a Lião e Marselha depois da vitória da Revolta de 18 de Março. Outro membro do Comité Central, Grenier — dono de uma pequena lavandaria — foi nomeado delegado (posto mais ou menos equivalente ao de ministro) no Ministério das Finanças. O sapateiro Edouard Roulier, veterano do movimento revolucionário que tomara parte na Revolta de Junho de 1848 foi encarregado do Ministério da Educação.
O Comité Central da Guarda Nacional era como que a viva personificação da vontade do povo de Paris. Lado a lado com operários estavam artesãos, pintores e escritores, e o Comité apresentava uma representativa mistura da variada população trabalhadora do capital, da sua vasta gama de profissões e aspirações. A falta de homogeneidade política era também o reflexo fiel do nível de maturidade política do proletariado francês daquela época — o Comité incluía blanquistas, proudhonistas, neo-jacobinos e democratas independentes.
A grande realização do Comité Central da Guarda Nacional estava no facto de que, uma vez que o curso dos acontecimentos fizera dele o líder da revolução popular, ele mostrou-se capaz de conservar uma ligação directa com o povo e de pôr em prática a sua vontade.
Os próprios acontecimentos levaram o Comité Central a seguir uma audaciosa política revolucionária.
O passo decisivo com que o governo revolucionário começou o seu trabalho foi dissolver o exército regular, que até aí tinha fornecido às classes dominantes um instrumento de opressão contra os operários. Na sua luta armada de 18 de Março, o povo de Paris derrotara os destacamentos de Thiers e obrigara-os a fugir. Em 18 e 19 de Março, a polícia e a gendarmerie seguiram o exemplo dos soldados e também procuraram refúgio em Versalhes. Em 19 de Março, o Comité Central decretou pela primeira vez que o estado de sítio fora levantado, os tribunais militares foram dissolvidos e todos os militares foram dissolvidos e todos os soldados que tinham ficado na capital receberam ordem para se alistarem na Guarda Nacional. Estas medidas destinavam-se a abolir o despotismo militar. Depois de dissolver o exército regular e a polícia, o governo revolucionário da classe operária tomou medidas para que as únicas forças armadas de Paris fossem as da Guarda Nacional, isto é, o povo armado.
Imediatamente a seguir à revolta popular vitoriosa o Comité Central da Guarda Nacional foi obrigado a actuar contra a sabotagem por parte dos funcionários públicos contra-revolucionários. Depois de Março, os ministérios e postos administrativos estavam completamente desertos. O pessoal não ia ao trabalho, cumprindo a ordem do governo de Thiers agora estabelecido em Versalhes. Contudo, esta sabotagem em massa não enfraqueceu a decisão dos trabalhadores. Nesse mesmo dia, o Comité Central fez sair um comunicado oficial declarando que o novo governo da república tinha passado a controlar todos os ministérios e corpos administrativos.
Membros do Comité Central, operários, estudantes, jornalistas e artífices foram enviados a organizar o trabalho nos ministérios e órgãos administrativos. Naturalmente que eram inexperientes na administração do Estado, mas estavam cheios de entusiasmo revolucionário, e prontos a pôr toda a sua alma neste novo trabalho, e se necessário a sacrificar a vida pela causa do povo, e estas qualidades mais do que compensaram a sua falta de experiência. Dentro de pouco tempo, o governo revolucionário, apoiado pela iniciativa e pela energia do povo conseguiu organizar instituições oficiais fundamentadas em novos princípios democráticos e assegurar o seu bom funcionamento. Estas medidas postas em prática pelo Comité Central da Guarda Nacional infligiram um golpe esmagador à maquinaria de estado burguesa, militar e burocrática e lançaram as bases de um estado de tipo novo que proteja os interesses dos oprimidos e não os interesses dos opressores.
A obra do Comité Central foi continuada e levada em frente pela Comuna de Paris. Mesmo no dia a seguir à bem sucedida Revolta de 18 de Março o Comité Central anunciou que se fariam eleições para uma Comuna de Paris. Estas eleições realizaram-se em 26 de Marco; a 28 de Marco, perante uma enorme multidão, foi anunciada solenemente no edifício da Câmara, a inauguração da Comuna.
As eleições para a Comuna foram feitas de acordo com o princípio do sufrágio universal masculino. O Governo contra-revolucionário de Versalhes lançou um apelo ao povo para que boicotasse as eleições e a percentagem de votos dos bairros burgueses e aristocráticos foi muito pequena. Tanto melhor, visto que isso significava que a Comuna fora eleita sobretudo por trabalhadores. Entre os membros da Comuna estavam as figuras mais notáveis do Comité Central da Guarda Nacional, como Varlin, Duval, Jourde, Endes e Vaillant.
Tal como o Comité Central da Guarda Nacional, a Comuna considerava-se não um órgão municipal da cidade de Paris mas o governo revolucionário central da república.
Assim, a Comuna começou a fazer leis, exercendo as funções de supremo órgão legislativo. Inspeccionava também o cumprimento da lei, assumindo poderes executivos supremos. Esta combinação de poderes legislativos e executivos num só corpo era uma das notáveis características da Comuna.
A Comuna completou a tarefa iniciada pelo Comité Central no sentido de eliminar a velha máquina de estado burguesa. O exército regular e a polícia nesta altura tinham já sido oficialmente dissolvidos. O antigo aparelho burocrático, agora entregue a uma actividade de sabotagem, foi substituído por novos funcionários de Estado, do povo. A Comuna fez sair decretos que demitiam os antigos burocratas que recebiam salários extremamente altos e estipulou um novo limite máximo para os salários dos funcionários de Estado, para nivelar o salário do funcionário médio com o do operário especializado. A Comuna decretou também que os funcionários públicos fossem eleitos pelo povo, conquistassem o seu respeito, e que pudessem ser demitidos de novo em qualquer altura por exigência do povo.
Todas estas medidas, tomadas pelo Comité Central da Guarda Nacional e pela Comuna, lançaram as bases de um novo tipo de Estado que não tinha precedente histórico.
Entretanto, mesmo os trabalhadores de Paris e os seus líderes tinham uma consciência pouco clara daquilo que estavam a criar. O povo e os seus representantes na Comuna estavam a actuar de acordo com o que sentiam melhor, a porem em prática a iniciativa criadora das massas populares. A direcção desta actividade criadora e o seu verdadeiro conteúdo foram descritos pela primeira vez por Karl Marx, que observou que a Comuna de Paris de 1871 foi na verdade um exemplo da ditadura do proletariado, cujo aparecimento ele tinha previsto nas suas obras de 1848-1850.
É claro que a ditadura do proletariado não se afirmou completamente na Comuna de Paris. A Comuna representou a primeira tentativa para estabelecer essa ditadura e os seus líderes iam tacteando o caminho e cometendo uma série de erros graves. No entanto, ela demonstrou que o proletariado devia e podia destruir a máquina de Estado burguesa e substituí-la por uma forma superior de aparelho de Estado, preparando assim o caminho para a transição para uma forma superior de democracia, a democracia proletária, no interesse da maioria, no interesse do povo.
A Comuna de Paris também avançou muito na esfera da legislação social. Apesar da sua curta vida, de apenas setenta e dois dias, a Comuna demonstrou que era um governo genuinamente democrático, preocupado em primeiro lugar com o bem-estar dos trabalhadores.
O Comité Central promulgou novas e importantes leis depois de subir ao Poder. No dia a seguir à revolta, em 19 de Março, foi decretada uma amnistia para todos os presos políticos que tinham sido condenados ou presos pelo governo das classes exploradas. Saiu um decreto proibindo a venda de artigos de penhores e ordenando que fossem devolvidos aos donos todos os artigos avaliados em menos de 15 francos. Também foi proibido o despejo por não pagamento de renda. Estas leis, que mais tarde foram ratificadas pela Comuna, eram destinadas a proteger os interesses dos pobres e dos operários, assim como os decretos segundo os quais se deviam pagar salários regulares aos soldados da Guarda Nacional e a atribuição de um milhão de francos para serem distribuídos pelos pobres em forma de subsídio.
A Comuna de Paris repôs a legislação social do primeiro governo revolucionário em bases mais firmes e levou-a ainda mais longe, adoptando algumas novas leis importantes. Em 16 de Abril saiu um decreto ordenando a transferência de todas as empresas abandonadas pelos donos, para as mãos dos trabalhadores e associações de produtores. Este decreto tinha um carácter verdadeiramente socialista e se a Comuna tivesse durado mais tempo a natureza socialista da sua política ter-se-ia sem dúvida acentuado.
A Comuna adoptou também um decreto de importância fundamental, que organizava a requisição de todos os andares abandonados pelos seus ocupantes burgueses quando fugiram de Paris e a sua entrega aos defensores da cidade, sobretudo àqueles cujas casas tinham sido destruídas durante a luta. Um novo decreto separava a Igreja do Estado. Medidas importantes foram promulgadas para continuar a educação das massas: o Louvre, as Tulherias e outros palácios e museus que continham tesouros artísticos sem preço foram abertos ao publico, e todas as formas de arte e a promoção da educação pela escola foram encorajadas.
Todas estas medidas eram provas suficientes do que um governo da classe trabalhadora podia fazer pelo bem-estar do povo. Contudo, a par destas medidas que imortalizaram as realizações da Comuna, esta cometeu alguns erros que seriam fatais para o resultado da luta contra a burguesia contra-revolucionária.
Os mais graves destes erros foram os que se cometeram quase imediatamente a seguir à gloriosa vitória de 18 de Março. Para começar, os Communardos nada fizeram para impedirem as tropas leais a Thiers de saírem da cidade. Pior ainda: o povo de Paris não levou a sua vitória às suas consequências lógicas: em vez de avançar imediatamente sobre Versailles, infligindo um golpe esmagador às desmoralizadas tropas de Thiers e de continuar a lutar para garantir a vitória da revolução em todo o país, o Comité Central da Guarda Nacional manteve-se em atitude passiva, preferindo esperar e ver para que lado iriam as coisas.
Esta demora fatal deu ao governo de Versalhes a possibilidade de recuperar-se da sua derrota inicial, de limitar a Revolução a Paris e de se preparar para uma contra-ofensiva contra a cidade.
Logo a seguir a 18 de Março foram instituídas comunas em algumas outras cidades: Lião, Marselha, Saint-Etienne, Toulouse, Perpignan e Creusot. Isto mostrou que a revolta popular que estalou em Paris podia ter-se espalhado por todo o país. Porém, o facto de os Communardos não terem compreendido a necessidade vital de espalharem a luta revolucionária para fora de Paris deu à burguesia a possibilidade de dominarem os centros isolados de actividade revolucionária em várias partes do país. No início de Abril estas revoltas localizadas nas províncias tinham sido esmagadas e as forças burguesas contra-revolucionárias puderam concentrar todos os seus esforços contra Paris.
Nesta altura, Paris já estava isolada do resto do país, o que significava que a classe operária na capital não conseguiu fazer a fundamental aliança com o campesinato. O facto de os líderes da Comuna terem a consciência da importância desta tarefa está provado por alguns apelos dirigidos pelo governo revolucionário aos camponeses. Contudo, os Communardos não estavam em posição de efectivar uma aliança com o campesinato e de utilizarem o seu apoio.
Os Communardos também seguiram uma política fatalmente indecisa e pouco enérgica em relação ao Banco de França, nervo vital da economia do país. Em vez de nacionalizarem o Banco, minando assim o poder económico da burguesia, a Comuna apenas pediu docilmente pequenas somas, enquanto o governo contra-revolucionário de Thiers não hesitou em utilizar enormes quantias da mesma fonte.
Estes erros, claro, não eram meras coincidências. Os erros e as tácticas adaptadas resultaram da insuficiente maturidade tanto dos Franceses como do movimento internacional operário de 1871. Nesse período, o capitalismo ainda não tinha esgotado todo o seu potencial, enquanto o movimento operário, embora já tendo atingido um grau de desenvolvimento suficientemente elevado para ter consciência da importância vital e das implicações da luta pelo poder político e da sua capacidade de estabelecer uma nova ordem social melhor e mais justa, não se tinha ainda libertado de algumas ilusões do passado, ainda não tinha atingido uma clara compreensão das leis do desenvolvimento social e da luta de classes. Foi este facto que esteve subjacente à derrota da Comuna.
Depois de consolidar pouco a pouco a sua superioridade militar, o governo de Versalhes abriu a ofensiva contra Paris na segunda metade de Abril. Os Communardos lutaram com grande heroísmo, mas isolados, como estavam, foram incapazes de resistir a forças contra-revolucionárias superiores. O governo de Thiers cobrir-se-ia de vergonha ao pedir auxílio a Bismarck para esmagar a resistência dos operários franceses. Os militaristas alemães que então ocupavam o território francês acorreram de bom gosto em socorro de Thiers.
Em 10 de Maio de 1871, os Franceses assinaram em Francfort uma paz humilhante. A Alemanha arrancou à França duas províncias industrialmente desenvolvidas, a Alsácia e a Lorena e pediu uma indemnização de guerra de cinco mil milhões de francos. O governo de Thiers aceitou de imediato a paz com os Alemães para ter as mãos livres para tratar da resistência dos operários da sua pátria.
Em 22 de Maio, as tropas do governo de Versalhes entraram em Paris e começou a sangrenta «semana de Maio». As forças contra-revolucionárias com os canhões e metralhadoras exerceram cruéis represálias contra os defensores da Comuna, que ofereceram uma heróica resistência nas barricadas.
Em 28 de Maio, a luta tinha acabado. A burguesia submeteu então os trabalhadores derrotados a represálias de impiedosa crueldade. Os jornais burgueses gritavam por vingança e o massacre começou. Os heróicos defensores da Comuna enfrentaram os pelotões de fuzilamento sem julgamento. O número exacto de vítimas nunca chegou a ser fixado. Os cálculos variam entre 17 e 35 mil pessoas. Dezenas de milhares foram presas e condenadas a trabalhos pesados nos mal afamados trópicos da Nova Caledónia.
A Comuna tinha sido derrotada e os seus defensores tinham morrido como heróis. No entanto, e embora a contra-revolução burguesa saísse vitoriosa, nada pôde diminuir a proeza histórica dos operários de Paris.
A Comuna de Paris representou um grande avanço no movimento revolucionário mundial, demonstrando que a luta de libertação do proletariado exige a tomada do poder político. Gerações subsequentes de revolucionários que continuaram a obra começada pelos Communardos de 1871 tirariam preciosas lições dos notáveis feitos e dos graves erros da Comuna de Paris.
Inclusão | 09/11/2016 |