MIA> Biblioteca> Errico Malatesta > Novidades
Primeira Edição: Originalmente publicado no «Umanità Nova», 25 de novembro de 1922.
Fonte: https://ultimabarricada.wordpress.com/2019/02/01/mussolini-no-poder/
Tradução: João Black
HTML: Fernando Araújo.
Em conclusão de uma longa série de delitos, o fascismo finalmente tomou posse do governo.
E Mussolini, o Duce, só para se distinguir, começou por tratar os deputados como um patrão insolente trataria servos estúpidos e preguiçosos.
O parlamento, aquele que deveria ser «o palácio da liberdade», deu a sua medida.
Isto deixa-nos perfeitamente indiferentes. Entre um fanfarrão que vitupera e ameaça, porque se sente seguro, e uma junta de cobardes que parecem deliciar-se na sua abjeção, nós não temos que escolher. Constatamos apenas – e não sem vergonha – que espécie de gente é a que nos domina e de cujo jugo não nos conseguimos furtar.
Mas qual é o significado, qual o alcance, qual o resultado provável deste novo modo de chegar ao poder em nome e ao serviço do rei, violando a constituição que o rei havia jurado respeitar e defender?
À parte as poses que querem parecer napoleónicas e não passam de poses de opereta, quando não são atos de bandoleiro chefe, cremos que no fundo nada nada terá mudado, salvo por um certo tempo uma maior pressão policial contra os subversivos e contra os trabalhadores. Uma nova edição de Crispi e de Pelloux. É sempre a velha história do bandoleiro que se torna gendarme!
A burguesia, ameaçada pela maré proletária que subia, incapaz de resolver os problemas tornados urgentes pela guerra, impotente para se defender com os métodos tradicionais da repressão legal, via-se perdida e teria saudado com alegria um qualquer militar que se tivesse declarado ditador e tivesse afogado em sangue qualquer tentativa de desforra. Mas naqueles momentos, no imediato pós-guerra, a coisa era demasiado perigosa, e podia precipitar a revolução em vez de a abater. De qualquer modo, o general salvador não apareceu, ou só apareceu dele a paródia. Ao invés apareceram aventureiros que, não tendo achado nos partidos subversivos campo suficiente para as suas ambições e os seus apetites, pensaram em especular sobre o medo da burguesia oferecendo-lhe, mediante compensação adequada, o socorro de forças irregulares que, se seguras da impunidade, podiam entregar-se a todos os excessos contra os trabalhadores sem comprometer diretamente a responsabilidade dos presumíveis beneficiários das violências cometidas. E a burguesia aceitou, solicitou e pagou o seu concurso: o governo oficial, ou pelo menos uma parte dos agentes do governo, pensou em fornecer-lhes as armas, ajudá-los quando num ataque estivessem a sair-se mal, assegurar-lhes a impunidade e desarmar preventivamente aqueles que deviam ser atacados.
Os trabalhadores não souberam opor a violência à violência porque tinham sido educados para acreditar na legalidade, e porque, mesmo quando toda a ilusão se tornara impossível e os incêndios e os assassinatos se multiplicavam sob o olhar benévolo das autoridades, os homens em quem tinham confiança predicaram-lhes a paciência, a calma, a beleza e a sabedoria de se deixar bater “heroicamente” sem resistir — e por isso foram vencidos e lesados nos haveres, nas pessoas, na dignidade, nos afetos mais sagrados.
Talvez, quando todas as instituições operárias haviam sido destruídas, as organizações dispersadas, os homens mais malquistos e considerados mais perigosos mortos, aprisionados ou de qualquer modo reduzidos à impotência, a burguesia e o governo teriam querido colocar um freio aos novos pretorianos que agora aspiravam a tornar-se os donos de quem tinham servido. Mas era demasiado tarde. Os fascistas agora são os mais fortes e pretendem ser pagos à usura pelos serviços prestados. E a burguesia pagará, procurando naturalmente recompensar-se sobre os ombros do proletariado.
Em conclusão, miséria aumentada, opressão aumentada.
Quanto a nós, só temos que continuar a nossa batalha, sempre plenos de fé, plenos de entusiasmo.
Sabemos que o nosso caminho está semeado de abrolhos, mas escolhemo-lo consciente e voluntariamente, e não temos razão para o abandonar. Assim saibam todos os que tiverem senso de dignidade e piedade humana e quiserem consagrar-se à luta pelo bem de todos, que devem estar preparados para todos os desenganos, para todas as dores, para todos os sacrifícios.
Porque nunca faltam aqueles que se deixam deslumbrar pela aparência da força e têm sempre uma espécie de admiração secreta por quem vence, há também subversivos que dizem que «os fascistas ensinaram-nos como se faz a revolução».
Não, os fascistas não nos ensinaram coisa nenhuma.
Eles fizeram a revolução, se revolução se quer chamar, com a permissão dos superiores e ao serviço dos superiores.
Trair os próprios amigos, renegar cada dia as ideias professadas ontem, se assim convém em vantagem própria, pôr-se ao serviço dos patrões, assegurar para si a aquiescência das autoridades políticas e judiciais, fazer desarmar pelos carabineiros os seus adversários para depois os atacar em 10 contra 1, preparar-se militarmente sem necessidade de se esconder, na verdade recebendo do governo armas, meios de transporte e objetos de quartel, e depois ser chamado pelo rei e colocar-se sob a proteção de Deus… é tudo o que não poderíamos e não quereríamos fazer. E é tudo o que havíamos previsto que aconteceria no dia em que a burguesia se sentisse seriamente ameaçada.
Sobretudo o advento do fascismo deve servir de lição aos socialistas legalistas, os quais acreditavam, e (ai de mim!) acreditam ainda, que se podia derrubar a burguesia mediante os votos da metade mais um dos eleitores, e não quiseram acreditar quando lhes dissemos que se alguma vez alcançassem a maioria no parlamento e quisessem — só por hipótese absurda — realizar o socialismo a partir do parlamento, seriam expulsos com um pontapé no traseiro!