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A ideia clássica acerca do homem de ciência era a de um ser colocado à margem da vida. Folheia livros, documentos históricos, procura inspiração em seu próprio espírito, dispõe de um modo estranho seus pensamentos, independentemente da vida prosaica, e cria sistemas, que corrigem os defeitos da natureza. Este alheiamento da vida deveria demonstrar a imparcialidade e neutralidade de classe da ciência e de seus sacerdotes.
Com seu trabalho científico e político, Marx destruiu o conceito da imparcialidade de classe da ciência e dos sábios. Em primeiro lugar, Marx demonstrou que essas elevações do espírito, entrincheiradas em elevados termos científicos, não refletem apenas uma relação social determinada, mas também os interesses de determinada classe. Em segundo lugar, provou ser a renúncia à luta um jogo político, proveitoso para os opressores e desvantajoso para os oprimidos.
Marx foi um sábio no melhor e mais amplo sentido da palavra. Não escreveu uma só linha, sem meditar primeiramente, sem examinar dezenas de vezes o texto escrito. Porém, era de opinião que a ciência deve servir à luta, e não ser um instrumento para dela desviar as massas. Considerava que a ciência deve afastar os obstáculos ideológicos e políticos, que atravancam o caminho da emancipação da classe proletária. Marx compreendeu muito bem o significado histórico de seus trabalhos científicos; porém, era, sobretudo, um revolucionário”. (Engels). Compreendia que a ciência, sem ação revolucionária, é um objeto morto. Ele que descobrira a missão histórica da classe proletária, que havia elevado a consciência e a fé desta classe em si mesma, considerou de imperiosa necessidade auxiliá-la concretamente, explicar-lhe a teoria, ajudá-la a organizar-se. Não desprezava, por isso, nenhum trabalho de organização, por menor, simples, pequeno e ordinário que fosse, quando se tratava de unificar as forças da classe proletária e servir aos interesses do socialismo.
Em 1846, Marx organiza um “comité de correspondência comunista”, e dirige-se por cartas aos socialistas eminentes da época, convidando-os a participar do comité, na esperança de criar um centro unificador.
“O objetivo principal de nossa correspondência será, portanto, pôr em contacto os socialistas alemães, franceses e ingleses; pôr os estrangeiros ao corrente dos movimentos socialistas da Alemanha, e informar aos ademães, em seu país, do progressos do socialismo na França e Inglaterra Desta forma, as divergências de opinião poderão ser esclarecidas, e chegar-se-á a um intercâmbio de ideias, a uma crítica imparcial. Eis um progresso do movimento socialista em sua expressão literária, a fim de desembaraçar-se dos limites da nacionalidade.”(1)
Vemos que o Comité tinha por fim o intercâmbio de informações; porém, de fato, tratava-se de algo mais importante. O intercâmbio de informações, no nível em que se encontrava o movimento socialista na primeira metade do século XIX, significava, também, determinada influência do socialismo avançado sobre o socialismo mais atrasado. A luta contra a mesquinhez nacional, era o propósito de Marx, era a significação política do “comité de correspondência comunista”.
Em 1845-46, Marx realiza conferências para os proletários da Bélgica. Em 1847, põe-se à frente da Liga Comunista, e, encarregado por ela, redige com Engels o famoso “Manifesto Comunista”, que ainda hoje é a Carta Magna do comunismo internacional. A Liga Comunista cresceu e adquiriu influência rapidamente.
Porém, a derrota da revolução de 1849 debilitou-a sensivelmente. Marx dispendeu enormes esforços para conservar e reforçar a organização, e em uma série de documentos de ordem política e de organização, estabelece diretrizes a todas as organizações de base. A respeito, são muito importantes as cartas circulares do Comitê Central da Liga Comunista às suas organizações. Nelas, encontramos, não só uma apreciação da situação e das circunstâncias existentes, como também uma série de conselhos de organização e indicações táticas.
A primeira mensagem do Comitê Central à Liga Comunista, em março de 1850, comprova que “as antigas organizações da Liga tornaram-se mais débeis”. A mensagem, após comparar a situação entre o partido proletário e o partido democrático da pequena-burguesia, chega à conclusão de que “enquanto o partido da pequena-burguesia ampliava suas organizações, o partido proletário perdia o único apoio sólido”. Esta primeira mensagem determina também a posição do partido proletário, em face da democracia pequeno-burguesa.
“O partido proletário marcha com a democracia pequeno-burguesa, contra qualquer facção, cuja queda ambas almejam; o partido proletário coloca-se contra a democracia pequeno-burguesa, em todos os casos em que esta pretenda consolidar-se.”(2)
Esta negra tática, partindo das fronteiras da primeira metade do século XIX, determina, para um tempo assaz longo, a atitude do marxismo revolucionário em face dos partidos pequeno-burgueses. Essa tática se explica pelo seguinte:
“Enquanto os pequenos burgueses democráticos querem terminar quanto antes a revolução, nosso interesse e nossa missão é fazer com que a revolução seja permanente. Para nós, não se trata apenas da mudança da propriedade privada, mas de sua abolição. Não de dissimular as contradições de classe, e sim aniquilar as classes, não do melhoramento da sociedade existente e sim da criação de uma nova sociedade.”(3)
Que devem, pois, fazer os trabalhadores quando começar a revolução? Que reivindicações devem apresentar, e que medidas de organização adotar, com o fim de encaminhar os acontecimentos, de acordo com seus interesses?
Antes de tudo, os revolucionários “não se devem opor aos supostos excessos, às manifestações da vingança popular, e sim tomar-lhes a direção.” Ao lado das reivindicações da democracia burguesa, os proletários devem apresentar as próprias reivindicações. “Exigir garantias e obrigar os novos governantes a fazer todas as concessões e promessas, este é o meio mais simples de comprometê-los.”
“Ao lado dos novos governos oficiais — escreve Marx — devem criar seus próprios governos proletários revolucionários, sob a forma de órgãos diretores das comunas, conselhos comunais 0u sob a forma de clubes, ou comitês proletários. Deste modo, farão com que os governos burgueses-democráticos percam imediatamente o apoio dos trabalhadores, ficando desde o início sob a vigilância e ameaça de um poder postado atrás de si, a massa proletária. Em uma palavra, desde o primeiro momento da vitória, a desconfiança deve ser encaminhada, não contra o partido reacionário vencido, mas contra seus aliados, contra o partido que se aproveitar egoisticamente da vitória comum”. (Marx e Engels, T. VIII — pag. 485).
Esta brilhante definição da tática do Partido proletário na revolução, foi posta em prática e provada pela experiência da revolução russa, onde a dualidade do poder serviu de ponto de partida e de alavanca para a organização das massas, e para a derrocada do poder dos partidos burgueses e pequeno-burgueses.
Mais adiante, declara a mensagem que, se os acontecimentos revolucionários se desenvolvem, torna-se necessário empreender a criação da guarda proletária, a disposição de conselhos revolucionários eleitos pelos trabalhadores. É necessário prestar uma atenção especial à organização do proletariado agrícola. E, sobretudo, são necessárias “a posição e a organização independentes do partido do proletariado.”
Esses conselhos, que possuem oitenta anos, surpreendem por sua atualidade. Ensinam táticas organizadoras, e contêm, em germe, toda a tática posterior do bolchevismo, em três revoluções.
A segunda mensagem do Comité Central à Liga Comunista, em junho de 1850, informa da situação da Liga Comunista na Bélgica, Alemanha, França, Suíça, Inglaterra.
Ante as debilidades das organizações locais, apresenta novamente uma série de tarefas táticas e organizadoras, entre as quais a mais importante é o trabalho, nas organizações proletárias, dos jornaleiros agrícolas, dirigidas por adversários, com o fim de conquistar seus membros, para a luta revolucionária de classes. Nessa mensagem, Marx apresenta também a questão da criação de organizações auxiliares:
“Mediante uniões mais amplas, nossa influência pode ser desenvolvida, com mais solidez, especialmente junto às ligas camponesas e associações esportivas.”
Todas as indicações tendem para a mais rápida e profunda penetração nas massas.
Como desencadear a ação, quando há constantes perseguições? No possível, legalmente; e onde seja impossível, ilegalmente. São esses os conselhos repetidos de Marx a seus partidários.
Membro de um partido ilegal, Marx foi, ao mesmo tempo, um inimigo de complôs. Traçava uma linha rigorosa de separação entre uma e outra coisa. A respeito é muito eloquente seu comentário sobre o livro de Chenu: “Os conspiradores, as sociedades secretas, etc.”, e sobre o “Nascimento da República de fevereiro de 1848” de L. de la Hodde. Ambos os livros apareceram em 1850, em Paris. Marx atacou vivamente os “alquimistas da revolução”, que “fazem a revolução sob forma improvisada”, quando não há nenhuma premissa para ela. Estes alquimistas da revolução “desprezam profundamente a educação teórica dos proletários e o esclarecimento de seus interesses de classe”. O isolamento das massas faz com que “a distância entre o conspirador profissional e o agente provocador seja constantemente menor”.(4)
A definição dos alquimistas da revolução leve brilhante confirmação na experiência dos anarquistas maximalistas, socialistas revolucionários e todos os partidos e grupos russos, que procuraram substituir a ação das massas pela de grupinhos de conjurados.
Quando, depois da sufocação da revolução de 1848, a reação atacou furiosamente o movimento revolucionário de todos os países, Marx prosseguiu trabalhando denodadamente no “O Capital”, publicando na imprensa inglesa, americana e alemã, uma série de artigos políticos, consagrados às questões da política corrente, mantendo, ao mesmo tempo, a ligação com todos os companheiros de ideias, e esforçando-se por ajudá-los com palavras e atos. Desde o início do ressurgimento do movimento proletário. Marx não deixou de intervir, ao mesmo tempo que os trabalhadores dos diferentes países sentiam-se novamente atraídos pelas relações mútuas. A viagem dos operários franceses à Inglaterra, e a confraternização dos trabalhadores ingleses e franceses, foi a causa imediata do aparecimento, em 1864, da Associação Internacional Comunista.
Pedro Kropotkine, apóstolo do anarquismo e patriota durante a guerra mundial, escreve que “a Internacional foi fundada sem a participação de Marx”.(5)
Kropotkine invoca uma carta a Engels, em que Marx lhe comunica haver assistido, em 28 de setembro de 1864, a um meeting no Sebert-Hall, como simples espectador. Kropotkine deduz daí que Marx não influiu na fundação da I Internacional, alterando, preconcebidamente, a história, pois ocultou a seus leitores o fato notório de que só graças aos largos anos de esforços de Marx antes e depois destes acontecimentos, pôde a Internacional surgir e transformar-se numa farsa séria.
Mais adiante, na mesma carta, Marx relata, detalhadamente, como participou na elaboração do documento fundamental da I Internacional, a Proclamação Inaugural, e de seus estatutos, conseguindo dar a esse manifesto e estatutos um impecável caráter teórico e político.
Em sua carta de 4 de novembro de 1864, Marx descreve detalhadamente a Engels, as condições em que nasceu a A. I. T. e explica porque foi assistir ao meeting em Sebert-Hall.
“Sabia que desta vez ali se encontravam as verdadeiras forças, tanto de Londres como de Paris: por isso, decidi-me a abandonar minha norma habitual de declinar todo convite nessas condições.”
Neste meeting, foi escolhido um comitê, o qual elegeu uma subcomissão para elaborar a declaração de princípios.
O major Wolf — escreve Marx — propôs às Associações aproveitar-se dos Estatutos das sociedades operárias italianas, que são claramente obra de Mazzini e de Weston. Este último redigiu um programa extraordinariamente confuso e infinitamente extenso.
Esses projetos foram corrigidos por Lubez, sendo convocada depois a reunião plenária do comité.
“Prevenido por Eccarius — escreve Marx — cheguei e fiquei verdadeiramente horrorizado ao ouvir a introdução lida pelo bom De Lubez, terrivelmente empolada, mal redigida, insensata, e isso pretendem ser uma declaração de princípios! A todos os momentos transparecia o espírito de Mazzini, apenas encoberto pelos mais nebulosos fragmentos do socialismo francês. Além de ter incorporado grandes trechos dos estatutos italianos, além de todas as deficiências, propunham-se fins completamente irrealizáveis, como a criação de uma espécie de governo central, (bem entendido, com Mazzini à frente), da classe proletária da Europa. Comecei a fazer uma oposição suave, e, após longas conversações, foi aceita a proposta de Eccarius, mandando a subcomissão submeter o trabalho a uma segunda redação”. (Marx e Engels, XXVIII).
Marx tomou a firme decisão de não conservar uma sópalavra destes projetos. Quando lhes entregaram para ler excluiu todo o antigo texto e escreveu um manifesto à classe proletária, “espécie de síntese dos destinos da classe proletária, desde 1854”. Reformou a introdução, suprimiu a declaração de princípios, e, em lugar dos 40 parágrafos dos Estatutos, colocou somente dez.
“Todas as minhas propostas — escreve Marx — foram aceitas pela subcomissão. Somente, fui obrigado a introduzir no prefácio dos estatutos duas frases sobre ‘direitos e deveres’, a moral e a equidade; foram usados, porém, tais termos, que não podem causar nenhum mal. Era preciso ser forte na ação e moderado na forma.” (Marx e Engels, T. XXIII, p. 210).
Esses fatos da origem dos primeiros documentos fun damentais da I Internacional não podem ser discutidos, nem mesmo pelos anarquistas.
Isto prova que, se Marx não houvesse intervindo no assunto, Tolew, Weston e outros teriam adotado uma declaração sem conteúdo de valor, e encaminhariam a Associação Internacional de Trabalhadores por outros caminhos. Além disso, Marx manifestou grandes capacidades técnicas e de organização, obrigando todos os confusionistas a renunciarem a suas nebulosas teses e programas.
Que devemos considerar como mais importante na fundação da Internacional?
Os solenes discursos no meeting, 0u a elaboração do documento básico, a ata da fundação da internacional? Até hoje sempre acreditamos que Marx, formalmente à margem, encarregou-se do assunto e fundou a Internacional. Resulta, porém, não ser assim, porque aos anarquistas só interessa a forma e não o fundo.
Seguindo-se a Kropotkine, pode-se chegar à conclusão de que Marx, em geral, não tem nada com a Internacional, visto não ter sido seu presidente, nem seu secretário. Absteve-se de participar de alguns congressos, por se achar inteiramente consagrado à sua obra fundamental. Em abril de 1860, Marx escreve a Bolte, que não comparecerá ao Congresso de Genebra por estar terminando “O Capital”. Também não assistiu a outros congressos. Apesar de tudo, porém, todos os documentos básicos e teses principais foram elaborados por ele. Segundo Marx, se um congresso aprovasse um documento escrito por ele (mesmo que alguns contivessem afirmações não marxistas), significava, sob o ponto de vista político, um fato infinitamente mais auspicioso, que dezenas de discursos altissonantes.
A crermos em Kropotkine e discípulos, Marx e Engels nada teriam produzido. Chekerov afirma e Kropotkine repete, que Marx e Engels copiaram, simplesmente, o “Manifesto Comunista” de Cousiderant. O mesmo Chekerov, cujas afirmações são tomadas de empréstimo por Kropotkine, chega a afirmar que a obra de Engels, “A situação da classe proletária na Inglaterra”, é plagiada de um publicista francês, Bruré. É esse o “objetivismo” dos historiadores anarquistas, caluniadores infelizes de Marx, homem que lutou encarniçadamente contra o revolucionário oco e o charlatanismo anarquista.
Mesmo ocupado em sua obra fundamental, Marx não abandona as observações diárias dos acontecimentos internacionais. Em sua correspondência com Engels, encontramos enorme quantidade de matéria, extraordinária pelo volume e importância, atestando o trabalho de Marx. Ele escreve prospectos, apelos, corrige erros de amigos, critica os aliados, ataca furiosamente os inimigos, dá conselhos para este ou aquele caso, de acordo com as circunstâncias, intervém francamente, ou por meio de carta, ou valendo-se de um terceiro. Batia-se constantemente, por uma ideia: estabelecer os fundamentos do partido do proletariado, dando-lhes um programa revolucionário, e livrar, ainda que somente a vanguarda, da confusão ideológica, cujas raízes se achavam plantadas no passado histórico, e que impedia o desenvolvimento da ação proletária. Porém, quando Marx não podia escrever, Engels intervinha frequentemente, em prol da ideia de Marx, seguindo seus conselhos, ou atuando por iniciativa própria. Diariamente, apresentavam-se a Marx e Engels, novos problemas. Hoje, uma greve na Bélgica, Inglaterra ou França; amanhã, perseguições contra os membros da Internacional na França; depois, campanha de calúnias contra a Internacional; por vezes, tentativas para criar sindicatos ilegais nos Estados Unidos, ou renúncia dos trade-unionistas ingleses à luta política; aqui; maquinações proudhonianas e bakuninistas, rompendo a unidade política e orgânica da Internacional; além, penetração de elementos alheios às organizações operárias; cá, oportunismo de direita, acolá, sectarismo de esquerdas, etc.
Desde o momento da fundação da I Internacional, começou o movimento proletário a crescer impetuosamente em todo o mundo. Tornava-se necessário firmar, não só princípios teóricos justos, mas também indicações políticas e conselhos de organização. A posição de Marx e Engels no crescente movimento proletário era tão importante, que, mesmo que se quisesse, não poderiam livrar-se dos problemas táticos e de organização. Mas, como Marx não tinha o mesmo desejo de fugir às suas responsabilidades, interveio, por iniciativa própria, em todas as questões de programa, de tática e de organização do movimento proletário internacional; por esse motivo seu trabalho nos oferece hoje um modelo admirável de aplicação prática da teoria revolucionária. Marx percebia à distância tudo o que havia de podre e de falso no movimento socialista e só descansava depois de combatidas essas excrescências. Em 19 de outubro de 1877, escreve a Sorge:
“Exala mau cheiro a podridão do nosso Partido da Alemanha, não tanto entre as massas, como entre os dirigentes.” (“Trabalhadores e homens das classes privilegiadas.”)
Marx perseguia impiedosamente essa podridão, no domínio da teoria, da política e da tática.
Em meados de abril de 1879, Marx e Engels escrevem uma carta circular a Bebel, Liebknecht, Bracke e outros chamando atenção para a “trindade de Zurique” — Hochberg, Berenstein e Schramm, — requisitório esmagador contra todas as faces do oportunismo.
“A trindade de Zurique” pregava prudência e delicadeza de atitude, frente à burguesia, propondo quê a social-democracia desencadeasse enérgica propaganda entre as camadas superiores da sociedade, etc....
Marx e Engels escrevem, a respeito dessas “revelações”:
“Notamos aqui representantes da pequena burguesia que, transpirando terror por todos os poros, declaram que o proletariado, impelido por sua situação revolucionária na sociedade, pode ir demasiado longe. Mas, em lugar de decidida oposição política, temos uma conciliação; em lugar de luta contra o governo e a burguesia, uma tentativa para convencê-la e conquistá-la; em lugar de resistência decidida às perseguições, uma humilde submissão e reconhecimento de que o castigo é justificado.”(6)
Quem são esses derrotistas? Qual sua origem política? A circular responde:
“É a mesma gente, que, afetando muita ocupação, além de não agir, não faz outra coisa a não ser falar. São os mesmos que, em 1848 e 1849, paralisados pelo medo, inativos, embaraçavam o movimento a cada passo, e, em frequentes ocasiões lavaram-no à derrota. Sentem a reação, e surpreendem-se, quando se vêm encalhados em banco de areia, onde a resistência e a fuga são igualmente impossíveis. Pretendem introduzir à força a teoria dentro dos limites de seu horizonte filisteu; mas, acima deles, a história, sem notar presença tão mesquinha, segue seu caminho.”(7)
Esta excelente definição dos oportunistas alemães é de tal atualidade, que dá a impressão de ter sido escrita para definir especialmente a social-democracia alemã, do período do 3.° Reich de Hitler. E a magnífica carta de Marx a Engels termina declarando que o Partido não deve tolerar em suas fileiras indivíduos dessa espécie:
“Há quarenta anos anos, vimos apontando a luta de classes, como força motriz imediata da história; e, sobretudo, a luta de classes entre a burguesia e o proletariado, poderoso estimulante da revolução social contemporânea. Não podemos, por isso, de modo algum, marchar ao lado de indivíduos que pretendem afastar do movimento a luta de classes. Ao fundar a Internacional, formulamos, com toda clareza, nosso grito de reunir: a emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores. Repugna-nos, por conseguinte, marchar ao lado de indivíduos que declaram abertamente que os trabalhadores são demasiadamente ignorantes, para emanciparem-se por si mesmos, necessitando, por isso, desde o princípio, dos grandes e pequeno-burgueses filantropos!” (K. Marx: “Obras escolhidas”. T. II p. 493).
Era com ensinamentos desse gênero que os fundadores do comunismo científico orientavam os chefes do partido social-democrata alemão. A carta circular constitui hoje notável documento político e de organização do comunismo internacional, justamente porque Marx jamais expunha uma tese teórica sem tirar conclusões práticas. Essa carta mostra todo o gênio tático de Marx. Acompanha passo a passo as mazelas do oportunismo, diz como é preciso combatê-las, e deduz conclusões de organização. Marx, que escrevera com mão de mestre a Proclamação Inaugural da I Internacional, com o propósito de unificar os diversos elementos do movimento proletário, e, no momento da criação do partido operário francês, manifestou-se pela admissão de elementos não marxistas, reclama, energicamente, a separação, quando o momento é azado, quando adverte que a presença de tais indivíduos ameaça desviar a diretriz política.
“A unidade é qualquer coisa de magnífico — escreve Engels a Bebel em 28 de outubro de 1881 – enquanto pode manter-se. Porém, há coisa mais importante que a unidade.” (“Obras escolhidas”) .
Marx condena o oportunismo, o espírito de adaptação, a subordinação dos interesses da classe proletária aos interesses dos partidos burgueses, ataca violentamente elementos alheios, infiltrados no socialismo, declarando-se ao mesmo tempo, não com menor violência e paixão, contra afrase de esquerda, que encobre o mesmo oportunismo. Quando os comunistas alemães dos Estados Unidos começaram, depois da desorganização da Internacional, a isolar-se em grupo estritamente sectário, considerando indigno trabalhar nas organizações reacionárias, Engels escreve uma carta a Wichnevetski, onde explica que o essencial é a luta contra o sectarismo; é indispensável integrar-se nas organizações proletárias de massas, e, isolar-se delas equivale a isolar-se da classe proletária.
“Considero — escreve Engels a Wichnevetski, em 28 de dezembro de 1866 — que ‘os cavaleiros do trabalho’ são um fator importante que não deve ser desprezado, nem posto à margem; ao contrário, seria necessário insuflar-lhes o espírito revolucionário desde já. Exigir que os americanos comecem pelo conhecimento completo da teoria elaborada nos velhos Estados industriais, é exigir o impossível. Não se deve aumentar a confusão, inevitável nas primeiras ações, obrigando as massas a assimilar questões, que, embora num futuro próximo lhes sejam compreensíveis, no momento atual não lhes parecem bem claras.”(8)
Algumas semanas depois, Engels volta à questão, e, em carta de 27 de janeiro de 1887, escreve a Wichnevetski:
“Toda a vossa atividade prática demonstra ser possível incorporar-se ao movimento geral da classe proletária, em qualquer ponto de seu percurso, sem necessidade de perder, ou ocultar a posição própria, nem a própria organização. Temo que nossos amigos americanos cometam um erro crasso, se em vez de seguirem este caminho, persistirem em outro.” (“Cartas”).
Estas indicações táticas de Engels não perderam a sua atualidade. São oportunas e vivas. Quanto mais estudarmos a herança de Marx e Engels, encontraremos maior número de indicações táticas e de organização, aplicáveis ao movimento proletário atual.
Marx esteve à frente do comunismo internacional, durante longas décadas. Era um inimigo mortal do capitalismo, e, portanto, foi o “homem mais odiado e mais caluniado” (Engels). Todavia, isto era o que menos o preocupava. Prosseguia seu caminho, certo de que era o caminho dos melhores elementos da classe proletária, de milhões de trabalhadores. Em 25 de outubro de 1881, Engels escrevo a Berenstein:
“Com seus trabalhos teóricos e práticos, Marx conquistou uma situação tal, que os melhores homens do movimento proletário dos diferentes países, lhe dedicam inteira confiança. Nos momentos decisivos, dirigem-se a ele, solicitando conselhos, e comprovam habitualmente que seus conselhos são os melhores...
Desse modo, vemos que não é Marx quem impõe aos outros sua opinião, e muito menos sua vontade. São os outros que se dirigem a ele. É precisamente, neste fato, que se estriba a influência particular de Marx, sumamente importante para o movimento.” (“Obras escolhidas”).
Marx não viveu, até o dia da vitória do marxismo, em uma sexta parte do globo; porém, tinha a certeza da vitória da classe proletária, e a preparava com afã, politicamente dando-lhe organização, para derrubar a burguesia. Produzem por isso impressão ridícula os esforços dos sociais-fascistas, para demonstrar que Marx, se ainda vivesse, estaria hoje a seu lado. De todas as tentativas, a mais cômica é o artigo de um dos teóricos do Partido Trabalhista Inglês, Woodburn, com o título: “Ingressaria Marx no Partido Trabalhista?”(9). Miter Woodburn responde afirmativamente a essa interrogação, porque o “Manifesto Comunista” coincide com o programa atual do Partido Trabalhista. Marx trabalhista! Francamente, o cinismo social-fascista não tem limites!
Os inimigos do marxismo revolucionário, ambicionando minar a autoridade de Marx, entre as massas, assinalam, frequentemente com maligno regozijo, os erros de Marx e Engels na apreciação do grau de adiantamento do processo histórico. Já em 1907, porém, Lenine refutou a todos esses presumidos, escritores e profetas do passado:
“Sim, Marx e Engels equivocaram-se muito, e, frequentemente, na determinação da proximidade da revolução, e na esperança da vitória. Porém, estes erros dos colossos do pensamento revolucionário, que erguiam e erguem o proletariado acima do nível das preocupações quotidianas e imediatas, são mil vezes mais nobres, majestosos e historicamente mais valiosos e verdadeiros que a mesquinha sabedoria do liberalismo oficial, que pondera, proclama, bufa e tagarela a propósito da esterilidade da ação revolucionária, e das belezas das divagações contrarrevolucionárias “constitucionais.”(10)
Essas linhas só podiam ser escritas por um homem familiarizado com o espírito, com a essência da doutrina de Marx. Essa linguagem só podia ser de Lenine, que, muito antes de outubro, pressentia a aproximação da vitória do marxismo. E, se depois da bancarrota dos marxistas oportunistas, o marxismo ressurgiu com mais vigor; se o marxismo domina a sexta parte do globo terrestre e faz estremecer, atualmente, todo o mundo capitalista; se o espírito de Marx anima as greves, os choques armados, as lutas dos desempregados e os movimentos de massas dos trabalhadores dos países capitalistas; se a bandeira rubra do marxismo flameja na China soviética, nas sublevações das massas oprimidas e deserdadas da Indochina, da Índia e do continente negro; se tudo isso acontece é porque Marx aliava a teoria à prática revolucionária.
Marx sabia que, “sem teoria revolucionária, não pode haver movimento revolucionário” (Lenine). Foi ele quem anexou ao tesouro do comunismo internacional a ideia de que “a teoria é um peso morto se não se liga à prática revolucionária; e a prática torna-se cega, se não ilumina seu caminho com a teoria revolucionária”. (Stalin).
Por isso, Marx entrou na história do movimento proletário mundial, não só como um grande teórico, mas também como um chefe e organizador genial da classe proletária. Por isso, podemos afirmar com toda a razão, que, sem a teoria marxista e a prática revolucionária, não há, nem pode haver, movimento sindical revolucionário.
Notas de rodapé:
(1) Internacional Comunista — Maio de 1933. (retornar ao texto)
(2) Karl Marx: “Obras escolhidas”. T. VIII, pgs. 481-2. (retornar ao texto)
(3) Karl Marx: “Obras escolhidas”. T. VIII, pgs. 481-2. (retornar ao texto)
(4) Karl Marx: “Obras escolhidas”. T. VIII, pgs. 300-301. (retornar ao texto)
(5) Ver “A Ciência Contemporânea e a Anarquia” — Moscou, 1921, pg. 66. (retornar ao texto)
(6) Karl Marx: “Obras escolhidas”. T. II p. 492. (retornar ao texto)
(7) Karl Marx: “Obras escolhidas”. T. II p. 492. (retornar ao texto)
(8) Cartas de Marx e Engels a Sorge e outros, pág. 273-4. (retornar ao texto)
(9) Worwarts — 3 de setembro de 1932. (retornar ao texto)
(10) Lenine: T. II. Ed. 3ª, p. 178. (retornar ao texto)
Inclusão | 18/09/2019 |