Marx e os Sindicatos
O Marxismo Revolucionário e o Movimento Sindical

A. Losovski


Capítulo III - A Luta Contra o Lassalismo e Todas as Variedades do Oportunismo Alemão


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Marx acompanhava, com a maior atenção, o alastramento do movimento proletário na Alemanha. A revolução de 1848 foi a fase culminante da atividade do movimento germânico proletário da época. O refluxo inicia-se depois de 1848, dispersando o movimento. Uma parte considerável dos elementos revolucionários se vê obrigada a emigrar para a França, Inglaterra e E. Unidos, enquanto na própria Alemanha começam a brotar toda a espécie de irmandades, sociedades de auxílio mútuo e outros embriões de sindicatos.

Marx e Engels mantêm estreitas ligações com a emigração operária do país. Inicia-se, após 1848, o período da reação política e ideológica na Alemanha, e um grupo de companheiros de Marx, afasta-se do movimento revolucionário. Ele, porém, trabalha persistentemente no desenvolvimento de sua concepção filosófica do mundo, na elaboração do seu sistema econômico, persistindo, simultaneamente, numa intensa atividade político-literária. Em fins de 1850, principia a decadência da depressão, iniciando-se a ascensão do movimento proletário alemão. Lassalle organiza, em 1863, a Associação Geral dos Trabalhadores”, e expõe abertamente a questão das finalidades e dos direitos políticos da classe trabalhadora. Lassalle surge na arena política, no momento em que começa a animação, verificando que o grande fator para a popularização de sua “Associação Geral dos Trabalhadores”, foi a modificação produzida na mentalidade das massas proletárias. Marx e Engels apreciavam-no bastante. “Lassalle, apesar de todos os seus ‘defeitos’, é firme e enérgico”, escrevia Marx e Engels, em 10 de março de 1853. Na mesma correspondência, em 18 de julho do mesmo ano, Marx escrevia: — “Lassalle é o único que tem a audácia, apesar de tudo, de continuar correspondendo-se com Londres, e é necessário conseguir que este intercâmbio não se lhe torne fastidioso.”(1)

Em carta a Schweitzer, 3 de outubro de 1868, Marx escreve: — “Após 15 anos de letargia, Lassalle conseguiu despertar novamente o movimento proletário na Alemanha. Este é o seu mérito imortal.”

Desde o início, porém, Marx e Engels observaram uma série de graves erros na teoria e atividade de Lassalle. À proporção que este manifestava sua errônea orientação, cava-se um desacordo cada vez maior. Lassalle não confiava na luta dos proletários pelo direito de coalisão e não via utilidade nas greves. “O direito de coalisão não oferece vantagem alguma ao trabalhador, nem pode produzir um melhoramento real em sua situação.” Tais eram os seus axiomas; referia-se, também, constantemente, à “triste experiência” das greves inglesas.

Considerava estéril a luta pelo aumento dos salários, visto a classe proletária ser incapaz de modificar a lei de bronze dos salários, que, segundo ele, é a pedra angular de toda a ciência “econômica”. Como bálsamo para todos os males, batia-se Lassalle pelas seguintes reivindicações:— sufrágio universal e subsídio do Estado às Associações de Produção. Negava, portanto, a luta econômica da classe proletária e a utilidade dos sindicatos. Esta concepção encontrou a seguinte réplica de Marx:

“Lassalle declarou-se contrário ao movimento de coalisão, escreve Marx a Engels em 13 de fevereiro de 1865. Liebknecht iniciou-o com seus próprios meios, entre os tipógrafos de Berlim, contrariando assim a vontade de Lassalle.”(2)

A forma usada por Lassalle para expor o problema dos sindicatos e das associações de produção, não podia deixar de provocar cerrado ataque de Marx e Engels, que, diante dela, convenceram-se imediatamente de que a “Associação Geral dos Trabalhadores” era uma espécie de partido pequeno-burguês, de caráter profundamente sectário.

A chamada “lei de bronze” do salário foi a pedra de toque, para o início da luta entre Marx e Lassalle. Esta teoria era, no fundo, apenas a reedição das teorias proudhonianas e da lei de Malthus, sobre a procriação. Sua essência era a seguinte: — todos os esforços dispendidos pelo proletário, todas as suas lutas, nada influirão no sentido de melhorar a sua situação. E uma ideia que condena as lutas econômicas organizadas, considerando-as estéreis, não podia contar com as simpatias de Marx. Sua crítica rude à “lei de bronze” dos salários, incluiu a demonstração de que os salários se compõem de duas partes: — contêm o mínimo físico e o mínimo social, os quais oscilam de acordo com as condições histórico-sociais. Lassalle não só insistiu em sua “lei de bronze”,, como orientava-se cada vez mais para o Estado bismarkiano, subordinando tudo às subvenções do Estado.

“Inúmeras vezes assinalei que me bato pela associação individual e voluntária. Esta, porém, para poder constituir-se, deve obter do Estado — mediante empréstimo — o capital necessário.”(3)

“Para elevar nossa classe, para obter a liberdade, não somente de alguns trabalhadores, mas do próprio trabalho, são necessários milhões. E só o Estado e a legislação os podem dar.”(4)

Era esta a solução simplista, com que Lassalle, figura de grande capacidade, pretendia resolver o problema do trabalho. É necessário obter primeiro o direito de sufrágio universal e, depois... o governo distribuirá milhões e milhões...

Marx poderia deixar de combater esta utopia funesta, evidentemente pequeno-burguesa? Certamente, não!

Em 9 de abril de 1863, ele escrevia a Engels:

“Lassalle dirigiu-me há dias a carta aberta, “Ao Comitê Proletário Central” do “Congresso Proletário de Leipzig”. Ostenta ares de futuro ditador dos proletários, declamando pomposamente frases que são nossas, e que ele plagiou. Resolve com a “maior facilidade” as diferenças entre o capital e o trabalho; a saber: — os trabalhadores devem bater-se pelo sufrágio universal, enviando a seguir à câmara dos deputados, pessoas como ele, “dotadas da arma brilhante da ciência”. Estes construirão, num triz, fábricas proletárias, que receberão do Estado facilidades de capital, e, pouco a pouco, todo o território estará coberto dessas empresas. Tudo isto é admiravelmente novo.”(5)

Marx opunha-se, portanto, a Lassalle; primeiro, devido a seu programa errôneo; segundo, porque seguia uma tática falsa; terceiro, porque estimulava uma organização de falsa estrutura.

Depois da morte de Lassalle, a “Associação Geral dos Trabalhadores” passou a ser presidida por Schweitzer. Este iniciou sua gestão, manifestando-se partidário do direito de coalisão, inclusive da luta pelos salários. Apesar de se ter afastado de seu mestre, Schweitzer chega, porém, às seguintes conclusões:

“1.° — Sob o ponto de vista econômico, a greve é logicamente estéril.

2.° — Não obstante, a greve é um meio magnífico para agitar o movimento proletário, e eleva-o até a formação de uma consciência própria na classe proletária.

3.° — Onde o movimento proletário pode atuar abertamente na luta pelo seu objetivo final, as greves em geral não devem ser aprovadas, porque a classe proletária necessita de todas as suas forças, para a vitória deste objetivo: a mudança das bases sociais. Pois bem, as greves desviam . numerosas forças do objetivo final, e não conduzem mais que a um resultado ilusório: — o aumento dos salários.”

Vemos que a concepção acima exposta já não é tão retilínea como a de Lassalle. Um sotaque novo ressoa em seu argumento. Algumas vezes é pró, outras contra. Em 1868, Schweitzer toma a iniciativa de convocar um Congresso geral dos trabalhadores germânicos, com o fim de impulsionar o movimento, com o auxílio de interrupções do trabalho. Este Congresso se propunha unificar os sindicatos criados e fundar novos, os quais, ao surgir, chocavam-se com os princípios gerais e de organização lassallianos.

Marx acompanha atentamente a evolução da Associação Geral dos Trabalhadores da Alemanha, pois sabe que, com referência ao direito de coalisão, reinava entre os lassallianos a maior confusão. Em fevereiro de 1865, escreve a Schweitzer:

“A importância das coalizões e dos sindicatos, que delas surgem, não reside unicamente no fato de serem um meio de organização da classe proletária para a luta contra a burguesia. Os próprios trabalhadores dos Estados Unidos, apesar de seu direito de voto e da República, não podem prescindir delas. Na Prússia, e em geral na Alemanha, o direito de coalisão é uma brecha aberta no regime do domínio policial e burocrático, e rompe a lei do servilismo e a economia feudal em seu próprio campo. Em uma palavra, o direito de coalisão é uma medida de transformação dos ‘súditos’ em cidadãos de maior idade. Se os partidos progressistas, isto é, todos os partidos burgueses de oposição não fossem tão idiotas, acolheriam o direito de coalisão com um entusiasmo cem vezes maior do que ao governo da Prússia, e com maior razão ainda, do “que ao governo de Bismarck”.(6)

Na mesma carta, Marx se detém na famosa ideia lassalliana da subvenção do Estado. Eis o que escreve, referindo-se a esse socialismo governamental, monárquico-prussiano:

“Não resta dúvida que a nefasta ilusão mantida por Lassalle, sobre uma intervenção socialista do governo prussiano, será seguida de uma inevitável decepção. A lógica dos acontecimentos falará por si só. ‘ Mas a honra do Partido Proletário exige que abandone semelhantes quimeras, antes que sua insanidade rebente ao contacto da realidade. A classe proletária é revolucionária, ou não é nada."

Esta notável carta nos demonstra as causas da hostilidade de Marx contra os lassalianos. A classe proletária é revolucionária ou não é nada, era o que determinava a linha de conduta de Karl Marx.

Marx compreendia a Associação Geral dos Trabalhadores como um órgão sectário, ocupando-se muitas vezes desta questão. Em suas cartas a Schweitzer, ele expunha frequentemente o seu conceito sobre o caráter sectário da Associação Geral dos Trabalhadores. Numa delas dá uma definição clássica do que é o sectarismo. Ei-la, escrita em 13 de outubro de 1868:

“Como todos os fundadores de seitas, Lassalle negava qualquer ligação natural com o movimento proletário anterior, na Alemanha e no estrangeiro. Reincidiu no mesmo erro de Proudhon. Não foi buscar a base real de sua agitação junto aos verdadeiros elementos do movimento de classe, mas queria orientar a sua marcha mediante uma fórmula doutrinária determinada.

Vós mesmo experimentastes, em vossa própria pessoa, o conflito entre o movimento de seita e o movimento de classe. A seita procura sua razão de ser em seu “point d’honneur”; não no que tem de comum com o movimento de classe, mas no talismã especial que a distingue desse movimento. Somente ante a ameaça da vossa renúncia à presidência, é que conseguistes romper a resistência de vossos partidários, quando propusestes a convocação do Congresso de Hamburgo, para a constituição de sindicatos. Além do mais, fostes obrigado a uma contradição, declarando atuar, uma vez como chefe de seita e outra como representante da classe proletária.

A dissolução da Associação Geral dos Trabalhadores proporcionou-vos excelente oportunidade. Bastava declarar, ou provar, que ingressamos atualmente em uma nova fase de desenvolvimento, e que o movimento de seita está bastante sazonado para dissolver-se no movimento de classe, liquidando de vez todas essas sobrevivências… No que concerne aos elementos aproveitáveis existentes na seita, deviam ser introduzidos no movimento geral, para enriquecê-lo.

Preferistes exigir, que o movimento de classe se subordinasse a um movimento sectário particular. Os que não se incluíam no círculo de vossos amigos, deduziam que desejáveis manter, a todo custo, vosso movimento proletário particular.”

Ao enviar-lhe Schweitzer, antes do Congresso de Hamburgo, o projeto dos estatutos de sua nova Associação Geral dos Trabalhadores, Marx aproveitou a ocasião para lhe fazer uma crítica severa. Tinha a certeza de que um agrupamento político-sindical era irrealizável, e que a centralização burocrática era sumamente perigosa, especialmente para a Alemanha.

Em sua carta a Schweitzer, em 13 de setembro de 1868, Marx escreve:

“Creio possuir tanta experiência sindical, quanto qualquer um de meus contemporâneos; julgo por isso que o projeto dos estatutos está errado, a começar pelos princípios. Sem entrar aqui em detalhes, direi somente que esse tipo de organização, com toda a comodidade que oferece às sociedades secretas e à união dos sectários, contradiz a própria essência das trade-unions. Mas mesmo supondo que há possibilidade para essa organização, devo declarar que a ‘toute bonnement’ considero-a francamente impossível, indesejável, sobretudo para a Alemanha. Aqui, onde o trabalhador sofre desde o nascimento um adestramento burocrático, e tem fé nos superiores, o mais importante é que aprenda a caminhar sem o auxílio de ninguém.

Vosso plano é também impraticável sob outros aspectos. Na organização, existem poderes independentes de origem diferente: 1.° — Comitê eleito por profissões: 2.° — Presidente, uma figura completamente inútil, eleita por sufrágio geral; 3.° — Um Congresso eleito por localidades. Finalmente, fontes de conflitos por qualquer coisa. E é esta a organização que se destina às ações rápidas!

Lassalle cometeu um erro profundo ao querer imitar “ao eleito pelo sufrágio universal” (da constituição francesa de 1852). E isto para as trade-unions! Estas vêm-se obrigadas a se ocupar principalmente de questões monetárias; por isso, não tardaríeis em verificar que, nestas questões, se resume todo o poder ditatorial.”(7)

Distingue-se pela sua importância nesta carta, não somente a crítica concreta, aniquiladora do supercentralismo de Lassalle-Schweitzer, mas também a posição regulamentar desta questão: — é preciso ensinar ao trabalhador alemão “caminhar sem o auxílio de ninguém”.

Marx e Engels examinaram frequentemente essa questão em sua correspondência. Conheciam o significado do adestramento burocrático, e temiam que a organização do partido e dos sindicatos chegasse a adquirir uma estrutura burocrática, suscetível de causar um dano imenso à classe proletária da Alemanha. Nesta, como em outras questões, as palavras de Marx confirmaram-se. O centralismo burocrático da social-democracia alemã, que corresponde às tradições “nacionais” do servilismo de quartel prussiano, asfixia o movimento proletário na Alemanha.

Ambos manifestaram também, com evidente frequência, suas opiniões sobre as pretensões ditatoriais de Schweitzer, herdeiro de Lassalle. Provavam que a sua orientação provocaria no mínimo a ruína do partido. Afirmavam que se tornava necessário a Schweitzer escolher entre a organização sindical das massas e o isolamento sectário.

Após o Congresso Proletário de Hamburgo, Marx es creve a Engels, em 26 de setembro de 1868:

“O que, sobretudo, há de ridículo em Schweitzer — claro que devido ao seu exército e à sua qualidade de presidente da Associação Geral dos Trabalhadores da Alemanha — é que, a cada nova concessão às necessidades do verdadeiro movimento proletário alemão, invoque sem cessar as palavras do mestre, pretendendo timidamente não contradizer os santíssimos dogmas de Lassalle. O Congresso de Hamburgo sentiu, e com razões de sobra, que o verdadeiro movimento proletário (trade-unions, etc...) ameaçava a Associação Geral dos Trabalhadores, como organização específica da seita lassalliana.”(8)

O caráter sectário da organização de Lassalle era incompatível com a propagação do movimento. Marx afirma várias vezes que é impossível a penetração de grandes massas em uma organização sectária. E refere-se a isso em sua carta a B. Polte, em 23 de novembro de 1871:

“A organização de Lassalle é simplesmente uma organização sectária, e, como tal, hostil às organizações do autêntico movimento proletário, que a Internacional pretende criar.”(9)

Marx e Engels trouxeram novamente à baila a questão da atitude em face dos lassallianos, por ocasião do Congresso realizado para a fusão destes com os partidários de Eissenach, em 1871, em Gotha.

Marx analisa implacavelmente o projeto do programa, e formula vigorosamente sua oposição aos lassallianos. Fala da “pretensa lei de bronze” e diz desta lei, pertencer a Lassalle somente a palavra ‘‘bronze”; que Lassalle ignorava (sublinhado por Marx) a significação do salário, e, como os economistas burgueses, confundia o “aparente com a realidade”; diz ser digno da sua imaginação crer que, com subvenções do Estado, é tão fácil construir uma nova sociedade, como se constrói uma nova linha ferroviária.”(10)

Em carta a Bebel (18-28 de março de 1875) escreve Marx a propósito do programa de Gotha, entre outras coisas, o seguinte:

“Nem uma palavra pronunciou-se sobre a organização da classe proletária, como classe, por meio dos sindicatos. E este é um ponto fundamental. Os sindicatos são a verdadeira organização de classe do proletariado, onde se educa, e, com ela, efetua sua luta diária contra o capital. Hoje em dia é impossível sufocá-la, nem mesmo com a mais brutal reação (como a que se verifica atualmente em Paris). Dada a importância que esta organização adquire na Alemanha, parece-nos absolutamente necessário mencioná-la no programa, e, na medida do possível, dar-lhe uma posição determinada na organização do Partido.”(11)

Tal é a crítica do programa de Gotha, abrangendo as duas questões. Mas, na realidade, “as glosas marginais sobre o programa do Partido Proletário alemão”, ultrapassam amplamente os limites destas questões.

A Liebknecht e Bebel, desagradou muito a crítica severa de Marx e Engels sobre o programa de Gotha. Bebel, ao citar em suas memórias esta passagem, comenta melancolicamente:

“Não era fácil concordar com os dois velhos de Londres. O que a nós parecia um cálculo de inteligência e uma tática hábil, julgavam-na eles como uma fraqueza e um espírito de conciliação irresponsável.”(12)

Essa objeção de Bebel é característica. Nos primeiros dias da fundação da social-democracia alemã, estabelecera-se o hábito de desculpar os desvios dos princípios marxistas com razões de tática, como se a tática fosse algo desligado e independente das concepções de princípio.

Marx e Engels opuseram-se à fusão dos lassallianos com os partidários de Eissenach, porque a plataforma da fusão era, não só equívoca, mas errônea. Marx assim se manifesta em 5 de maio de 1875, em carta a Bracke:

“Qualquer passo avante, qualquer movimento real, é mais importante que uma dezena de programas. Se era impossível sobrepujar o programa de Eissenach — e as circunstâncias não o permitiam — seria necessário concluir simplesmente um acordo para a ação contra o inimigo comum. Fabrica-se, ao contrário, um programa de princípio (em lugar de reservá-lo para o momento em que uma questão dessa ordem estivesse preparada para uma larga atividade comum) o que equivale a ostentar publicamente bandeirolas, que darão azo ao mundo inteiro de julgar o nível do movimento do Partido.”(13)

Vemos assim como Marx preocupava-se com a, fonte originária do movimento sindical na Alemanha. Acompanhava passo a passo o movimento proletário, intervindo publicamente, ou por meio de cartas, a propósito das posições políticas e táticas, corrigindo de passagem os erros e apontando os lados fracos do movimento.

No movimento proletário da Alemanha, havia duas tendências: — a dos Lassalle-Schwveitzer, tendente a destruir os sindicatos, transformando-os em partido, e a outra, cujas tendências eram opostas, isto é, consideravam os sindicatos como a única forma adaptável ao movimento. Neste último sentido pecou J. F. Becker, dirigente da seção alemã da Associação Internacional dos Trabalhadores.

Quando o partido político começou a constituir-se na Alemanha, o problema mais difícil e complicado era o das relações entre as várias sociedades educativas, os sindicatos e o Partido.

Vimos as soluções apresentadas por Lassalle e Schweitzer, e as objeções de Marx e Engels a esse tipo de organizações. J. F. Becker redigiu um projeto em 1869, propondo a formação de um partido político proletário (os partidários de Eissenach), defendendo a ideia de que a única forma verdadeira do movimento proletário são os sindicatos. Eis como formula sua afirmação:

Considerando que somente os sindicatos representam a justa forma das organizações proletárias, inclusive para o futuro, e em vista dos conhecimentos especiais que prevalecem em seu meio e contribuem para a formação de uma consciência social exata, e à medida que se aperfeiçoa a organização dos sindicatos (como por exemplo a “Associação Geral dos Trabalhadores da Alemanha”), as sociedades mistas perdem a razão de ser, depois de cumprirem sua missão de iniciadores; perdem também o direito à existência, etc.... etc....(14)

Uma questão dessa ordem só podia ser assim apresentada, porque não se tinha uma ideia exata do que é um partido e como deve estar constituído.

Bebel sobressaltou-se muito com o projeto e perguntou a Marx qual era sua posição diante dele. Marx respondeu que nada tinha de comum com esse documento.

Imediatamente, Engels também reagiu com violência, expressando, a propósito, não só a sua opinião pessoal como também a de Marx.

“O velho Becker deve ter ficado completamente louco. Como é possível que proclame os sindicatos como única forma de agrupamento dos trabalhadores, como base de toda a organização, e que todas as demais associações devem ter unicamente um caráter provisório? E tudo isto num país onde os verdadeiros sindicatos ainda não existem! E que organizações confusas! Por um lado, os sindicatos de cada profissão centralizam-se no comitê nacional; por outro, diversos sindicatos de cada localidade organizam seu comitê central. Se o que se deseja é discórdia permanente, esta é a organização propícia, às mil maravilhas! Porém, na realidade, oculta-se simplesmente atrás de tudo isto o velho artesão alemão, que quer salvar sua tenda, como base da unidade da organização proletária.”(15)

Marx não era caça para as armadilhas de uma frase revolucionária. Quando algum socialista contemporâneo começava a empregar frases demasiadamente retumbantes, Marx o atacava resolutamente. A este respeito é notável a diferença de atitudes de Marx para com Berenstein e Most. O primeiro acusara o segundo de “esquerdismo insinuando veladamente suas opiniões pequeno-burguesas de direita. Marx reagiu contra a intenção de Berenstein, de introduzir seu contrabando.

“Nossas divergências com Most nada têm de comum com as discórdias com os senhores de Zurich (o trio composto pelo dr. Höchbert, Berenstein seu secretário, e Scharamm). Não exprobramos Most por sua ‘Liberdade’ ser excessivamente revolucionária, e sim, porque não tem conteúdo revolucionário, limitando-se a fazer fraseologia revolucionária.”(16)

Esta é a questão. A luta do marxismo revolucionário contra as frases de esquerda, nada possui de comum com a luta dos reformistas, de todas as variedades e matizes contra os esquerdistas.

Marx e Engels desenvolveram uma luta cruel contra todas as espécies de oportunismos, contra todas as falhas de princípios e contra o método “familiar” na política. Não permitiam a dissimulação das divergências teóricas e políticas, e estavam sempre — como diz o escritor Gleb Uspensky — “preparados para o combate”.

Lenine assinalava, especialmente, em 1917, esta qualidade, na sua introdução às cartas de Marx e Engels a Sorge. Estando tão próximos do movimento proletário alemão, patenteavam nestas cartas, com mais evidência, seu papel dirigente, e seus esforços pela clareza teórica, firmeza política e audácia de tática.

Ambos foram os primeiros em soltar o grito de alarma contra a penetração de elementos alheios na social-democracia alemã, e exigem um controle rigoroso “sobre o bando de doutores, estudantes e a crápula de socialistas de cátedra”, que já então desempenhavam um papel desproporcional. Marx protestava contra “estes senhores teoricamente nulos e imprestáveis na prática”, que pretendiam arrancar os olhos do socialismo, que eles confeccionaram conforme suas receitas universitárias, e, sobretudo, ao partido social-democrata. Pretendiam instruir os trabalhadores, ou, como eles dizem, dar-lhes os “elementos de instrução”. “São nada mais que charlatães contrarrevolucionários.”(17)

Pode-se afirmar, por acaso, que esta característica dos “sábios” socialistas envelheceu? Não! Esta classe de contrarrevolucionários charlatães, que se acobertam com a bandeira socialista e até marxista, abunda aos milhares na II Internacional.

Marx e Engels lutavam contra todas as formas de sectarismo e oportunismo, e protestaram especialmente contra a formação de relações irregulares, entre o Partido e os sindicatos. As cartas de Marx e Engels a Liebknecht, Bebel, Kautski, etc.... são um modelo brilhante de vigilância política do partido, de fidelidade estrita aos princípios. Sempre que uma organização do Partido, ou sindicatos, cometia uma infração, eram Marx e Engels que davam sinal de alarma, afirmando que os erros isolados põem em perigo toda a linha. Por isso, o estudo dos princípios de Marx e Engels em todas as questões em litígio, com as organizações lassallianas e eissenachianas, e, mais tarde, com os dirigentes do partido social-democrata, oferece grande interesse de atualidade.


Notas de rodapé:

(1) KARL MARX e F. ENGELS: “Correspondência” (retornar ao texto)

(2) KARL MARX e F. ENGELS: “Correspondência” (retornar ao texto)

(3) F. LASSALLE: “Obras completas”. (retornar ao texto)

(4) Discurso aos operários de Berlim: "Obras Completas". (retornar ao texto)

(5) MARX e ENGELS: “CARTAS” publicadas sob a direção de Adoratsky. (retornar ao texto)

(6) K. MARX e F. ENGELS: “Cartas”. (retornar ao texto)

(7) Carta de Marx a Schweitzer em 13 de setembro de 1868, AUGUSTO BEBEL: “Da minha vida”. (retornar ao texto)

(8) K. MARX e F. ENGELS: “Cartas”. (retornar ao texto)

(9) K. MARX e F. ENGELS: “Cartas”. (retornar ao texto)

(10) Crítica ao programa de Gotha. (retornar ao texto)

(11) Arquivo de Karl Marx e F. Engels: — Ed. Instituto Marx-Engels-Lenine. (retornar ao texto)

(12) A. BEBEL: “Memórias”. (retornar ao texto)

(13) Arquivo de Karl Marx e F. Engels. (retornar ao texto)

(14) HERMAN MULLER: “Karl Marx und die Gewekeschafte”. (retornar ao texto)

(15) MARX e ENGELS: “Obras”. (retornar ao texto)

(16) MARX e ENGELS: “Obras”. (retornar ao texto)

(17) Cartas de Marx a Sorge em 19-9-1879. (retornar ao texto)

Inclusão 18/09/2019