Por que os social-democratas devem declarar uma guerra firme e implacável aos socialistas-revolucionários?

Vladimir Ilitch Lênin

1902


Primeira edição: Escrito entre junho e julho de 1902. Publicado pela primeira vez em 1923 na revista “Prozhektor”, nº 14.

Fonte: LavraPalavra - https://lavrapalavra.com/2021/10/20/por-que-os-social-democratas-devem-declarar-uma-guerra-firme-e-implacavel-aos-socialistas-revolucionarios

Tradução: Angelo Ardonde.

HTML: Lucas C. Friederich.


1) Porque essa corrente em nosso pensamento social que atende pelo nome de “socialista-revolucionária”, na verdade, está se afastando, e certamente se afastou, da única teoria internacional do socialismo revolucionário existente hoje, isto é, do marxismo. Na grande cisão da social-democracia internacional entre uma ala oportunista (ou “bernsteiniana”) e outra revolucionária, essa corrente acabou assumindo uma posição indefinida e inaceitavelmente ambígua entre um lado e outro. Baseada apenas na crítica burguesa e oportunista ao marxismo, ela declarou que este foi “abalado” (Vestnik Busskoi Revolutsii, nº 2, p. 62) e prometeu, por sua vez, “revisar” novamente o marxismo, a seu modo, mas não fez absolutamente nada para cuprir essa promessa ameaçadora.

2) Porque a corrente socialista-revolucionária cede, de forma impotente, à tendência dominante do pensamento social e político russo, que deve ser chamada de narodismo liberal. Ao repetirem o erro do Narodnaya Volya [Vontade do Povo] e do antigo socialismo russo em geral, os socialistas-revolucionários não enxergam a total frouxidão e as contradições internas dessa tendência; sua contribuição criativa e independente ao pensamento revolucionário russo restringe-se à adição de frases revolucionárias ao velho testamento do pensamento liberal narodnik [populista]. O marxismo russo foi o primeiro a minar os fundamentos teóricos do narodismo liberal, a desnudar o seu conteúdo de classe burguês e pequeno-burguês, a ter declarado guerra, e a continuar em guerra contra ele, sem se deixar abater pela deserção de um bando de marxistas críticos (= oportunistas) ao campo inimigo. Mas a posição que os socialistas-revolucionários têm sustentado nessa guerra é (na melhor das hipóteses) de uma hostil neutralidade. Mais uma vez, eles não assumem um lado nem outro: nem o marxismo russo (de quem eles emprestaram apenas alguns fragmentos insignificantes), nem o narodismo liberal quasi-socialista.

3) Porque os socialistas-revolucionários, devido à já mencionada e completa falta de princípios em relação às questões do socialismo russo e internacional, não compreendem ou não reconhecem o único princípio realmente revolucionário: a luta de classes. Eles não compreendem que é em apenas um partido que se encontram fundidos o socialismo e o movimento da classe operária russa – este engendrado com cada vez mais força e em escala crescente pelo crescimento do capitalismo russo – que pode ser realmente revolucionário e verdadeiramente socialista na Rússia hoje. A atitude dos socialistas-revolucionários diante do movimento da classe operária russa tem sido, sempre, a de espectadores diletantes. Quando, por exemplo, esse movimento contraiu a doença do “economismo” (como consequência de seu crescimento incrivelmente rápido), os socialistas-revolucionários, por um lado, se regozijaram com os erros cometidos por aqueles que trabalhavam na nova e difícil tarefa de incitar as massas operárias e, por outro lado, sabotavam a engrenagem do marxismo revolucionário quando este iniciou e levou adiante, vitoriosamente, a luta contra esse “economismo”. Uma atitude hesitante em relação ao movimento da classe operária inevitavelmente o leva a se distanciar dela, e por conta desse distanciamento o partido socialista-revolucionário não tem base social alguma. Ele não se apoia em nenhuma classe social, pois não se pode aplicar o termo “classe” a um grupo de intelectuais instáveis que qualificam como “grandeza” a sua vagueza e falta de princípios.

4) Porque, ao assumir uma atitude desdenhosa em relação à ideologia socialista e se apoiar simultaneamente e na mesma medida na intelectualidade [intelligentsia], no proletariado e no campesinato, o partido socialista-revolucionário inevitavelmente (queira ele ou não) conduz o proletariado russo à escravização política e ideológica por meio da democracia burguesa russa. Com uma atitude desdenhosa em relação à teoria, ambiguidade e vacilação a respeito da ideologia socialista, ele inevitavelmente come nas mãos da ideologia burguesa. Enquanto estratos sociais comparáveis ao proletariado, a intelectualidade [intelligentsia] russa e o campesinato russo podem servir como alicerces apenas para um movimento democrático-burguês. Essa não é apenas uma consideração que deriva necessariamente de nossa doutrina como um todo (que considera o pequeno produtor, por exemplo, como um revolucionário apenas na medida em que ele produz uma ruptura clara com a sociedade de economia mercantil e o capitalismo, e se coloca no ponto de vista do proletariado) – não, essa consideração também é um fato absoluto que já começa a se fazer sentir. No momento da revolução política e no dia seguinte à revolução, esse fato inevitavelmente se fará sentir com ainda mais força. O socialismo-revolucionário é uma das manifestações da instabilidade ideológica da pequeno-burguesia e uma vulgarização pequeno-burguesa do socialismo, contra a qual a social-democracia deve travar e sempre irá travar uma guerra firme.

5) Porque as demandas práticas do programa que os socialistas-revolucionários – eu não diria apresentaram, mas pelo menos – delinearam já revelaram muito claramente o enorme dano causado na prática pelo caráter sem princípios dessa corrente. Por exemplo, o seu programa agrário mínimo, delineado na oitava edição do Revolutsionnaya Rossiya(1) (talvez seja mais correto dizer: disperso entre as premissas desgastadas do nosso narodismo?), em primeiro lugar engana o campesinato ao lhe prometer um “mínimo” – a socialização da terra – e a classe operária ao lhe dar uma impressão inteiramente errada sobre a verdadeira natureza do movimento campesino. Essas promessas frívolas apenas comprometem o partido revolucionário como um todo; em particular, comprometem o ensino do socialismo científico no que diz respeito à socialização de todos os meios de produção como nosso objetivo final. Em segundo lugar, ao incluírem em seu programa mínimo o apoio às cooperativas e seu desenvolvimento, os socialistas-revolucionários completamente abandonam o terreno da luta revolucionária e degradam o seu assim chamado socialismo ao nível do mais banal reformismo pequeno-burguês. Em terceiro lugar, ao se oporem à demanda dos social-democratas pela abolição de todos os grilhões medievais que pesam sobre nossa comunidade rural, amarram o mujique ao seu loteamento, negam a sua livre circulação e o levam à humilhação estamental, os socialistas-revolucionários mostraram que eles não têm sido capazes de salvaguardar a si mesmos das doutrinas reacionárias do narodismo russo.

6) Porque os socialistas-revolucionários, ao incluírem o terrorismo no seu programa e o defenderem em sua forma atual como um meio de luta política, estão causando os mais terríveis e sérios danos ao movimento, destruindo os laços indissolúveis entre o trabalho socialista e a massa da classe revolucionária. Nenhuma garantia verbal ou promessa pode desmentir o fato inquestionável de que o atual terrorismo, tal como praticado e defendido pelos socialistas-revolucionários, não está conectado de modo algum ao trabalho entre as massas, para as massas ou junto às massas; que a organização de atos terroristas pelo Partido distrai as nossas escassas forças organizativas de sua difícil e de modo algum completa tarefa que é a organização de um partido revolucionário dos operários; que na prática o terrorismo dos socialistas-revolucionário não é outra coisa que o combate singular, um método que tem sido completamente condenado pela experiência histórica. Até mesmo os socialistas no exterior estão começando a se envergonhar da defesa barulhenta do terrorismo promovida atualmente por nossos socialistas-revolucionários. Entre as massas de operários russos, essa defesa apenas semeia ilusões danosas, como a ideia de que o terrorismo “compele o povo a pensar politicamente, mesmo contra a sua vontade” (Revolutsionnaya Rossiya, No. 7, p. 4); ou que, “de forma mais efetiva que meses de propaganda verbal, ele é capaz de mudar a opinião (…) de milhares de pessoas no que diz respeito aos revolucionários e ao sentido [!!] de suas atividades”; ou que ele é capaz de infundir força nova aos vacilantes, àqueles desencorajados e chocados com o triste desfecho de tantas manifestações” (ibid.), e assim por diante. Essas ilusões danosas só podem gerar decepção prematura e enfraquecer o trabalho de preparo das massas para a ofensiva contra a autocracia.


Notas de rodapé:

(1) Revolutsionnaya Ressiya (Rússia Revolucionária) — jornal ilegal dos socialistas-revolucionários. Foi publicado a partir do final de 1900 na Rússia pela Liga dos Socialistas-Revolucionários (a primeira edição, datada de 1900, na verdade apareceu em janeiro de 1901); de janeiro de 1902 até dezembro de 1905, foi publicado no exterior (em Genebra) como órgão oficial do partido dos socialistas-revolucionários. (retornar ao texto)

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Inclusão: 24/08/2022