Os Espiritualistas Perante a Paz e o Marxismo
ou A Perfectibilidade do Espírito, pelo Socialismo

Eusínio Gaston Lavigne


VI - Souza do Prado, a Federação Espirita Brasileira, as "Palavras de Emmanuel" e o "Centro Espirita 18 de Abril"
(Um parêntese, na 2ª carta a Leopoldo Machado)


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I — Certamente, não faltam espíritas de visão sociológica igual à de Sousa do Prado, pseudônimo de José de Sales de Sousa Ribeiro, nascido em Portugal, mas, de há muito, brasileiro nacionalizado. Conhecemos confrades distintos, como Antônio José Alves, José Maria Macedo dos Santos, Daniel do Nascimento e José Augusto de Alvarenga, que pensam também como aquele, apesar de mais modestos, sem cartas de doutor.

Mas, com a cultura e os recursos dialéticos com que Sousa do Prado sabe situar os problemas sociais no campo do Espiritismo, propriamente, ainda não vimos quem melhor o fizesse.

Alguns confrades não o toleram, por questões mais de ordem pessoal. É que sua crítica, por vezes, se reveste de rude franqueza e de uma ironia cortante. O criticado sente-se ofendido, e, daí, não é difícil a queda no despenhadeiro do terreno pessoal.

Esse temperamento, porém, não lhe esmaece a honestidade.

Já lemos um elogio caloroso de Manuel Quintão ao talento e às qualidades polemísticas de Sousa do Prado. O louvor, porém, não lhe reduziu a liberdade de criticar os atos de Manuel Quintão, levados à sua apreciação.(1)

II — É comum, nos meios espíritas, julgar-se a vida particular de terceiro, abstratamente, em comparação com a “moral cristã” do pretenso julgador. Se esse (hipótese figurada) costuma cumprir as suas obrigações financeiras em dia, e aquele. não — procura-se atribuir a desigualdade do cumprimento a um menosprezo à moral: o primeiro é honesto, e o segundo é desonesto.

Eis aí uma forma de julgamento, que é falsa, por sua subjetividade.

A nossa volição subordina-se ao determinismo das condições objetivas do ambiente social. Por isso, o rico pode ser mais pontual nos seus compromissos do que o pobre, uma vez que a nossa vontade, se, de fato, influi nas nossas deliberações, é certo, contudo, se guia pelo reflexo de fatores objetivos ou materiais.

De modo que o verdadeiro critério da honestidade repousa na extensão social dos nossos atos e pensamentos. Não existe o bem, nem o mal, abstratamente considerados. Igualmente, os direitos e os deveres.

O rico costuma pagar as suas obrigações, não tanto por amor ao bem e ao dever, em si, mas por motivos de defesa própria, para consolidar o seu crédito financeiro, perante a sociedade capitalista, responsável pela formação do código ético em Vigor.

O pobre, não raro, perde esse crédito, em virtude mesmo da desorganização social (V. “Livro dos Espíritos”, resp. 930). E éessa que, por seus dirigentes, distingue da moral direito, para melhor facilitar a imoralidade do explorador contra os fracos ou explorados. Assim, quando, em virtude das comuns crises econômicas, o devedor não paga os seus títulos, fica ele sem razões de apelo àmoral, porque o direito, consubstanciado na lei-convenção, se interpõe, de espada em punho, e, por isso, faculta ao credor apoderar-se dos bens do devedor, em praça pública, por meio de um processo — Direito Processual —.

A distribuição anárquica do trabalho, num sistema de concorrência desenfreada, a cata do lucro do capital, gera enriquecimento de uns e o empobrecimento de outros, e, consequentemente, o desemprego, que se torna, assim, um objeto de especulação mercantil.

É a tese marxista da “exploração do homem pelo homem”, condenada, demagogicamente, por estadistas burgueses, e, cientificamente, demonstrada pela doutrina do Comunismo.

A pobreza resulta, então, em última análise, de um desequilíbrio social, oriundo, em regra, de uma exploração desumana, que determina, quase, sempre, nos pobres, a impossibilidade material de pagar os seus compromissos, e que, não raro, influi nos seus hábitos morais.

III — Por isso, a moral comunista já é diferente da moral burguesa, porque, além do mais, não dissocia do direito a moral, para que a moral signifique um dever de lutar pelo próprio Comunismo, isto é, por uma organização social, que assegure a liberdade dos direitos humanos.

Desconhece-se, por aí, o bem abstrato, ou a moral abstrata.

A moral do indivíduo está, indissoluvelmente, ligada ao direito da sociedade, e, reciprocamente, o direito individual se liga à moral da sociedade.

Essa moral identifica-se com a doutrina espírita, pois não se concebem duas verdades colidentes sobre um mesmo assunto.

Mas, para essa identificação, faz-se mister o desbaste das arestas contraditórias ou confusas dos enunciados do “Livro dos Espíritos”, para harmonizá-los com a moral socialista, que é científica, porque se baseia numa realidade econômica, comprovada pela experiência da União Soviética, para a qual “o conceito da felicidade e da segurança individual está subordinado à felicidade e à segurança da comunidade” (Olympio Guilherme, “U. R. S. S. e U. S. A.”, pág. 232, livro editado este ano, e que nos foi oferecido pelo nosso pesadíssimo confrade José Maria Macedo dos Santos).

Em verdade, busque-se no “Livro dos Espíritos” o vício mais deletério do homem, e Kardec responde que é “o egoísmo”, por “incompatível com a justiça, o amor e a caridade” (resp. 913).

Mas, como destruir o egoísmo? E Allan Kardec entra em generalizações, para concluir que a chave do problema está “na educação moral”, isto é: o fundamento da desordem social é o egoísmo, que só o Espiritismo é capaz de combater, porque “transformará os hábitos, os usos e as relações sociais” (Id., 917).

Mas, o remédio, expressamente indicado por Kardec, está em desacordo com as razões implícitas do mesmo Kardec, porque ele atribui ao egoísmo a responsabilidade das nossas imperfeições, quando, no entanto, pelo espírito progressista, que ele confessa, da doutrina, se verifica que o egoísmo é efeito e não causa dos males da sociedade humana.

Realmente. Como definiram os Espíritos a moral? Pela prática do amor ao povo. “O homem procede bem quando tudo fez PELO BEM DE TODOS, porque, então, cumpre a lei de Deus” (Id. resp. 629).

E qual o primeiro direito, de todos, a ser objeto do nosso procedimento? — “O primeiro de todos os DIREITOS NATURAIS do homem é O DE VIVER” (Jd. 880).

E como se pode viver? Em primeiro lugar, em sociedade. “DEUS fez o homem, PARA VIVER EM SOCIEDADE” (Id.. 766).

Portanto, fora das relações sociais, é impossível a vida humana.

Concomitantemente, a vida necessita de energia fornecida pela combustão dos alimentos, oriundos “dos produtos do solo” (Id. 706). Logo, sem a economia agrária não se pode viver, e é dela e por ela, que se formam, primitivamente, as relações sociais. Por outros termos: o indivíduo depende do trabalho social da produção alimentar.

E é obra dos homens ou dos espíritos esse trabalho da produção?

A descoberta das leis econômicas não saiu do Espiritismo, mas da Ciência. Conforme frisamos em nossa anterior carta, Allan Kardec, não só em “Gênesis”, como em “Obras Póstumas”, reconhece que não cabe ao Espiritismo essa tarefa. “O Espiritismo não cria a renovação social” (Gên. cap. XVIII, 25). “Nem fará as instituições do mundo regenerado; os homens é que as farão” (Ob. Post. 209).

E as religiões, a moral cristã, ou o Espiritismo já modificaram os costumes de um povo, de modo a criar condições sociais que abatessem o egoísmo, e firmassem os princípios concretos da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade? Não se conhece um só caso. O Brasil, “pátria do Evangelho”, é um dos países mais desorganizados, conforme mostramos em nossa carta anterior.

A América do Norte, com a sua grandeza material, está presidida por um governo selvagem, dominado pelo belicismo.

Agora observemos o contraste: — o Socialismo, pela concepção marxista, já forneceu o mais espetacular exemplo daquela civilização de fraternidade a que se refere a resposta 793do “Livro dos Espíritos”, e o comentário de Kardec em “Obras Póstumas”, pág. 207.

O reinado da solidariedade e da fraternidade será forçosamente o da Justiça para todos, e o da Justiça será o da Paz e da harmonia entre os indivíduos, as famílias, os povos e as raças” (Cit. Ob. Post.).

Logo, a explanação de Allan Kardec, em “Obras Póstumas”, sobre “o egoísmo e o orgulho, suas causas, seus efeitos, e os meios de destruí-los” está em contradição com os fatos e com a essência da doutrina, que é progressista, e não pode, sob pena de suicídio, contrariar as verdades da Ciência, que finca o seu primeiro marco no conhecimento dos fatos.

O comentário de Kardec, no caso, envolveu-se em preceitos de religião, com sua moral individualista, para concluir, que, “sem a fé” ou sem “crer em Deus e na vida futura” “não se modera o orgulho” “impossível destruir o orgulho e o egoísmo” responsáveis pelo não “advento do reinado da fraternidade”. Razão por que — declara o comentarista — “os interesses mundanos passam a ser o acessório”. “O principal é a vida futura”.

Não é exato.

Como já provamos o espírito procedeu da matéria (cit resp. 540 Liv. Esp.); a vida humana necessita da economia animal, ou da nutrição física; e é pela encarnação que a inteligência se desenvolve (resp. 132 Liv. Esp.) Logo, o principal, neste mundo, é a solução dos interesses mundanos, quer dizer, dos interesses da Humanidade deste mundo. O progresso da moral é uma consequência (efeito e não causa) do progresso econômico. Correlativamente, a moral — pela lei da interdependência dos fenômenos e da causalidade — influi, e pode, até, ser causa de novas ideias, na luta pelo desenvolvimento da sociedade. Aí, então, com a vitória do “reinado da paz”, em virtude da vitória do Socialismo, ou da vitória da inteligência sobre as leis da Natureza, devidamente compreendidas, é que o espírito humano está mais capaz de espiritualizar-se, isto é, de conhecer a natureza da “crença em Deus”, da “vida futura”, das recompensas e castigos ou da imortalidade, enfim.

IV — Em suma: a educação moral relaciona-se com a solução da economia, que deve ter a prioridade. A economia que resolveu, pelo menos com mais êxito, os problemas da educação, foi a socialista, à Marx. O inimigo do Socialismo, sobretudo no momento, o imperialismo anglo-norte-americano.

Logo, à luz da pura doutrina cristã, o espírita precisa de lutar pelo Socialismo, por etapas e contra o imperialismo, a todo o tempo. Porque é pela liberdade das massas populares que o indivíduo se liberta e se moraliza; e, com essa libertação, poderemos planejar todos os problemas da vida em sociedade.

Assim, a luta deve objetivar o campo social da pobreza, e não o campo individual do pobre. E não prover as necessidades do pobre, pelo recurso, humilhante e precaríssimo, da esmola, e da sua irmã “caridade”.

O aforismo “fora da caridade não há salvação”, de Kardec, perdeu o seu significado de outrora. A caridade, hoje, melhor se compreende como solidariedade, moral ou material.

Quando os Centros Espíritas pedem donativos para os pobres, pelo Natal e pela Sexta-feira da Paixão, apelam para a solidariedade material, contra a miséria e a fome.

Centenas de anos, a “religião cristã” vem trilhando esse caminho. Mas a fome e a miséria aumentam por toda parte, e as classes poderosas, por seus filósofos, levam o aumento à conta do crescimento da população, motivo por que eles pretendem resolver o angustiante problema, com medidas anticoncepcionais e com guerras, Quer dizer: tais filósofos da “civilização cristã”, da América do Norte principalmente, tão admirada por certos espíritas, amedrontados com o “materialismo comunista”, acham na morte e no assassínio coletivo a solução para os problemas da vida!!

Mas, a Ciência, libertando-se dos preconceitos religiosos, tomou a si a defesa dos pobres e dos explorados, e montou o laboratório do Socialismo, numa sexta parte do mundo. Disso resultou a substituição da caridade pela educação e pela assistência social, como dever do Estado, mas do Estado populare não do Estado burguês, que vive, precisamente, mais da divisão de classes, inclusive de “ricos” e “pobres”, origem da “caridade” religiosa e das candidaturas dos amantes da caridade ao “reino do Céu”.

Consequentemente, o espírita progressista tem o dever de preferir o Estado socialista ao Estado burguês, porque os fatos provam que a “lei do progresso” está com o primeiro (Liv. Esp., 776-785. combinados com a interpretação científica). E os “Centros Espíritas”, para ser coerentes com a mencionada lei, deveriam explicar o sentimento da caridade, pelo modo por que o encaramos, para que os seus sócios não permaneçam na ignorância de verdades, de que precisam saber, e não lhes sobrevenha a revolta, pela sonegação da liberdade de cultura, como, revoltado, escreveu o escritor Olympio Guilherme, sobre sua viagem à União Soviética, nestes termos:

Minha primeira impressão da Rússia produziu em meu íntimo uma sensação de surda revolta contra todos os elementos e todas as circunstâncias que me haviam, até então, negado o conhecimento verdadeiro do que se passava no mundo soviético...

Esse sentimento de revolta acabrunhadora justificava-se, porque todas as fontes de cultura onde eu havia procurado solidificar minha educação me haviam recusado, sistematicamente, deliberadamente, o conhecimento da verdade sobre a União Soviética, que agora eu tinha a sensação de DESCOBRIR, por iniciativa própria, arrostando com todas as consequências da minha curiosidade. Eu não me podia conformar, sem íntima revolta, com a propaganda que até então destilava, em meu espírito, como um filtro deformante, todas as mentiras, todas as intrujices de que é capaz a paixão política, quando a serviço de interesses subalternos.

É essa propaganda criminosa a maior responsável pela mediocridade da cultura contemporânea, no que essa cultura pode concorrer para o alevantamento do nível intelectual das massas e das elites, através da difusão da experiência e do aprimoramento de todo o saber humano, que vai do simples manejo de um trator até as elocubrações mais transcendentes da filosofia.

O prejuízo que essa propaganda causou à cultura mundial, neste último terço do século, foi infinitamente mais grave, porque de consequências muito mais profundas, do que o provocado, no terreno puramente econômico, pela Guerra Fria” (Ob cit., pág. 229).

Eis aí como um insuspeito escritor, honestamente, abre “as cortinas de ferro”, para nos exibir o grandioso panorama da cultura soviética, “que vai do simples manejo de um trator até as elucubrações mais transcendentes da filosofia”, e, assim, nos convencer de que a “cortina de ferro” não passa de uma “propaganda criminosa”.

V — Argumentar-se-á que os “Centros Espíritas” ficam à parte desses debates, porque eles, os debates, podem provocar atritos políticos, e toldar o ambiente de serenidade das sessões, motivo por que a religião se deve separar da política.

Pois, ai está: nesse falso argumento, temos uma prova exuberante de que religião é incultura, é crença sem raciocínio, é fideísmo, e, pois, é a única responsável pela abstenção de espíritas às lutas pela paz objetiva e pela independência dos povos.

Tendo dito Allan Kardec que o “Espiritismo participa de todos os ramos dos conhecimentos, físicos, metafísicos e morais”, ele admitia que as associações espíritas não devem ficar alheias à cultura humana, e, pois, — se, como vimos, só por estupidez, velhacaria ou pusilanimidade, se tem ocultado ao povo o conhecimento do progresso científico da U. R. S. S. — os centros espíritas, associando-se a esse silêncio, estão concorrendo para a ignorância, para a disseminação de “todas as mentiras, de todas as intrujices de que é capaz a paixão política, quando a serviço de interesses subalternos”. E, precisamente, pensam que se isentam do dever social, porque se acolhem atrás da cortina de passividade das religiões.

O que nos parece certo, em face do pensamento evolutivo da doutrina espírita, é que as associações espíritas deveriam conter duas ordens de estudo: uma, social e filosófica, e a outra, experimental, para efeito científico, filosófico e moral. A primeira, através das sessões doutrinárias, abrangeria o ensino das ciências sociais e políticas, em confronto com a filosofia do Espiritismo, e, portanto, não só os Centros Espíritas deveriam facultar as suas sedes a conferências sobre qualquer ciência, inclusive a economia política, como ainda manifestar-se sobre todos os movimentos sociais, apartidários, de defesa da Humanidade e da Pátria. Nesse sentido mesmo, segundo já demonstramos, a Federação Espírita Brasileira regozijou-se com a instauração da República e com a luta antiescravagista, que terminou com o 13 de maio de 1889. A educação apolítica é velharia.

Como, entretanto, existe a segunda parte, referente à fenomenologia — o que vale dizer, referente ao estudo das relações entre este e o outro mundo, ou ao do problema da imortalidade, que, sem fatos, não poderia ser objeto da ciência, mas apenas da religião — não seria lícito que os Centros Espíritas se imiscuíssem em campanhas partidárias ou em assuntos comuns às entidades de classe.

Essa parte especial do Espiritismo — a razão mesma de sua existência — pode definir-se como o estudo da química da alma”, e, evidentemente, está fora de qualquer manifestação estranha à sua natureza específica, da mesma forma que uma associação de químicos poderia ajuntar-se à luta pela Pátria e pela Humanidade, mas não concorrer com interesses outros alheios ao campo da química. Isso, porque a normalidade da vida da associação dos químicos está na dependência da normalidade da vida nacional, e se relaciona com a cultura dos povos, do mesmo modo que, numa Pátria, sob o jugo da tirania, os Centros Espíritas podem ser fechados, como aconteceu na Alemanha de Hitler, e, agora, na Espanha de Franco, e em Portugal de Salazar.

VI — Esse o critério que nos parece o justo para a orientação das sociedades espíritas do Brasil.

No entanto, a Federação Espírita Brasileira, por sua ilustre diretoria atual, afasta-se dessa diretriz, porque seria — diz ela — uma demonstração de incultura evangélica.

Vai se ver, num sub-parêntese que abrimos, a improcedência dessa atitude, em face do Evangelho “em espírito e verdade”. Pelo que, iremos ampliar o nosso comentário à nota da Federação sobre “Partidos Políticos”.

Como sabemos, quem colabora no desenvolvimento da Ciência está servindo a Deus, que julga o colaborador por sua sinceridade e pela respectiva projeção social da obra. Essa, a filosofia do Espiritismo, ou, pelo menos, a moralidade do seu ensino.

Por isso, Marx-Engels e Lênin-Stálin, ateus, serviram mais a Deus do que trilhões de espiritualistas.

Seria ridículo admitir-se que Deus desprezasse um sábio da natureza, por motivos de crença religiosa. Violar-se-iam os próprios fundamentos da Justiça, que é Deus. Contradição inconcebível.

Agora, uma consequência dessa verdade: — o eleitor, no exercício do voto, não deve opor reservas à crença do candidato, senão à sua inidoneidade para o mandato político.

Não obstante, o “Reformador”, na mencionada nota “Partidos Políticos”, março 1954, admite essa absurda reserva, ao advertir, de um lado, que — “todos nos sentiremos jubilosos com a eleição de candidatos espíritas” — e, de outro lado, que — “não se concebe que o espírita vote em candidato, cujos princípios colidam com a moral cristã” (Depreende-se uma alusão ao materialismo filosófico, à margem da crença em Deus e na alma).

Tamanha distinção, por facciosa, pode ser admissível entre os adeptos do espiritismo religioso, não porém entre os do Espiritismo científico.

O espírita, em pleito político, exerce o voto, como cidadão e não como proselitista, nem como profissional.

É que a preferência do voto une-se, principalmente, à capacidade política do candidato, e não à sua profissão e, muito menos, à sua ideologia religiosa.

O candidato, uma hipótese, pode ser espírita e médico, mas o eleitor, espírita e médico, não deve levar em conta tais qualidades, para efeito preferencial do voto ao confrade e ao colega, porque elas, até certo ponto, podem influir, mas não determinam a capacidade política do candidato.

Irrespondível o raciocínio, em face da realidade.

O deputado federal Roberto Morena é comunista. Nenhum, na Câmara, todavia, o excede em operosidade e coerência política, ainda que não queiramos concordar com suas ideias. Lutando pela soberania do Brasil, nunca dele se ouviu qualquer restrição à liberdade religiosa.

Já, inversamente, vários deputados espiritualistas, sobretudo sacerdotes católicos, defendem a intolerância religiosa por subordinados a preconceitos de religião, e ainda votam, como votaram, em favor de atos do governo, atentatórios da nossa soberania, como o famigerado “Acordo Militar Brasil-Estados Unidos”, que restringe e, por vezes, suprime a nossa liberdade comercial, a benefício do monopolismo norte-americano.

Pela teoria dos diretores da Federação Espírita Brasileira, o eleitor espírita, entre o comunista Morena e o padre Ponciano, deve votar no reacionário padre católico, por ser espiritualista. Evidentemente, o disparate é uma consequência do desvirtuamento da doutrina espírita, colocada na categoria de religião.

Cessaria, porém, a controvérsia, perante o Espiritismo, cientificamente doutrinário, que “demonstra, no campo da espiritualidade a exemplo da Ciência, no da materialidade, o que é possível e não é” (Gênesis, cit. cap. XIII, n9 8). E éesse realismo que nos faz considerar o espírito, em sua origem, como modificação da matéria (Liv. Esp,, 63 e 540), embora ambos, espírito e matéria, emergissem da unidade da Natureza, e, por força da energia universal, se separassem depois, para destinos diferentes (Idem, 78, 79, 83, e comentário à resp. 191).

Em tais condições, o estudo do Espiritismo não desconceitua a teoria materialista do conhecimento e, pois, há de enfrentar a vida social, em função das leis materiais do desenvolvimento da sociedade, como as da economia.

Aplicando-se, pois, a teoria à prática, segue-se que o voto preferencial dos eleitores deve recair nos concidadãos mais senhores dessas leis, ou, em linguagem mais clara, nos que estiverem mais bem inteirados dos problemas da administração pública, a começar pelos da produção agroindustrial, de cuja estabilidade depende a solidez dos programas educacionais.

Por esse sentido é que deveria moldar-se a nota do “Reformador”.

Candidatos espíritas”, “candidatos católicos”, “candidatos protestantes”, são expressões próprias do ânimo faccioso das religiões, que mais reclamam do eleito a prova de sua fidelidade às respectivas crenças, quando, em verdade, o objetivo legal, no caso, é a prova da competência em matéria da ordem sociopolítica.

Por isso, não seria despropósito que a Federação indicasse o nome do deputado Campos Vergal às preferências do eleitorado, porque, à sua qualidade de espírita, alia o conhecimento dos problemas imanentes à nossa segurança nacional, e o seu contacto com o “materialismo” dos comunistas não prejudicou a “moral cristã”, que ele tem sabido respeitar.

VII — É claro que não estamos censurando a liberdade de religião dos sócios da Federação Espírita Brasileira, o que seria um contrassenso. Trata-se de um comentário à doutrina, perante um grande propagandista do Espiritismo, como é V. representando um interesse geral. Nada de contrariar liberdade de ninguém, mas que dessa não se faça um princípio de verdade oracular, perante o público, a que assiste, também, o direito, por seus elementos divergentes, de contestá-la, em função da mesma liberdade de pensamento.

Agora mesmo, recebemos da veneranda associação um livro — “Palavras de Emmanuel”, sobre “questões científicas, sociais, filosóficas, históricas, religiosas morais”.

— “O Socialismo é uma bela expressão de cultura humana, enquanto não resvala para os polos do extremismo” (pág. 67)

Extremismo”, como “totalitarismo”, é uma expressão muito usada pelos reacionários, em face das novas ideias revolucionárias. Opondo-se, pela violência, à lei natural da “cultura humana”, eles mesmos deram causa à contra-violência. Desse modo, extremistas são os reacionários. E também, até certo ponto, devem considerar-se como tais os “neutros”, que cruzam os braços diante das violências à cultura humana.

O certo, porém, é que não há “Socialismo extremista”.

— A pág. 119, diz-se que a medicina não se espiritualizou ainda, “em razão da febre maldita do ouro”.

No Socialismo predominam as forças do trabalho livre (a inteligência, pois), e, no capitalismo, a concorrência pelo lucro do ouro (uma coisa, pois).

Num exemplo pequeno, pode-se observar essa diferença. Pelo cooperativismo, que é uma forma pré-socialista, prevalece o voto pessoal, nas assembleias; mas, nas das sociedades anônimas, predomina o número das ações: um portador de cem ações pesa mais na votação que 200 acionistas, de 95 ações.

Deduz-se que o Socialismo entreabre melhores possibilidades para a nossa espiritualização, porque nos liberta do absolutismo do ouro.

Mas, a filosofia de Emmanuel não nos instrui sobre o assunto, Pelo contrário: divaga, sem nos oferecer elementos para uma conclusão própria.

Os apóstolos dessas realidades não tardarão a surgir nos horizontes acadêmicos do mundo, testemunhando o novo ciclo evolutivo da Humanidade”, Que quer dizer isso? Nada. Serão os apóstolos os autores do novo ciclo? ou será que, por influência do novo ciclo, surgirão os apóstolos? De qualquer modo, não nos indica o meio real de arredar o obstáculo (o ouro) da espiritualização da Medicina, que, entretanto, por Socializada na União Soviética, já se livrou da “febre maldita do ouro”.

A Paz, que é o ideal da Humanidade, entra nas cogitações do sociólogo Emmanuel como motivo de divagações literárias de subjetivismos de frases soltas. Confusão, enfim.

Não acreditamos em paz ambiencial, sem paz dentro de nós mesmos” (pág. 132). Essa opinião infringe a “lei de sociedade” do “Livro dos Espíritos”, porque, sem a sociedade em paz, ninguém, em sã consciência, pode viver em paz. Material e moralmente. — “Não pode haver paz num mundo conturbado pela miséria e pelas guerras” (Emmanuel). Está certo, contradizendo a sua assertiva anterior. No entanto, lá vem nova confusão ao declarar que “a paz da consciência, pelo dever cumprido” é o distintivo da paz do homem. Esse conceito nos levaria à prática do egoísmo. porque confere à consciência e a deveres subjetivos o papel de criadores da paz. Irreal.

A paz objetiva do ambiente social é o que determina e assegura a paz do homem, e, portanto nos obriga a cuidar do próximo, dos nossos semelhantes, da sociedade, do povo enfim. Esse trabalho pela paz social é que nos predispõe à “paz da consciência pelo dever cumprido”.

A mesma logomaquia religiosa ressuma da sua distinção entre “Ciência” e “cientificismo”, a ponto de subordinar todos os nossos conhecimentos à ideia de Deus, ou como ele escreveu: “a física da Terra, obra instável dos indivíduos, não poderá prescindir da lógica de Deus”. Ele distingue a “cultura terrestre” da “sabedoria do espírito” que é “o conhecimento divino”. O dualismo, pois, da “cultura” e da “sabedoria”.

Ora, segundo Kardec, a cultura é a sabedoria do espírito no tempo e no espaço, isto é, independentemente de estar encarnado ou desencarnado.

Pela ciência, a cujas verdades o Espiritismo se sujeita, ou melhor, para evitar circunlóquios, digamos: pelo Espiritismo científico, todos os fenômenos da Natureza se ligam unitariamente, e, pois, não necessitam, para o nosso conhecimento, da “fé em Deus”.

Se “a Ciência esclarece que a energia faz o movimento” (palavras de Emmanuel), certamente, explicarás um dia, outras forças desconhecidas da Natureza, porque, afinal, “a ciência humana pertence também a Deus” (Kardec). “Dado que a ciência é a coletânea das leis da Natureza e que, sendo de Deus essas leis, repudiar a ciência seria repudiar a obra de Deus” (Obras Póstumas, págs. 208-209).

Em relação ao “Trabalho”, Emmanuel emaranha-se nas espirais de um simbolismo vazio, “O trabalho é um relógio contra as aflições que dominam a alma”, e, por ele, um dia, “converteremos a Terra, nossa casa e nossa oficina, em glorioso paraíso, sem necessidade de transferência para Júpiter e Saturno”.

Admite-se, aqui, a unidade da “cultura terrestre” e da “sabedoria divina”, porque, para o conhecimento da vida ou da cosmobiologia, como diria Aníbal Vaz de Meio, não precisaremos sair da Terra.

Evidentemente, as palavras de Emmanuel retratam as mesmas discussões teológicas dos tempos medievais, coisa, entretanto, que foi relegada ao desprezo, por Kardec, em várias passagens do livro “A Gênesis” (Cap. 1, ns. 50, 55, 60).

Tais ensinamentos de Emmanuel, pelo menos os que mencionamos, afrouxam a confiança nas forças do trabalho humano, e só servem para desviar dos estudos científicos o espírito da mocidade.

VIII — O religiosismo debilita as nossas forças morais, e, por isso, constitui um dos objetivos da propaganda do imperialismo econômico. As missões evangélicas, com que os americanos procuravam catequizar os chineses à sabedoria da Bíblia, invadiram o Brasil, com a perda da China, libertada de tais “missões”. Nas estações de rádio, de mistura com os reclames comerciais, ouvem-se diariamente as palestras luteranas, sob o sotaque de “pastores” americanos.

Todos os pregadores religiosos, conscientes uns e subconscientes outros, tendem a grudar a consciência dos jovens inexperientes ao Deus da Bíblia, para que melhor o governo se arme contra o “comunismo ateu e materialista”, que nos fecha as “portas do Céu”.

A indústria do anticomunismo é uma função da desonestidade, a mais cruel que a História já registrou. E tem sua base na luta de classes, neste tempo histórico em que a Democracia, apoiada na organização do operariado e dos trabalhadores rurais, que representam a maioria absoluta da população, assume a sua posição contra a autocracia burguesa, que abandonou o liberalismo de outrora, em face da caducidade do regime capitalista. Já Eduardo Prado, católico e monarquista, previra a ascensão da classe operária no destino político dos povos (A ilusão Americana) —... “Os operários, que, afinal, são a força, são o número, são a justiça e serão o poder de amanhã”... (pág. 175).

O provérbio do Evangelho — “é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino do Céu” revela, simplesmente, “a pobreza de espírito” do rico.

O rico burguês considera-se livre, quando nada lhe falta à comodidade, mas, apesar de, materialmente, liberto, não raro se amofina na luta pela soberania da Pátria, face às exigências do capital colonizador. O pobre operário, que não goza da mesma liberdade, sabe, entretanto, lutar pela soberania do povo.

V. repare mais em que a maioria dos ricos, premidos pelas circunstâncias do império capitalista, não guarda, em regra, a honestidade social, ao ponto de sujeitar à rede de seus negócios um séquito de intelectuais, que se transformam em instrumentos do egoístico explorador e agentes da mistificação coletiva. E é por isso que a guerra contra o Comunismo fixou o seu quartel-general na classe dos poderosos.

V deve conhecer, nessas condições, espíritas ricos, que são anticomunistas e pregoeiros da “moral cristã”, — enquanto espíritas pobres há que não temem dizer verdades contra os detentores do poder; e esses espíritas são, de fato, os mais possuidores daquela “fé que transporta montanhas e proclama a Verdade de cima dos telhados

Mas, nem a Bíblia, nem os livros de Kardec, nem o lirismo, em perífrase, das palavras de Emmanuel explicam o sentido filosófico do apotegma evangélico.

Só pelo Marxismo atinamos com a profundeza do pensamento de Jesus.

IX — Poucos confrades, no Brasil, falam essa linguagem, dolorosa, mas verdadeira.

E é dai que se descobre a razão do nosso juízo sobre Sousa do Prado, que deu motivo a este capítulo.

Dos espíritas do Brasil é um dos poucos que, com maestria, sabe adaptar o Espiritismo às realidades da ciência sociológica.

Levantamos, há poucos anos atrás, pelas colunas do “Jornal de Debates”, a tese da compatibilidade do Espiritismo com o estado socialista ou comunista, que, sendo o regime da libertação, não pode, logicamente, impedir a liberdade filosófica ou religiosa da população, a não ser que os reacionários pretendam abusar da liberdade para a restauração do regime opressor.

Pois bem: certo adepto do materialismo marxista, entrando na lide, reconheceu que, de entre os polemistas, o que mais sabia discutir era Sousa do Prado.(2).

Estamos especificando uma face intelectual desse confrade, sem que, daí, se infira a diminuição do mérito de muitos outros, como Carlos Imbassahy, Pedro Granja, Júlio de Abreu, Comandante Armond, Sérgio Vale, para não falarmos na personalidade singular de Aníbal Vaz de Melo.

Deolindo Amorim, por exemplo, jornalista e autor de várias obras, está na vanguarda dos mais ilustrados espíritas do Brasil. As suas exposições esquemáticas, no “Centro 18 de Abril”, atestam a sua qualidade de emérito professor. Temos a impressão, até, pela leitura de seus “Cadernos Doutrinários”, de que ele é que, didaticamente, melhor divulga o Espiritismo entre nós, O seu método supera, pela sua compreensibilidade o dos comentaristas dos livros de Kardec, nas costumeiras sessões da Federação Espírita Brasileira, pelo menos até há uns anos, em que lá estivemos, ouvindo o nosso bom e saudoso Guillon Ribeiro, a discorrer, candidamente, sobre o fenômeno do “leite fluídico” de que se amamentava o menino Jesus...

Não só na forma, mas, também, no fundo, o ensino de Deolindo impressiona a nossa atenção, simpaticamente.

Todavia, perdoe-nos a ousadia, achamo-lo incompleto, e ainda com certo resquício de religiosismo.

Assim é que, no resumo de suas belas preleções, conforme o “Caderno”, de dezembro de 1953, ele pondera que — “o Espiritismo deve ser estudado, compreendido e praticado com o superior objetivo de realizar a reforma moral do homem”. Nós, em coerência com os princípios sociológicos, que expusemos, acrescentaríamos: ... do homem, “mediante a prévia reforma da sociedade, pelo Socialismo”.

No comentário à resp. 930, do “Livro dos Espíritos” vislumbra-se o germe da verdade marxista, ao se reconhecer que — “as faltas do homem são frequentemente RESULTADO DO MEIO onde se acha colocado”.

Razão por que o “Centro 18 de Abril” adequadamente invocou o “conceito básico de Allan Kardec”, como sendo “o Espiritismo uma doutrina filosófica”.

Mas, ainda aí, a explicação foi falha, porque não se elastizou o conceito, em direção às conquistas da ciência social. Ainda se permitiu crer no “efeito religioso” da filosofia. Não é possível. “Religião” é fideísmo, e, pois, não tem filosofia, se dermos à filosofia o seu caráter de corpo de princípios, à base de fatos descobertos, sem nenhuma relação com a vontade pessoal nem com fórmulas imaginárias.

Como bem argumentou Sérgio do Vale, o Espiritismo não é mais religião, — com o que quis justificar a expressão de Kardec, há um século passado, mas injustificável, hoje.

O Espiritismo não veio dividir a Ciência, que é uma só, Em face da unidade da Natureza, “a coletânea de cujas leis corporifica a Ciência, obra de Deus” (Ob. Post, cit.). Trata-se, pois, de uma nova face da ciência, em relação “ao conhecimento das leis do princípio espiritual” (Gênesis, cit,).

Com os efeitos desse conhecimento reformou-se a doutrina moral do Cristianismo. Daí, a “moral espírita”.

Portanto, diga-se que o Espiritismo é doutrina científica com efeitos filosóficos, ou sócio-morais, ou se diga que é uma doutrina filosófica, de efeitos científicos. Mas, não que possa ser mais uma doutrina religiosa, ou de efeitos religiosos.

Também, concluindo-se, como está no aludido “Caderno”, que — “não se pode conhecer bem o Espiritismo, sem estudar a codificação de Allan Kardec” — parece que se deve tomar ao pé da letra o que consta da codificação, que, conforme exemplos, tem muita coisa obsoleta. Assim, acrescentaríamos: ... Kardec, “atualizada com as verdades da Ciência”.

X — Grande parte de nossos escritores espíritas perde-se em divagações literárias sobre princípios de moral, mas sem correspondente proveito prático.

Há dias, lemos um artigo do festejado Vinícius, no “Reformador”. No mesmo diapasão que V.: o materialismo é o responsável pelo desajustamento da questão social em foco. E o remédio salvador aconselhado é o da educação. Mas, que educação? Responde ele: a do sentimento, a que evangeliza a alma e purifica o nosso coração.

Mas, muito antes do Cristo, os gregos recomendavam idêntico ensino. São célebres os “Versos Áureos” de Pitágoras sobre o nosso aperfeiçoamento espiritual. Tudo, porém, sem qualquer resultado prático.

Mas, bastaram poucos anos de pedagogia socialista, à Marx, consequente à direção da classe operária no poder, para que a Polônia e os demais países da Democracia Popular se livrassem do analfabetismo e experimentassem a grandeza moralizadora da nova mentalidade cultural.

O jogo, a prostituição, os furtos e roubos são vícios que por mais severas que sejam as leis do Estado, e constantes os conselhos dos moralistas, se alastram, crescentemente, nos países capitalistas, sobretudo naqueles que se submetem ao imperialismo norte-americano.

Esses negros vícios, entretanto, não preocupam mais a vigilância policial, na U. R. S. S. A grande preocupação da política soviética é vigiar as quadrilhas de espiões que a “democracia” anglo-norte-americana dissemina pelo “mundo livre”, para, além do mais, fomentar desordens e golpes militares contra os povos que marcham para o Socialismo, como a gloriosa China.

Logo, para terminar este parêntese: a educação individualista, religiosa e subjetiva não resolve a questão social nem as duras dificuldades desta vida. Fora da Ciência, não há salvação.

E a ciência unicamente alcança a sua liberdade nos países onde as leis da economia guiem a sociedade. E isso só é possível, com o estudo e a aplicação científica da teoria materialista do conhecimento, ou com o Marxismo, que, com as restrições já assinaladas, não é incompatível com o espírito do cristianismo renovador.

E isso já foi anotado, mesmo, por um sacerdote católico, Koulischer, da Bélgica:

Pode-se aceitar a concepção materialista da história, como método de estudo da evolução da sociedade humana, sem concluir pela aceitação dos ensinamentos filosóficos do materialismo científico. Vale dizer pode-se ser um perfeito marxista, sem abandono das convicções religiosas” (Charles Hainchelin — Les Origines de La Religion, pág. 31).

E o nosso profundo espiritualista Aníbal Vaz de Melo:

O estudo da evolução da Terra leva-nos à convicção de que Marx tinha razões ao fazer a sua interpretação econômica da História. A filosofia marxista, embora não monopolize totalmente a verdade, contém grandes parcelas da verdade” (A Era do Aquário, pág. 47).

Assim se pronunciam as inteligências socialmente honestas, sem a primazia das quais os corações honestos pouco valem. V. resp. 780, Liv. Esp,).

Bahia, junho de 1954.
EUSÍNIO LAVIGNE


Notas de rodapé:

(1) Manuel Quintão, em “Reformador”, de 16-9-32, escreveu: “E porque a tenha (Sousa do Prado, à consciência) fortalecida na fé, e acrisolada na íncode de uma vida modesta, mas operosa e limpa, diz o que sente como quem sabe o que diz e porque o diz, ao contrário daqueles que calam o que sentem para dizer do que não sabem nem sentem. Verdascando solércias acadêmicas e venefícios sectaristas, argumento por argumento, o ardoroso polemista não tergiversa nem condescende, e é toda uma sequela pitoresca de Leonídios e Tristões, que lhe dançam na escumilha do estilo, faiscante de gemas preciosas. Não é, portanto, um livro (“Padres, Médicos e Espiritistas”) doutrinário apenas, quanto ao fundo; é também uma obra literária de feição inconfundível, e até agora, Para nós, única no gênero”. (retornar ao texto)

(2) Em uma carta a Daniel do Nascimento, escreveu o marxista Raimundo Carvalho: “Com efeito, Sousa do Prado é um homem notável, de extraordinário saber. Tenho-o na conta, de Mestre. Sabendo, como poucos, esgrimir uma varinha mágica constante do que se compreende por personalidade sui generis, Sousa do Prado é simplesmente genial e encantador no esposar esta contradição ideológico-filosófica: espírita-comunista. Só ele, Sousa do Prado, tal sabe ser. Que eu conheça, mais ninguém. “Espírito e Matéria” (seu segundo artigo, em “Jornal de Debates”) é autêntica obra prima, na qual, em que pese meus objetivos esforços, nada encontrei de contrário ao desideratum libertador. Foi o que de assas maravilhoso li, no sentido de uma associação espírito-material. E nada vi com olhos de mãe. Acontece, porém, que arte é arte. Sem forçar, devo dizer: Sousa do Prado se me afigura o homem mais inteligente de quantos haja eu conhecido”. (retornar ao texto)

Inclusão 15/08/2018