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1 — Grande número de espiritualistas, – católicos, protestantes espíritas, etc. – atribui ao “Movimento dos Partidários da Paz” uma atividade de ordem particular, exclusivista ou política (sentido faccioso), e, por isso, dele se afastam em boa-fé.
Eis aí um profundo erro de observação, – consequência da nossa falta de cultura política.
2 — Desde os estudos preparatórios, ou secundários, os alunos dos nossos estabelecimentos de instrução ouvem dos seus professores, como nós ouvimos, há mais de 50 anos, no afamado e extinto Colégio de S. José, do saudoso e benemérito Dr. João Florência Gomes – que existe a lei da evolução, também chamada lei do progresso.
Por ela, a agricultura, a indústria, a engenharia, a medicina, os sistemas de viação e de comércio, as medidas sanitárias, a arquitetura, as modas, os costumes, as ideias, as filosofias, as artes, o Direito, tudo, enfim, que serve ao ser humano – da natureza viva às relações sociais – sofre os efeitos dessa lei do movimento eterno. Os pensadores e moralistas seja Pitágoras, ou Jesus, Giordano Bruno, ou Fourier, Marx, ou Spencer, Comte, ou Allan Kardec, todos, espiritualistas ou materialistas, focalizam a existência dessa lei natural.
3 — A sua interpretação pertence à filosofia, que se divide, nesse particular, conforme determinados pontos de vista, e métodos de análise.
Mas, de qualquer modo – ou por considerações do Idealismo ou do materialismo –, o certo é que, independentemente das discussões filosóficas, os nossos atos e, pois, as ideias que lhes correspondem, se modificam com o fato da transformação da economia social, de que depende, sem restrições pessoais, a vida do homem. Vimos, em verdade, como as descobertas científicas revolucionaram os hábitos da vida de relação, desde o concernente à defesa da saúde, ao manejo dos instrumentos de trabalho.
4 — Desse jeito, forçosamente havemos de admitir que, se todas essas modificações emanam de uma lei (de Deus, para os espiritualistas, ou da matéria energética, para os materialistas), e se, reciprocamente, elas influem no domínio da matéria e do espírito ou pensamento –, o “Movimento Mundial da Paz” é um efeito dessa lei, que atinge a sociedade naturalmente. Ele exprime um impulso incoercível, de legítima defesa, da sociedade, ainda que indivíduos ou grupos de interessados não se conformem com o fenômeno, que não é obra de ninguém. A paz deixou de ser, como outrora se ensinava, o reflexo de concepções individuais, para revelar-se, militantemente um fenômeno, um problema de natureza social.
5 — De fato. Que motivo provocou a organização defensiva da Humanidade, através da ONU – iniciativa dos Governos?
Diretamente, a ideia nasceu da ascensão das forças democráticas que derrotaram o fascismo. E, indiretamente, da revolução do pensamento filosófico, deixando o ocaso do individualismo para a aurora do Socialismo.
E que motivo provocou a organização do “Conselho Mundial da Paz”, iniciativa extraoficial? Diretamente, quem a provocou foi a reação fascista, empinando-se contra as ditas forças democráticas, a ponto de desviar de seus fins a Organização das Nações Unidas (ONU), como é prova a guerra da Coréia, a mais iníqua das guerras, tangida pelos fascistas norte-americanos, e alimentada à custa da ONU.
E, indiretamente, a criação do Conselho Mundial da Paz teve a mesma origem que presidiu à da ONU, isto é: o pensamento democrático, voltado para a primazia dos direitos do povo, em consequência da grande revolução no campo da filosofia, reagiu contra o restabelecimento do fascismo.
6 — Dantes, quando do liberalismo econômico, na era subsequente e vizinha à queda do feudalismo, as liberdades públicas e individuais logravam um clima de segurança. Hoje, esse liberalismo está sendo tragado pelos monopolistas dos trustes internacionais, que, para sobreviver, militarizam a economia dos países que dominam.
Vale afirmar: a moderna luta pela Paz, com o seu caráter ativo, popular e universal, adveio, em última análise, de uma crise econômica do liberalismo, que passou de liberal a opressor, escudado na ideia antiga da segurança da Paz pela força, consoante o lema do Direito Internacional – si vis pacem, para bellum.
Acobertando-se nessa caduca doutrina jurídica, os trustes macularam a ONU, dominando-a, como o provam as guerras da Coreia, do Vietnam, o Pacto do Atlântico Norte, e o chamado Exército Europeu. Todas essas ações belicosas têm por pretexto a defesa da paz contra supostos agressores.
Em face da descaída da ONU, a Humanidade, por seus elementos representativos, reagiu. Surgiu, em resultado, o “Conselho Mundial da Paz”, e seguiu-se o histórico “Congresso dos Povos pela Paz”, em Viena, dezembro de 1952, com as suas resoluções por “um pacto de Paz entre as cinco grandes potências” – Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra, China e França, Prevaleceu, então, a ideia de que os desentendimentos internacionais podiam resolver-se mediante negociações, e não pela violência da força material, O “Congresso dos Povos” enterrou o velho princípio do Direito Internacional – si vis pacem, para bellum – e o substituiu pelo si vis pacem, para pacem, para usarmos da expressão feliz do professor Sampaio Dérea.
7 — Assim como o mundo da economia caminha para Socialismo, em virtude da lei natural do Progresso, assim também o mundo das ideias, como o conceito da Paz, evolui para um sentido mais alto, do particular para o geral.
Nas condições internacionais do momento, clareado por ensinos da sociologia, a isolada vontade humana, por si só, perdeu sua força moral nos destinos da História. A História não se guia por leis convencionais, da autoria de homens, por mais respeitável que seja o seu saber individual, mas por leis científicas, que determinam a marcha dos acontecimentos.
Se, pois, para a vitória do Socialismo, que é a ciência da sociedade, a Paz se revela uma exigência substancial, é evidente que o “Conselho Mundial da Paz” representa uma contra-resistência aos elementos retrógrados do individualismo. É um movimento histórico, que obedece às contingências da vida social. Verifica-se que a Paz é uma lei da sociedade, lei que, só agora, com o desenvolvimento das ideias socialistas, pôde melhor ser compreendida e aplicada.
Essa concepção da paz não convém aos partidários da guerra. Para eles, o conceito da Paz deve permanecer individualístico, porque, limitada aos desígnios e às aspirações pessoais, ela tende a sujeitar-se às abstrações, ao misticismo, à passividade. E, daí, vem a chamada “paz interior da alma”, “paz da consciência”, “paz íntima”, “paz no coração”, “paz religiosa”.
Assim dividida pelo subjetivismo, ela deixa abertas as portas da maquinação egoística dos industriais da guerra.
Desorganizada, como tem sido, pelos ventos da falsa filosofia individualista, ela nunca chegará ao cume da unidade social, que resulta da organização de forças dispersas, e que, precisamente por isso, é um dos pontos vitais para a vitória do Socialismo.
A paz social é a garantia única da paz individual, por que não é o indivíduo que mantém livre a sociedade, mas a sociedade, em ordem, que assegura o meio natural do desenvolvimento do indivíduo e do exercício dos direitos pessoais.
8 — Assim, quando o “Movimento dos Partidários da Paz” encarece o valor da coexistência pacífica das Nações, por intermédio de contratos de compra e venda de mercadorias, e de convênios culturais, ele não traduz uma simples opinião de seus membros componentes, mas um pensamento popular, adstrito à irrefreável lei do Progresso.
Por isso mesmo, coerentemente, o Movimento da Paz não se intromete na política interna de país algum.
O fato de defender a independência política e econômica nações, é uma ilação natural dessa sua atitude.
O fato também de propor medidas de caráter econômico e social, como os acordos comerciais e culturais, é uma consequência do conhecimento histórico das guerras: elas se originam de desequilíbrios econômicos, mas as modernas conquistas da Ciência, que é um patrimônio coletivo, solucionam as dificuldades decorrentes do desequilíbrio.
9 — Se os desafiadores de guerras supõem que barrarão o andamento da paz social, estão enganados. Os retrocessos são aparentes, como consequência do choque entre forças opostas.
Se sobreviesse a guerra que os negociantes da morte planejam, para o domínio do planeta, a lei do Socialismo e, pois, a paz social, mais depressa se cumpriria, isto é, o Capitalismo se liquidaria nos horrores de seu desespero, e logo triunfaria o Socialismo. Ai estão os exemplos das guerras de 1914 e 1939, pelos quais os belicistas profissionais perderam, na primeira o importante mercado da Rússia Tzarista, e, na segunda, as repúblicas da Europa Oriental e o imenso território chinês.
O “Movimento dos Partidários da Paz”, porém, quer evitar a perda de vidas preciosas. Seria contradizer os fundamentos da sua própria organização, o “Movimento da Paz” concordar com o sacrifício de vidas preciosas. Por mais nobres que sejam os fins do sacrifício, eles não justificam o uso de meios bárbaros.
10 — Opõe-se à Paz quem lucra com a indústria da guerra. Por isso, o “Movimento da Paz” combate o imperialismo, que, como sabemos, se distingue do simples capitalismo, porque é o capital financeiro controlado por trustes, que subjugaram a economia dos povos. Essa subjugação elimina a liberdade da iniciativa particular, na indústria, no comércio e na agricultura. Os meios de produção nacional ficam na dependência ora direta, ora indireta, dos grandes monopólios.
Esse imperialismo germina as guerras, porque delas ele necessita para a colocação de sua indústria de armamentos. A guerra é o maior crime da nossa civilização, porque os seus titulares se aproveitam de um assassínio coletivo, mascarado com a bandeira do “patriotismo” e da “liberdade”, Se os aproveitadores se colocassem na linha de frente da batalha, para ser as primeiras vítimas do morticínio, certamente se tornariam inimigos da guerra. Mas, assim não acontece, em virtude mesmo de uma organização militar, forjada previamente por eles mesmo, e que faz recair sobre as massas trabalhadoras, sobre os jovens, sobre a mocidade sadia, o peso da horrível escravidão.
11 — Contra tão nefando imperialismo levantam-se os patriotas, sem distinção de crenças religiosas. Aqui, é o insuspeitíssimo, por anticomunista, Gustavo Barroso, a manifestar-se contra a política que transformou o “Brasil em colônia de banqueiros”. Ali, outro insuspeito do mesmo modo, o senador Landulfo Alves, a desenrolar, numa fieira de fatos, “a história negra dos trustes internacionais”, extorquidores do petróleo e dos minérios das nações subdesenvolvidas.
Já o vibrante escritor paulista, Eduardo Prado, em seu célebre livro “A ilusão americana”, também insuspeito, por católico e monarquista, documentou a “influência deletéria”, nos países sul-americanos, da política autocrática do Governo norte-americano”. (2 ed., pág. 223).
Um presidente dos Estados Unidos, o ínclito Abrahão Lincoln, preveniu sua pátria contra o poder absorvente dos trustes, que terminariam, maleficamente, tomando conta da política oficial, e da economia norte-americana, com o sacrifício da democracia, Esse triste presságio infelizmente se tornou uma realidade, a que se devem, na presente conjuntura do mundo, as sombrias perspectivas de uma guerra universal, animada por uma “guerra fria”.
Com efeito. O Gen. Eisenhower, ora nas funções de presidente dos Estados Unidos, encarna a vontade do colonialismo dos trustes; e suas alocuções, quer antes, quer depois da sua campanha eleitoral, objetivam criar, na mocidade, o espírito militarista, que significa a apologia de uma civilização baseada no domínio da força material. Política de posição de força e não de igualdade, entre as nações.
12 — Ora, o ensino militarista aberra da índole brasileira, que a nossa Constituição respeita em textos expressos, como o art, 49, preconizando a arbitragem, na solução dos conflitos, e condenando as guerras de conquista, e o art. 141, § 59, que “não tolera a propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem política e social, ou de preconceito, de raça ou de classe”.
Como, pelo art. l da Constituição, “todo o poder emana do povo, e em seu nome será exercido”, segue-se que a nossa lei magna traduz a vontade do povo, em “não tolerar a propaganda de guerra”.
Logo, o Movimento dos Partidários da Paz é uma associação de defesa do povo e da Constituição.
13 — Concretizando ele o dispositivo do art. 141, § 59, da Constituição, está visto que sua luta se circunscreve a postergar a violência em todos os seus aspectos, seja contra os direitos humanos, seja contra a independência dos povos. Não penetra nas disputas entre o capitalismo e o Socialismo, senão para que se conserve livre o campo doutrinário, das divergências, para vencer a ideologia que o povo preferir, nas suas manifestações cívicas e eleitorais.
Ninguém com mais autoridade do que Stálin para opinar a respeito.
O Movimento – disse ele em “Problemas do Socialismo na URSS” – “limita-se aos objetivos democráticos da luta pela manutenção da Paz”.
E acrescentou:
“sob esse aspecto, o atual movimento pela manutenção da paz difere do movimento realizado no período da primeira guerra mundial, para transformar a guerra imperialista em guerra civil, uma vez que este último movimento ia mais além, e tinha objetivos socialistas”.
Logo, se o atual movimento pretendesse imitar o da primeira guerra, ele se desvirtuaria de sua finalidade, que “não é a derrubada do capitalismo” (idem). Logo, ainda, o Movimento atual, para comportar em seu seio todos os homens adversários da violência e do militarismo, não estimula lutas de classe, fica à margem das competições políticas, e muito menos é capaz de pregar guerras civis. Nem por pensamento, nem por ação, pode conservar qualquer sinal de beligerância.
14 — Como se vê, a organização moderna dos Partidários da Paz não é comunista, como assoalham os partidários da guerra. Ela não agita a luta de classes. Exerce atividade em virtude de sua natureza social, que exige unidade de organização, para mais fácil consecução dos seus fins. E é de natureza social, por uma questão do desenvolvimento da ciência sociológica, por onde se verifica que a segurança da paz do indivíduo – e, com isso, a melhor garantia dos direitos pessoais – deriva da segurança coletiva, como vimos. Portanto, a Paz é uma só. Não quebra a paz individual. Por isso mesmo, ela não comporta diretrizes conflituantes, visando à preferência de ideologias filosóficas, religiosas e econômicas.
Por sua natureza social, não pode ser abstrata, mas objetiva; não pode ser passiva, mas ativa; não pode ser sectária, mas popular. A luta pela paz é uma luta de princípios, uma expressão da cultura humana, Nada no mundo se adquire sem trabalho. A Paz é um bem inestimável do espírito humano. Portanto, ela só se alcança, se a conquistarmos, à força das ideias nobres, que a nossa inteligência é capaz de cultivar. Tal é o sentido do movimento pela paz e da luta pela paz. A paz conquista-se como se conquista, com o suor do rosto, o pão de cada dia, uma vez que ela, como o pão para corpo, é o lastro da nossa felicidade.
15 — Por todas essas razões, o atual Movimento da Paz devia, como deve, receber o mais caloroso apoio das classes conservadoras do Brasil, para as quais a política de guerra, que o imperialismo nos quer impor, é o próprio suicídio.
Pergunte-se aos nossos comerciantes – a não ser pouquíssimos, ligados ao mesmo destino dos armamentistas – se desejam a guerra. E a resposta será negativa. O mesmo, com relação aos nossos industriais, aos nossos agricultores, aos homens de trabalho, enfim.
A falta de gado, e a carestia da vida são consequências ainda das guerras de 1914 e 1939. A chamada “guerra fria”, destinada a manter acesos os fornos da indústria bélica, é um tremendo peso à economia popular dos países explorados pelos trustes colonizadores A nossa crise econômica e financeira tem suas raízes na nossa dependência comercial ao capital monopolizador estrangeiro.
16 — Ontem, a libra esterlina, sustentada pelo imperialismo inglês, que soube explorar a boa-fé dos povos com o seu pretenso amor à liberdade, a ponto de nos insinuarem, nas escolas, que a Inglaterra era a pátria da liberdade – e o gênio de Castro Alves endossou esse juízo, ao poetizar que a “Inglaterra fora um navio que Deus na Mancha ancorou” – encarnara o instrumento principal do colonialismo. A nossa política, durante o Império de D. Pedro II, permaneceu amarrada ao capital britânico, razão por que não possuímos um só estadista, da monarquia, que percebesse essa nossa escravatura e promovesse a respectiva libertação nacional.
Em conferência sobre a notável figura do visconde de Mauá, o Dr. Arnaldo Pimenta da Cunha assinala a recompensa que o governo brasileiro conferiu aquele lidador do nosso nacionalismo. De uma feita, ante a ameaça de uma intervenção armada, pelo governo inglês, ao nosso, por falta de nossa pontualidade no pagamento de obrigações prestamistas, o patriota Mauá acudiu à premente situação do Gabinete ministerial, emprestando ao Brasil, particularmente, três mil contos, para solução da dívida. No entanto, tendo livrado o Governo brasileiro de uma humilhação, foi esse mesmo governo, sob a influência do capitalismo inglês, que, como sabemos, dificultava o nascimento das indústrias nacionais, – e a morte misteriosa de Delmiro Gouveia, o concorrente da indústria britânica de linhas, é um exemplo incontestável – quem cruzou os braços, diante da falência de Mauá, levada a efeito pela negação propositada de crédito pelo Banco do Brasil.
17 — Desde a sua participação na nossa independência política de Portugal, até o seu empenho pela abolição da nossa escravatura, a Inglaterra, habilmente, defendia, antes, a abertura de novos mercados para as suas indústrias, do que o interesse pela nossa independência e pelo humanismo. Tanto assim é que onde esse humanismo lhe obsta a expansão do seu comércio, ela se tem aproveitado da sua potência militar para impor o seu domínio colonial. A subjugação armada das repúblicas livres de Transval e Orange – a guerra contra os boers, no princípio deste século – é um exemplo demonstrativo disso. Ainda agora, os malaios, em luta pela sua liberdade, e os nativos de Kenia, são massacrados como animais, sem piedade, sob a denominação hipócrita de “terroristas”. E a discriminação racial na África do Sul é nutrida pelo oficialismo inglês.
A prosperidade e o equilibrado padrão de vida na Inglaterra provinham da exploração de suas colônias e dos países financeiramente submetidos à supremacia da libra esterlina no mercado internacional. A sua esquadra cobria todos os mares, não para assegurar, na palavra simulada de Cecil Rhodes e seus consócios imperialistas, a liberdade dos mares, mas, pelo contrário, para materializar a força dos canhões contra as tentativas de libertação dos povos colonizados.
Eis os fatos da História.
18 — A lei do progresso, porém, modificou o panorama do imperialismo inglês. Surgiu a concorrência alemã.
Pressentindo a sua derrocada econômica com o crescente prestígio da concorrência alemã, a diplomacia inglesa conluiou-se com a França, a Rússia tzarista e outros, para isolar o rival imperialismo alemão.
Deflagrada a guerra de 1914, como consequência dessa rivalidade, formou-se contra a Alemanha uma aliança militar, que tinha como bandeira a “salvação da humanidade contra o barbarismo alemão”.
O Brasil foi envolvido, como um dos aliados, nesse sanguinolento embate inter-imperialista, e, por isso mesmo, representando o papel de pau mandado, a serviço de patrões, não podia colher vantagens senão aparentes. O momentâneo desenrolar de suas indústrias, artificialmente protegidas com as tarifas alfandegárias sobre os produtos similares estrangeiros, não beneficiaram, devidamente, o consumidor brasileiro, ante a alta dos preços, mas, principalmente, grupos de industriais.
A vitória de qualquer dos poderosos beligerantes, — fosse o alemão, o inglês ou o norte-americano —, os obrigaria a refazer os seus prejuízos, à custa das nações fracas ou enfraquecidas pela guerra.
Com efeito. Como é sabido, da luta cruenta quem mais se aproveitou foi o comércio norte-americano. Nasceu nova concorrência entre o capital inglês e o capital norte-americano, ou entre a libra esterlina e o dólar, A Inglaterra saiu combalida. Diminuiu a sua influência na área europeia, sobretudo com a perda da Rússia tzarista.
O mercado de café e o de cacau transferiram-se de Hamburgo para Nova York e não para Londres, como desejariam os ingleses.
19 — A catadura imperialista, em todas as épocas da história, manifesta-se com o mesmo implacável egoísmo, que atinge à loucura do selvagismo e da ferocidade, quando as vítimas lhe opõem resistência objetiva e material, Foi assim o império romano, insaciável. Assim, o império francês. Assim, o espanhol, o inglês, e, agora, o norte-americano.
Mais do que os anteriores, porém, o imperialismo americano, — por sua diplomacia, que, segundo declarações de Henry Wallace, é realizada pelos agentes dos grandes trustes, o que confirma o depoimento de Eduardo Prado, quando, há 60 anos atrás, no seu afamado livro “A ilusão Americana” a considerava “a escória da politicagem”, “distinguia-se pela corrupção”, era “egoística, arrogante às vezes, outras vezes submissa, segundo os interesses da ocasião” —, caracteriza-se por sua generalização mundial, por seu maior recurso bélico, e pela sua mais profunda iniquidade. Bastam estes fatos: — o aniquilamento de cidades abertas, como Hiroshima e Nagasaki, no Japão, por meio da bomba atômica, não como medida de defesa, mas para fins políticos contra a União Soviética, que ficava, assim, conhecendo as possibilidades destrutivas da força militar norte-americana: a destruição sistemática da população do norte da Coreia, pelo lançamento de bombas incendiárias, que não respeitavam os monumentos históricos, e por meio da guerra bacteriológica e química, extensiva às plantações e à contaminação das águas; as intervenções armadas contra os movimentos emancipacionistas de vários países, como o caso inédito da China, que, há cinco anos, vencera o bando de Chiang-Kai-Chek, provisionado, militarmente, pelos trustes da Norte-América, e, apesar de constituída por governo estável, de realizações maravilhosas, de que o povo chinês nunca imaginara gozar em tão pouco tempo, não pôde ainda incorporar à sua administração formidável a ilha Formosa, porque, nessa, a esquadra norte-americana mantém o chamado “governo nacionalista” de Chiang-Kai-Chek, o único que o governo americano e seus satélites reconhecem como legal. Isto é: a política exterior norte-americana não toma conhecimento de uma nação de 600 milhões de habitantes, sob um governo firmado, já reconhecido por diversos países, nem há permitido que ela seja admitida na ONU, onde ainda é representada pelos antigos agentes da velha e extinta China de Chiang-Kai-Chek, detentor, pela força norte-americana, de uma ilha de 6 milhões de habitantes.
20 — Esse expansionismo dos trustes norte-americanos é mais agudo e selvagem, devido precisamente à mais corajosa e inabalável resistência dos povos espoliados. Os imperialistas de ontem contavam com a desunião desses povos e o seu mais deplorável atraso político. Hoje, não. As nações colonizadas, como a Índia, a Pérsia, o Egito, a Indonésia, para não falarmos nas repúblicas libertadas da Europa Oriental organizam..se, em luta pela sua independência econômica, como resultado tudo isso, em última instância, não só do fracasso da filosofia individualista, como da consequente ascensão do socialismo. Tamanha resistência mundialmente organizada gera o desespero dos trustes, e, daí, a sua crueldade mais desbragada.
21 — Os trustes têm explorado a boa-fé de muitos homens.
Do nacionalismo e do anticomunismo fizeram uma indústria de propaganda comercial, disfarçada em defesa do “mundo livre”, da “civilização cristã” e da “democracia”, e, nela, envolvem também a campanha surda contra as áreas de influência da libra esterlina.
Se os rebelados contra a colonização de sua pátria, como os da Malásia, os de Filipinas, os do Vietnam, os da China, etc., dispensam a amizade ursados americanos, ou o tal “auxílio” aos países subdesenvolvidos —, que acontece? Os americanos, a título de defesa do nacionalismo, colocam-se a favor dos governos metropolitanos e dos ditadores, sob o pretexto de defesa contra a “agressão comunista” e a favor do nacionalismo. Se os rebelados, porém, como traidores da independência pátria, manifestam desejo de mudar de senhor apenas, então, inverso é o argumento: defende-se a soberania nacional contra os governos da metrópole colonizadora. A Pérsia oferece um exemplo curioso da concorrência entre o capital inglês e o americano. A diplomacia da América do Norte, fomentou a nacionalização do petróleo iraniano, na esperança de, por falta de recursos do governo persa, cair a companhia anglo-iraniana nas mãos preponderantes dos monopolistas americanos. Frustrado o plano, por pressão popular, devidamente esclarecida, os americanos uniram-se aos ingleses, e tramaram um golpe contra os partidários da livre nacionalização.
22 — Tem sido, analogamente, essa a política dos trustes na América latina. Os trustes precisam sempre de ditaduras pessoais, que lhes amparem a exploração.
Se um ditador não serve, por alimentar pretensões nacionalistas, é derrubado por conspiração por eles custeada, também a título de defesa da Pátria contra a subversão da ordem, “engendrada pelos comunistas”.
Se o governo qualquer é anticomunista, como Perón, da Argentina, mas quer manter sua independência no comércio internacional, inclusive relações comerciais, com a União Soviética, como aliás, as mantinham a Itália, de Mussolini, e a Alemanha, de Hitler, — os trustes, pela cadeia de seus associados em várias partes do mundo, investem contra esse governo, alcunhado logo de “fascista, ditatorial e inimigo da paz”.
A campanha, por exemplo, de alguns políticos do Brasil contra Perón, é porque Perón não está atrelado, totalmente, como está o Brasil, aos monopólios norte-americanos.
A insaciabilidade pelos lucros máximos leva ainda os; trustes, durante a simples ameaça de suas crises, a provocarem guerras entre nações amigas, sob pretextos maquiavelicamente urdidos. Foi o que ocorreu com a guerra do Chaco, entre o pobre Paraguai e a pobre Bolívia, cujos soldados se matavam, de parte a parte, no interesse exclusivo de companhias petrolíferas norte-americanas.
As notícias alarmistas sobre conflitos fronteiriços entre o Brasil e a Argentina são arranjos adrede maquinados, para um motivo de guerra, de que só lucrariam os fabricantes de armas e os seus associados de matizes diversos.
23 — Ora, evidentemente os Partidários da Paz discordam dessa política intervencionista nos negócios internos das nações, porque ela, de fato, gera a desunião e as guerras.
Um dos itens do programa da Paz é educar o povo e instruí-lo, tanto, sobre as verdadeiras origens das guerras, marcadas sempre pelo entrechoque de egoísmos concorrentes, nas relações comerciais, quanto sobre sua desnecessidade na presente fase histórica do mundo, em que a Ciência se sente aparelhada para nos elucidar sobre as causas do desequilíbrio econômico entre os povos.
24 — Essa educação, que, como dissemos, reflete, no que concerne ao Brasil, o pensamento da nossa Carta Magna, tem revelado extraordinária força moral na opinião pública, previamente informada, ante qualquer rebate malicioso dos desafiadores de guerras. O desmascaramento dos seus planos belicosos pelo mundial Movimento da Paz, os irrita sobremaneira, e, por isso, com o concurso da obtusidade e da venalidade dos elementos nativos, deturpam a natureza e os fins do empolgante movimento, como sendo de “propaganda comunista”, para justificar as perseguições aos partidários da Paz.
E, então, criaram o refrão — de “ser o Movimento da Paz um meio de desarmamento das democracias, a serviço do comunismo”.
O refrão é a confissão de uma política reacionária, que julga suprimir a lei do progresso com o guante da opressão de quem, acidentalmente, comanda nações.
O refrão pressupõe a paralisação dos sistemas sociais, e a preponderância da vontade particular na marcha da História. Esse o motivo por que, para os reacionários, não existe outra democracia senão a burguesa, aliás reduzida, hoje, a trapos.
Daí, também, dado o caráter personalista das suas teorias, a razão por que eles supõem estancar o ímpeto das novas ideias libertárias, pela eliminação física dos respectivos lutadores, à Tiradentes, que está redivivo. Uma estupidez sem nome, porque, quanto aos lutadores da Paz moderna, eles simbolizam uma etapa da vida social em ascensão, e, portanto mortos uns, outros surgirão mais impávidos. Seria preciso que os imperialistas varressem do orbe terráqueo a própria Humanidade ou manipulassem, caprichosamente, as leis da Natureza.
25— Em suma: — seja a História da Civilização um produto da correspondência entre o desenvolvimento das forças econômicas e o conhecimento Humano, como pretendem os filósofos marxistas; seja uma obra de Deus, através dos seus missionários, como ensinam as religiões, ou, ainda, proceda ela da ação do espírito imortal, sob o estímulo das necessidades materiais, oriundas de um determinismo cosmológico, cujas leis supremas desconhecemos, como pensam filósofos espiritualistas; o certo é que todos, materialistas e espiritualistas, reconhecem a existência da lei do progresso no curso da História.
Logo, ela envolve o conceito da Paz, como envolve também o pensamento em geral, inclusive as ideias religiosas, até certo ponto.
No regime capitalista, por exemplo, as religiões apregoam que a paz social deriva da paz do nosso mundo interior ou psicológico. A paz da alma é o principal, Esse conceito convém ao capitalismo, sobretudo na sua fase de decadência, porque a paz subjetiva não congrega, homogeneamente os homens, num organismo unitário e militante.
Mas, no regime socialista, as religiões aceitam o princípio filosófico do Socialismo, que confere à paz social sua primazia sobre a paz íntima, porque, assim, melhor se equilibra a correspondência entre as necessidades individuais e as necessidades coletivas, ou entre o cidadão e o povo.
A filosofia individualista decaiu de sua importância no reino da cultura do espírito. Logo, na supremacia da paz social, encontramos o conceito exato da Paz.
Pela teoria individualista, a paz se divide, ao gosto, às conveniências particulares, e ao conceptualismo dos seus autores. Ela não poderá, desse modo, atingir a perfeição, que consiste na unidade do amor entre os homens, independentemente de suas convicções filosóficas, políticas e religiosas, de sua nacionalidade, ou de sua posição econômica e intelectual.
Só a paz social nos abre o caminho à perfeição do amor. Une e não desagrega, porque sua força se concentra na unidade de todo, e não na unidade das partes.
26 — É de lamentar, portanto, que ilustres dirigentes de instituições baianas se mostrem indiferentes e, mesmo, hostis ao Movimento Baiano dos Partidários da Paz, por o alinharem na controvérsia entre o capitalismo e o socialismo.
Nada disso. O Movimento é a manifestação objetiva de leis sociológicas, contra as quais são impotentes as atividades dos obscurantistas Seria, até, de hora augúrio, ou aconselhável, que os elementos progressistas da burguesia (que, como vimos, só têm a perder com a guerra mundial, preparada pelos imperialistas norte-americanos, para o domínio exclusivo do mundo) assumissem a direção desse Movimento, para livrá-lo da pecha de sectário. Qualquer guerra, que arraste, no seu torvelinho maldito, o nosso Brasil, levá-lo-á à miséria e a revolução sanguinolenta, que também interessa aos armamentistas, contanto que da hecatombe alcancem eles lucros fabulosos. Só se justificaria para nós, a guerra, em defesa do nosso território, que é a sede da Pátria ou do nosso lar, ou em defesa da Humanidade, que totaliza as Pátrias: “Além desses limites, seria um flagelo bárbaro, que o patriotismo repudia” (Rui Barbosa).
Deve-se ao Conselho Mundial da Paz, e ao Congresso dos Povos pela Paz, em Viena, em dezembro de 1952, a vitória do armistício da Coreia, cujo problema foi debatido, naquele congresso, sem qualquer eiva partidária, e sob as irradiações do mais puro humanismo. E, com entendimentos, foi possível parar uma luta de extermínio, desencadeada, odientamente, com todos os requintes da maldade destruidora, sobre o povo coreano, — com maioria de razão é possível solucionar, por meios pacíficos, as divergências internacionais de qualquer natureza.
O Movimento Baiano dos Partidários da Paz, ligado ao Conselho Mundial da Paz, não é baiano, nem brasileiro, senão no sentido formalístico, por imposições da nomenclatura regional.
Trata-se de uma defesa autêntica da Humanidade contra uma “civilização” que sempre viveu de conflitos e guerras, mas que, havendo chegado ao seu último marco, perdeu a orientação da ordem. Sucumbirá, desorientada, na sua própria desordem, para dar lugar a uma nova civilização de paz, de liberdade e de cultura, onde todos, espiritualistas e materialistas, possam, à vontade, sem peias, discutir os seus problemas, formular as suas concepções filosóficas, cujo triunfo certamente caberá àquela que melhor se adapte ao glorioso destino da Humanidade, e que, para nós, pessoalmente, será, não o rotulado de hoje, mas o legítimo Socialismo cristão, que não pode afastar-se da Ciência, e portanto, se sujeita às leis do Progresso.
Trabalhemos, pois, pela Paz internacional, em termos objetivos e sinceros, que, daí, virá, inelutavelmente, a Paz de cada povo, e a Paz de cada um de nós.
Bahia, agosto de 1953.
Inclusão | 15/08/2018 |