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Bahia, junho de 1954.
Caríssimo Leopoldo:
Sem a Paz da Humanidade, não é possível a segurança definitiva de cada Nação. Nem, outro tanto, a dos direitos humanos. E nem mesmo as pessoas estão livres de uma bomba de avião, estejam onde estiverem, ainda que no meio tranquilo das “caravanas da fraternidade”.
Já acusamos, em cartão, o recebimento de seu último livro “A Caravana da Fraternidade”, e avisamos a remessa de um cheque de cem cruzeiros, a benefício do “Lar de Jesus”, a que vai servir o resultado financeiro do livro.
Em sua dedicatória, pede-nos V., como na sua anterior oferta, que opinemos sobre a sua nova produção.
Vamos ver se, deste “Retiro S. Luís”, nova residência que construímos, e onde ora repousamos, poderemos, com o auxílio de terceiros, pelos livros, corresponder ao seu grato pedido.
Concomitantemente, pedimos-lhe permissão para replicar à sua carta de 25 de outubro de 1953, em resposta à nossa, de 2 de setembro do mesmo ano.
O seu “A Caravana da Fraternidade”, a começar pela precisão do título, é um livro que se harmoniza com os objetivos teóricos da propaganda espírita, sem embargo das restrições que, fraternalmente, vamos apresentar, não ao sentido da obra, mas à sua eficiência.
Como dissemos anteriormente, V. é um agitador da causa espírita. Ninguém, que saibamos, faria o que V. fez, nesse mister de despertar da apatia o problema psicológico do Espiritismo.
Razões: sua capacidade oratória, sua operosidade invulgar seus recursos de polemista; seus conhecimentos de religião e da Bíblia; a prontidão de seu talento; sua presença ‘de espírito; sua argúcia; sua sinceridade, de adepto convicto da existência do Espírito imortal e dos ensinamentos de Allan Kardec.
O conjunto desses predicados fá-lo um bom professor das primeiras letras do Espiritismo. Só isso bastaria, como basta, para consagrá-lo um dos mais assíduos propagandistas da teoria espírita.
Toda doutrina requer um professor primário. Ensinar os prolegômenos de uma disciplina é mais difícil do que ensinar o seu conteúdo, cuja compreensão depende exatamente das suas noções preliminares.
No nosso tempo de estudante no Colégio de S. José, do saudoso educador, Dr. João Florêncio Gomes, conhecemos um grande latinista, o Dr. Arthur Rodrigues de Macedo. Todavia, os seus alunos sentiam dificuldade em assimilar o latim, porque ele era mais um mestre para curso superior. Imagine V. uma pergunta destas, a meninos que, pela primeira vez, frequentavam aulas de latim : “Quantos casos em “a” na primeira declinação?” Já o mesmo não sucedia com o padre Turíbio Fiúza, cujos discípulos, crianças de 10-12 anos, nos davam quinaus, porque o professor Macedo não tinha a paciência do outro, acostumado ao mister do ensino primário do latim.
Na propaganda do Espiritismo, perante um público, como o nosso, atrasado, não se ministram altos conhecimentos da doutrina, senão o que é capaz de interesse imediato. Mas, ainda assim, o público precisa de receber do predicante uma impressão agradável, para evitar o tédio.
V. compreendeu essa psicologia, tornando-se um agitador da ideia espírita, viajando, e pregando, com simplicidade, as noções elementares da moral cristã, e, ao mesmo tempo, despertando as simpatias populares por meio de obras que atendessem, mais de perto, às aspirações do homem necessitado e sofredor.
O seu livro de agora, “A Caravana da Fraternidade”, teve o mérito de agitar a causa, o que não deixa de ser um serviço prestimoso.
Ele mostra que V. é um bom cronista. Sabe expor os fatos em todas as suas minúcias, com naturalidade, sem monotonia. Isso se observa em todos os capítulos do livro, desde quando, espirituosamente, revela aos companheiros o seu “bairrismo” — “isto aqui é Bahia” — ante o lindo panorama dos coqueirais à beira-mar, na rodovia Itapoã, até os casos pitorescos e gracejando: da menina arteira que se fingiu de médium, para comer o queijo; do juiz de Amarante, que se recusou aderir aos protestantes, por “ser religião de beira de rio”; daquele Wilson Lugon, que não combatia os inimigos da doutrina, porque Jesus ordenou que “amassemos aos nossos inimigos”... (págs. 23, 32, 99 e 37).
Nenhum dos nossos festejados propagandistas espíritas, como Carlos Imbassahy, Deolindo Amorim, Pedro Granja, Ismael Braga, Júlio de Abreu, etc., despertaria tanto interesse na alma popular quanto Leopoldo Machado. Simplesmente por isto: por causa de suas preciosas qualidades de orador. Só podia ser essa a razão daquele formidável entusiasmo do “velho Lindolfo Coutinho”, ao dizer: — “já posso morrer, porque abracei Leopoldo Machado” (pág. 74).
Entretanto, se o livro é uma obra de crônica, não revela ele que V. abandonasse o religiosismo espírita, em contraste com os objetivos do “Espiritismo de Vivos”, de sua autoria, e cuja progressividade V. mesmo está contrariando.
O Espiritismo é cultura, porque é ciência. Se fosse “religião” seria “culto” e não cultura.
Se a poetisa Elmira Lima discorda de V., por causa do fundamento religioso, ela tem razão.
V. já escreveu, várias vezes, repetindo Kardec, que “fora da Ciência, o Espiritismo morreria” (Gênesis. cap. 1, n. 55). Agora mesmo, V, repete, por vezes, em “Caravana da Fraternidade”, que “Espiritismo é educação” (pág. 121), é “evoluído no tempo e no espaço” (pág. 312), e admite que “a Federação Espírita Brasileira se afastara do seu programa” (pág. 314). E expende verdades, como estas: “a doutrina espírita não é dogmática” (pág. 166): “já é tempo de colocar-se a doutrina acima de tudo” (pág. 137): “deixemos os homens e as instituições e vamos servir à Doutrina” (pág. 314).
Também Ismael Braga confessa que “a Doutrina é mais cara do que as instituições” (Elos Doutrinários, 97), mas a verdade é que V.V. se prendem mais às instituições.
Certos ateus estão mais senhores da teoria espírita do que afamados escritores espíritas.
Agora mesmo, em “A Tarde”, de 29/5/54, o prof. Pinto de Carvalho escreveu que:
“as premonições constituem um dos capítulos aliás dos mais interessantes e enigmáticos dessa ciência – a Meta psíquica – ciência novíssima, ainda a titubear nos seus passos iniciais, mas que promete uma floração magnífica e belíssima para um futuro mais ou menos próximo”. “Ciência grandiosa e de múltiplos esgalhos, que vão desde os domínios do simples animismo, com o sexto sentido criado por Charles Richet, até os territórios vastíssimos e curiosos da telepatia, da criptestesia em geral, das monições e das premonições, psicometria quiromancia, telecinesia, chegando aos de natureza espirítica ou espiritoide, como levitações, transportes de objetos, ectoplasmias. materializações, incorporações, etc., etc.”
E o culto professor baiano, mostrando-se a par do assunto, com a citação de fatos e de autores, como Richet, Bozzano, Myers e Podmore, conclui: “monições e premonições, visões à distância e visões no futuro, existem indubitavelmente, ainda que se nos afigure isso impossível”.
A resposta que V. nos deu à longa carta de 2 de setembro de 1953, e o seu último livro referido demonstram o nosso acerto de ser V. pouco versado na sociologia do Espiritismo ou do neo-espiritualismo.
V., por exemplo, ao responder ao Clero (págs. 77, 264, 269, 261-262, 258) neste seu livro, como em outras conferências, nunca deu ao conhecimento público as razões por que o Clero combate as demais religiões. Em vez disso, V. alimenta uma inútil discussão, com base em textos bíblicos e revelações medianímicas.
Entretanto, se houvesse lido o trabalho de um materialista (sentido filosófico), como O. Arturov, na revista “Problemas”, nº. 17, 1949, V, ficaria sabendo que a política clerical é uma consequência da aliança do alto Clero com o capitalismo internacional. O publicista, com lógica indestrutível, retratou a política reacionária do Vaticano.
Daí se deduz que os debates religiosos, entre espíritas e católicos, entre católicos e protestantes, entre protestantes e espíritas, agradam às classes dominantes, porque tais discussões são diversivas, distraem dos grandes problemas da Humanidade e da Nação uma parte considerável do povo.
Aos poderosos convém o alheamento, pelas massas populares, da política de emancipação nacional, precisamente porque eles se nutrem à custa da ignorância político-social do povo.
O alto clero, que por sua vez, através de uma hierarquia, intencionadamente organizada, procura alhear os padres e os fiéis das lutas emancipacionistas, sob o pretexto de que o clero não se mete em política, porque a Religião é apolítica, participa, também em recompensa que lhe dá o Governo, dos benefícios do obscurantismo popular.
O mesmo sucede com todas as religiões, inclusive a “espírita”, que, pelas colunas do “Reformador”, órgão da Federação Espírita Brasileira, conclama os seus adeptos a se afastarem da Política, porque sua política é a do Evangelho religioso, místico e apassivador das energias do espírito humano.
Leia-se este pensamento do contraditório e nebuloso Pietro Ubaldi, aproveitado, para “roteiro espírita”, por um propagandista de Kardec, no “Diário da Bahia”, 30/5/54, sob pomposo título “Renovação espiritual”.
“Não vos ensino a gozar das coisas da Terra, porque elas são ilusões, mas vos indico as alegrias do Céu, porque estas são verdadeiras”.
Mais adiante, mostraremos que semelhante propaganda diverge da verdadeira doutrina espírita, “em espírito e verdade”.
À pág. 143, você admira-se do mandonismo generalizado do futebol. Entretanto, isso convém aos círculos dominantes, sobretudo na fase atual da reação imperialista. Afasta-se a educação física dos seus fins eugênicos, para se tornar, nesse setor do jogo, uma distração obsidiante, lucrativa e mercenária. Não fosse assim, e o “Repórter Esso”, instrumento do imperialismo norte-americano, não lhe consagraria atenção especial.
Tudo quanto concorre para a divisão do povo, com as lutas partidárias e religiosas, e a rivalidade entre instituições, constitui, no fundo, manifestações de uma luta de classe burguesa, apavorada com a unidade da classe operária do mundo.
Somos insuspeitos para assim falar, porque pertencemos à classe burguesa. Mas, aqui fala a consciência impessoal, o espírito de honestidade intelectual, por amor à Doutrina, que, como V. mesmo reconhece, deve superar os homens e as instituições.
Por que, então, os espíritas vivem tão divididos, à procura de uma unificação, que V. e seus dedicados companheiros pregaram na “Caravana da Fraternidade”, e que V. diz “ser obra do Alto e não dos homens”? (pág. 160 e 314). É que os espíritas, desse modo, querem resolver os problemas do espírito fora das leis da sociedade, condição essencial à vida individual (resp. 766, Liv. Espíritos).
Ora, é pelos meios de investigação, comuns a todas as ciências, que apreendemos o sentido dessas leis e as aplicamos nas relações humanas. E o Espiritismo não pode afastar-se do método científico.
No entanto, nas controvérsias espíritas, predomina a logomaquia, o misticismo, o aspecto formal das teses em lide, o personalismo, uma porção, enfim, de vícios desvirtuantes da metodologia pedagógica ou científica,
V. mesmo deu um exemplo, que não levamos à conta de sua incultura geral, senão de um lapso momentâneo.
Em Fortaleza, Ceará, V. fez uma conferência, “num improviso de magistral cultura científica”, segundo a “Gazeta de Notícias” daquela cidade, na qual V. atribui ao “materialismo dialético”, por estar “em flagrante contradição com os princípios da verdade”, “o corrosivo maléfico do Edifício Social” (pág. 255.)
Ora, o materialismo dialético é um método de lógica, que nada tem a ver com as ideias e os sentimentos de ninguém. É o oposto à lógica formal e apriorística ou puramente idealística.
Ainda em Recife, V. tomou como tema de sua “conferência positivo-espirítica” a legenda de Comte – “Os mortos governam os vivos” (pág. 56).
Mas, Comte não se referiu aos mortos, que esses, para ele, materialista ou incrédulo na sobrevivência da alma, simbolizavam a obra civilizadora das gerações passadas, ao passo que, pelo sentido espirítico, para o qual V. apelou, os mortos são as almas sobreviventes, sob o nome de “espíritos desencarnados”, pessoas e não coisas e obras. A diferença é patente: Comte quis positivar o trabalho da Humanidade transcorrida, e, por isso mesmo, fez dela uma religião (sentido novo e não místico), enquanto que V., individualisticamente, quis conceder a entidades individuais o mérito desse trabalho.
Não se comparam ideias díspares e antagônicas. A comparação só teria cabimento, no caso, se colocado o problema nas bases em que o colocamos, isto é: a doutrina espirítica não é, ou não deve ser mística, religiosa, porque, antes de tudo, ela deve velar pela Humanidade, e, pois, encarar a solução dos problemas humanos como a condição primordial para a perfeição do espírito (argto. da resp. 132 Liv. Esp.).
Os espíritas religiosos invertem o problema: atendem, primeiro, à alma e à moral cristã, para a saúde do corpo (como V. ensinou em outro livro), e, portanto. desprezam de fato, a Humanidade ou o lado material e econômico, contra, aliás, recomendações da resp. 677 do Liv. dos Espíritos (lei do trabalho).
A verdade é que, enquanto persistir a fome, no mundo, não haverá fraternidade, nem liberdade, nem igualdade, nem moral cristã que possa impedir as guerras, obra do imperialismo econômico(3). Nem ainda teremos meios de equilibrar os nascimentos. Leia, para melhor se inteirar do que dizemos, o livro, de repercussão internacional, “Geopolítica da Fome”, de Josué de Castro. Por aí, se avaliará a profundeza do Marxismo, como, lamentavelmente, a pobreza das nossas costumeiras propagandas espíritas, sobre educação.
Foi por causa dessas e outras coisas que, para lhe sermos franco, procuramos mostrar que V. estava em contradição com a sua doutrina do “Espiritismo de Vivos”.
V., de fato, até certo ponto, deixou à banda o critério particularista da moralização dos espíritos desencarnados, para provar que, na vida terrena, sobram os carentes de assistência; e, portanto, os obsessores do outro mundo poderiam se espelhar, para se regenerar, nos exemplos deste mundo.
Por outro lado, V. viu que ensinar Espiritismo entre as paredes do “Centro” estava oferecendo pouco resultado, nestes tempos de hoje, de transmutações em tudo, e em que até os sussurros íntimos atravessam espaços e se irradiam, invisivelmente até os ouvidos distantes e indiscretos.
V. quis reagir, em boa hora, contra o carrancismo, e apelou para o Ide e pregai, no sentido moderno: levar ao conhecimento das massas a singularidade dos fenômenos espíritas, cujos resultados morais não podiam ficar circunscritos aos salões, porque o seu conteúdo é proeminentemente social.
De fato. Não se trata de Ciência, como a química, como a astronomia ou como a biologia e suas ramificações, para as quais o silêncio dos laboratórios e dos gabinetes é o âmbito de seu desenvolvimento, porque não são ciências sociais, embora unificadas, como todas as ciências, pela finalidade de favorecer os interesses da convivência humana, e, por isso mesmo, suas lições práticas são também ensinadas ao povo.
E aqui está como V., implicitamente, como alegamos em nossa carta, sentia que a educação deve partir do geral para o particular. O “Ide e pregai” é uma consequência dessa verdade. E, no caso, V. representou um doutrinador que soube cativar a atenção dos auditórios, como provam as diversas ovações de entusiasmo, pela sua pessoa, as quais V. fez muito bem em consignar no livro, porque foram atestados da receptividade da pregação.
A excursão agitou os meios profanos. E se os seus efeitos amorteceram, deve-se a culpa não só àdescontinuidade do trabalho educativo – como V., atiladamente, o compreendera, ao prometer novas caravanas, – mas, também, e principalmente, às causas profundas que V. não penetrou, como adiante mostraremos.
Os seus oposicionistas não souberam atingir o lado fraco da caravana, porque, ao invés de mergulharem a critica no espírito da doutrina, a desviaram para o terreno mais pessoal, como as futilidades da censura ao seu vernáculo (pág. 26).
V. falava para o povo. O interesse era que a assistência ouvisse uma linguagem clara, simples, compreensível, atraente, pois que, só assim, o orador criaria simpatias para a causa. E o resultado foi colhido. Suas palestras foram tão fluentes que, no dizer de um repórter, pareciam lidas.
Falar para o povo é muito diferente de falar para uma Academia de Letras. O prefácio de Rui Barbosa, na “Réplica”, ao mestre Carneiro Ribeiro, e as suas razões de advogado, na célebre demanda sobre “Cessão de Clientela”, são exemplos de purismo na linguagem e na terminologia. Um estilo, entretanto, diferente do que costumava usar, embora escorreitamente, nos seus discursos populares, o inesquecível orador e publicista.
Quem é que, lendo “Visita à Terra Natal”, de 1893, precisa de fazer esforço mental ou de ir a dicionário, para sorver os encantos da eloquência peregrina, com que Rui agradecera as homenagens recebidas? Que leitor não experimenta um gozo espiritual, ante a imagem que o orador criou para o cenário da Bahia, vista do mar “verde ninho murmoroso de eterna poesia, debruçado entre as ondas e os astros”. Só quem conhece a baía de Todos os Santos, e a franja verde das árvores, como as frondosas mangueiras, que, em 1893, vistas de longe, cobriam as encostas da montanha, da orla ao cume, pontilhada, de longe em longe, por casas coloniais (hoje são as árvores que pontilham os flancos da montanha, no meio da casaria), poderá sentir a grandeza do realismo da comparação.
A “saudade”, a “estender os braços de toda a parte no longo amplexo do horizonte”, é um “amado fantasma evocado pelo coração”, irradiante e atrativo, triste e suave, que a riqueza da dição ruibarbosiana realçou na formosa expressão deste sentimento:
“Minha vida inteira, o remoto passado fugitivos recompunha-se-me, nalguns instantes, de uma infinita suavidade triste, como a das grandes afeições tenazes, que lutam contra a volubilidade dos sucessos, e procuram fixar-se à beira da corrente irresistível da vida, abraçando-se aos ramos imortais do ideal”.
Se o exórdio maravilhou a plateia, – a peroração, pela sua sublimidade, tocou o fundo d’alma, para emocioná-la até às lágrimas. Foi quando Rui invocou “o espírito severo de seu pai” e “o espírito sideral de sua mãe”, “autores benignos de seu ser”, aos quais entregou, como filho reconhecido, os troféus da homenagem.
Isso é para V. ver a influência da oratória no seio da massa popular. Os oradores exercem papel saliente na precipitação de certos acontecimentos, porque sacolejam as multidões, com o concurso das quais mais facilmente se modificam situações.
Os demagogos costumam tirar partido dessa farsa popular, para proveitos pessoais. Daí, muitos acreditarem que a autoria das revoluções cabe a determinados homens, providos de recursos, como da palavra fascinante, oral ou escrita. Há quem sustente mesmo que a Revolução Francesa foi obra dos filósofos, como Rousseau, Voltaire, etc., secundados por Mirabeau, Desmoulins e outros oradores e panfletários do histórico movimento das massas. Mas, é uma apreciação errada. E nós só vislumbramos a verdade, para reconhecer o erro, se, de fato, nos move a honestidade intelectual, quando buscamos no cabedal do materialismo histórico, conhecido por Marxismo, as fontes das lutas sociais.
Esse estudo nos esclarece muito bem que não é a vontade pessoal a causa de qualquer eclosão popular. A sua causa encontra-se na perturbaçãoda economia pública, gerando descontentamentos e ânsias de toda parte. A liberdade individual fica na dependência da necessidade geral. A crise econômica (um fato como se vê, material) provoca, incoercivelmente, o desgosto de todos, inclusive dos próprios afortunados, sujeitos a imprevistos que os podem prejudicar.
Por causa dessa crise, então, é que aparecem os reformadores e os revolucionários, inclusive os demagogos, a explorar o fenômeno social, que procuram atribuir aos adversários, para efeito de tomada do poder. Entretanto, ninguém, por melhor que seja a intenção, no Governo, solucionará a crise, se não se submeter às exigências dos fatores econômicos.
Assim, quando se diz que Rui Barbosa foi o autor do nosso 15 de novembro, não se diz uma verdade objetiva. Mais verdade teria dito quem se pronunciasse contra essa autoria, para afirmar, inversamente, que Rui Barbosa paralisou a revolução, porque, no poder, não cumpriu a sua doutrinação contra a enfeudação da propriedade ou o latifundiarismo.!
Rui Barbosa, como outros, viu, inteligente que era, o divórcio do governo monárquico com as condições do país.
“A atmosfera do império e da escravidão oprimia-nos, abafadiça, de todos os lados. Os partidos monárquicos brigavam, entesados, na sua rixa de lagartos, na raiva preguiçosa de velhos estélios coriáceos, à luz de uma publicidade indiferente, ou hostil, como os raios do Sol que acariciam o torrão próspero, mas flagelam a estepe escalvada, no silêncio, no marasmo, na solidão moral da pátria, calcinada por uma esterilidade maldita”.
Eis aí como ele, no citado discurso, definiu a realidade nacional. Foi ela quem determinou, em última análise, a atividade dos elementos intelectuais contra um governo, que calcinava a pátria com uma esterilidade maldita. E, por sua vez, quem calcinava o governo não era a pessoa bondosa do imperador, Pedro II, mas o desequilíbrio moral, consequente ao choque das lutas de classe (escravidão) e aos privilégios de uma economia individualista (latifúndio, subordinação da economia do país a privilegiadas concessões estrangeiras, etc.).
Rui Barbosa, entretanto, chefe de fato do Governo Provisório, por seu grande saber e sua autoridade moral, não soube enfrentar a crise, porque se deixara envolver pelos mesmos agentes que mantinham a base econômica do país. Tanto assim que, em vez de reagir, preferiu demitir-se do governo. Num livro nosso, “A Unidade da Lavoura, pelo Cooperativismo”, págs. 9-13, focalizamos esse papel de Rui.
Lembramos que as leis da Natureza se aplicam ao movimento histórico dos povos, por meio do conhecimento da realidade objetiva. Para tanto, a inteligência compõe uma série de conceitos ou categorias, vazados na experiência, na prática, na verdade exterior dos fatos, e não nas sensações do subjetivismo individual ou da consciência. Essas categorias formam o edifício da dialética materialista. Um estudo dialético, científico, objetivo, tanto na Natureza em geral, como da Sociedade. Logo, não deixa de ser um método de investigação dos fenômenos da vida, método manejável por qualquer pessoa, independentemente de seus sentimentos particulares, de suas crenças e convicções.
Assim, não vemos razões dessa ojeriza dos espíritas ao materialismo histórico e à dialética materialista: eis que, pelo primeiro, se conhecem as causas da evolução e das lutas sociais da Humanidade terrestre, e, pela segunda, se recorre à metodologia – lógica, afinal – do conhecimento da verdade, que se pretende descobrir.
O fenômeno espírita é um fato, que se passa entre homens, e pertence à História. Por conseguinte, está sujeito aos mesmos princípios da ciência materialista, no sentido de ser estudado, etiológica e finalisticamente, fora de preconceitos e apriorismos. E é isso que Allan Kardec ensina, por outras palavras, em “Gênesis”, onde, de fato, reconhece que o Espiritismo não é apriorístico, porque se arrima na realidade de um fenômeno, e não pode afastar-se dos métodos e das verdades práticas da Ciência.
Portanto, se queremos orientar a doutrina espírita pelo rumo da Verdade, que é indivisível, não temos que ouvir opiniões de A ou de B, deste ou do outro mundo, mesmo que venham de Kardec ou dos Espíritos missionários. A verdade conhece-se pelas manifestações da Natureza, em qualquer plano da vida. Daí, o não concordarmos com várias passagens do Livro dos Espíritos e de Kardec, ou de “Emmanuel” ou de “André Luís”, quando vemos que elas fogem à lógica e não são confirmadas pelos fatos.
É por esse motivo também que divergimos (V. está compreendendo bem que não sou eu que divirjo) do ensino da Federação Espírita Brasileira – Ensino anacrônico, estribado na letra dos livros de Kardec, e de comunicados de espíritos, como os de Roustaing, que foi muito bem analisado por Luciano Costa, no seu livro “Kardec e não Roustaing”, embora não estejamos a opinar sobre o tema da personalidade do Cristo, senão que, de qualquer modo, a verdade só deve ser erigida em princípio, depois do consenso geral, e da sua confirmação incontestável.(2)
A parte terceira, por exemplo, do “Livro dos Espíritos” capitula a liberdade, a igualdade, destruição, sociedade, etc., entre as “leis morais”. Entretanto, só poderemos conceituá-las no plano da realidade social, – para o que, então, se faz preciso recorrermos ao estudo das categorias do conhecimento, “que é um complexo processo de formação de categorias, noções e leis, que não são criações arbitrárias da inteligência: humana”, mas “uma generalização de processos e fenômenos da Natureza, independentemente da consciência humana” (Na origem do processo e da fenomenologia da Natureza é que deve começar a divergência entre o Espiritismo e a filosofia marxista, porque esta não reconhece a existência de uma “Ideia absoluta” extraterrena, enquanto aquele a reconhece. No que concerne, porém, às verdades do materialismo histórico e da dialética materialista, – não pode haver divergência, uma vez que se discutem problemas humanos e suas relações com a Natureza e a sociedade, sobre as quais o ensino atual do Espiritismo se revela contraditório, impotente e anticientífico).
Pela letra do “Livro dos Espíritos”, a moral é uma dependência da vontade pessoal, e, pois, é mecânica e arbitrária. Logo, a liberdade sofre os efeitos desse individualismo, que entretanto, não confere com a realidade da Natureza. Leiamos a resposta 800:
“As ideias só pouco a pouca se modificam, conforme os indivíduos, e preciso é que algumas gerações passem, para que se apaguem totalmente os vestígios dos velhos hábitos.”
Falando da desigualdade das aptidões dá-lhe por causa a “vontade dos que obram, vontade que é o livre arbítrio” (804) — Sobre as desigualdades sociais, só elas desaparecerão “quando o egoísmo e o orgulho deixarem de predominar” (806).
Pela resposta 863 e seguintes, os costumes sociais são criações da vontade, e, por isso mesmo, “a submissão a eles representa um ato de livre arbítrio”, que, pela resp. 866, é a determinante da fatalidade (casualidade, digamos), fatalidade, todavia, que “nunca existe nos atos da vida moral” (861).
Ainda, pela resposta 744, a guerra tornou-se uma necessidade, para a vitória da “liberdade e do progresso”. “Esmagando os povos, a escravização”, consequente às guerras, “fá-los progredir mais depressa”. E, por aí, (resposta 745) se depreende que a culpa das guerras cabe aos homens e. pois, à vontade pessoal, levada pelo fatalismo.
A resposta 814 está calcada no mesmo personalismo, que faz de Deus um ente injusto e desrespeitador da lei de igualdade e de outras. Por que é que Deus a uns concedeu as riquezas e o poder, e a outros a miséria? – “Para experimentá-los de modos diferentes. Além disso, essas provas foram escolhidas pelos próprios Espíritos, que, nelas, entretanto, sucumbem com frequência.”.
Sobre a emancipação da mulher, ao lado de verdades como a de que “ela acompanha o progresso da civilização” (n. 822), o leitor ignora qual será o caminho emancipacionista, porque falar apenas em “igualdade de direitos”, em combate “ao egoísmo”, em “fazer o bem e não o mal”, ou aconselhar que “não façais aos outros o que não quereríeis que vos fizessem” e quejandas frases, não é, sequer, indicar, de modo genérico, os princípios capitais da solução.
A resp. 822 não só priva o leitor de uma diretriz a tomar, como lhe aumenta a confusão. Que quer dizer, p. ex., “igualdade de direitos e não de funções”? Quais as funções fora da igualdade? E vem esta obscura resposta: “Ocupa-se do exterior o homem e do interior a mulher”. Logo, à mulher competem as funções do interior, e ao homem as do exterior. Poderá haver nada mais abstruso e atrapalhado?
A distinção consagra uma igualdade de direitos e uma desigualdade de funções. Então, onde a igualdade de direitos? Os fatos da experiência socialista provaram que a emancipação da mulher é uma consequência da libertação econômica popular, em face do que se cria um Governo, que elimina a exploração do homem pelo homem. E, daí, provém que, tanto externa, como internamente, o homem e a mulher se igualam no exercício das atividades sociais.
Logo, no “Livro dos Espíritos”, não se aprende coisa alguma sobre a importantíssima tese da emancipação da mulher.
O mesmo se concluirá, lendo o capítulo sobre “a marcha do progresso”, que parece decorrer do “homem” e não da sociedade, do “senso moral” e não das condições objetivas (resp. 779-780), motivo por que tem por obstáculo “o orgulho e o egoísmo” (resp. 785) . Como se vê, ideias velhas, que as leis do Socialismo liquidaram, porque a moral é efeito e não causa.
O capítulo interessante da “caridade e amor ao próximo” discorre sobre conceitos gerais verdadeiros, mas ainda aí, se omitem as causas verdadeiras por que há falta de “caridade” e há falta de amor entre os homens.
A resposta 888 condena, em tese, a esmola e a substitui, implicitamente, pela assistência social, Como, essa, pelos particulares, é imperfeita e, hoje, lhe sucedeu outra mais eficaz, como a da assistência pelo Estado socialista, teremos, logicamente, por “amor ao próximo” e “por caridade”, de preferir a instauração do Estado socialista. Dessa forma, a palavra “caridade”, que tem uma significação individualista, adstrita à “esmola”, deve ser substituída por “solidariedade”, que é o conteúdo da verdadeira assistência social.
Aliás, num comunicado de Fènelon (Evangelho Segundo o Espiritismo) sobre o “emprego da riqueza”, rejeita-se a esmola, em tese: “Fazei a esmola, quando necessária, mas, tanto quanto possível, convertei-a em salário, a fim de que, quem a receba, não se envergonhe”.
Quando V. levantou, estribado no “Espiritismo de Vivos”, a campanha da assistência social, foi contestado por diretores da Federação Espírita Brasileira, que alegavam ser “uma gota de água no oceano” da miséria geral. Ora, é preferível a assistência, no caso, ao serviço de esmola que a Federação, pelo Natal, distribui aos pobres.
Tendo escrito Allan Kardec, em “Obras Póstumas”, pág. 304, que – “trabalhando para os outros, o homem trabalha para si mesmo” ele deixou transparecer a superioridade do Socialismo.
Igualmente, os Espíritos, implicitamente, na resp. 685, deram à caridade um sentido socialista, e, portanto, substituiriam, hoje, a caridade pela solidariedade popular. Logo, o “fora da caridade não há salvação” é velharia. O certo é “fora da ciência não há salvação” – porque o regime socialista se funda em postulados da ciência. E o “Partido Comunista” (ou que nome se dê), correspondente à defesa dos mesmos, é, por conseguinte, de natureza científica, isto é, uma exigência da própria história do desenvolvimento da sociedade, ou da “lei econômica da correspondência obrigatória entre as relações de produção, e o caráter das forças produtivas”.
“Diferentemente das leis das ciências naturais, em que o descobrimento e a aplicação de uma nova lei decorrem mais ou menos sem entraves, – na esfera econômica o descobrimento e a aplicação de uma nova lei, que fere os interesses das forças da sociedade moribunda, encontram a mais forte resistência por parte destas forças. Consequentemente, precisa-se de uma força social, capaz de vencer essa resistência” (Stálin — Problemas Econômicos do Socialismo, na URSS).
Desta pequena amostra, se conclui, como temos dito, que. pelos livros de Kardec, de há um século, ficamos in albis sobre os problemas da Humanidade. Por conseguinte, o que temos de fazer é concretizar o conselho de Kardec, conselho que não foi pessoal, mas um fruto do próprio caráter realístico do Espiritismo. O aviso de Kardec, como V. sabe, é que, se a doutrina espírita não abandonar o domínio da utopia, ela se suicidará: e isso só não ocorrerá, se ela acompanhar os progressos da ciência (Gênesis, cap. 1. n. 55).
Ora, pela sociologia marxista (que também não é de Marx), a moral, a liberdade, a igualdade, a paz, os direitos humanos, a cultura, o progresso, enfim, da Humanidade, são estudados com a mesma finalidade pretendida por Kardec, mas sob fundamentos científicos, completamente diferentes de um subjetivismo inoperante. Eis por que criticamos o individualismo da época, para responsabilizá-lo pelas contradições e omissões de Kardec. Isso significa que Kardec, hoje, não subscreveria vários conceitos de ontem. E quer dizer mais que as verdades do Marxismo podem – e devem – ser ensinadas nos colégios espíritas, como o “Leopoldo Machado”, de Nova Iguaçu, Estado do Rio, porque elas nada têm a ver, nem com as crenças espíritas do seu proprietário, nem com o ateísmo de Marx e seus discípulos. Não se pensa, com isso, em condenar a doutrina espírita, mas em atualizá-la, elevando-a mais no conceito do público, hoje muito mais instruído que ontem.
Qual a finalidade do Espiritismo? Mostrar que o espírito é imortal, e que a sua humanização é urna necessidade à sua perfeição. Do conceito da imortalidade deriva o estudo das leis de relação entre os dois mundos, do além e do aquém. Da humanização resulta a necessidade do respeito às leis da matéria, sem as quais o corpo humano, ou a sociedade humana, não poderá cumprir o seu destino. Isso significa que o espírito imortal necessita, para a sua fé e a sua tranquilidade, de uma Política de produção econômica, de que dependem a saúde do corpo, e a ordem justa nas realizações humanas. É o que se deduz da leitura da resposta 922 do Liv. dos Espíritos, combinada com outras, como as 132 e 766 — 772.
O materialismo de Marx não se preocupa com a primeira questão, porque – veja bem – ela é idealista, isto é, funda-se em discussões fora da realidade, que é a matéria, e o espírito não é realidade. O argumento é lógico, em face das premissas. Logo, a nossa preocupação e as nossas atividades devem se limitar ao estudo das leis da Natureza física dominadora, para lhe aproveitar as energias, em benefício da saúde humana. Esse método de estudo (dialética), aplicado à evolução histórica dos povos, ensina-nos também que o homem está sujeito ao império das leis da natureza econômica (materialismo histórico).
A moral, por conseguinte, ou a ética do amor, da paz, da solidariedade, entre os homens, não deriva da vontadede ninguém, mas de uma necessidade social, porque, uma vez que os homens estejam privados do alimento ou do “pão nosso de cada dia”, eles se descontrolam, e apelam pelo próprio instinto de conservação, para o egoísmo das lutas de concorrência, que degeneram, afinal, em conflitos e guerras,
Portanto, ainda: a paz ou a extinção das guerras é imanente à natureza da economia. Se a lei da produção social, para acabar com a fome e o desemprego (resp. 930 e 888 do Liv. dos Espíritos), for dominada pela inteligência, aí estará uma descoberta científica, que conferirá com as aspirações da doutrina espírita.
E é aí precisamente, nesse campo da economia, que o Marxismo se estende, não no interesse de acabar, à força, com a crença de ninguém, mas no de servir à felicidade terrestre ou à Humanidade, a todos os povos, indistintamente.
Ora, como essa felicidade é inerente também ao espírito imortal, (resp. 922), não se concebe, senão por ignorância dos assuntos, que um espírita se revolte contra o Marxismo, e muito menos contra o Comunismo, que é uma lei – das que o Marxismo estudou – do próprio desenvolvimento da sociedade humana.
Foi por isso que Sousa do Prado, que é o espírita (de que temos conhecimento) de maior visão dos problemas sociais, desenvolvera, no “Jornal de Debates”, umas considerações, a respeito do chamado “Comunismo ateu”, à luz das quais, com o seu costumado aprumo de escrever e argumentar, mostrou que o cidadão espírita deve ser comunista, ainda que – acrescentamos nós – não se conclua, dai, que ele deva militar no Partido Comunista, ou que seja obrigado a lutar pelo imediato advento do Comunismo. Restrição, aliás, que ele também admitiu.(3)
Como se vê, o Espiritismo discorda da filosofia marxista sobre o sentido do realismo do espírito e suas consequências morais, pois, segundo ele, o espírito é um fato e uma das leis também da Natureza, tanto física ou psicofísica, como social. Mas, não pode discordar da sociologia marxista, em relação à Humanidade, que é também objeto do Espiritismo, nem ainda da moral comunista, que, como vimos, se atém às razões científicas da produção, para fundamentar o próprio dever de trabalhar por essa produção, que é “a posse do necessário”, (cit. 922), para a consequente fraternidade, fim da moral espírita (V. comentário à resp. 888).
Estamos falando para um confrade de bem, e inteligente, e, pois, capaz de reconsiderar os termos de sua resposta à nossa carta, se quiser colocar a questão, como estamos colocando, no terreno adogmático.
Transcrevamos de Iudin e Rosental, do seu Dicionário Filosófico, este período, que sintetiza o conceito do Materialismo histórico:
“O materialismo histórico vê, no desenvolvimento da produção dos bens materiais necessários para a existência do homem, a força principal que determina toda a vida social dos homens e condiciona a transição de um regime social para outro. Nenhuma sociedade pode existir sem produzir bens materiais. Com a ajuda dos instrumentos de trabalho, da técnica, o homem, no processo da produção, atua sobre a Natureza e obtém os objetos necessários para a vida.
Da perfeição e desenvolvimento da produção material, depende o progresso da sociedade.
Desde o tempo em que o homem se elevou até o uso dos instrumentos e se converteu em — “animal que faz instrumentos” — começa a história da sociedade humana. No desenvolvimento das forças produtivas” (que são os homens e os instrumentos,. pela técnica do trabalho) “da sociedade, encontra sua expressão o aumento do domínio do homem sobre a Natureza. Com o desenvolvimento das forças produtivas” (sobretudo depois das leis descobertas da físico-química, permitindo a fabricação de novas máquinas de trabalho), “muda, também, a segunda parte necessária da produção material: as relações entre os produtores. as chamadas “relações de produção”, que, por sua vez, mudam o regime econômico. A mudança das formações econômico-sociais na História, – o regime comunista primitivo, o da escravatura, o da burguesia, o do Socialismo –, é antes de tudo, a mudança de umas relações de produção por outras mais progressistas”.
(Veja V., portanto, a eloquência da definição de Engels, que notamos na nossa carta sobre a História da Ciência).
Em síntese: “as condições objetivas da produção material e as leis econômicas da vida da sociedade, são a base de toda a atividade histórica dos homens”.
Entretanto, por explicar que, originariamente, as instituições políticas – ideias e teorias – ou a consciência social, dependem do modo de produção, ou que a história da evolução dos povos é a história dos próprios produtores dos bens materiais, o Marxismo se distingue tanto do “materialismo econômico”, como do “mecânico” e mais do “materialismo vulgar”.
Pelo materialismo econômico, gera-se o economismo, tudo se subordina à economia, que manda em absoluto sobre as ideias. Pelo materialismo mecânico, tudo na Natureza se explica pelas leis da mecânica, tudo é o resultado da influência externa: o choque de um corpo sobre outro. Ele nega, portanto, o movimento espontâneo dos objetos, suas mudanças qualitativas, as modificações do interior para o exterior.
É a doutrina de Hobbes, Descartes, Espinosa, Feuerbach.
E o “materialismo vulgar”, da escola de Buchner, Vogt, Moleschott, consiste em afirmar que tudo é matéria, de que é feito o Deus da natureza, para concluir pela explicação do pensamento em forma materialista vulgar.
O materialismo marxista parte de uma concepção filosófica da Vida, para afirmar, de fato, que a vida e, pois, o homem ou o espírito humano, teve uma origem materiale que, fora da matéria e suas transformações, tudo o mais é imaginário, não é a realidade. Por conseguinte, o “espírito”, dos espiritualistas, é uma concepção idealista, sem o fundo da realidade, e, à base desse idealismo falso, eles explicam as instituições, para disso resultar o desconhecimento de muitas leis, máxime das da sociedade, em prejuízo do progresso.
Mas, o Marxismo não nega a importância da inteligência, nem das instituições, ou, vamos dizer, da ideologia, no curso da história.
“Uma vez surgidas, as instituições e ideias políticas e sociais se convertem em forças que atuam sobre as condições objetivas que as determinaram”. (Stálin)
Precisamente, para a explicação desse desenvolvimento da Natureza e da sociedade é que o Marxismo definiu a dialética, como método de estudo das leis naturais e sociais, à base do material, isto é, dentro do realismo da Natureza física e da sociedade humana.
A verdadeira filosofia do Espiritualismo (Espiritismo científico) não concorda com a tese marxista sobre a origem da vida e suas consequências, mas não pode discordar da metodologia marxista, na explicação da Natureza e das leis da sociedade.
Que diz o método? — Que a Natureza é um todo único, em perpétua mutação, donde a interação dos fenômenos, sua conexão, sua interdependência, o movimento contínuo, a mudança do quantitativo em qualitativo e vice-versa, as contradições, toda uma série de fenômenos, que são criações das próprias energias da Natureza, e se adaptam analogamente, à unidade e ao perpétuo movimento da vida social.
Por isso, se diz que a “história da sociedade e a história da Natureza atestam que, no mundo, tudo se realiza dialeticamente”, No concernente à primeira, “o materialismo histórico é a aplicação dos princípios do materialismo dialético no estudo da vida social aos fenômenos da vida da sociedade, ao estudo desta e de sua história” (Stálin).
O Marxismo “é um método científico do estudo e conhecimento do mundo, e serve de guia para a ação”.
Ora, no “Livro dos Espíritos”, resps. 540 e 589, declara-se que a Natureza é una, tudo nela se encadeia e é transição, e que o espírito teve origem material, “do átomo primitivo até ao arcanjo, que também começou por ser átomo”. E na resp. 606 – que “a inteligência do homem e a dos animais são, originariamente, iguais”.
A diferença entre as duas filosofias consiste, pode-se dizer, no conceito da matéria ou no conceito da sua natureza evolutiva. Para o Marxismo, não há independência entre o espírito e a matéria, e a morte, dissolvendo o corpo, dissolve, ipso facto, o espírito. O Espiritismo concorda com a origem material, mesmo por que o nada não existe (resp. 23), mas discorda quanto à finalidade da evolução. “O Espírito teve começo, mas não terá fim” (Resp. 78 e comentário à resp. 191).(vide Nota Complementar nº 5).
A questão, em verdade, se limita, do ponto de vista científico, a saber, se o espírito é uma realidade, e, pois, se é imortal, para daí, então, formular-se uma moral baseada no princípio da imortalidade do espírito. Essa moral, porém, não se opõe à moral marxista, porque ambas têm um ponto comum: a perfectibilidade do homem e o progresso social.
Com o que a moral marxista não combina é com as razões subjetivas da moral espírita, e da sua origem divina. Uma vez, porém, que se coloca a questão no terreno da dialética científica, verifica-se que não tem importância, para o Espiritismo, o negativismo filosófico de Marx, por dupla razão: 1º, porque, na espécie, não se trata de relações entre o mundo físico e o psíquico, mas de relações simplesmente entre homens, das quais ninguém pode fugir; 2º, porque Jesus, pai do Cristianismo, de que o Espiritismo é complemento, excluiu das discussões filosóficas os atos de beneficência, para as julgarmos pelos seus efeitos salutares, sem interferência de quaisquer qualidades pessoais. A parábola do “bom samaritano” é um exemplo disso. “Deus assiste aos que obram e não aos que se limitam a pedir” (resp. 479, L Esp.).
Que diz a moral marxista? Como ela, segundo vimos, parte das condições históricas e econômicas da sociedade, está claro que reflete a forma de organização da política dominante, A consciência não pode ser independente do sistema de viver comum. Assim, o regime da propriedade e do aluguel do trabalho, pelo assalariado, como no sistema burguês, cria uma moral consequente, pela qual somos obrigados a respeitar a ordem capitalista reinante.
Mudando o sistema pelo socialista, que é um efeito das leis do progresso, a moral consequente só vem a ser, legitimamente, aquela que espelhe a nova situação econômica e social, isto é: o dever moral de todo cidadão consciente é não permitir o restabelecimento do regime capitalista, e lutar pela vitória do novo Comunismo criador e fraternal.
Pode-se, em sã consciência, contestar essa moral comunista? – Não. Porque ela arregimenta as consciências no dever de uma solidariedade dos homens e dos povos, não para o gozo da matéria, não para os prazeres do sensualismo, não para a nossa escravidão ao dinheiro, mas para a perfeição crescente da cultura do espírito, o que vale dizer, para o refinamento da verdadeira ideologia.
Essa moral objetiva, ligada aos interesses da Humanidade, é muito mais eficiente que a moral subjetiva do velho Espiritismo.
Vamos a este exemplo: no regime capitalista, é comum a fome, mesmo entre pessoas instruídas. Estamos diante de uma centena delas, nessas condições. Mas, acontece que um ricaço lhes dá emprego e, pois, lhes mata a fome. Sobrevêm as eleições, em que o empregador é interessado.
Segundo a moral dita “cristã” ou “espírita”, os empregados devem acompanhar o seu protetor, por sentimento de: gratidão, de acordo com a máxima – “não faças a outrem, o que não queres que te façam”, isto é: se qualquer dos empregados estivesse na posição do empregador, que os beneficiou, não quereria ser vítima de uma “ingratidão”. Por outro lado, se qualquer deles se rebelasse, para votar em terceiro, correria o risco de ser desempregado de novo e, por isso, seria vencido pelas contingências sociais a que se submete a nossa liberdade. Se terminar votando contra, e for desempregado, a própria sociedade justifica o direito do empregador, em face da “liberdade” deste e da “ingratidão” do despedido.
Hoje, já não é tanto assim, por causa das novas ideias socialistas, que estão avançando em todo o mundo.
Mas, de qualquer modo, a moral é subjetiva, razão por que Kardec escreveu, 1854:
“a sublimidade da religião cristã está em que ela tomou o direito pessoal por base do direito do próximo” (comentário à resp. 876). “Não sendo natural que haja quem deseje o mal para si, desde que cada um tome por modelo o seu desejo pessoal, é evidente que nunca ninguém desejará para o seu semelhante senão o bem”, Na transgressão desse preceito, encontra-se “a causa da perturbação e da confusão em que vivem as sociedades” (Resp. 877).
Está bem claro o conceito subjetivista do cap. XI do Liv. dos Esp. “sobre a lei de justiça de amor e de caridade”.
Agora, vejamos o mesmo exemplo no regime socialista. A centena de necessitados encontra emprego, não por munificência do proprietário, mas por um efeito do regime democrático, que lhes assegura esse direito, como na nova China Popular, A gratidão, portanto, não é pessoal, queremos dizer: não se limita ao indivíduo, mas à própria sociedade, que conferiu ao empregado a liberdade econômica e, consequentemente, a liberdade do voto, O voto não se sujeita à gratidão pessoal, por atos particulares, mas ao merecimento do candidato, por seus serviços à causa da sociedade.
Eis por que o fundamento da moral comunista é objetivo, toma por direito pessoal o direito social, a sociedade é que fica no lugar do próximo. E como o regime socialista é o destruidor da miséria e da fome, que o capitalismo reacionário não expurga dá coletividade, porque precisamente se alimenta da exploração das massas trabalhadoras, pela desordem econômica, à cata do lucro mercantil, – é evidente que a moral comunista representa a “luta pela destruiçãodo velho mundo da exploração e da pobreza”. Por outros termos: é a luta pelo fortalecimento do Comunismo, que, como consequência da redenção econômica, livrará a Humanidade desses flagelos sociais, assegurando a paz no mundo, e, com a paz, o progresso da cultura, do pensamento e do amor. Só então se efetivará o sonho do Cristo – “de um mundo só e um só pastor”, num ambiente em que poderemos, de fato, “amar ao próximo como a nós mesmos”.
Por conseguinte, se os princípios da moral comunista assentam na verdade de uma organização sociopolítica econômica, como a da experiência, em vários países, do Socialismo ou Comunismo (a nomenclatura pouco vale, em face do conteúdo da organização), só poderemos, como espíritas de verdade, considerá-la uma moral científica, que em nada perturba (pelo contrário) “a fé no futuro e a tranquilidade da consciência” (Liv. Esp. cit., n. 922).
Deduz-se, daí, que V. foi infeliz no desprezo que pretendeu dar ao que chamou de “humanidadismo” comunista, – neologismo, aliás, abstrato e sem sentido. Seria o excesso de amor à Humanidade; um abuso de interesse pelo humanismo. Mas, por mais profunda a nossa dedicação à Pátria e à Humanidade, nunca se poderá qualificá-la de exorbitante ou abusiva.
Abuso tem havido, isso sim, dos espíritas, em transformar a doutrina cristã em foco reacionário, para combater uma política, que é impessoal e científica, como a do Comunismo. Ao invés de estudar o fenômeno sociológico, como é a aplicação do Marxismo na União Soviética, na China, na Albânia, na Hungria, na Checoslováquia, na Romênia, na Bulgária, no Norte da Coreia e no leste da Alemanha, países de população de cerca de um bilhão de habitantes, os nossos centros espíritas nivelam-se, nesse particular, às Igrejas do Clero, onde os padres, por ignorância ou por ordem do Papa, se fazem de instrumentos e realejos dos ecos da imprensa e dos publicistas alugados ao capital do imperialismo estrangeiro. Pode haver nada mais vergonhoso à verdade do que a chamada “Cruzada anticomunista”?
Eis aí por que V. não nos compreendeu, ao declarar que havíamos posto em plano superior aos espíritas os doutrinadores comunistas. Referíamo-nos ao “espiritismo religioso”, responsável pela propaganda de uma moral, na melhor das hipóteses, incompleta, porque desconsidera o palco da Humanidade, para difundir conceitos errados, como os do “comunismo ateu”, do “irreligiosismo”, da “falta de liberdade de consciência”, do “materialismo ateu”, da “ditadura” e “tirania”, nos governos socialistas.
O Marxismo combate, filosoficamente as religiões, mas não combate a liberdade religiosa, pois, sendo a religião uma realidade como é a do analfabetismo, não pode ser objeto de violência, que, dialeticamente, só se justifica, como medida defensiva e moralizadora.
Ninguém, de bom senso, iria castigar os analfabetos, encafuando-os na prisão, por sua qualidade de analfabetos, O progresso científico é o da educação. Uma vez que o regime social mais capaz de liquidar com o analfabetismo é o preconizado pelo Marxismo (que não é dogmático, e, pois, tanto o Socialismo, como o Comunismo, são formas de governo correspondentes ao meio adaptável à sua instauração), só nos resta aceitá-lo e defendê-lo, se estamos, de fato, integrados no espírito progressista, recomendado pela doutrina espírita, que, como V. bem disse, “deve colocar-se acima de tudo” (Caravana, pág. 137).
Análogas considerações nossas sobre a religião e o Estado. Os Governos socialistas estão resolvendo todos os problemas sociais, independentemente de qualquer intromissão religiosa na administração pública, mas seria praticar uma violência ao direito de liberdade de crença se eles obrigassem os cidadãos a ser ateus ou lhes fechassem as sedes do culto religioso. Corolariamente, o Governo seria forçado à violência contra aqueles, que, à sombra de religião, pretendessem solapar o novo regime libertador.
Fato é fato, e se o progresso humano depende desse fato, não há de ser, por violência, ou pelo terrorismo, que ele deixará de produzir seus efeitos naturais e necessários. Se a religião tiver que dominar o mundo, e, especialmente, fazer do “Brasil Pátria do Evangelho e Coração do Mundo”, lema inscrito na bandeira da Federação Espírita Brasileira, por V, também adotado (Caravana, pág., 247), não haverá força humana que impeça o curso do acontecimento.
Ainda aqui, no raciocínio que nos leva a esta conclusão, nós teríamos de aplicar os princípios da dialética marxista, em virtude dos quais o que vem do movimento da Natureza não pode ser contido pela vontade humana, sobposta, assim, à lei do Progresso, como está mesmo explícito na resp. 781 do Liv. dos Espíritos: “o homem pode embaraçar, mas nunca paralisar a marcha do progresso”.
Pois bem: os governos, inspirados na doutrina marxista (compreenda-se o sentido impessoal, razão por que Marx não se dizia marxista), só não reconhecem a liberdade que contravenha a liberdade do povo, pois, como se está vendo, a doutrina é a aplicação dos direitos das massas trabalhadoras contra o egoísmo de exploradores particulares, razão da seguinte definição de Engels: “o Comunismo é a doutrina das condições de libertação do proletariado”.
A doutrina, entretanto, é a do conjunto das leis do desenvolvimento social, de que é efeito o Comunismo, que, por isso, se confunde com a doutrina, mas não é a doutrina marxista, que abrange, complexamente, outros aspectos do conhecimento filosófico.
Dentre eles, se compreende o estudo da moral e dos conceitos conhecidos pelo nome de categorias. E é aí que o espírita tem por dever, se quer instruir-se, de estudar o Marxismo, e não apenas lendo-o “por curiosidade de saber”, coma fez V., em viagem, com o “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico”, de Engels. (Caravana, pág. 93), prova, aliás, de sua inclinação natural pela cultura.
Se, porém, V., a cujo talento rendemos homenagens, ultrapassasse a “curiosidade” para chegar à observação real dos ensinamentos marxistas, certamente não teria pregado, na Caravana da Fraternidade, ideias que se chocam com a própria verdade, que é o caminho do Evangelho, e a força consolidadora do Espiritismo.
V., apresentando “o materialismo como o grande inimigo” (Caravana, pág. 108), deu à palavra uma interpretação vulgar, cingindo-se, pois, à utopia da letra, e desprezando o conteúdo científico do materialismo, que Allan Kardec respeitou.
Declarando que “o materialismo dialético tem corroído maleficamente o Edifício Social” (Caravana, pág. 255), tornou-se portador de uma blasfêmia obscurantista, que é um dos inimigos da fraternidade.
Ironizando a luta do brasileiro conta “o pavoroso imperialismo” (o grifo é seu), apresentou-se, aparentemente, um reacionário (o que não cremos, porque V. pode praticar atos de reacionário, mas não é um reacionário, essa justiça lhe fazemos), a serviço indireto dos trustes norte-americanos, que são o maior inimigo atual da nossa soberania, V. que “gosta do Brasil” (sua carta a que respondemos).
Informando-se da barbaridade da morte de Delmiro Gouveia, em 9 de outubro de 1917, não a ligou ao pavor com que os imperialistas costumam impôr-se à concorrência mercantil (Caravana, pág. 47). Eis aí um ato de barbarismo contra os brasileiros progressistas, numa demonstração de que o imperialismo é pavoroso mesmo.
V., afinal pregando com a mais louvável das intenções, a unificação espírita, fundada em razões do espiritismo individualista, está perdendo grande esforço de sua preciosa inteligência, porque não se pode separar da realidade social e das conquistas da Ciência o Espiritismo, como V. está separando, em contraposição à sua campanha do “Espiritismo de Vivos”, que não se coaduna com a religião, que é uma ideologia caduca e eivada do mais reacionário e místico individualismo.
Sem o conhecimento da evolução histórica da sociedade; como V., por certo, vira no citado “Socialismo científico” de Engels, não adiantam conceitos, certos em teoria, mas abstraídos das lutas sociais, como esses que V. mesmo costuma citar por palavras – “a melhor propaganda do Espiritismo é ainda pela educação” (Caravana, pág. 121), — “o Espiritismo é evolutivo no tempo e no espaço” (id., 312), — “acabar com as guerras”, como “solução do problema da felicidade humana” (id., pág. 150), — “onde há liberdade, aí está o Espírito do Senhor” (obra. cit., pág. 126), etc..
Como, porém, a educação, as diretrizes evolutivas, o acabamento das guerras, se os espíritas, em nome de uma doutrina de amor e de sacrifício, como é a do puro Cristianismo, pregam o apoliticismo estribados em que “nosso reino não é deste mundo”? O religiosismo, que nos induz à subserviência, e subverte o conceito da liberdade, da violência, da moral, e de todas as necessidades da vida planetária, a neutralidade das associações espíritas, diante das ameaças à integridade, independência, emancipação da Pátria? O conformismo, em face das violências tirânicas à paz universal e ao direito de autodeterminação dos povos?
Como é possível um “livre arbítrio” simplesmente idealístico e fatalista, condicionado à consciência individual e desrelacionado das forças produtivas da sociedade?
Nestas condições, se isso é que é Espiritismo, ele termina mesmo suicidando-se, como nos advertira o seu organizador Allan Kardec, e não pode ser levado a sério, porque se iguala ao clericalismo retrógrado e obscurantista, que tem sido o pau de toda obra dos imperialistas contra a libertação das nações. Agora mesmo, a Guatemala é vítima de um monstruoso atentado à sua soberania pelos senhores do capitalismo imperialista da Norte-América; e um dos motivos, para a derrubada do Governo guatemalteco, é salvar a religião católica e a “civilização cristã” das garras do “comunismo”.
O pretexto, para essas atitudes passivas dos espíritas, é que o Espiritismo não é político, mas doutrina do “amor, do perdão e da caridade”. Tudo isso dito e praticado, abstratamente, porque dar esmola, construir albergues e pregar a fraternidade, em sessões espíritas, não é obra de amor eficiente, não nos perdoa dos males da ignorância, e não consolida a solidariedade dos homens.
Com o conhecimento, entretanto, das simples noções do materialismo dialético, descobre-se logo que a “caridade” das religiões é um mito, no sentido de uma atividade contraproducente, porque ela vive precisamente daquilo que supõe combater – a miséria, a pobreza, a fome. Por isso, Alberto Torres definiu a caridade como “um meio de curar a miséria, desprezando suas causas” (Alcides Gentil, “As Ideias de Alberto Torres”).
Sem, do mesmo modo, atender às causas materiais, ou econômicas, e vincular a liberdade às demais categorias ou noções das leis do mundo, não poderemos fazer da liberdade e do livre arbítrio senão um joguete do fatalismo das forças arbitrárias e cegas da natureza, e, pois, nos submeteremos ao domínio delas, sem qualquer esforço intelectual para vencê-las.
Esse falso conceito da liberdade e do livre arbítrio não desaparece com o ensino atual do Espiritismo.
No entanto, o ensino do materialismo dialético mostra que “a liberdade é uma necessidade da qual se tem consciência”, e “o livre arbítrio é a capacidade de se decidir com conhecimento de causa” (Engels).
Ninguém é livre, dependendo da Natureza, que é uma necessidade. Assim, à medida que formos conhecendo as leis da Natureza, iremos superando a necessidade.
Éramos escravos das secas. Hoje, a seca não é mais problema.
Analogamente, o meio social constitui uma necessidade (Liv. Esp. 766). “Esse meio social tem suas leis independentes do homem”.
Mas, o processo evolutivo das forças produtivas da sociedade foi se tornando conhecido, até que chegou a época – a era do Socialismo – de submeter essas leis à nossa vontade. Daí, resultou a libertação econômica do povo e, consequentemente, dos consumidores, o que vale dizer: “só o conhecimento das leis objetivas do desenvolvimento da Natureza e da sociedade relativa, é a autêntica e verdadeira liberdade”.
Foi o que Engels descreveu como “da era da fatalidade à era da liberdade”, no seu livro “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico”, que o caro Leopoldo só leu “por curiosidade de saber”, mas que só leu “por curiosidade”, apenas, sem o que, com a sua inteligência brilhante, não teria deixado de aceitar as lições do grande mestre da Ciência.
“Tornando-se os homens senhores de sua própria organização social, tornar-se-ão, por isso mesmo, pela primeira vez, senhores reais e conscientes da Natureza. A anarquia na produção social dará lugar a uma organização consciente e sistemática. A forma pela qual os homens devem organizar-se em sociedade – forma até aqui, por assim dizer, outorgada pela Natureza e a História – será então obra de sua livre iniciativa. As forças sociais – criadas pelos próprios, como seres plenamente conscientes do que vão fazer, sabendo as causas sociais que farão esse movimento, produzirão. em medida sempre crescente, os desejados efeitos. A HUMANIDADE SAIRÁ, POR FIM, DO REINO DA FATALIDADE PARA ENTRAR NO DA LIBERDADE”.
Eis aí , pois, como se pode compreender o livre arbítrio “a capacidade de se decidir, comconhecimento de causa”.
Nestas condições, é mais do que justa, – um direito e um dever –, a resistência armada que os países socialistas opõem à violência bélica da civilização caduca.
Seria lógico que o nosso Governo concordasse na organização de sociedades destinadas à defesa e restauração do regime escravocrata, abolido a 13 de maio de 1888? Porque – repetindo as palavras de Saint-Just – “não se concebe a liberdade aos assassinos da liberdade”.
A China é exemplo das verdades do Marxismo, porque safando-se do imperialismo espoliador (como esse que espolia toda a América), e tomando posse dos meios de produção, a serviço da Nação, emancipou-se do colonialismo ou da “era da fatalidade para a era da liberdade”.
Os colonizadores, porém, não querem resignar-se à lei da evolução, e, por isso, provocam, eles mesmos, a revolução e suas consequências.
Se qualquer de nós, para não usar de pancada, concitasse um animal estranho a não invadir o pasto reservado a um outro, – com certeza o invasor continuaria, na calma, a manter-se indiferente à solicitação. Mas, ao brandir do cacete, o animal correria.
A mesma coisa sucede com os homens brutos. As advertências morais não infletem na sua consciência. Só a violência material lhes desperta a memória. Já para os homens sensíveis à espiritualidade, a violência física é contraproducente, porque lhes basta a ação moral, para o reconhecimento e o recuo do erro.
Pois os reacionários e inimigos da União Soviética e da China Popular são como esses animais, que só respeitam a força material, precisamente porque sua mentalidade vive impregnada do egoísmo, da exploração, do sensualismo e de todos os vícios da mentira do regime a que se adaptaram. Para enfrentá-los, portanto, só a violência. Eis por que a União Soviética e os demais países socialistas se armam. Armam-se de uma violência potencial, para a defesa,enquanto o armamento dos reacionários é ostensivo, para fins agressivos.
Assim, a violência dos explorados, tanto para a sua libertação, como para a manutenção da sua liberdade, é um direito, uma imposição das forças progressistas da sociedade. Com sua genialidade Marx foi lógico ao dizer que — “a força é a parteira de toda velha sociedade, prenhe de uma sociedade nova. Ela própria é um poder econômico”.
A história conta poucos revolucionários geniais, como Marx, Engels, Lênin, Stálin e Mao Tse Tung, (vide Nota Complementar nº 3) porque experimentaram e sentiram, de fato, a teoria científica, lutando, por ela, no campo de batalha.
Com a experiência da derrota da revolução de 1848, em França, Marx sentiu que o emprego da força “não era um problema mais moral do que o emprego do fogo na vida diária”; o problema estava no uso inteligente da força, para a vitória da justiça.
Assim, o que qualifica a força, ou a violência, não é o seu emprego, mas o fim de seu emprego. Se o fim é assegurar uma emancipação popular, nada mais justo e consequente. Se a esse fim se opõe a força anti-emancipacionista, claro é que se trata de uma força injusta, apesar de amparada na “legalidade”.
A lei, como se sabe, é “a expressão da essência” de uma época, As leis da burguesia são condições de defesa de uma classe dominante, e, pois, revelam a violência de um poder. Temos a prova provada nas “leis” do nosso Congresso contra a liberdade de pensamento, ao negar à classe operária o direito de formar o seu partido, e pregar uma ideologia filosófica. Logo, no caso, quem está defendendo a lei da Natureza, que essa não é convencional, nem hipócrita, não é o Congresso ou o Estado, mas a classe oprimida. A opressão é uma violência, Ela, pois, é a responsável, a parteira da contra-violência.
Mas, não se cuida de uma contra-violência às pessoas do Poder dominante, porque, então, a força se dirigiria para um fim restrito a pessoas ou indivíduos. Não. Isso vai contra as leis da evolução, que não distingue homens, por serem elas a própria marcha da História. Daí, porque os comunistas, pela lógica científica, não conspiram contra os agentes do governo, mas contra o governo reacionário, que se serve da violência organizada para impedir o surto do progresso social. Eles, os reacionários, é que representam a brutalidade, o animalismo, e, para essa estupidez, o remédio é o emprego da força, diferente da daqueles, comunista, porque essa é exteriormente Física, material, mas, interiormente, moral, no sentido do bem, enquanto a outra é cínica, porque se veste das roupagens da “civilização cristã”, do “mundo livre” ,etc., para, no fundo perpetrar toda sorte de atrocidades.
A contradição da burguesia é evidente. Quando ela precisou de lutar contra as violências do feudalismo, para a libertação do capital, foi obrigada a usar da força, de que resultou a Revolução Francesa. Mas, no Poder, a burguesia está fazendo o mesmo que os feudalistas de ontem, em matéria de degradação da força. Portanto, lógica foi a libertação do trabalho, pela revolução proletária de 1917.
Dado, porém, o campo extenso da vitória socialista no mundo, está se vendo que os Partidos Comunistas estão restringindo, o mais possível, o uso da violência contra a burguesia, para que, essa, diante da sua própria impotência, reconheça a inutilidade da força, armada contra a propaganda das ideias do Marxismo criador.
Eis a razão da campanha da Paz, em todo o mundo, em face da qual os países de ideologias políticas diferentes podem coexistir em harmonia, mediante o respeito à autodeterminação dos povos e à liberdade das relações comerciais e culturais.
Provado, assim, que o Marxismo não é idólatra da força, e pois que os comunistas – falando em tese – só dela usam, a serviço das leis da História e, pois, do progresso, – pode-se avaliar a estupidez inconcebível dos governos capitalistas, massacrando os partidários do Socialismo e da Paz. E é de lamentar, por isso, quanto V. está alheio à verdade, ao pretende ridicularizar a paz dos comunistas, “provocando guerrinha e guerrilhas”, como declarou em sua carta.
Essa sua inconsequência, porém, não se origina de sua vontade, pois que V., além de instruído, é homem de bem e de grande coração. A inconsequência vem da interpretação literal – a que V. e os bondosos diretores da Federação Espírita Brasileira se apegaram dos livros de Allan Kardec, em relação à parte religiosa. V. V. fizeram do Espiritismo uma religião, contra o latente jorro progressista da Doutrina, já revelado pelo próprio Kardec.
Eis porque a Federação prega o neutralismo político, que é um auxílio aos reacionários, ligados aos trustes norte-americanos, para a dominação do Brasil. A invasão da Guatemala, não pense, como a publicidade corrupta assoalha, seja o resultado do medo do governo de Washington pelo Comunismo, pois a Guatemala, além de não constituir, sequer, uma democracia popular, tipo Polônia, é um país pequeníssimo, um mosquito, em face da força armada dos Estados Unidos. O fim da invasão é mostrar a decisão do governo americano em não permitir que os povos da América Latina tomem o exemplo da Guatemala, cujo governo, como se sabe, para elevar o nível de trabalho, de produção e de bem-estar do seu povo, desapropriou uma empresa norte-americana, que monopolizava a riqueza agrária do país. Os monopolistas norte-americanos temem que o exemplo se dissemine pela América Latina, o que, evolutivamente, a levaria a se emancipar do capital monopolista e caminhar, depois, para o Socialismo.
Pois aí está. A Federação Espírita Brasileira, valendo-se da moral espírita, para recusar, aos partidários da Paz ou da “Liga de Emancipação do Brasil”, a sede dos centros espíritas, para conferências em defesa da Paz e da nossa soberania, coloca o Espiritismo numa situação de inferioridade, perante a consciência progressista, e se fica sem saber por que Kardec escreveu que “o Espiritismo se entende com todos os ramos da economia social”, e “se completa com a Ciência” e que “todas as ciências se encadeiam e sucedem numa ordem racional” (Gen. cit., cap. 1, ns, 16, 17, 55).
Esse apego à letra do Livro dos Espíritos é contestado por Kardec, quando condenou a interpretação literal da Bíblia (Gen. cap. IV, v. 6), Por isso, não é verdade que aquele livro é infalível, como V. alegou, à pág. 261, do “Caravana da Fraternidade”. O próprio Kardec reconheceu que os missionários também podem falir (resp. 578), e “longe de tudo saber, podem ter opiniões pessoais mais ou menos sensatas” (Liv. Esp., com à resp. 613), motivo por que “o Livro dos Espíritos, não esgotou a série das questões de moral e filosofia” (Liv. dos Médiuns, n, 443).
O “Livro dos Espíritos” não é livro de ciência, e, pois, não é “monumental”, no sentido em que V. usou do termo, para lhe conferir a graça papal da infalibilidade. É um livro de revelações, para o estudo experimental nosso, algumas delas, como vimos, inaceitáveis e anacrônicas, e outras devendo ser postas de quarentena, até a prova futura da evidência.
Por exemplo, há espíritas, para os quais, por força da resp. 537 do Liv. dos Espíritos, os fenômenos de Natureza, como os da tempestade e do deslocamento das nuvens, são manejados por Espíritos, o que não é crível. Os fenômenos obedecem a leis físicas, alheias à vontade de espíritos e de homens, leis essas que, conhecidas, podem provocar a ação da nossa inteligência, para modificá-las, como é o caso da mudança do clima, por efeito de grandes obras hidráulicas da engenharia soviética, na Crimeia e na Ásia Central.
A literalidade da resp. 536, sobre os fenômenos da Natureza, leva-nos ao fatalismo, que é inerente à religiosidade. “Nada acontece sem a permissão de Deus”, disseram os Espíritos. Logo, os terremotos, as tempestades, as guerras, a miséria, as injustiças, tudo são atos de Deus. Mas, na mesma resposta instrutiva, se diz que “Deus não exerce ação direta sobre a matéria”. Logo, os fenômenos aludidos são “obra dos agentes da vontade de Deus”, o que, indiretamente significa a mesma coisa, e, portanto, a guerra é obra de Deus.
Já ouvimos um oficial do Exército justificar a guerra, pelo estudo do catolicismo, ou pela religião. Ele referia-se ao texto bíblico da “revolta dos Anjos contra Deus”, para concluir, como fascista, pela inevitabilidade das guerras.
Ora, essa mitologia, aprovada mesmo pelos Espíritos (resp. 537), se contradiz com o princípio da unidade da Natureza, constante das respostas 589, 607, 540e outras, e com as descobertas da Meteorologia, que prevê, com certeza, os fenômenos atmosféricos, independentemente da vontade de quem quer que seja.
A ciência é também “obra de Deus”, diz Kardec, e, pois, as leis da meteorologia não dependem da vontade de homens, nem de espíritos. Nem mesmo de Deus, que é a Lei do Universo, e, pois, não pode desfazer os imperativos da própria lei, sob pena de Deus ser o arbítrio e a desordem.
Essa mesma ciência desmoralizou a resp. 34. “As moléculas têm uma forma, porém não sois capazes de a apreciar”. Ora, isso não corresponde ao progresso atual da energia nuclear, que já foi além dos átomos.
A resp. 51 dos Espíritos, limitando a 4,000 anos, antes do Cristo, a vinda de Adão, é, até, implicitamente, contestada por Kardec, que também não foi claro, porque “as primeiras idades do mundo” (alegoria de Adão) ultrapassam aquele suposto limite de anos.
E assim por diante, – o que vem confirmar a necessidade de uma atualização dos livros de Kardec, atualização que não pode ser inspirada e guiada pela Religião, que é, por natureza; mística, estática e individualista.(vide Nota Complementar 4)
A crença religiosa aumenta o misticismo, como é o caso do Umbandismo e de outras religiões ecléticas.
Quando aludimos ao caso das nuvens, não foi por invenção. Lemos de uma feita, na “Revista Internacional do Espiritismo”, um artigo curioso – mas curioso, por sua relação com a mitologia dos deuses da atmosfera – do Prof. Arnaldo Santiago. O professor, não duvido de que seja uma bela pessoa, digna da estima pessoal, e um homem culto, em outras disciplinas, mas, pelo que temos lido de seus escritos, o Espiritismo, para ele, é mais uma doutrina de crendice, do que de cultura.
Imagine V., caro Leopoldo, que o articulista em apreço tomou as configurações de umas nuvens, à guisa de cabeças e corpos humanos, como fatos, cabalisticamente significativos de acontecimentos sociais.
De outra feita, lemos na “Almenara”, de Pereire Guedes, que – diga-se de passagem – está perdendo seu tempo com uma revista que não anda, nem desanda, um tópico de artigo do mesmo prof. Arnaldo Santiago, que se escandalizara, revoltado, com a rejeição, pela União Soviética, das propostas de paz do presidente Eisenhower! Precisamente, tem sido o contrário.
Esses esgares do articulista assemelham-se aos daquele sacerdote, que, do púlpito, gritava contra os “diabos espíritas”. Diabos, porque difundiam a doutrina do pecado e da maldade. Se o Comunismo é a antítese da paz e do amor, o Espiritismo também é.
Mas, felizmente, o Cristianismo e o Comunismo não se julgam por caprichos, opiniões pessoais e interesses de terceiros.
“Fora da ciência não há salvação” – este, sim, o lema justo, capaz de “reformar o Espiritismo”, como V. mesmo preconiza (pág. 314, de “Caravana”), embora com razões inconsequentes.
Assim como o Espiritismo “só pode vir, depois da elaboração das CIÊNCIAS MATERIAIS” (Gen. cit. cap. 1, ns. 16 e 18), assim também a reforma do Espiritismo se impõe, em face das novas leis descobertas do materialismo histórico é da dialética materialista.
Por elas, não se concebe a passividade dos Centros Espíritas, diante do desrespeito frontal aos princípios da Justiça, aqui, no Brasil, como em toda parte, princípios a que os reacionários não querem se submeter.
O Comunismo não “nega a vida eterna”, como V. disse. Não nega, nem desnega. Nem sim, nem não, porque a sua função repousa numa base comum: o direito de viver.
Mas, esse direito não se compreende fora da liberdade econômica dos povos. A preferência do espírito progressista pelo Socialismo repousa precisamente na segurança do direito de viver, consequente à libertação dos meios de produção social, como vimos.
V. me respondeu desta maneira:
“O Espiritismo é tudo, dá tudo, prepara-nos a solução de todos os problemas, dispensa muletas de comunismo, de fascismo, de democratismos. O espírita, assim, não precisa de ser outro ista qualquer para vencer...”
É aí que os imperialistas, estourando de contentamento, não se contém e conclamam:
“Muito bem! Espiritismo é Espiritismo; espírita é espírita. Espírita-comunista é um contra-senso; espírita-fascista, outra asneira. Espírita-cristão, sim, As coisas do mundo pertencem à alçada da Política. E política não é religião. A religião e, portanto, o espírita, o católico, o protestante, o budista, todos, que deixem a política para os políticos”.
O religioso obedece à ordem constituída, às leis da Política e do Governo. O contrário é ser “subversivo”, coadjuvante indireto do comunismo sanguinário e ateu.
Frente a essa “teoria”, os espíritas só têm um caminho reduzir-se à passividade, ante os crimes dos “políticos”, dos quais se tornam, assim, excelentes colaboradores. Os “políticos” continuam plantando a miséria e a pobreza, e os espiritualistas a colher os frutos da miséria, para o alimento da “caridade”, sem nenhuma curiosidade pelacausa das pragas: sociais, porque a curiosidade, no caso, atentaria, contra “a ordem social” e os “princípios” inalienáveis da Religião.
Tal é também a “teoria espírita” da Federação Espírita Brasileira, isto é, dos seus atuais dirigentes, de cujo “programa e ação” V. mesmo confessa ter-se afastado. Naturalmente as razões do afastamento teriam sido de ordem doutrinária (Caravana, pág. 314).
Em 1942, Ismael Gomes Braga, que escreve bem e é homem de bem e um dos dirigentes da Federação, nos escrevia que o Espiritismo, o Socialismo e o Esperantismo eram inseparáveis.
Hoje, entretanto, ele apregoa que o Marxismo e o Comunismo são doutrinas do materialismo, da força e da violência. Que os reacionários digam isso, concebe-se, porque o seu papel é esse mesmo de reagir à onda da Revolução ideológica. Mas, os cristãos progressistas, não.
A doutrina marxista (não faz mal insistir) coloca o Socialismo dentro das leis do Progresso, em bem da Humanidade e da cultura do espírito, ideal também do neo-espiritualismo, oriundo das experiências de Kardec.
Trata-se de um movimento reivindicatório de direitos, no qual a luta entre os antagonistas é inevitável. O Marxismo não é responsável por atos de violência. Ele não criou coisa alguma, porque não é nem Deus nem, a Natureza. O que fez foi analisar as leis da Natureza, e mostrar a sua ação análoga na vida da sociedade, para, desse modo, concluir que a História obedece a um império de circunstâncias socioeconômicas, provocadas pelas forças produtivas, independentemente da vontade dos homens. E, por isso, anulou as teorias idealistas, ou metafísicas, para admitir – que o conhecimento deriva da realidade objetiva, e, por conseguinte, só existe a ciência materialista.
O fato da incapacidade da Ciência, na solução de todos os problemas, não lhe tira o caráter realístico, porque, como dissemos em nossa carta, “a História é a eliminação progressiva dos erros, isto é, de sua substituição por um erro novo. MAS CADA VEZ MENOS ABSURDO” (Engels).
Quando João Mangabeira, com o seu talento peregrino e sua cultura jurídica e sociológica, se enlevou com aquele pensamento de Rui Barbosa – “todas as coisas mudam sempre sobre uma base que não muda nunca” – para discorrer sobre a Democracia, o orador não contradisse o conceito de Engels, porque o imutável, aqui, é a relatividade; isto é, a base imutável é aquela em que se apoiam, essencialmente, os vários movimentos da Natureza e da sociedade.
Todas as ações e reações cosmológicas, por exemplo, se exercem num campo absoluto, embora em eterno movimento. Esse campo é a própria Natureza universal, fonte da energia que transforma tudo. Para os espiritualistas, Deus é essa fonte. Para os materialistas filósofos, o Deus é a mesma Natureza, criando, recriando e se transformando.
Em relação à sociedade humana, e, pois, à História da Humanidade, o imutável é o relativo a uma época, de que se torna a essência. O que, num século, é verdade incontestável, no outro já não é.
A liberdade, por exemplo, é a base da democracia, na linguagem dos filósofos da Grécia. Mas, “o próprio conceito da liberdade redefiniu-se através dos séculos, de acordo com as circunstâncias históricas e o desenvolvimento das forças econômicas” (cit. J. Mangabeira).
A igualdade é outra base. “Mas, a Revolução Francesa aboliu todos os privilégios, exceto o da riqueza. Daí, a Democracia capitalista, cuja agonia entra na sua fase final” (Idem).
A evolução fez, porém, aliar ao conceito da igualdade a condição da oportunidade. “Assim, não basta a igualdade perante a lei. É preciso igual oportunidade. E igual oportunidade implica igual condição.”
A fraternidade, outra base, sobre a qual tanto falam os espíritas, metafisicamente, por inexequíveis os meios apregoados, que não atingem a finalidade proclamada. Foi o que fez Laski escrever:
“Uma sociedade como a nossa, baseada no princípio aquisitivo, não pode satisfazer, de qualquer modo profundo, o ideal da fraternidade” (id.).
Logo,
“sem a redução da desigualdade econômica ao mínimo possível, nenhum mecanismo político permitirá ao homem comum realizar seus desejos e aspirações. Para isso, a renda social deve ser distribuída de modo que evite a disparidade clamorosa de homens a homens, que o regime atual determina”. “Todos deviam e devem, portanto, ter direito a uma parte dos RESULTADOS DA VIDA SOCIAL. E as diferenças devem somente existir, quando necessárias AO BEM COMUM” (id.).
Daí, a “Democracia socialista, para cujo reinado marcha o mundo”.
Em síntese, poderíamos dizer que, hoje, a base imutável do governo é a democracia, e a base imutável da democracia é a unidade dos direitos humanos, consubstanciados na necessidade do direito de viver livremente em paz.
Ora, o que se vê de todas essas questões é que elas não afetam a liberdade da crença, senão aos seus motivos teóricos, quando trazidos ao debate da filosofia biológica, isto é, quando se indagam os fundamentos da vida e da morte ou o destino do ser vivo. O mais em relação às necessidades humanas, não sabemos como se concluir pela irreconciabilidade entre o Marxismo e o Espiritualismo.
Há uma base comum entre os homens, sejam ateus ou espiritualistas, e essa base é a Paz, é a Democracia, fundada na unidade dos direitos humanos, através da socialização da economia, nos termos expostos.
As discussões, pois, sobre “comunismo ateu”, “materialismo soviético” e quejandos refrões só aproveitam aos imperialistas, interessados em que a evolução da História atual não se processe em paz, porque, de fato, a paz do Socialismo é a sua clava mortal.
É essa gênese da campanha anticomunista que a maior parte dos espíritas e espiritualistas outros ignoram.
Não estamos conversando com o dileto amigo Leopoldo, para revelar conhecimentos de Marxismo. Seria pedantismo, com gravame, ainda mais, para a nossa ignorância. O fundamental desta nossa conversa é mostrar o atraso e as inconsequências dos espíritas, em face da realidade científica do presente.
Já estamos incapaz de conhecer o Marxismo a fundo, mesmo que o quiséssemos, porque os nossos 71 anos, a serem completados no dia 17 de dezembro próximo, não nos permitem mais a necessária agilidade mental, e já amassaram a chapa sensitiva da memória, em prejuízo da receptividade e da contensão das ideias. O que fizemos, aproveitando o resto do aparelho estragado, foi aprender levíssimas noções do ensino marxista, ainda assim atrapalhadamente, mas que, nem por isso, nos inibiram a compreensão de, à luz dessa pouca luz, observar o obscurantismo dos espíritas anticomunistas ou indiferentes à Política da Humanidade, à Política do Progresso, à Economia Política e à Política da economia social.
E observamos, por isso, que o Espiritismo religioso é coisa do passado, porque a religião, em essência, é misticismo, e fé em “revelações de espíritos”, baseada na própria fé dessa revelação, por ser de “espíritos”, tidos, então, como os senhores do nosso “livre arbítrio” e os sábios da Humanidade.
E tudo isso, entretanto, colide com a Ciência, “a inexorável ciência”, respeitada por Kardec, que, dessa forma, só pode ser interpretado pelo método do materialismo dialético, que é Ciência, sem qualificativo algum de “ista”, espiritualista ou materialista.
A religião é avessa à dialética da Natureza, e cria uma hierarquia artificial, arrimada em considerações arbitrárias; Ela é a mais responsável pela falsa teoria do individualismo, que, aplicado ao progresso social, ensina que o regime não reforma os homens, e, pois, que só com a reforma moral do espírito ou com a mudança abstrata do pensamento, à custa da moral, é que a Humanidade alcançará a felicidade.
Isso foi o que V. quis afirmar também, mas tanto se contradisse, em duas palavras apenas, que terminou se inclinando pela influência predominante do regime. Realmente, à página 247 de “Caravana”, V. diz que
“não é o regime, a Forma de governo, o fator maior da felicidade”. “Estou com o grande Emmanuel, quando diz que a forma de governo do futuro será um socialismo diferente, cristão e superior, fundado, naturalmente, nos regimes aí em curso a digladiarem-se”.
“Fundado nos regimes em curso”? Não, O pensamento de Emmanuel, para ser coerente, só poderia ter sido este: “fundado em novo regime e não nos que aí estão em curso, a digladiarem-se”.
Ora, já com Kardec na mão, demonstramos que a perfeição começa das encarnações, para o êxito das quais, preliminarmente, se faz mister a posse material do necessário (resp. 922) e essa posse, no interesse da fraternidade cristã (resp. 930), só se consolida no regime socialista “organização social criteriosa e previdente”, comentário ao cit. 930), porque nenhum melhor que ele organiza as bases da economia social, e preenche as condições sociais para uma nova moral, de paz, de amor, de cultura.
Mas, o ensino religioso nos afasta desse raciocínio, porque, desconsiderando as leis objetivas da sociedade, desconsidera, ipso facto, o sentido realístico da liberdade, da igualdade, da fraternidade, da democracia ou do “socialismo cristão”, como querem os espíritas seja chamado o regime da justiça social. Aliás, a Justiça não faz questão de nomenclatura, de nomes e adjetivos, porque o Cristo não julga a verdade, pela letra nem por exterioridades, mas por Obras efetivas, que, por si sós, definam a natureza do regime.
A religião sectariza, obnubila, anquilosa as inteligências, o brilho de muitas delas se apaga, pelo contacto de um ensino opaco.
Tal orientação religiosa é a que convém aos ditadores, que, por isso mesmo, quando não dividem, de propósito, as religiões, como faziam os imperialistas ingleses na Índia, oficializam uma delas, aquela que mais se coaduna com o voluntarismo, como fazem os governos de Portugal e Espanha, que são os mais abençoados por “sua santidade” o papa com as “ordens e comendas do Cristo”.
A religião, dessa sorte, passa a ser um apêndice da política, um instrumento precioso da política governamental. Ora, ela, ativa e diretamente, participa dos conciliábulos do governo, como costuma fazer a religião católica; ora, ela á passiva, como a “religião espírita”, contribuindo, indiretamente, para as atribulações do povo, subjugado por uma política malsã.
Convenhamos que semelhante moral cívica não emana do Cristo, porque, “onde houver liberdade, ai está o Espírito do Senhor”, e não se compreende liberdade, como vimos, fora das condições objetivas e econômicas que lhe assegurem o exercício.
Admitamos, para argumentar, que toda uma cidade se componha de espíritas, como é o caso da cidade mirim de Palmelo, em Goiás, onde todos são crentes espíritas segundo lemos em revistas espíritas.
Ficarão eles libertos da crise econômica? – Não. Porque a economia local está ligada à economia da Nação. E se não podem ficar libertos economicamente, é claro que não poderão criar indústrias pesadas, para acomodar às relações sociais as exigências da vida moderna. Logo, é dever cristão defender a Pátria, e a defesa mais consequente é a luta pela emancipação nacional contra a compressora influência do imperialismo. Enquanto a Pátria, o todo, não estiver livre do individualismo, as partes sofrerão as consequências da política do todo.
Em Palmelo não existe – diga-se – esse individualismo, mas ele existe, de fato, por ser utópico o socialismo ali estabelecido, pois, enquanto o povo de Palmelo não colocar, em suas próprias mãos, os meios de produção social, a sua vida de paz e liberdade é insegura. E o processo dessa colocação é difícil, si não impossível, por causa da conexão dos interesses locais com os nacionais. Se a nação está dominada pelo imperialismo, certo é que ele acabaria com Palmelo, se no lugarejo enxergasse um incentivo de luta anti-imperialista, como é essa, em ponto grande, a razão verdadeira da política dos Estados Unidos contra a pequena Guatemala, que, com a sua política emancipacionista, poderia provocar movimentos iguais em toda a América.
Por aí se vê também quanto de incongruência vai no espírita e no cristão que se incorpora, como militante, em Partidos que, direta ou indiretamente, conservam os seus fundamentos doutrinários na Religião, como é o caso do “Partido Democrata Cristão” (PDC) e do de “Representação Popular” (PRP)(4). Já o Partido Comunista, afastando-se de qualquer ideia de religiosidade, não se funda, entretanto, no ateísmo, porque isso seria orientar-se pelo “materialismo vulgar”, a que retro nos referimos, condenado pelo Marxismo. A base doutrinária do Partido Comunista (veja que não estamos falando como comunista, mas como livre pensador) assenta na dialética materialista ou científica, ou, para simplificar, na organização socialista da economia.
As mercadorias soviéticas não trazem a marca do Comunismo. O fim do Comunismo é a solução econômica, e a economia interessa a gregos e troianos, e, pois, apoiando-a numa base popular ou comum, seria um despautério, um absurdo, que ele restringisse a liberdade religiosa, ou perseguisse a religião, que é um motivo de divisão de ideias, e tem servido de pretexto para quebrar a unidade popular da economia.
Para quebrar, exatamente, essa unidade ideológica é que os imperialistas e os reacionários de todos os matizes fomentam a discórdia e a confusão, por intermédio de “Partidos” personalistas, não obstante os seus “programas populares”; e nada mais separativo e mais apaixonável do que a discussão religiosa.
As preleções morais, por si sós, não modificam a mentalidade social. Se modificassem, já a Humanidade estaria regenerada com os ensinamentos da moral do Cristo, de há dois mil anos. A moral é uma questão de costumes, e “os costumes sociais são feitos pelos homens e não por Deus” (Liv. Esp. resp. 863); e, portanto, ela se relaciona com o regime da propriedade econômica. Logo, a moral, na burguesia, difere da moral no Socialismo, por motivos de ordem objetiva e social.
A consequência daí a tirar-se também é que, de acordo com o espírito da doutrina espírita, o Espiritismo, se é a “verdade, o caminho, a vida”, medrará, com muito maior facilidade, nos regimes socialistas, onde a liberdade proporciona o estudo da Natureza.
Assim, enquanto o Brasil permanecer no regime desmoralizado em que se acha, apesar das sessões doutrinárias de moral cristã, da Federação Espírita e suas congêneres, e das “Caravanas de Fraternidade”, não será “pátria do Evangelho” ou o “Coração do Mundo”, mas da mendacidade, da corrupção e da incultura política. Incultura política, a que se deve o nosso atraso moral. A “Pátria do Evangelho” ou o “Coração do Mundo” localizar-se-ia, antes, hoje, na China, que no Brasil, porque a China, em cinco anos de democracia popular, fez para a instrução do povo e o engrandecimento industrial, o que não fez em cinco mil anos de dinastias religiosas.
Não tem V, dito e redito que a melhor propaganda do Espiritismo é pela educação?
E por que meio se revelou o Espiritismo e pretende vencer, para regenerar o mundo? Pela fenomenologia. Ao contrário do que V. escreveu a pág. 128 de “Caravana”, citando Kardec, foi o fenômeno espírita, é ainda o fenômeno espírita, a causa da convicção da imortalidade. Lê-se em Gênesis, de Kardec: “Toda revelação desmentida por fatos deixa de o ser, se for atribuída a Deus” (cap. 1, n. 3). É, portanto, pelos fatos, que chegamos à verdade.
Ora, num país, onde a Ciência se priva do direito à livre investigação, o problema psíquico não pode ser devidamente considerado. É o que ora acontece em Portugal, onde o governo fechou as salas das instituições espíritas, e proibiu a divulgação das respectivas revistas, para ser agradável ao clero obscurantista.
Mas, também é verdade que um governo progressista não consentiria que constassem de seus programas oficiais, sobre a educação da infância, as puerilidades do “ensino espírita” que se propaga no Brasil, uma vez que tal ensino é místico e antipedagógico.
Exemplo desse ensino “mediúnico” aparece nas colunas “Mundo Espírita”, sob a assinatura de “Icleia”. Já existem até escolas com tal nome.
Quer-se, com a melhor das intenções, que a criança seja boa, fraternal, caridosa, crente em Deus, etc.
Não se podem antecipar conhecimentos que ela só reterá, mecanicamente, na memória, por lhe ser impossível atinar com problemas, como os religiosos e os sociais, que, só na idade adulta, se compreendem.
Ensinar religião às crianças é cumulá-las de concepções transcendentes, que elas, quando muito, decoram, mas não assimilam. A grande autoridade internacional em pedagogia, professor Jesualdo Sosa, do Uruguai, manifestou-se contra essa orientação, à pergunta que lhe fizemos, a propósito, quando de uma sua visita a esta cidade.
A fenomenologia espírita é uma questão de origem davida. E essa origem está sendo objeto de incessantes estudos dos sábios soviéticos, como Oparin, conforme se verifica da notícia, publicada, em suplemento, pela “Imprensa Popular”, de 23 de maio de 1954, sob este título e subtítulo. “Não é mais um mistério a origem da vida. A evolução das proteínas, as matérias vivas e as gotas de coacervato, esboço de uma estrutura capaz de chegar à criação artificial de seres viventes, primitivos e extremamente simples. Ligados aos estudos que levam à solução de um dos mais apaixonados problemas da humanidade o nome do sábio soviético Oparin”.
Irá contrariar o Espiritismo esse estudo materialista? Não. 1 – porque, sem a elaboração das leis da matéria, não se poderia estudar, pela experiência, que ela nos outorgou, o elemento espiritual (Gênesis cit., cap. 1, n, 18); 2 — porque, originariamente, o espírito descende da matéria (Liv. Esp., resps, 47 e 540).
Logo, o campo da luta ideológica entre as duas filosofias, a materialista e a espiritualista, se restringe, em verdade, ao problema da natureza do espírito, sua perpetuidade, sua autonomia, seu destino. Saber se, de fato, a evolução da natureza viva, assim como proveio do elemento inorgânico, é capaz de produzir elementos vivos de outra natureza, distintos, desligáveis, por completo, do corpo, no momento da decomposição deste, para, desse modo, continuar uma nova vida no mundo etéreo do invisível.
É um novo problema, que a ciência soviética não repele, de antemão, porque o Marxismo não é dogmático, nem faccioso, O que não faz é acreditar em “revelações” destituídas do rigor científico.
Portanto, não é verdade, como asseverou, em artigo, o nosso operoso confrade Ismael Gomes Braga, que, na União Soviética, é proibido o Espiritismo. Se todas as religiões, ali, são livres, é claro que mais essa subdivisão do cristianismo não alteraria a norma da lei constitucional.
Certamente, é o que pensamos, não se permitiria um espiritismo, sob o disfarce de religião, para disseminar ideias contrárias ao sistema econômico imperante. As instituições, nos países socialistas, não gozam do livre arbítrio – o que seria uma contradição antiprogressista – de formar ao lado dos reacionários, para a desmoralização do regime em vigor, favorecendo, assim a espionagem e os golpes armados contra o governo popular. Vale dizer: não lhes é lícito pregar uma moral antissocial, como, entre nós, prega a Federação Espírita Brasileira, sob o fundamento do respeito à “ordem política” e ao neutralismo da religião. Com a Bíblia é que se pretende justificar a neutralidade: “a César o que é de César; a Deus o que é de Deus”.
No regime escravista, a moral recomenda a obediência do escravo ao senhor, porque a ordem pública repousa no comércio da escravidão. No regime liberal do capitalismo, é imoral o emprego da moral escravista, mas se propaga outra que não ofenda a “ordem” da propriedade particular. No Socialismo, a moral, logicamente, não admite mais a moral burguesa, nem a educação apolítica, que desinteressa o cidadão dos assuntos sociais, em prejuízo da ordem do trabalho e do progresso.
Já demonstramos que a doutrina espírita é progressista, e que o Socialismo é uma etapa do progresso, para, daí, concluir, indiscutivelmente, que, em face do momento histórico, os Centros Espíritas não devem sujeitar-se à moral burguesa, mas ensinar a cultura da nova moral política, baseada nos conceitos científicos da liberdade, da igualdade e da fraternidade.
As três palavras, no dizer de Kardec (Ob. Post.), “constituem, por si sós, o programa de toda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da Humanidade”, Mas, Kardec, que também reconheceu, no artigo sobre “As aristocracias”, de “Obras Póstumas”, a divisão da sociedade em duas classes, a dominante e a dominada, tanto no feudalismo (quando se refere à “abolição dos privilégios”) quanto no capitalismo (“nova potência, a do dinheiro, que está perdendo, pouco a pouco, o seu prestígio moral”), e previra, no comentário às resps. 781 e 783 do “Livro dos Espíritos”, as revoluções sociais contra “o edifício do passado”, (ontem, o feudalismo, e, hoje, o capitalismo), pretendeu situar a solução da “ordem social” e do “progresso da humanidade” no terreno de uma filosofia individualista e de uma moral abstrata.
Kardec, porém, falava há um século, e, ainda assim, apesar das suas contradições, deixava transparecer, em várias passagens, a importância das “massas populares” na solução dos problemas sociais, como se infere destes tópicos:
“Quem quer que desça ao âmago do Espiritismo filosófico (veja bem — “filosófico” e não religioso), que considere os horizontes que ele desvenda, as ideias a que dá origem e os sentimentos que desenvolve, não duvidará da parte preponderante que há de ter na regeneração, pois que, precisamente e pela FORÇA DAS COISAS” (essa “força das coisas” são as lutas de classe, as reivindicações populares, a “força viva”, o progresso, a evolução enfim – Vide comentário à resp. 783 e 785), “ele conduz ao objetivo a que a Humanidade aspira: ao reino da justiça, pela extinção dos abusos e pela MORALIZAÇÃO DAS MASSAS”.
“... a massa se submeterá à inteligência e à moralidade”...
“... Ela se erguerá muito naturalmente pela força mesma das coisas”... “a massa lhes confiará seus interesses” (aos homens de inteligência e de moralidade). Obras Póstumas, págs. 208 e 228-229, 9a ed.
Kardec, aí, lobrigou a necessidade do progresso da Humanidade, mediante o prestígio da cultura científica, com o poder político nas mãos do povo.
Esse progresso da Humanidade deve preceder ao progresso da Humanidade espiritual. E foi o que sustentamos na carta ao amigo, quando invocamos aquele conhecimento das populações ocultas em relação ao da Humanidade (comentário, in fine, à resp. 521) e ao da finalidade da encarnação (resp. 132). E, com amparo nos princípios humanísticos, foi que achamos interessante a sua campanha do “Espiritismo de Vivos”.
A política doutrinária da Federação está invertida. Ela quer moralizar as massas populares, de um lado, com a moralização prévia dos espíritos (daí, a religiosidade pelas “revelações” medianímicas) e, de outro lado, com a preponderância da moral subjetiva e abstrata (daí o seu alheamento à Política, que é, entretanto, o motor da economia, condição essencial à sobrevivência da Humanidade e, pois, indiretamente, ao progresso da Humanidade espiritual).
Eis por que, diante do exposto, concordamos com a sua sugestão de “reformar o Espiritismo”, mas não pelos caminhos que V. e a Federação apontam através de um “Pacto áureo”, insubsistível, nem muito menos pelos ensinamentos religiosos, a que se deve, em grande parte, a responsabilidade da nossa ignorância política, à sombra da qual os imperialistas dividem o povo, em partidos e religiões, para melhor o explorar. Essa exploração é um crime contra as leis de humanidade, as leis do Cristo e a soberania nacional, que Kardec, no Liv, dos Espíritos, resp. 789, ressaltou como elo indispensável à solidariedade dos povos.
Assim, para ser coerente com a Crítica, que não se limita a indigitar os erros, mas sugere o consequente remédio, vamos em linhas gerais, traçar os pontos da reforma, apoiada, interpretativamente, na resp. 766 do Liv. dos Espíritos: “Deus fez o homem, para viver em sociedade”. Seriam estes, exemplificativamente falando, os itens da agenda:
Dessa Convenção verificar-se-ia a procedência, ou não, de nova entidade espírita, ou a possibilidade do aproveitamento da “União Social Espírita”, formada em vários Estados, à parte das respectivas associações espíritas autônomas. Essas “Uniões” pretendem a unidade do Espiritismo, e, portanto, seria natural que elas aderissem à Convenção, nem que fosse com restrições.
É possível que os radicais conservadores do Espiritismo religioso nos incluam entre “as vítimas dos obsessores divisionistas”.
O “argumento” não é argumento. Primeiro, porque se limitaria a hipóteses imaginativas. Em segundo lugar, porque essas divergências constituem o princípio da resistência às ideias caducas e obedecem, por isso mesmo, à lei da luta dos contrários, ou das ações e reações, em busca de novo equilíbrio social.
Essa lei, indiretamente, é reconhecida por Ismael Gomes Braga, um dos porta-vozes da Federação, ao escrever, em “Elos Doutrinários”, que – “todas as discussões e agitações são boas”, “sejam de natureza doutrinaria ou de organização”, e “não devem ser temidas, porque evitam estagnação e indiferença” (pág. 109-114).
Dessa forma, a culpa das “divisões” ou “discórdias” são conjunturas de um estado social e não pessoal. A responsabilidade, em suma, proviria mais das condições objetivasda sociedade em que vivemos, do que da vontade dos dissidentes.
A expressão “sinais dos tempos” simboliza essa objetividade, que se contém, igualmente, nas observações de Kardec, Obras Póstumas, págs. 306 e 309, ao referir-se à unidade da Natureza, sob longos sofrimentos, de “laboriosa elaboração”.
Consequentemente, a moral, derivada da citada lei, não faculta à Federação que se aborreça com a crítica aos seus atos. O aborrecimento é próprio do intolerantismo religioso, que não pratica a AUTOCRÍTICA, uma das forças da dialética marxista.
De igual modo, não seria lícito que qualquer de seus diretores ofendesse, pessoalmente, o ou os autores da crítica, porque a verdade não se interessa por injúrias. Donde, mais este corolário: o ofendido não pode sair do campo agitado da doutrina, porque, senão, trocaria a seriedade da discussão por palhaçadas de circo ou por lutas de capoeira.
Mas, além destas razões de doutrina sociológica, vamos mais relembrar três documentos que desafinam com o neutralismo político da Federação Espírita Brasileira, com cujas atividades, aliás, eles se relacionam, e, até certo ponto, receberam a devida aquiescência, pelo menos implicitamente, já por isso se verá que a nossa iniciativa, ou a nossa crítica, na pior das hipóteses, não se poderia considerar absurda.
Em 21 de abril de 1921, Manuel Quintão, espécie de primus interparesda Fed. Esp,, de que fora vice-presidente, pronunciou uma conferência sobre “Fenômenos de Materialização”, na qual preliminarmente, invocou o nome de Tiradentes, em homenagem ao patriotismo do glorioso mártir da nossa Independência.
“Antes de entrar no assunto” ... “permiti”... “façamos ligeira referência à data de hoje, em que a sociedade civil comemora” ... “a conjuração mineira, que teve por epílogo a execução de Silva Xavier – O Tiradentes”.
E continuou:
“porque o espiritista, meus senhores, e minhas senhoras, não é, como a muita gente ainda se afigura, UM SER INDIFERENTE E ALHEIO aos antecedentes e consequentes da sociedade que o cerca no plano material, e só preocupado com abstrações e presumidas hipóteses de uma vida futura”.
“Assim, pois, o espiritista se interessa, logicamente, pelos ACONTECIMENTOS DE SEU TEMPO, e neles pode e DEVE intervir de modo benéfico”.
“E se a Pátria representa um conjunto de espíritos afins – é claro que ao espiritista INCUMBE ESTUDAR, MEDITAR, COLABORAR A HISTÓRIA DE SUA PÁTRIA”.
Ora, não há diferença, no conteúdo ideológico, entre a atual campanha da “Liga de Emancipação Nacional”, contra o imperialismo norte-americano, e a emancipação trabalhada pelos inconfidentes mineiros, contra o domínio colonial português, que nos asfixiava.
Se a Federação achou digna de homenagem especial à data de 21 de abril de 1789, deverá também, identicamente, associar-se ao movimento libertador de hoje, porque a Pátria é indivisível no tempo: a de ontem, defendida por Tiradentes, é a mesma de hoje, defendida pelos componentes da “Liga de Emancipação Nacional”, que precisamente tem por fim impedir uma nova colonização do Brasil, ou que o Brasil venha a ser, de fato, uma colônia dos Estados Unidos da América do Norte.
Mas, o apoio de hoje ao novo movimento emancipacionista deve ser mais decisivo, por mais justo e necessário que o de 1789. Naquela época, de obscurantismo, éramos colônia, e pretendíamos rasgar a carta da realeza de Portugal, que incluía o Brasil entre as suas possessões coloniais. Hoje, em pleno “século da luz”, defendemos uma conquista legalizada e reconhecida internacionalmente, há mais de um século.
O colonizador de ontem era representado por uma NAÇÃO AFIM. E essa afinidade muito concorrera para que preferíssemos o colonialismo português ao espanhol, no tempo em que Portugal ficou sob o jugo de uma dinastia ibérica. Hoje, o americano ainda é pior que o inglês. Suas conquistas têm sido a ferro e fogo, quando os governos do país, sobre que pretendem mandar, lhes criam embaraços, como, ontem, se deu com o México, e, hoje, com a Coréia, Guatemala, etc.
“O espírito americano é um espírito de violência; o espírito latino, transmitido aos brasileiros”... “conserva sempre um respeito pela vida humana e pela liberdade.” São palavras de Eduardo Prado, em “Ilusão Americana”, pág. 225,onde se documenta a hostilidade do Governo e dos traficantes norte-americanos à emancipação dos nossos escravos (pág. 228).
Portanto, o ato da Federação Espírita Brasileira, pelas páginas de “Reformador” (no número de março, deste ano), recomendando que as associações espíritas, “em absoluto”, não cedam suas sedes a campanhas políticas, porque o Espiritismo não é política, mas religião, determina, indiretamente, que os seus adeptos se alheiem da Política e se recusem a entregar as salas ou salões dos Centros Espíritas aos bandeirantes do movimento libertador da “Liga de Emancipação Nacional”, que é uma organização apartidária, mas política, no alto sentido sociológico, a que se referiu Manuel Quintão, porque visa a defesa da pátria. A recomendação da Federação Espírita, no caso, exprimiu um atentado ao patriotismo e à cultura da história de nossa pátria.
O atentado é um efeito do misticismo religioso da Federação, a colocar a Fé, como princípio da nossa vida de relação. E esse falso princípio foi, na conferência citada, sustentado pelo orador, o mesmo Manuel Quintão, que, desse modo, se contradisse com a lei de causa e efeito, por ele mesmo invocada teoricamente (referência “aos antecedentes e consequentes da sociedade”).
De fato, Quintão, depois de afirmar que “Jesus não veio destruir a Lei”, declarou que – “a pedra fundamental da Verdade assenta na Fé, antes que no conhecimento e na inteligência”.
Ora, isso seria destruir a lei, a que Kardec deu cumprimento, relegando as contradições e obscuridades da Bíblia, para abrigar, a doutrina de Jesus, ou cristã, nas faixas da Ciência (páginas citadas de Gênesis, etc.). Já os Espíritos reconheceram a predominância da cultura intelectual, para a compreensão da moral. “O progresso moral decorre do progresso intelectual” (Liv. Esp., resp. 780). Logo, a pedra fundamental da Verdade assenta no conhecimento dos fatos, e não na “fé”.
O segundo documento, a nosso favor, é o papel histórico desempenhado por um dos fundadores da Federação Espírita Brasileira, Augusto Elias da Silva.
Em verdade, Augusto Elias da Silva, português, foi uma figura tão nobre e ativa na propaganda do Espiritismo que há pouco, o Reformador dedicou uma justa e tocante homenagem especial à memória desse valente propagandista do Espiritismo.
Augusto Elias da Silva, dirigindo o órgão da Federação, conclamou os espíritas à luta pela extinção da escravatura, no Brasil.
Ora, Deus nosso, que mais importância tem na vida do Brasil, – a escravidão do negro ou a escravidão de todos os brasileiros ?
No primeiro caso, trata-se de uma parte oprimida do povo. No segundo, é a Nação subjugada ao cativeiro.
No primeiro caso, pode-se conceber uma nação soberana, com a escravatura de uma classe, como, ainda hoje, até certo ponto, vivem escravizados os negros da República da América do Norte.
Mas, no segundo, não é possível a concepção, porque o colonialismo é uma escravidão total, capaz de acorrentar o país ao peso do mais execrando despotismo.
E isso ocorre, sempre, quando se levantam os heróis da independência nacional, tidos, então, como “terroristas” ou “comunistas sanguinários”.
É o que ora se verifica nas lutas reivindicatórias de povos, pelo direito à sua soberania, travadas entre os ingleses, armados dos mais modernos apetrechos bélicos, e os nativos de Kénia, na África, e da Malásia, na Ásia. E, agora, o caso de Guatemala, cujo governo, ao defender a sua soberania política e econômica contra o monopólio de uma companhia norte-americana, foi invadida por agentes mercenários da dita Companhia, com o apoio decidido do Governo norte-americano, cuja desenvoltura chegou ao ponto de impedir o comércio marítimo da Guatemala com os demais povos, para que ela não gozasse da liberdade de comprar armas para a sua própria defesa!
Pois aí está. Então, é de se perguntar: – por que esse ensino bifronte da Federação Espírita Brasileira, no “estudo e na colaboração da história de nossa pátria”, para nos servirmos dos termos de Manuel Quintão? Se, ontem, ela exortava os espíritas à campanha redentora dos escravos, é certo que, com maioria de razão, deverá exortá-los à atual campanha de salvação nacional, guiada pela “Liga de Emancipação Nacional”, contra a tremenda ameaça do imperialismo norte-americano.
No entanto, sucede o contrário. Como se vê da sua advertência, através de uma nota “Partidos Políticos” e de outras análogas, ela nega a sua sede a qualquer ato desse movimento libertador, sob o pretexto de ser “caso político” e de “propaganda comunista”, isto é, subscreve, sem o sentir, as mesmas cínicas razões do clero católico e dos exploradores da nossa Pátria!!
Evidentemente, pois, a atual diretoria da Federação Espírita Brasileira, elogiando Elias Augusto da Silva, pelo seu exemplo de luta pela libertação dos negros, está, de fato, menosprezando a memória do lutador, ao manter-se indiferente à campanha da nossa emancipação e aos insultos à nossa liberdade pelos agentes do capital monopolizador.
E essa flagrante contradição é devida – não há a menor dúvida, porque fatos são fatos – à predominância da féreligiosa nos destinos da Federação. A fé religiosa, fazendo-nos, sobremodo, “preocupar com abstrações e presumidas hipóteses de uma vida futura” (palavras citadas de Quintão), só se interessa pelas relações sociais e humanas, quando essas não embaraçam a tranquilidade do exercício do seu culto. Assim, apraz-lhe aderir à comemoração oficial dos nossos heróis mortos, porque tudo se faz em sossego e platonicamente. Mas deixa de aderir à festa cívica, de igual fundo patriótico, da atualidade, quando a festa desagrada ao governo colonizador.
Quer dizer: a féé conservadora, não é evolutiva, é oportunista, é passiva e não ativa. Logo, é anticientífica. E neste caso, se contradiz com o espírito da doutrina de Kardec, que não foge à realidade dos fatos, que se curva “à inexorável ciência” e “procura a nossa felicidade nas coisas positivas e sérias, e não nas utopias” (palavras de Kardec citadas).
A doutrina não admite a fé, mas a convicção. E a convicção, para ser dialética, é o resultado de manifestações inequívocas do fenômeno, objeto do exame. A fé, não é o produto do sentimento, é uma manifestação subjetiva. É “crença em Deus”, por motivo de tradição. Daí, por que a doutrina espírita só ser compreendida pode por pessoas esclarecidas, que não se deixem levar por preconceitos e chavões.
Fato, aliás, assinalado por Kardec, em “Obras Póstumas”, pág. 244: “a doutrina não surgiu das ínfimas camadas sociais”.
É mais uma consequência do seu caráter filosófico, fato igualmente reconhecido por Kardec: “O Espiritismo é uma doutrina filosófica, de efeitos religiosos, como qualquer filosofia espiritualista” (idem).
Como a base de todas as filosofias espiritualistas é a crença em Deus, na alma e na vida futura, e todas as religiões, por sua vez, vivem da mesma crença, entendeu Kardec, para melhor compreensão, que era essa também a base do Espiritismo, não, porém, como religião – aí é que está o quid da questão –, mas como filosofia.
Ora, a filosofia, que é amiga da Verdade, é uma disciplina calcada no conhecimento de leis científicas, que ela, dialeticamente, procura adaptar aos vários aspectos, gerais ou particulares, da nossa vida de relação. A verdadeira fé, portanto, para ser consequente, não pode ser pessoal, não pode vir do foro íntimo, não se confunde com a fé religiosa. Fé, em Espiritismo, é o resultado de uma convicção, oriunda do estudo de uma fenomenologia. É o reconhecimento da verdade, trazida pelos fatos. Fé científica e não religiosa.
Eis por que – ainda que V. se acostasse em Kardec – não procede a declaração, a pág. 128 de “Caravana”, do seu pouco apreço ao fenômeno espírita, ao qual não atribui, principalmente, a conversão espírita. Concordamos, por isso, com este tópico do artigo “Escatologia”, de Mac Maynard. em Rev. Int, do Espiritismo, abril, 1954:
“Uma análise perfunctória da evolução da Humanidade mostra-nos que a crença na vida futura é ORIGINÁRIA DE FENÔMENOS ANÍMICOS E ESPÍRITAS”.
Se os assistentes dos fenômenos do Pará (Ana Prado), como V. argumenta, não se converteram, foi porque a prova não lhes bastou à convicção. Eles, possivelmente não se Interessaram por novos estudos experimentais, inclusive o conhecimento obtido através das experiências de terceiros.
Nós só acreditamos na doutrina, por causa da leitura de fatos relatados por pessoas idôneas. Como deixaremos de acreditar em tais fatos, se exprimirem uma ilusão comprovada. Essa, a importância do livro, mas do livro que convença, e não de livros de manifestações medianímicas, que podem traduzir ideias pessoais, contraproducentes até. “A matéria é que primeiro fere os sentidos”, escreveu Kardec, em Gênesis, cap. 1, n. 16.
Eis porque o desenvolvimento do materialismo precedeu ao do espiritualismo.
Não se pode conceber como alguém se converta ao Espiritismo por simples declarações de terceiros, ou por qualquer inflamada oratória emocionante. Isso é próprio das Religiões, que subordinam a nossa convicção – falsa convicção, pois – ao respeito pessoal pela palavra de supostas autoridades.
Aqui, tais autoridades resumem-se no sacerdote; ali, no rei. E é precisamente para que os “fiéis” continuem provendo a “fé religiosa”, ensinada por governos e sacerdotes, “representantes de Deus”, que esses embaraçam a liberdade de pensamento, e proíbem, mesmo, a leitura de livros, contrários a fanatismos, como são os bons livros espíritas e, do mesmo modo, os livros comunistas.
O terceiro documento é o da “União Evolucionista Cristã”, fundada em 29 de agosto de 1951, cujo conhecimento só tivemos agora. Nela colaboraram eminentes confrades, como o Dr. Sérgio do Vale, o Comandante Edgard Armond, o saudoso Lins de Vasconcelos, o Dr. Luís Monteiro de Barros, o Dr. Eurípides de Castro.
Em síntese, o pensamento vitorioso foi este: integrar a consciência espírita na consciência política do país, através de um partido.
No “Histórico” do documento, se diz que — “de há muito se fazia necessária uma consciente tomada de posição político-social dos espíritas no Brasil”. Isso, para nos livrarmos da “disciplina partidária dos demais partidos políticos que, sem exceção, jamais terão nosso desprendimento, idealismo, compreensão real de suas finalidades e espírito de Viver”.
Mas, o valor, no caso, para corroborar a nossa tese, melhor se vê dos depoimentos de Pedro Ubaldi e Emmanuel, dois místicos, apreciados pela Federação.
O primeiro (que se recusou, por intermédio de seu secretário, aqui na Bahia, a assinar um manifesto dos “Partidários da Paz”, porque, segundo declarações do mesmo secretário, professor de História, a guerra era um fenômeno inevitável, dando, assim, a entender que a terceira guerra era coisa fatal, e, pois, não adiantaria a luta pela paz. Daí, foi que, em nossa carta, dissemos: “enquanto a moral comunista conforta a Humanidade, anunciando que a Paz vencerá a guerra, e, portanto, se os povos não se apassivarem, e, pelo contrário, se ‘organizarem em lutas de defesa da Paz contra os vivedores de Guerra, o mundo não passará por tamanha desgraça, almejada pelos belicistas, já a moral espírita, da safra dos comunicados de espíritos, desconsola os terrícolas com a certeza de uma conflagração !”. Como vê, não colocamos, como V. disse na sua resposta, “Kardec em plano inferior aos doutrinadores comunistas”, mas sim, os espíritas que se alimentam, automaticamente, da “safra dos comunicados”), o primeiro, como íamos dizendo, apoiou, calorosamente, a iniciativa da formação partidária, nestes termos:
“Admirei a genialidade da iniciativa, as suas diretrizes modernas e a perfeita concordância com as necessidades do atual momento histórico, sobretudo, no que se refere à eminente função social do Brasil no mundo”.
Suscitada a opinião de “Emmanuel”, pelo honrado médium Francisco Xavier, atendeu, dizendo:
“Cabe-nos louvar todas as iniciativas que guardem a felicidade coletiva por meta essencial, de vez, segundo cremos, na melhoria da unidade individual, em nossa tarefa de esclarecimento evangélico, devemos contribuir no engrandecimento do Todo. Admitimos que aos espíritas cristãos cabe o direito de participação dos serviços direcionais da vida pública”.
Aliás, as opiniões de Emmanuel, costumam, sobre qualquer ponto debatido, revestir-se de uma linguagem palavrosa e, por vezes, desconcatenada, muito generalizada, sem definir a questão. Assim foi sobre a Paz e sobre a Profecia, a que V, rendeu louvores, mas que não rendemos, por causa das incongruências do “comunicado”. V. espantou-se com a nossa crítica, por irreverente (“encontrando até no Emmanuel e no Kardec ausência de lógica, e contradições” – são dizeres de sua carta). Pois bem: ainda aqui, na resposta de Emmanuel à consulta, ele não foi conciso, nem preciso.
V., Leopoldo, que é professor de português, observe se há coerência entre a pergunta do consulente sobre – “a tomada de posição político-social dos espíritas, no Brasil” – e o porque da resposta. A consulta versou sobre a licitude de um organismo partidário anti-faccioso, de orientação popular, de natureza pública. No entanto, a resposta desviou-se, de qualquer modo, da pergunta, ao atribuir, pelo menos aparentemente, ao organismo projetado, uma função particular, qual “a da melhoria da unidade individual”, Mas, di-lo, de maneira sibilina:
“colaborando na melhoria da unidade individual, em nossa tarefa de esclarecimento evangélico, devemos contribuir no engrandecimento do Todo”.
O pensamento comporta dupla interpretação: não se sabe se o Evangelho faz depender do progresso individual o engrandecimento coletivo, ou se devemos engrandecer o Todo, por causa da melhoria individual. Franqueza, não estamos entendendo, por abstruso, o juízo de Emmanuel, a respeito.
Ele devia responder, como respondeu outro comunicante, de acordo com a pergunta do consulente. Cujus est haec Oratio? Ciceroni. Pro quo reo? Pro Miloni.
– “Devem os espíritas tomar posição político-social no Brasil?” A resposta do outro comunicante, anônimo, foi clara:
“Os espíritas devem tomar parte na política...” E ilustrou, em seguida: “Não para defender interesses pessoais, mas, sim de toda a humanidade”... “porque o que se pede, no momento, é que o espírita se constitua num grande DEFENSOR DAS NECESSIDADES HUMANAS” (Exatamente: confere com a resp 922 do “Livro dos Espíritos”) “Propondo-se a novel entidade (União Evolucionista Cristã) a organizar os espíritas, orientando-os nos seus sagrados deveres para com a Pátria, não CRIA NENHUMA FORMA DE SECTARISMO POLÍTICO, doutrinário ou religioso, sugere, apenas, uma nova e diferente maneira de agir mais de acordo com a NATUREZA HUMANA E COM A ORDEM NATURAL DAS COISAS. O Governo é uma necessidade social. Pretender ignorar ou desprezar alguns desses problemas, distintos, mas inseparáveis é diminuir, é atrofiar, é deformar o homem”.
A resposta atende ao espírito da Doutrina, em que isso pese às incongruências de Espíritos, pois, como mostramos em nossa carta, a população oculta(a Humanidade do além) é um reflexo da população terrestre. Logo, o progresso dos Espíritos é uma dependência do progresso da Humanidade, fenômeno natural que V. pretendeu amofinar, e desconhecer, através de um irônico “humanidadismo”.
Esse espírito, anônimo, constante do folheto da “União Evolucionista Cristã”, revelou-se muito mais esclarecido que Emmanuel.
Mas, então – possivelmente V. redarguirá – que diferença existe entre a moral comunista e a moral espírita, se nivelamos princípios, de fundamentos opostos, a ponto de afirmar que o espírita pode. se não deve mesmo, aceitar a moral comunista?
Boníssimo amigo Leopoldo Machado: não raro, sentimos a distinção de muitas coisas que queremos definir, mas não sabemos expressamente defini-las. V. há de compreender que, das ideias aqui emitidas, a diferença existe, mas que só uma inteligência penetrante é capaz de apresentá-la, convincentemente.
Vamos, entretanto, ás apalpadelas, ver se conseguimos a explicação imaginada.
Como se evidencia, o Espiritismo não se desinteressa pela sorte da Humanidade. Se a convicção deste conceito depende da palavra de Kardec, vejamo-la: “Por sua mesma essência, o Espiritismo participa de todos os ramos dos conhecimentos: físicos, metafísicos e morais”, Por sua mesma essência, diz. Kardec, na última página do seu livro “Obras Póstumas”.
Logo, ele se relaciona com os problemas econômicos, como aliás, é também expresso, nesse particular, o mesmo Kardec, em “Gênesis” cit. n. 55, “entendendo com todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio das suas próprias descobertas”...
Ora, já vimos que o espírito procede, originariamente, da matéria (Liv, Esp. n. 540). Que o Espiritismo não pode fugir à lei da elaboração, que é a “eterna lei do trabalho”, lei da evolução (Ob.Póst. pág. 309). Que, a Humanidade é um ciclo evolutivo da matéria. Que, dessa forma, esta sujeita às leis concernentes à sua manutenção física.
Quem resolve os problemas dessa manutenção? – A ciência político-econômica. Que é o Comunismo? – É um modo de aplicar a economia científica nas relações humanas. – Qual será, então, a moral comunista? – A prática desses ensinamentos econômicos, em função da totalidade popular, para que, assim, todos os homens se nutram naturalmente, não vivam na ociosidade, e trabalhem uns para os outros, o que trará, consequentemente, pelo hábito, o reino da fraternidade e da união. Essa, a finalidade do Comunismo, que representa a fase final do Socialismo, depois de se desenvolverem, bastantemente, as forças produtivas, capazes, pelo acúmulo crescente dos produtos alimentares, de satisfazer o Consumo geral.
Por isso, o princípio teórico do Comunismo é este: “de cada um, segundo a sua capacidade; a cada um, segundo as suas necessidades”. Mais amplo do que o princípio socialista: “de cada um, conforme sua capacidade; a cada um, segundo o seu trabalho”.
Não existe ainda, no mundo, esse regime comunista, senão o Socialista adiantado, como na União Soviética, que, aceleradamente, aumenta a sua produção, visando à era comunista. Daí, o seu ciclópico esforço na construção de usinas e centrais elétricas, de barragens e canais, de formidáveis obras hidráulicas, desde o Polo Ártico aos desertos arenosos do centro da Ásia. Daí, também, a sua coerência e absoluta sinceridade pela Paz universal, desde quando as guerras obstaculizam o desenvolvimento da economia do Comunismo, que é a base política do Marxismo e, pois, do atual Estado Soviético, que se fez e se faz, obedecendo aos princípios científicos da doutrina marxista.
Essa, a verdadeira moral comunista: trabalhar pela economia social ou pela vitória do Comunismo, porque o Comunismo é a solução radical do problema econômico, e, por conseguinte, a constituição definitiva da Paz.
A doutrina espírita, pois, por sua essência, não pode contrariar essa descoberta das ciências materiais, porque ela secunda a finalidade do Espiritismo, que, como V. diz à pág. 312 de “Caravana”, pelas palavras de Kardec: “é a união, a simpatia, a fraternidade” etc.
Logo, se o que assegura a Paz da Humanidade é a solução do problema econômico, e se uma dessas soluções, a que melhores efeitos está produzindo, é a do Socialismo marxista, não resta a menor dúvida de que o espírita é lógico, aceitando os princípios humanísticos da moral comunista. É lógico mais ainda, se considerar, como provamos, que a evolução e o progresso da população espiritual (do mundo dos Espíritos) decorrem do desenvolvimento progressista da Humanidade, uma vez que – não faz mal repetir – devemos cuidar, preliminarmente, da parte material da vida, em junção da espiritualidade.
Donde se conclui que a fraternidade que V. e os mais distintos confrades pretendem enraizar no coração dos brasileiros, por meio de “caravanas”, não medrará.
É utopia sua, o imaginar que “duas Caravanas de Fraternidade, por ano, iguais à nossa”, “libertariam o povo facilmente, de toda sorte de escravidões” (págs. 228-229). Puro utopismo, uma ingenuidade apenas de quem está alheio à realidade da vida, pois que, sem se resolver o problema das lutas de classe (problema econômico), a paz de indivíduos é fictícia, V, mesmo, com a sua “campanha do Kilo”, prova que não pode haver paz nos lares assolados pela fome, E se torna, como tantos outros abnegados, uma figura de apóstolo, a mendigar esmolas para as casas de caridade, como essa do “Lar de Jesus”, criação de sua inesquecível e bondosa Maria Barbosa, que foi sua venerável esposa.
É um apostolado, porém, que já perdeu sua supremacia na ordem dos fatores da comunhão fraternizante, porque se ressente da desconexidade do trabalho social, é dispersivo, isolado e envolvível pela força reacionária, conforme já expusemos linhas atrás.
Não é que estejamos a condenar o sacrifício, in totum, pois, no Estado burguês, a assistência social pelos particulares é mais eficiente, por vezes, do que pelo Estado. Não é exata, por isso, a sua declaração, na carta com que nos respondeu, de que “o Comunismo acha que só o governo deve cuidar das obras de assistência social”, O sentido não é esse.
Para melhor simplificação, digamos: a assistência deve ser uma obrigação de todos os particulares. Mas, isso não é possível no estado burguês ou capitalista, que vive exatamente da desunião dos particulares, como se vê da multiplicidade de camadas entredevorantes, inclusive dos partidos políticos. Logo, o dever – pelo menos, de consciência – de todo espírita – é trabalhar para que vença o Estado socialista, que isenta muitos particulares do enervante e atarefadissimo trabalho de angariar donativos para as obras de caridade.
Como o Estado socialista significa a instauração da Democracia popular e não da “democracia” de grupos, que monopolizam o Estado e o comércio da economia social (portanto, não é, de rigor, a verdadeira democracia), fica compreendido que a assistência será também uma das funções específicas do Governo popular.
Para se ter uma ideia precisa dos problemas sociais, fora, é claro, das paixões dos interesses contrariados, nós necessitamos de instrumentos de visão.
Um desses é justamente o Marxismo.
Se um de nós sustentar que o ar que respiramos é puro e isento de poeira, comete um erro. Basta a luz solar coante de uma fresta para atestá-lo. Essa luz, então, se tornou o instrumento da verdade.
Houve, anos idos, quem duvidasse da existência dos germes infecciosos. O microscópio foi o instrumento que descobriu o nosso erro.
Assim também na vida social: guerras, conflitos, congressos, demagogia, concorrências comerciais, subida e queda de governos, nações armadas e nações fracas, egoísmos, crimes, paixões, loucuras, bolsas de mercadorias, briga de casados, mendicância, desemprego, fome, os nossos “paus-de-arara”, que são caravanas de desempregados à cata de trabalho e estabilização, as campanhas políticas e sociais, etc., etc., todo esse mundo que se agita diante dos nossos olhos não é visto pela maioria dos seus espectadores, por lhes faltar o instrumento da visão. Um desses instrumentos é precisamente o Marxismo, que nos dá a conhecer a realidade da vida social, as causas dos seus embates políticos e econômicos, e nos apresenta uma solução. Trata-se de um estudo “assombrosamente lógico”, como disse um escritor.
Vamos oferecer um exemplo concreto, e bordá-lo de considerações: — Um juiz de Minas, há pouco, deu ganho de causa a um empregado despedido pelo patrão. O empregado apropriara-se de pequena quantia, a mais, do seu ordenado; mas, apesar disso, reclamou a sua restituição ao cargo. Justificou a apropriação do dinheiro, como necessidade invencível, em face da deficiência do ordenado e da fome de seus filhos.
Pela moral burguesa, adotada Federação Espírita Brasileira, o reclamante praticou um crime, porque transgrediu a lei, a ordem social e a liberdade de terceiro, de quem quis forçar reconhecimento de um aumento de salário, e, consequentemente, hoje ou amanhã, sem embargo da decisão favorável da justiça terrena, responderá pelo ato ilícito, porque “ninguém entra no reino do céu sem pagar o último ceitil”.
O crime, ou ato ilícito, ter-se-ia originado da prática de “doutrinas salvacionistas, de teorias extremas e subversivas, em visível contraposição à ordem pública e social”, que só “um espírita de pouca cultura evangélica e intelectual” subscreve (V. “Partidos Políticos”, Reformador, setembro, 1951).
Uma moral, como se vê, religiosa, estacionária e acovardante, porque amortece, pela ameaça de um castigo futuro, o espírito de iniciativa contra uma ordem social caduca, e liga a nossa responsabilidade à transgressão de uma lei, que não se pode mais considerar lei, porque emana de uma infraestrutura econômica, condenada pela própria moral cristã (resp. 930, Liv. Espíritos).
E tem sido esse o ensino da Federação Espírita Brasileira, antipatriótico e antissocial, porque aconselha o indiferentismo dos espíritas pelos problemas sociais, e prega o servilismo, mediante a formal condenação da força defensiva, ainda sob o fundamento da literalidade de um texto bíblico – “se lhe baterem na face direita, oferece a esquerda”.
O ensino religioso condena o uso da força, por hipocrisia, para o predomínio da força material do governo ou do oficialismo reinante.
Mas, o ensino filosófico encara o uso da força, por sua finalidade, conforme o sentido marxista, no caso. “Não é o emprego da força, mas o fim para que é empregada, o que a torna degradante” (Sidney Hook, apud Divulgação Marxista, v. 14, pág. 164). “A existência do Estado pressupõe a existência de corpos especiais de homens armados, obedecendo à vontade dos que controlam o Estado”. (Idem)
Se esse Estado é a força antipopular, porque fundados na exploração das massas trabalhadoras, é natural que os explorados, se não são ouvidos em suas justas reivindicações, se organizem, para o uso oportuno da força.
“Em princípio, portanto, o emprego da força, — ainda que sempre perigoso — não pode ser sempre condenado. Ele não conduz mais frequentemente à brutalidade do QUE A HUMILDADE ao SERVILISMO” (Idem)
Jesus não pregou essa humildade, contestada pela expulsão dos hipócritas do Templo, nem, outro tanto, trancou o uso da violência contra os violentadores. “Quem com ferro fere, pelo mesmo será ferido”.
É que o conceito da “liberdade evangélica” os religiosos costumam aferrá-lo a um subjetivismo inoperante, desligado das condições objetivas da sociedade humana.
Ainda agora, o Reformador, março de 1954, prega uma liberdade sui generis.
“O espírita é livre”, mas “não deve votar em candidatos, cujos princípios colidam com a moral cristã”, o que é conferir-se à moral um caráter faccioso ou, pelo menos, restrito a uma ideologia. Ora, já vimos que a “moral comunista” não é facciosa e consegue os mesmos resultados previstos pelo cristianismo, que aspira a uma organização social, sem desemprego nem mendigos (cit. resp. 930 Liv. Esp.).
Mas, a maior contradição da nota conselheira do “Reformador” ressalta da sua aquiescência ao voto em favor de “Candidatos católicos ou pertencentes a outras expressões religiosas”. Por aí, se submeteria, implicitamente, a liberdade espírita à moral católica, que, como é notório, combate, sectariamente, o Espiritismo.
O Espiritismo não se subordina ao Estado, seja de que natureza for, porque o Estado é sempre a violência organizada. O Espiritismo respeita as leis da ciência, que pode, ou não, ser aproveitada pelo Estado. A ciência atômica, por exemplo, está servindo de instrumento opressor, nas mãos do governo atual norte-americano, com suas experiências de bombas de hidrogênio, para fins exclusivamente bélicos, a serviço do bárbaro imperialismo.
No entanto, o Vaticano é um Estado Exclusivista, a que se sujeita o católico, em qualquer parte do mundo. Vale dizer: entre um candidato ateu, que não aceita os fundamentos da moral cristã, mas, de fato, é adepto de um materialismo científico, que a exercita, e outro candidato que prega a “moral cristã”, mas está dependente de um Estado sectário, unido ao capitalismo internacional, que desgraça a liberdade dos povos, a diretoria da Federação Espírita Brasileira prefere o segundo.
Em verdade, o saudoso Guilion Ribeiro, ex-presidente da Federação, preferia “Roma” a “Moscou”. Mas, seria o caso de se saber se ele, como espírito, pensará do mesmo modo.
Num livro medianímico, que dizem ser da autoria de Figner, “Voltei”, o comunicante reconhece os seus erros e a “opacidade de sua alma” (págs. 85 e 117). Ele, comerciante judeu, que era adversário da “ditadura soviética”, não viu, no além, “estabelecimentos comerciais, mas instituições consagradas ao bem coletivo”, sob uma “administração central da coletividade” (págs. 90 e 95). E, ao referir-se a Guillon, anunciou que este recomendara “o esquecimento dos casos pessoais, para fixar a mente no ESPÍRITO COLETIVO DA TAREFA redentora” (págs. 103).
Parece, portanto, que as duas boníssimas criaturas, que eram Figner e Guillon, quando ainda, porventura, não estejam imunes de erros, em matéria de sociologia política, já não pensam, dogmaticamente, como estão pensando os ilustres diretores da Federação Espírita, com relação aos problemas sociais, máxime aos relacionados com o Comunismo, de propósito e com a mais requintada má-fé, adulterado pelos reacionários servidores da mais horrenda das organizações de classe, que é a do imperialismo anglo-norte-americano, que fizeram da ONU instrumento de sua maldade.
O espírita, ao contrário do pensamento político do “Reformador”, deve dar uma importância muito relativa à “ordem social” e à respectiva “lei”, e, pois, está no dever de combatê-las, em favor de nova legislação, se elas, evidentemente, não mais exprimem as forças progressistas da Humanidade.
Como poderia um espírita concordar com a “lei” do governo português, ordenando o fechamento das sociedades espíritas?
No caso lembrado da sentença do juiz de Belo Horizonte, que, pela teoria da “cultura evangélica” da direção do “Reformador”, teria absolvido um “desonesto”, registrou-se um ato de justiça social e cristã.
Efetivamente, a doutrina espírita não só reconhece o direito do homem “à posse do necessário” (Liv. Esp. n. 922 e 930), como faz depender dos homens a aplicação das leis da sociologia, fora das quais a Humanidade não sobreviverá (Ob. Póst. pág. 209). “O Espiritismo não cria a renovação social” (Gênesis cap. XVIII, n. 25). “São os homens e não Deus quem faz os costumes sociais” (Liv. Esp. 863), claro que nos referimos aos “homens”, como um dos instrumentos das forças produtoras, e não como o seu “criador” direto.
Mas, a necessidade e a liberdade da interferência humana no progresso social, como é o que queremos relevar, é a melhor contestação ao “neutralismo” da Federação Espírita Brasileira, que, ainda, pelo “Reformador”, março deste ano (1954), sob o título “Partidos Políticos”, reafirmou que – “o espírita é livre, e as associações espíritas são neutras”.
Destas dez palavras repontam três contradições.
A primeira é que, pela lei natural, homens livres só podem fundar associações livres e não neutras.
A segunda é que “associações neutras” são escolas de homens neutros e não livres. Se uma pessoa jurídica, que é o conjunto de pessoas naturais, adota uma norma, como a da neutralidade, é evidente que a indica, como paradigma, aos seus associados, e é isso mesmo que a Federação aconselha aos espíritas, sob o fundamento bíblico de que “o nosso reino não é deste mundo”.
A terceira é que o homem, e, pois, as respectivas associações, não deve ser neutro, em face das respostas ns. 766, 767, 78, 795, 806, 880, 883 e outras, do Liv. dos Espíritos, combinadas com a resposta 132, pelas quais “o nosso reino é também deste mundo”, porque, “só mediante o trabalho do corpo, o espírito adquire conhecimentos” (Prolegômenos, do Livro dos Espíritos).
Isto significa que o direito de viver é igual para todos, e ele só é possível em sociedade, razão por que — “todos devem concorrer para o progresso, auxiliando-se mutuamente” (resp. 767). Logo, não existe neutralidade, em face do interesse público ou dos direitos da sociedade nacional, o que vem apoiar, de sobejo, a nossa tese contra o ensino individualístico e metafísico da Federação, pelo qual o progresso deriva da ação individual e não da sociedade, e a ação individual, por sua vez, é mais representada pela iniciativa de espíritos.
Se o progresso é tangido por leis, contra as quais é impotente a vontade humana (é do Livro dos Espíritos, 781), está bem-visto que ele resulta de uma ação social, e, por conseguinte, o ensino dos direitos humanos, inclusive do direito à Paz, deve ter um sentido sociológico, e, como tal, para ser efetivo, deve começar pela prioridade da educação das massas populares, conforme o critério da pedagogia soviética. Eis aí a razão por que a União Soviética é a nação mais culta do mundo, pois basta que se saiba que, na recente inauguração, em Leningrado, da sede de um instituto de Ciências, compareceram 500 astrônomos soviéticos.
Por Outro lado, se depende do “trabalho do corpo” a elevação crescente da inteligência espiritual, está claro que não podemos ser metafísicos, à espera da vontade de espíritos. Temos que apelar pelas leis que asseguram a existência do corpo. Essas leis são as da economia, a principiar pelas de produção. Mas, com a produção tem sua origem coletiva, é claro também que ela deverá ter um destino social, para melhor segurança dos direitos pessoais.
E, desse modo, chegamos às fronteiras do Socialismo para nele penetrar conscientemente, na hora precisa. As leis do Socialismo foram estudadas, sob os nomes de “materialismo histórico” e “materialismo dialético”, por Marx, Engels, Lênin, Stálin e os seus inúmeros discípulos.
Aplicando pois, a ciência marxista aos destinos da sociedade humana, estamos concorrendo para a espiritualização da Humanidade, porquanto, diferentemente do que ensina, atualmente, a Federação Espírita Brasileira, sem o prévio progresso material deste mundo, o mundo dos espíritos que nos cercam continuará sendo o reflexo do nosso atraso.
Essa verdade, como já notamos, deduz-se mesmo da observação de Kardec, ao asseverar que “o estudo do Espiritismo só podia vir depois da elaboração das ciências” (Gênesis, cit. cap. 1, n. 18). Mais preciso ainda é ele quando escreve que “o homem tem por missão trabalhar pelo melhoramento material do planeta”. “Para nutrir essa população, sempre crescente, é precisoaumentar a produção”. Por isso mesmo, “as relações entre os povos se fazem necessárias” (Evangelho, seg. o Espiritismo, comentário à parábola dos talentos).
Ora, caro Leopoldo, o Socialismo é a única solução final do aumento da produção e, portanto, assegurando o equilíbrio econômico da sociedade, retira da riquezaaquela situação monopolística, que gera “o supremo excitante do orgulho, do egoísmo e da luxúria”, para usarmos dos mesmos termos de Kardec.
Vale dizer que o Socialismo é a arma mais eficaz contra o egoísmo predominante uma vez que esse egoísmo não desaparece com o ensino moral cristão, à base exclusiva da reforma do indivíduo, mas à base da reforma social, eliminatória das causas da exploração do homem. Causas objetivas e materiais, e não causas subjetivas.
Nessas condições, o cidadão não pode isolar-se, para se declarar neutro, porque ele, como agente das forças progressistas da sociedade, precisa defendê-las contra as forças obscurantistas.
A neutralidade só se concebe no meio de um jogo de interesses particulares, como as questões de partidarismo faccioso, mas nunca perante os altos interesses da nação e da Humanidade.
A Federação Espírita Brasileira, como todos os Centros congêneres, é neutra, na luta das competições partidárias, alias não pode sê-lo, de direito, nas lutas em favor da Paz e dos movimentos reivindicatórios da independência e emancipação do Brasil, contra as tentativas escravocratas do imperialismo norte-americano, e muito menos na campanha mundial contra o emprego das bombas atômicas e outras armas de destruição em massa.
A sua “neutralidade”, pois, – repitamos – negando os seus salões a conferências em defesa desses princípios humanísticos, atenta contra o espírito da doutrina espírita. E esse erro é uma consequência do religiosismo e da educação individualista mística, que transparece, de fato, de várias passagens de Kardec, mas que, no fundo (e o “Espiritismo é uma questão de fundo”, no exato pensamento de Kardec), não pode prevalecer, diante das verdades práticas do Socialismo, que se identifica muito mais com a lei natural do que o regime capitalista (dedução lógica da resposta 795 do Liv. dos Espíritos).
Eis por que devemos ter cuidado na interpretação dos Livros de Kardec, e de certos comentários pessoais de Kardec, pois, como mostramos, não raro contradizem as leis do progresso atual, a que a doutrina tem de se cingir (Gênesis citado, n. 55, e n. 781 Liv. Esp.). Foi isso que fez V. dizer que estávamos “colocando Kardec em plano inferior aos doutrinários comunistas”, e o considerando “contraditório e sem lógica”. Nada disso, meu bom amigo. Procuramos defender a boa causa da doutrina cristã, que tem sua vanguarda no neo-espiritualismo.
Vamos lhe mostrar mais uma contradição de Kardec, ao comentar a “desigualdade das riquezas”. Hoje, Kardec não comentaria o problema daquele modo, completamente subjetivo, em desacordo com as verdades práticas da doutrina socialista, sustentada pelo Marxismo.
É falsa a razão, que ele subscreve, da diferença entre pobres e ricos. É falso o conceito da desigualdade, que toma como uma necessidade, porque a igualdade nos privaria do “aguilhão das descobertas e empreendimentos úteis”. Esse conceito não combina com as perspectivas da felicidade humana, ditadas pelas respostas n. 922 e 930 do Livro dos Espíritos, e está desmoralizado pela experiência socialista da União Soviética e dos países da Democracia popular, onde a igualdade, que é a oportunidade de iguais condições pela posse do necessário à vida, tem sido o estímulo da maior luta pela fraternidade e pela expansão do saber.
Eis porque a “cultura evangélica” não passa de uma “cultura” de citações bíblicas, sem nenhum resultado prático no progresso dos povos, se ela não vier acompanhada da cultura sociológica, como a do Marxismo, que é de uma “lógica assombrosa” na explicação dos fenômenos sociais da Humanidade.
Nesse particular, os espíritas do Brasil estão bem atrasados, por influência mesmo do misticismo da Federação Espírita Brasileira.
Agora mesmo, lendo, por acaso, um artigo de Noraldino de Melo Castro, em “Mundo Espírita”, de 24-5-54, sobre a “concepção evangélica de Liberdade”, observamos o seu alheamento às verdades do Marxismo, ao declarar que – “o Marxismo é materialismo naturalista”. E, entre aspas, que “é Hegel decapitado”. E, ainda entre aspas, que é a “ditadura de uma nova classe”, perante a qual “de nada valem os direitos as liberdades do indivíduo”. E acrescenta, como resultado de opiniões de terceiros (como se infere das aspas), este absurdo: “É teorético e excessivamente ideológico. Dentro de seu materialismo histórico, não há cabida para nenhum ideal e nenhuma verdade, no sentido em que sempre foram entendidas, de Sócrates a Hegel”.
Não se compreende uma doutrina “excessivamente ideológica”, sem “nenhum ideal”.
Seria absurdo que Marx combatesse as ideias e, pois, as ideias da perfeição humana. A filosofia marxista afirma que, originariamente, a matéria precede às ideias, mas que, pela evolução, estas infletem sobre as relações de produção, provocando novas concepções, novas teorias, novas instituições, a serviço da perfectibilidade cultural da civilização.
Certo está Aníbal Vaz de Meio, na interpretação do Cristo, em seu livro “Cristo, o maior dos anarquistas”. É um livro que todo espiritualista precisa ler com alma. Tirantes dois equívocos sobre a suposta identidade entre a anarquia e o Comunismo (quando cita Krishnamurti, para dizer que “o problema mundial é o problema individual”) e o louvor à doutrina de Malthus, “genial” (nota à pág. 233), condenada, entretanto por Marx, – não resta dúvida que o Autor harmoniza o sentido do Evangelho com a ciência moderna. “O Comunismo prepara o mundo para o Evangelho”, escreveu ele, Foi como já argumentamos, “Os Sovietes estão realizando, no terreno da economia aplicada, os fundamentos da sociologia avançada do Evangelho” (pág. 181).
O eloquente escritor demonstra que “materialistas não são os marxistas”. “Materialista é a suntuosa Igreja de Roma”, e, consequentemente dizemos nós, são também os espíritas que pregam o neutralismo, uma antítese das leis da energia, do movimento e da evolução, e a defendem, por uma falsa ideia da matéria e do espírito, desunindo-os intempestivamente para fazer do homem um autômato!
A leitura da obra de Aníbal Vaz de Meio entusiasma o leitor, pela grandeza que ele soube emprestar à personalidade de Jesus, transformado em militante do humanismo e da espiritualização da Humanidade.
Ao passo que o ensino apregoado pela Federação Es- pinta Brasileira é presunçoso, sectário, místico, involutivo.
Veja-se, por exemplo (V., Leopoldo, note que argumentamos com os fatos), esta tirada, em “Reformador”, julho de 1947, do fluente Ismael Braga, sob o pseudônimo de Cristiano Agarido (dizem que Herédia de Sá preferia a qualidade à quantidade da produção literária, motivo por que só elaborou, de verdade, um livro de poesias, e é o que a Editora da Federação devia imitar: produzir pouco, porém bom, e não essa prolífera “literatura medianímica”, que, em regra, só tem fraseologia oca, que não nos orienta no conhecimento prático da vida de relação). Anunciou o ardoroso espírita que “nenhum valor teria qualquer decisão, ainda com unanimidade de votos,
Essas decisões pecariam pela base, – assinala o comentarista – porque o Espiritismo é sempre dirigido pelos Espíritos e não pelos homens. Mas, como vimos, não é esse o caminho da realidade: O Espiritismo foi uma revelação de espíritos, para nos preparar a felicidade com uma filosofia consoladora, diante do fenômeno da morte e nos ensinar que o Espírito “é uma das forças da Natureza”, força que se manifesta encarnada e desencarnadamente. Daí, por que “o Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente”. Assim, “o Espiritismo é o estudo das leis do princípio espiritual”, e “á Ciência – o das leis do princípio material” (Gênesis, cit., n. 16).
Mas, como o Espiritismo reconhece o monismo universal ou a “unidade da Natureza” (resp. 540 e 607, e Introd. Liv. Esp.), pode-se dizer, por isso, que a Ciência é uma só, e, pois, o Espiritismo é ciência e só ciência, ainda que sob terminologias diversas.
A vida planetária, ou a obra da civilização, é trabalho dos homens e não dos Espíritos, que, apenas, influem nos nossos destinos, excepcionalmente, em determinadas circunstâncias.
Não fosse assim, desapareceria praticamente a teoria do livre arbítrio, consagrada pela doutrina espírita. E, todas as vezes que os governos se sentissem em dificuldade, invocariam os “guias protetores” da Nação.
No entanto, os estadistas da U. R. S. S. dispensaram a religião na sua obra construtiva, que é a mais monumental da História, e que fez do povo soviético o mais instruído do mundo.
Se os Espíritos, amigos da paz, determinassem a orientação da história, certamente já teriam suprimido as guerras.
Por que é que o “Guia Ismael”, da Federação Espírita Brasileira, não traçou, ainda, uma diretriz sociológica para o Brasil? Pelo contrário as recomendações políticas em que se inspira o “Reformador”, revista da Federação, nos encaminham sempre para o amofinamento e o misticismo, como se vê da nota “A situação política”, outubro, 1945,na qual o conselheiro Emmanuel nos apresenta como “provação” a tarefa política, porque a missão do espírita “é consolar e instruir em Jesus” e “não trocá-la por um lugar no banquete dos Estados”, em que “todas as organizações do mundo são passageiras, em face da necessidade da renovação” (linguagem inconsequente e confusa) “de todas as fórmulas do homem na lei do progresso universal, depreendendo-se daí” (nova confusão logomáquica) “que a verdadeira construção da felicidade geral só será efetiva com bases legítimas no espírito das criaturas”.
Em síntese, o conselho é pelo afastamento da Política, porque só nos integramos na lei do processo, se construirmos a felicidade geral na base do espírito das criaturas. Quem é que entende esse galimatias?
E V. ainda a repetir que “o Espiritismo não precisa de isto, porque resolve tudo”!
São essas coisas, deseducativas e frívolas, que arrastam os espíritas ao ridículo.
Ismael Braga, de uma feita, condenou o materialismo do Comunismo, porque era intolerante, não permitindo a disseminação da doutrina espírita na União Soviética.
Não é verdade. Todas as religiões vivem à vontade, ali. O que se não permite é a intromissão indevida dos sacerdotes, como sacerdotes, na política. Nem seria lícito que as associações religiosas fossem pregar ideias antidemocráticas e antipedagógicas, capazes de criar o apoliticismo, o mussulmanismo e a indiferença do cidadão, ante quaisquer explorações contra os direitos do povo.(6)
E são, infelizmente, essas ideias reacionárias o que a Federação Espírita Brasileira prega. Tanto assim que, de seu seio, não se levantou ainda um protesto contra o despotismo do governo português fechando as sedes das associações espíritas de Portugal!
O “Reformador”, que Augusto Elias da Silva, em 1883, considerou um “órgão evolucionista”, passou a ser, em 1954, órgão “involucionista”, ao se denominar “mensário religioso de Espiritismo Cristão”. Essa obra de Augusto Elias da Silva; português, “caráter rígido e sempre disposto a defender os oprimidos”, na frase do seu biógrafo (homenagem do “Reformador”, de janeiro deste ano), involuiu, de fato, com o simples cotejo das atitudes de ontem e de hoje.
“Afrontando o reacionarismo, então dominante, esta folha, desde os seus primórdios, se bateu pela emancipação dos escravos e pela autonomia do Distrito Federal, afirmando, várias vezes, NÃO SER DIGNO DO NOME DE ESPIRITA QUEM QUER QUE POSSUÍSSE CRIATURAS HUMANAS SOB O REGIME DA ESCRAVIDÃO”.
São palavras de entusiasmo com que o Reformador, de janeiro, deste ano, evocou a memória do iluminado Augusto Elias da Silva.
Hoje, a Federação, negou-se a assinar um memorial, em 1945 (mais ou menos nessa época), dirigido aos constituintes, contra o casamento religioso e pela laicidade do ensino, porque – alegação de seu presidente Guilion Ribeiro – não adiantava, no caso, a intervenção dos homens: “se os padres teriam ainda de dominar no Brasil, era porque assim Deus o queria”
Hoje, ainda, a Federação, sob um falso fundamento de “neutralidade”, não se move, em face do perigo de uma ESCRAVIDÃO maior, como já evidenciamos, qual a da ameaça do novo imperialismo norte-americano. E vai ao ponto de equiparar à “agitação partidária” ou “facciosa”, contrária à “ordem social”, os movimentos reivindicatórios do Brasil, como os da luta dos “Partidários da Paz” e da “Liga de Emancipação Nacional”. E os equipara – é bom relevar essa falta de cultura geral e evangélica – a movimentos subversivos, porque colhera a informação mendaz, na indústria de publicidade dos mesmos escravizadores imperialistas!!
Ontem, a 23 de dezembro de 1889, era a Federação Espírita Brasileira, que, por unanimidade de votos, enviava ao Governo Provisório Brasileiro, uma mensagem de congratulações pelo advento da República, com a assinatura dos Drs. Dias da Cruz, Pinheiro Guedes, Augusto Elias da Silva e outros. Assunto puramente político.
E agora? A doutrina é a do silêncio, a do abstencionismo da vida sócio-política, porque os “esfloramentos” mensais do Evangelho, pela voz do Além, de Emmanuel que ainda conserva ideias dos tempos de Roma, aconselha a prioridade das atividades do homem no campo do misticismo, por ser o roteiro da nossa salvação.
Entre parêntese: não vá V., imitando o costume de dirigentes da Federação para com os adversários, envolver-nos entre as vítimas dos “obsessores”, como pretendeu envolver Elmira Lima, que, dentre outras coisas lhe chamou, aliás sem razão, “papa do Espiritismo” (pág. 148, “Caravana”). Não duvidamos ser vítima deles, mas, na espécie, V. há de verificar que não estamos falando dogmaticamente mas combatendo o dogmatismo de espíritas no seio da veneranda Federação Espírita Brasileira.
Mas, voltando, de novo, ao caso do juíz de Minas, absolvendo o “ladrão”, queremos completar o nosso raciocínio.
Sem o estudo da ciência materialista do Marxismo, não poderemos julgar esse simplicíssimo e vulgar incidente da vida diária social. A guisa de um microscópio vê-se, pela lente do Marxismo, que a pessoa do “ladrão” desaparece, por completo, diante do volume da ladroagem em geral. E isso nos leva a não qualificar também de “ladrão” o patrão ou empregador, porque a vontade humana, sociologicamente falando, é um reflexo do sistema de relações econômicas.
Portanto, aplicar a ciência marxista, fora do âmbito religioso, como deve sê-lo (V, resp, 793 Liv, Esp.), ao desenvolvimento da sociedade, é estar servindo à causa da nossa espiritualização, que começa pela arte de instruir a inteligência nas realidades da vida de relação, e não num sistema de moral subjetiva, que apouca, desfibra e atrasa o esforço do Conhecimento.
E nem se diga que o ato de juiz de Minas Gerais ferisse dispositivos da doutrina cristã, que, como dissemos, não repele as ideias progressistas do Marxismo, conforme se observa deste passo do Livro dos Espíritos. resp. 808:
“Busca a fonte de tal riqueza e verás se é sempre pura. Sabes, porventura, se não se originou de uma ESPOLIAÇÃO ou de uma INJUSTIÇA?”
Esse exemplo da “apropriação indevida” do empregado e outros muitos (greve, carestia da vida, roubos, furtos, misérias, assassínios, degradação sexual, etc., etc.) formam uma cadeia de fenômenos sociais, cuja etiologia não compreenderemos através das simples leituras dos livros de Kardec, que. alias, reconheceu que “o Livro dos Espíritos não esgotou a série das questões de moral e filosofia” (Liv. Med., 343). Donde, ser necessária uma nova reforma do cristianismo na base dos novos progressos da Ciência.
Dai, a ideia de uma Convenção nacional a que já nos referimos.
Como já dissemos, João Mangabeira, no seu eloquente discurso de paraninfo da turma de bacharéis de direito, da Bahia, em 1944, sobre o conceito da Democracia, mencionou este “profundo pensamento de Rui Barbosa”: “Todas as coisas mudam sempre sobre uma base que não muda nunca”. Assim, as Democracias mudam sobre a base imutável da maioria de votos livres. Qual a base, que relativamente não muda, do Marxismo? É a base econômica. Toda a superestrutura social é uma consequência da infra-estrutura econômica. A produção, abrangendo as forças produtivas da sociedade e as relações de produção entre os homens, estereotipa a natureza moral da sociedade, através de suas ideias, suas teorias e instituições. A história dos povos é a história da sua produção, é a história das massas trabalhadoras. E o progresso que daí resulta é um efeito da transformação das forças produtivas e consequente mudança das relações de produção. E essa mudança, por sua vez, determina novos modos de pensar, novas relações sociais, que infletem, outro tanto sobre a natureza das forças produtivas, por uma lei de reciprocidade natural.
Foi o que fez Engels dizer:
“A produção econômica e a estruturação social, que dela se deriva necessariamente em cada época histórica, constitui a base sobre a qual repousa a história política e intelectual dessa época”.
Numa fórmula ainda mais sintética escreveu Stálin: “Conforme vive o homem, assim pensa ele” (Hist. do P. C. da URSS, pág. 167 e 176).
Dissemos que a base é imutável, relativamente, porque, em verdade, pela própria lei do movimento universal, nada é imutável. Imutável, sim, mas durante certo ciclo da história, quando se alcança o equilíbrio, imposto pela mudança revolucionária do antigo sistema de economia social. Isto quer dizer que, pela filosofia do Marxismo, “a única coisa imutável é a abstração do movimento” (Idem).
Mas, como se depreende desta pequena exposição (em que receamos claudicar, porque o Marxismo é uma coisa muito séria, uma árvore imensa, de que procuramos tirar apenas umas folhas, para mostrar a cor de sua vivacidade), o Materialismo histórico é uma doutrina, em função da espiritualidade: não faz da economia o fim da sua jornada. Pelo contrário: condena o materialismo vulgar, o utilitarismo, o sensualismo, que esses, sim, pela doutrina espírita, é que são os inimigos da espiritualidade; porque pervertem as relações fraternais e aguçam as setas do egoísmo.
É por isso que os comunistas combatem a poligamia e a restrição à natalidade, porque entendem que as leis da progresso saberão criar, necessariamente, novas condições de vida, eliminatórias dos receios da superpopulação.
“A educação da moral comunista, doutrinou o escritor soviético V. Kolbanovsky, está dirigida para a criação de relações entre os homens, baseadas nos princípios do humanismo socialista”. “As ideias de auxílio mútuo, de amizade sincera, das relações fraternais, e do profundo respeito pela dignidade da personalidade humana, devem tornar-se características de todos os operários” (Rev. Divulgação Marxista, v. 14).
E, para combater os males do egoísmo, os marxistas reclamam a queda da velha e caduca sociedade capitalista como a responsável por tais males.
“A aniquilação da propriedade privada dos meios de produção, a libertação do trabalho da exploração, são as bases seguras do futuro desenvolvimento progressivo da moral comunista, da libertação dos homens de todas e quaisquer sobrevivências de bestialidade que, durante séculos, eram apoiadas, cultivadas e fortalecidas, nos homens, pela sociedade exploradora” (Idem).
Está vendo, pois, V., nosso caro Leopoldo, que o chamado “comunismo ateu” é uma exploração da indústria anticomunista, porque a liberdade natural do pensamento (liberdade para explorar o próximo não é liberdade, os exploradores são liberticidas) é inerente à moral comunista.
É bem verdade que há comunistas presunçosos, da espécie dos radicais e ortodoxos. Mas, como já revelamos, Marx repelia a qualidade de marxista, para que, assim, nós só respeitássemos as leis naturais do desenvolvimento da sociedade, leis que variam. Por isso, o Marxismo pode sustentar um princípio, em determinada época passada, mas, hoje, o desaceitar.
Recomendamos-lhe, a propósito, a leitura do opúsculo “Problemas econômicos do socialismo na URSS”, um livro formidável, de menos de cem páginas, de Stálin, que era estadista e escritor.
Em resumo: a moral comunista, como ela é, independentemente dos princípios filosóficos do Marxismo sobre a Natureza, está dentro da moral espírita ou cristã.
A moral espírita não pode renegá-la, sob pena de contradizer os fundamentos da criação da Humanidade e dos direitos humanos, fundamentos esses consagrados pela essência da doutrina espírita.
A recíproca, porém, não se verifica, – e, aqui, é que começa a disparidade –, isto é, a moral comunista não abrange a moral espírita, por causa das diferenças filosóficas sobre a concepção da matéria e do espírito, em relação ao imortalismo.
O Comunismo não é filosofia. A filosofia é do Marxismo, que tenta explicar os fenômenos da Natureza por um prisma materialista, com exclusão do espírito autônomo, cuja existência ela não admite. Por isso, é evidente que se distinguem o Comunismo – uma instituição social, provinda de desenvolvimento da História – e o Marxismo, que é o estatuto das leis, estudadas, desse desenvolvimento.
Como o estatuto, de qualquer modo, é uma sistemática da inteligência humana, não é de admirar que ela falhe na explicação de vários fenômenos.
Se a base fundamental do Marxismo é a segurança da personalidade humana – razão da solução econômica –, a base imutável da filosofia espírita-cristã repousa na imortalidade do espírito, razão por que “o Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual” (Gênesis, cap. 1, n. 16), sem, contudo, desprezar os objetivos do princípio material, e, pois, concorda com as verdades do Marxismo.
“O elemento material e o espiritual sã as duas forças vivas da Natureza” (Kardec). “Pela união indissolúvel deles, facilmente se explica uma multidão de fatos até então inexplicáveis.”
A filosofia do Materialismo dialético, porém, reconhece a indissolubilidade, não pelo dualismo, mas pelo monismo, da Natureza material. A inteligência, o espírito, o pensamento, tudo não passa de manifestações ou reflexo do corpo.
Quer dizer: a morte é o túmulo da nossa felicidade. E éai que a moral espírita leva vantagem à moral marxista.
“A evolução – desenvolvimento dialético – não se detém, nem mesmo no regime socialista. Ao coletivizar a produção, ao resolver as contradições sociais, ao elevar a cultura, o regime socialista vai destruindo as classes sociais, e, entre elas, o próprio proletariado como classe, criando as premissas para uma sociedade sem classes, a sociedade comunista, em que todos serão igualmente trabalhadores, sem distinção de manuais ou intelectuais. Terminará, aí, o processo histórico? Não. Terminarão, sim, as lutas de classe, com o desaparecimento das mesmas, mas perdurarão as contradições. Forças humanas e forças naturais, ignorância e Ciência, paixões e raciocínio, etc., continuarão provocando, já agora, numa evolução pacifica, novos e maiores progressos”
São palavras de Harari em “Estudo do Marxismo”.
Como se vê, o Comunismo não completa a felicidade, porque não expungirá as paixões deste mundo. Assim como um lar faminto é um lar sem paz, assim também um lar ferido pela morte é um lar sem paz espiritual. O Comunismo nutre a paz social, mas não nos preserva das dores que a morte de entes queridos nos causa. Essa paz de espírito, entretanto, o Espiritismo no-la, outorga, porque, para ele, a morte não é o termo final da vida, mas uma ressurreição. Por isso, ele é realmente, a doutrina moral consoladora por excelência.
Uma vez que, pelo Marxismo, o espírito autônomo éuma quimera, o homem – que esse éque éo espírito, para os marxistas – não tem limites àsua liberdade moral, senão os opostos pela igual liberdade de terceiros ou da sociedade.
Quer dizer: o homem não responde por seus desvios da natureza, por suas paixões, por seus crimes, se tais atos se exercerem, sem o conhecimento de alguém. E, dessa forma, ficariam sempre impunes as nossas maquinações infernais, animadas pela certeza da sua irresponsabilidade.
Pela doutrina espírita, não. Ela, além de alimentar o nosso dever cívico para com a Pátria e os direitos humanos (ou digamos: – “dever do respeito aos princípios da moral comunista”), condensa mais ainda, na consciência de cada ser, o sentimento da sua responsabilidade perante o espírito imortal, o que será o mesmo que dizer – “perante Deus”, não o Deus pessoal da mitologia, mas um Deus, que não poderemos definir, mas que sentimos, por força da lei de causalidade: todo efeito tem uma causa. Se o fenômeno espírita revela um efeito inteligente, certo é que existe uma correspondente causa inteligente na história, ou na evolução, ou, como queiram, na dialética da Natureza.
Essa convicção humana no poder das forças do espírito imperecível, perante o qual prestaremos as contas dos nossos erros, sejam eles vistos, ou não, por outrem, ou definitivamente encobertos da sociedade, purifica muito mais a mente humana, e embeleza muito mais o sentido da fraternidade do que a moral materialista do Marxismo.
Eis como podemos, salvo melhor juízo, mostrar as vantagens da moral espírita sobre a moral marxista.
É bem verdade que Lênin admite a purificação espiritual do homem pela convivência da paz social do Comunismo.
A convivência criará uma segunda natureza moral, pelo hábito, em face do que as paixões, a que nos referimos, se extinguirão naturalmente.
Em primeiro lugar, a tese depende de confirmação, pois o mundo ainda não conhece o regime do Comunismo.
Em segundo lugar, existe o fenômeno da morte que o Comunismo não impede.
Em terceiro lugar, mal algum traz à sociedade a crença espírita (nos termos em que ela deve ser colocada, sem crendices, nem religiosismo), desde quando ela, como o espírito do verdadeiro cristianismo, aceita o regime comunista ou qualquer regime de cooperação fraternal entre os povos.
Parece que, diante do exposto, situamos, nos seus devidos lugares, os problemas do materialismo científico e do Espiritismo ou neo-espiritualismo (ou Espiritologia, ou Escatologia, como escreveu o citado Mac Maynard – “O Espiritismo tornou a Escatologia dos teólogos numa ciência positiva”).
O Marxismo não é dogmático, e, pois, não pode, aprioristicamente, arredar do estudo os fenômenos espíritas. Engels, em “Dialética da Natureza” os fulminou, por ilusórios.
Mas, está documentadamente provado que eles existem.
Resta, pois, à Ciência materialista ortodoxa demonstrar que o fenômeno não se relaciona com a existência do Espírito, por ser um produto exclusivo do pensamento cerebral do homem. A teoria de Pavlov não basta ainda.
Como o Espiritismo também não é dogmático. (Ob. Póst. pág. 245), não poderão os espíritas tolher a liberdade dos cientistas, como pregam certos centros espíritas, negando suas sedes à discussão de temas, que não importem na aceitação do Espiritismo.
Para evitar esse carrancismo foi que, ao elaborar os estatutos de um “Centro de Cultura Espírita”, de Ilhéus, consignamos este parágrafo:
“De acordo com o lema cristão – “instrui-vos e amai-vos” – a sede da sociedade, a critério da diretoria, pode ser facultada a conferências e debates sobre temas sociológicos, relacionados com a filosofia espírita, ou com a cultura em geral”.
Em suma: – confirmamos a nossa carta, por seus fundamentos objetivos. Confirmamos nosso parecer sobre as virtudes pessoais de Leopoldo Machado, e os seus serviços àcausa espírita.
Discordamos, porém, da sua orientação doutrinária, pelo modo por que supõe unificar o Espiritismo. Nem a transcrição, que fez, em “A Caravana da Fraternidade”, da nossa carta a Julio de Abreu, o favorece, para, assim se deduzir uma nossa contradição. Aliás, não sentimos nenhum constrangimento em desdizer-nos, porque costumamos nos submeter às razões justas de uma crítica fundamentada. Pensamos, de fato, que o Conselho Nacional da Federação poderia provocar uma reforma do Espiritismo, como V. a prevê no final do seu “A Caravana da Fraternidade”.
Mas, se o Conselho persistir no mesmo conservadorismo apático e religioso da Federação, é claro que quem com a razão estava era Sousa do Prado, que nos sugeriu uma nova organização, não para “combater” a Federação, propriamente, mas para defender o sentido realístico, sociológico e evolutivo da doutrina. E isso está certo, em face das razões desta carta e da nossa anterior ao amigo.
Não se compreende uma unificação com o exclusivismo adotado pela Federação, embora, nisso, não haja interesse pessoal dos seus ilustres diretores, senão uma compreensão com que muitos confrades não combinam. Nesse caso, a não haver acordo, cada dissidência respeite a liberdade alheia, porque, no fim de tudo, vencerá a verdade mesma, ainda que, na luta, transcorram séculos, que nada são diante da eternidade da vida.
Mas, o princípio unificador deveria começar pelo uso comum da sede da Federação. Todas as correntes espíritas, Inclusive a “Sociedade Medicina e Espiritismo”, deveriam gozar da faculdade de fazer da Federação a sede de suas palestras e de sua atividade. O prédio, assim, se constituiria em prédio do Espiritismo, no Brasil.
Eis o que tínhamos a dizer sobre a sua resposta à nossa carta de 2 de Setembro de 1953, e sobre o seu livro “A Caravana da Fraternidade”, que lemos com prazer.
E para que V. não repita que depreciamos o Espiritismo, em relação ao Comunismo, terminamos esta com as mesmas palavras da carta anterior: — “Não falei, dogmaticamente, nem procurei argumentos, com raízes em minha cabeça, o que seria despautério, mas NO ESPÍRITO DA DOUTRINA ESPIRITA, QUE ESTA ACIMA DE TODOS NÓS”.
EUSÍNIO LAVIGNE
Notas de Rodapé:
(1) Veja Capitulo VI. (retornar ao texto)
(2) “Estudos Psíquicos”, de Portugal, junho de 1955, transcreveu, de “Unificação”, Estado de S. Paulo, um artigo de J. Herculano Pires, sob o título “O método espírita de Kardec conduzirá o mundo à verdadeira Religião”, O articulista, cujas produções revelam uma inteligência superior, sustentou com lógica e brilho, a tese que objetivou o nosso pensamento supra. (retornar ao texto)
(3) Do discurso pronunciado pelo prof. Josué de Castro, presidente da F. A. O., na reunião do Conselho Mundial da Paz, em 18-23 de novembro de 1954, em Estocolmo, transcrevemos este tópico: “É difícil obter a Paz universal sem a unidade do mundo. Não se alcançará jamais uma paz estável num mundo dividido entre a abundância e a miséria, entre o luxo e a pobreza, entre o esbanjamento e a fome. É absolutamente necessário terminar com esta tremenda desigualdade social”. (retornar ao texto)
(4) Todo partido, ou instituição que se forma, sob “a proteção de Deus”, ou “para defender Deus”, ou “sob a bandeira da religião cristã”, transgride a própria doutrina do Cristo, em face da qual compete ao nosso livre arbítrio a responsabilidade dos nossos atos. Se Deus concordasse, direta ou Indiretamente, com tais auxílios, homologaria as composições de privilégios, tão comuns entre os homens – o que iria contra os direitos de igualdade, de liberdade e de fraternidade, princípios substanciais da Justiça Imortal, e que Deus é o Espírito inviolável. (retornar ao texto)
(5) “Revelação”, quando muito, cria hipótese, para estudo confirmativo, mas nunca, por si só, uma verdade científica. Está no caso a “revelação” de Roustaing. Do contrário, teríamos de acre ditar, igualmente, na obra “A vida de Jesus, ditada por ele mesmo” em 1885, através de uma médium francesa. Essa obra foi traduzida, também medianimicamente, pelo Dr. Ovídio Ribaudi, e mereceu os mais calorosos elogios de personalidades espíritas, inclusive da “Sociedade Magnetológica do Paraguai”, da “Sociedade Científica de Estudos Psíquicos” e do “Instituto Metapsíquico, de Buenos Aires.
Essa obra indica a genealogia humana de Jesus, mas o autor foi sincero e lógico, ao declarar: “Se bem que não se trata de um trabalho científico, a direção da Revista julgou conveniente publicá-lo, à vista dos juízos unanimemente favoráveis que, de todas as partes lhe chegam, a respeito da obra, cuja origem medianímica, por outro lado, lhe empresta feição especial, que não se encontra em nenhuma outra história da vida de Jesus” (Vide: O Ribaudi — “Vida de Jesus dictada por el mismo”, 1O.ª ed. castelhana, Editorial Kier, Buenos Aires).
É o caso de perguntar: qual das duas medianimidades, a verdadeira? Ambos os ditados contam com outras manifestações favoráveis, mas com o mesmo gênero de “prova” — as “revelações”... Portanto, até o momento, a personalidade fluídica de Jesus é uma questão de fé religiosa, porque não gerou uma convicção científica, numa BASE DE FATOS, sobre os quais se ergue a filosofia espírita, segundo Kardec, (Vide artigo, bem lançado, de J. Herculano Pires, retro citado). (retornar ao texto)
(6) O cineasta Alberto Cavalcanti esteve na União Soviética, e, em entrevista concedida a “Encontro” (N.° 1), de Recife e, declarou que, ali, “a liberdade religiosa é a mais completa”.
Da mesma forma que Olímpio Guilherme, em “URSS & USA), reconhece a dificuldade do ocidental em julgar a União Soviética, que “é um mundo à parte”, “único país que conseguiu transformar, de alto a baixo, toda a estrutura social, econômica e Política, sobre a qual se assenta a existência de um povo” (páginas 225-226) assim também Alberto Cavalcanti se sentiu tão impressionado com a viagem, que não duvidou da estranheza que suas palavras causariam a certos brasileiros. – “Mas, quando se chega lá, ACONTECE uma modificação na gente, fica-se impregnado de uma espécie de pureza, de grandeza, não sei direito o que é. Alguma coisa se modifica por dentro. Eu estou pensando na caçoada que estes bestalhões anti-comunistas farão, se lerem isto, que estou lhe dizendo, mas acredite que a gente se sente outra pessoa”. (retornar ao texto)
(7) Morais Silva, em seu Dicionário da Língua Portuguesa, publicado em Lisboa, em 1813, ou seja: cinco anos antes do nascimento de Carlos Marx, já ensinava: “MATERIALISTA, s. c. Pessoa, que diz que no Universo não há senão matéria, e nenhum ente espiritual, nem Deus mesmo”. (retornar ao texto)
(8) “Lavoisier, en pesant les corps mis en présence dans ses diverses expériences, demonstra que les reactions chimiques sont impuissantes à rien créer, ni à rien détruire. Cette loi signifie que Ia quantité de matiêre QUI SE TROUVE DANS LE MONDE est invariable”. (E. Bouant, “LA CHIMIE des Écoles Normales d’Instituteurs et du Brevet Supérieur”, Eug. Delalain, Edit., Paris, 1905, pag. 8). Para quem ainda saiba menos que nós, isso, que aí fica, devidamente trocado em miúdos, quer dizer: “Lavoisier, pesando os corpos de que se serviu em suas diversas experiências, demonstrou que as reações químicas são impotentes para criar ou destruir seja o que for. Essa lei significa que a quantidade de matéria QUE SE ENCONTRA NO MUNDO é invariável. (retornar ao texto)
Notas complementares:
(Nota Complementar nº 3 - Nótula N6) Quem conhecer a vida de Luís Carlos Prestes há de entronizá-lo, também, entre os grandes da Humanidade, na luta pela redenção dos povos.
Na inquebrantabilidade do caráter, ninguém o excede: sendo, mesmo, a esse respeito, a maior glória do Brasil, pela sua tenacidade heroica na defesa da nossa soberania, e da grandeza do povo brasileiro. E, ainda agora, na clandestinidade, sob a perseguição policial, orienta o movimento libertador contra o imperialismo norte-americano.
Sacrificou, por seu amor aos princípios humanísticos, todos os seus interesses pessoais, como as perspectivas sedutoras que uma brilhante carreira lhe abria no nosso mundo oficial — a ele, que se revelara o mais distinto aluno da Escola Militar.
Poucos homens suportariam os castigos físicos e morais, por que ele, em nove anos de prisão política, atravessara.
Privado, no cárcere, de falar e de ler, e com a infelicidade de ser testemunha de torturas políticas, como as infligidas ao alemão Berger, — Luís Carlos Prestes nunca se amedrontou, nem fraquejou nas suas atitudes e convicções.
É de assombrar essa sua resistência moral, que o salvou do despenhadeiro da loucura, tão comum em situações análogas.
Com a força de sua consciência no poder imperecível da Justiça e da Verdade, ele, na prisão, incomunicável, aparelhou sua própria defesa mental, bi-personalizando-se, em diálogos, de si para si, sobre problemas do Conhecimento.
Convenhamos que só um homem dotado de excepcionais virtudes de espírito é capaz, nessas condições, de conservar intacta a fibra do lutador intemerato e destemido. (retornar ao texto)
(Nota Complementar nº 4 - Nótula N 12) (Nota Complementar nº 4 - Nótula N 12) A tal respeito, vem a propósito transcrever aqui as seguintes claras comunicações, de págs. 225 e 226 de “Os Espíritas e as questões sociais”, de nossa autoria, em colaboração com Sousa do Prado, ditadas por Manuele pelo próprio Kardec, em que não se notam os imbróglios que costumam caracterizar as de Emmanuel:
Meu amigo: Tens razão nos teus reparos (a respeito de certas contradições, que se notam entre o “Evangelho segundo o Espiritismo” e outros livros de Allan Kardec). Mas..., se a obra de Allan Kardec fosse absolutamente perfeita, é que ele seria o próprio Deus em pessoa, porquanto a perfeição absoluta só a Deus pertence. O erro é a principal característica de todas as obras humanas, ou se trate de encarnados ou de desencarnados de certa categoria; e esse iluminado espírito, que conheceis como Allan Kardec, se não tivesse errado não teria sido homem. Levaria tempo a explicar-te os motivos que o fizeram interessar-se pelo comentário dos Evangelhos, embora tratando somente das máximas morais, que, a seu ver, não dariam margem a controvérsias. O que é importante saber-se, e a tal respeito não há nenhuma dúvida, é que o ponto fraco de sua obra foi ter cogitado do citado comentário evangélico. Os Evangelhos, como muito bem sabes, assim, como os restantes livros que compõem as Sagradas Escrituras, ou seja, a BIBLIA, não têm nenhuma característica de autenticidade, nem poderiam tê-la, mesmo que não levássemos em conta os erros de tradução, as alterações e interpolações que lhes têm feito. É claro que qualquer espírito, encarnado ou desencarnado, só poderá explicar absurdos com outros absurdos, ou com sofismas. Por isso mesmo é que o valor da obra de Roustaing é muito duvidoso. Eis porque há contradições entre o “Evangelho segundo o Espiritismo” e os restantes livros de Allan Kardec. Vê se podes seguir, o mais possível, este conselho: abstém-te, sempre que possas, de citar passagens evangélicas, que o bom-senso e a lógica repilam; e não esqueças nunca: o código dessa luminosa doutrina, que é o Espiritismo, é O LIVRO DOS ESPÍRITOS, no qual — apesar de uma ou outra contradição e incongruência, modificáveis pelo tempo, pelo progresso e pela evolução, como sucede com qualquer outra ciência — se encontram as lições sensatas dos mais adiantados Espíritos que se podem comunicar com esse mundo.
Manuel
Ouçamos, agora, a confirmação dessa comunicação, dada pelo próprio Kardec, no Centro Cristão-Espírita, de Lérida Espanha), que se encontra no livro “Roma e o Evangelho”, de José Amigó y Pellicer, traduzido por Bezerra de Menezes e editado pela Federação Espírita Brasileira, e que Sousa do Prado transcreveu naquele nosso livro:
Vosso livro (“Roma e o Evangelho”) não é um trabalho perfeito, mas sim de grande utilidade; mais útil para o povo que alguns dos meus livros, que convirá reformar. (retornar ao texto)
(Nota Complementar nº 5 - Nótula 5c) Em suas lúcidas dissertações sobre espírito e matéria, materialismo e “materialismo”, constantes do livro “Os Espíritas e as Questões Sociais”, de nossa autoria — dele e nossa —, Sousa do Prado, respondendo a um materialista desses que confundem o materialismo de Marx com o materialismo vulgar, interpretou o conceito de Lavoisier, sobre a transformação da matéria, deste modo singular:
A verdade é que, no sentido de admitir que tudo é matéria, também nós, os espiritistas esclarecidos, somos materialistas, porque admitimos que o espírito, e até o próprio Criador, se compõe da quinta-essência da matéria; mas, não é disso que se trata, em nossa troca de ideias. Do que se trata é do materialismo vulgar antônimo de Espiritualismo, dos que, desde antes do Marxismo(7) não admitem a existência do espírito, nem a sua sobrevivência.................................................................. E, para esses, a vida começa no berço e acaba na sepultura. Aliás, parece-nos que, para o próprio Marxismo, a inteligência, ou seja: o espírito é uma manifestação do cérebro, função da matéria, e, portanto, morre com o corpo, o que quer dizer que a vida propriamente dita, ou seja: a existência humanacomeça no berço e acaba no túmulo. A matéria de que o corpo do individuo se compunha, como tudo o resto, transforma-se, depois; mas, tanto se pode transformarem outros indivíduos, como em batatas ou nabiças, que irão alimentar outros indivíduos, transformando-se, depois, em outras coisas, visto que a transformaçãoé contínua...
O que Lavoisier afirmou —. que “não é espiritualístico”, como escreveu o nosso opositor, nem também materialístico... — foi que “nada se cria, nem nada se perde; tudo se transforma” (L. Troost, Abrégé de Chimie); mas, esse princípio fundamental da química refere-se à matéria já criada, existente no mundo material propriamente dito(8), em que o espírito — apesar de matéria, segundo o conceito espiritista, acima referido — não se transforma, progride, dado o seu caráter de individualidade indestrutível. Mesmo porque os Espíritos não são matéria já existente no mundo, nem nele permanecem, transformando-se; muitos deles veem de planetas mais atrasados, e tantos outros, já demasiadamente evolvidos para permanecer na Terra, vão reencarnar em planetas mais adiantados, não se transformando, mas progredindo sempre, sem se modificar na sua essência... (retornar ao texto)
Inclusão | 15/08/2018 |