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Primeira Edição: Hunger-Inflation em www.exit-online.org. Publicado em “Neues Deutschland”, 30.05.2011
Fonte: http://obeco-online.org/robertkurz.htm
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Era do conhecimento geral que os enormes pacotes de resgate e programas de estímulo económico, após o desabar da crise de 2009, continham um potencial inflacionário, que deveria ser descarregado após um período de transição. De facto, a inflação está em ascensão em todo o mundo — especialmente nos suportes do crescimento global China, Índia e Brasil, mas já também em certa medida na zona euro.
Há, no entanto, diferenças entre sectores de produção. Em toda a parte os preços dos alimentos sobem mais que os de outros bens. A taxa oficial de inflação na China é actualmente de 5 por cento; no sector alimentar atinge os 10 por cento, mas em termos reais estima-se em 19 por cento. Ainda pior é a alta dos preços dos alimentos básicos na Índia e em outras partes da Ásia, África e América Latina. Mesmo nos EUA e na UE, os aumentos dos preços da alimentação nos últimos meses está muito acima da taxa geral de inflação. Segundo dados da FAO, organização mundial para a alimentação, arroz, milho, trigo, carne, vegetais e mercearias estão em média geral mais caros de 30 por cento desde o início do ano.
Por que estão explodindo os preços dos alimentos? Aparentemente, cruzam-se aqui várias causas da lógica económica capitalista. Os programas públicos de estímulo económico e a inundação de dinheiro dos bancos centrais levaram a uma verdadeira desvalorização do dinheiro, que afecta todos os sectores. No caso dos bens alimentares acrescem factores especiais. Particularmente grave é o impacto do aumento da produção de biocombustíveis: sementes oleaginosas são transformadas em combustíveis e terras de cultivo são perdidas para o efeito. Simultaneamente subiram os preços da energia fóssil, aumentando assim o custo do diesel e dos fertilizantes na produção agrícola. Esse desenvolvimento intensificou-se porque os preços elevados do petróleo tornam mais atraente a conversão de produtos agrícolas em combustível. Finalmente, tal situação dos produtos agrícolas atrai o capital monetário móvel especulativo, que aposta no aumento dos preços, tornando este processo auto-alimentado.
O impacto social dos recordes de preços dos bens alimentares depende inteiramente de qual a parcela do rendimento que é gasta para comer e beber. A maioria das pessoas na Ásia, África e América Latina gastam entre 60 e 90 por cento do rendimento em alimentação. Na China, apesar do sucesso do crescimento, ainda chega aos 30 a 40 por cento. Na Europa, a proporção é de 5 a 10 por cento. Mas estes números estão a deteriorar-se dramaticamente em todas as partes do mundo. Na esteira da crise económica global não superada, a pobreza global tem se espalhado como fogo na pradaria, embora de forma desigual. Em muitas regiões mundiais os rendimentos de grandes massas da população caíram a um nível muito baixo. Agora, acresce o aumento dos preços precisamente dos alimentos básicos. Já em 2010 o Banco Mundial advertiu contra novos distúrbios alimentares. O crescimento insuportável do custo dos alimentos desempenha um papel importante nos levantamentos no mundo árabe. E Espanha mostra que algo de semelhante se prepara nos países em crise da zona euro. É certo que aqui ainda ninguém estará a passar fome, mas, dado o desemprego juvenil crescente, pode esgotar-se a paciência entre a geração capaz de lutar, quando muitos já não conseguem sequer pagar os bens e tecnologias culturais tornados naturais, porque os orçamentos estão em declínio e a simples alimentação fica cada vez mais cara.