A História como aporia
Teses preliminares para a discussão em torno da historicidade das relações de fetiche

Robert Kurz


1. A abordagem da teoria da história para além do marxismo tradicional


No âmbito da elaboração teórica da crítica do valor e da dissociação até hoje desenvolvida, tornou-se necessária uma discussão controversa sobre questões não esclarecidas da reflexão conceptual, para lá da crítica social tradicional. Aqui se inclui, não em último lugar, a questão do conceito de história ou da teoria da história. Uma nova teoria abrangente da crítica categorial da modernidade tem que suscitar também a historicidade do seu objecto, incluindo do seu próprio ponto de vista. A elaboração teórica primordial da crítica do valor ocupou-se em primeiro lugar sobretudo com o paradigma marxista da modernização. O resultado foi a percepção de que o marxismo do movimento operário e seus derivados assentavam num contexto de "modernização atrasada" e portanto tinham que falhar a crítica categorial da socialização pelo valor. Este conhecimento referia-se à história interna do sistema produtor de mercadorias moderno.

Com isto abriu-se, no entanto, um horizonte de teoria da história que vai mais longe. Na senda da nova crítica categorial das formas do moderno sistema produtor de mercadorias, transversais às classes, a história anterior no seu conjunto surge, já não como "história de lutas de classes", mas sim como "história de relações de fetiche". O conceito de fetiche de Marx, concebido para o carácter de metafísica real do modo de produção e de vida capitalista, como fetiche específico da mercadoria, do capital e do direito, pôde assim ser aplicado às formações históricas anteriores, como suplantação da teoria marxista da história, reduzida à sociologia e à teoria da dominação, sem descurar que se tratava de relações de fetiche, completamente diferentes em cada caso, cujo carácter próprio seria de investigar em primeiro lugar.

O materialismo da história de Marx (como reinterpretação ou "viragem [Umstülpung]", mas também como continuação da metafísica da história de Hegel), incluindo o conceito de uma "história de lutas de classes", representa deste ponto de vista autenticamente apenas uma transposição da moderna constituição capitalista na história. Uma "história de relações de fetiche", de acordo com o estado da nova elaboração teórica até agora, seria algo diferente: a saber, uma crítica da moderna filosofia da história, que vá para além de Marx, uma crítica da ideia da ascensão das formações históricas em progresso, em si coerente e ontologicamente ancorada, tal como ela foi exposta desde o iluminismo tardio como "história do desenvolvimento da humanidade". Este paradigma de filosofia da história descende da "viragem epistemológica" (Foucault) desde o fim do século XVIII, início do século XIX, foi sistematizado por Hegel e virado em materialismo da história por Marx, sem que este último tivesse abandonado o quadro desse paradigma então novo.

Adorno, que em termos de teoria da história não avançou ele próprio no sentido de uma "história de relações de fetiche", mas criticou inteiramente a metafísica da história fechada de Hegel, já sabia disto nas suas Lições sobre Filosofia da História de 1964/65. Aí diz ele que "… a escrita da história materialista dominante, oficial, mesmo a que está ligada ao nome de Marx e de todo o seu séquito, insere-se inteiramente no âmbito da escrita da história universal, que é apresentada em Hegel e se tem em muito boa conta, precisamente nesta unidade de concepção da história universal" (Adorno, Sobre as Lições da História e da Liberdade, Frankfurt/Main, pag. 132).

Foucault refere-se a seu modo a esta constelação em "As Palavras e as Coisas", contudo, não relaciona este conhecimento com o processo abrangente de imposição da sociedade do valor-dissociação, mas deixa-o como que a pairar no ar, no sentido de uma "produção da verdade" pelo respectivo discurso, ou então pelas práticas interactivas ou paradigmas epistémicos, sem referência, puramente contingente. Trata-se aqui de uma análise de meros "mecanismos", que abstrai da constituição da forma histórico-social e portanto fica truncada de modo positivista. Com isso Foucault regride para trás de Marx, pelo menos para trás do Marx "esotérico" e da sua crítica da abrangente metafísica moderna da mercadoria (para Foucault, tal como para a teoria pós-moderna ou pós-estruturalista, existe apenas o Marx "exotérico", que é subsumido sob a definição pejorativa de "economismo").

Mas, simultaneamente, Foucault deparou-se detalhadamente com um importante momento, qual seja a construção da "História" como aquele processo de desenvolvimento em ascensão, que surge apenas desde o fim do século XVIII, portanto em simultâneo com o começo do desenvolvimento do capitalismo "sobre os seus próprios fundamentos" (Marx), no contexto da industrialização capitalista. Apenas neste contexto se consuma a passagem de um conceito de tempo natural para um conceito de tempo histórico, ou a "desnaturalização e temporalização da história" (Kosseleck). É essencialmente a descoberta do "trabalho" como a base produtiva ou a essência do capital que, partindo de Ricardo, passando por Hegel e até Marx, produz o novo conceito de história: história, não como simples sequência temporal "do mundo", mas como história de formações sociais e intelectuais-culturais, ou "modos de produção" (materiais e ideais), com traços teleológicos. Foucault vê aqui uma nova episteme em acção, que ele contrapõe à do classicismo burguês dos séculos XVII e XVIII. Contudo, diferentemente de Foucault, haveria que decifrar este processo como o continuum da imposição da forma do valor (com a dissociação sexualmente conotada como reverso irreflectido), que a partir de um determinado grau de desenvolvimento impõe um tal conceito de história, incluindo uma teleologia afirmativa do trabalho abstracto, como metafísica da elevação e do progresso.

O novo conceito crítico de "história de relações de fetiche" corresponde, portanto, à crítica do conceito universalista de "trabalho", e está ligado à nova crítica do capitalismo da teoria do valor-dissociação. Uma reflexão sobre a teoria da história neste sentido está necessariamente incluída no programa global da crítica do valor-dissociação, porque esta nova crítica social abrangente, para lá do marxismo do movimento operário, carece também de uma nova fundamentação teórica, contra o tradicional materialismo histórico, portanto também de uma teoria da história própria. Aqui (como também sob todos os outros aspectos) é exigível, simultaneamente, uma crítica do programa pós-moderno de desarmamento teórico e de dissolução teórica. Um ir para além de Marx do ponto de vista da teoria da história implica, portanto, também uma crítica à deshistoricização e de certa maneira atomização da história em Foucault, em que desaparecem as formações de fetiche e a respectiva coerência interna (ver sobre este assunto o texto "A substância do capital", 1ª parte, Exit 1, pags. 44-49, particularmente pag. 46) [Versão portuguesa: A Substância do Capital, subtítulo "O Absoluto (Absolutheit) e a relatividade na História. Para a crítica da redução fenomenológica da teoria social"] e a partir daí qualquer conceito de teoria da história é negado por princípio.

Tal não significa que a reflexão de Foucault e o material por ele recolhido devam ser lançados fora em bloco; bem pelo contrário. Trata-se, sim, de integrar os novos conteúdos aprontados em Foucault (cuja teoria, ao contrário de outras posições ditas pós-estruturalistas, não se dissolve no pós-modernismo), contra o universalismo historico-filosófico do iluminismo e sobretudo contra a teleologia aí incluída, no novo campo da crítica da teoria do valor-dissociação, que toma como referência central o "outro" Marx, crítico do valor e do fetiche, e que vai mesmo para além dele. Isto vale precisamente para a reflexão da crítica da dissociação, cujo conteúdo de crítica do conhecimento seria de fazer valer também relativamente à teoria da história, para a suplantação do materialismo da história teleológico-universalista tradicional. Aqui, porém, trata-se de fazer uma diferenciação precisa, e não tomar de Foucault nada do que pertence precisamente apenas ao programa de desarmamento afirmativo pós-moderno, cuja história secreta consiste na adaptação da "ideologia alemã", elaborada filosoficamente na linha de Nietzsche e de Heidegger; tal e qual como de Marx não é de tomar nada do que corresponde precisamente apenas ao marxismo "exotérico" do movimento operário e seu entendimento positivista no contexto da "modernização atrasada".


Inclusão: 004/11/2020